Eleição e Predestinação Silvio Dutra DEZ/2015 A474e Alves, Silvio Dutra Eleição e predestinação/ Silvio Dutra Alves. Rio de Janeiro, 2015. 170p.; 14,8x21cm 1. Teologia. 2. Vida Cristã. 3. Amor. 4. Misericórdia. 5. Predestinação. I.Título. CDD 230 2 Deus não criou os homens para rejeitar qualquer deles, todavia, como criou todos com escolhem livre rejeitar arbítrio, Deus, e alguns é em decorrência disso que são rejeitados também por ele. 3 Sumário Introdução............................................................... . 5 A Causa da Eleição................................................ 9 É Possível Negar Biblicamente a Eleição e a Predestinação?................................................ 18 Eleição e Predestinação..................................... 26 Eleição pela Graça................................................ 40 O Conselho da Própria Vontade de Deus... 150 Muitos Chamados e Poucos Escolhidos... 4 168 Introdução O assunto da predestinação e da eleição tem assombrado as mentes de muitas pessoas ao longo dos séculos, inclusive de crentes autênticos em Jesus Cristo, uma vez que parece muito absurda a ideia de que Deus tenha escolhido alguns e que tenha rejeitado outros quanto a serem seus filhos amados. Com exceção de uns poucos que consagram voluntariamente suas vidas a Satanás e que se declaram inimigos abertos de Deus, e outros que sequer acreditam na Sua existência, a grande maioria da humanidade se considera na condição de ser filha amada dileta de Deus, uma vez que se raciocina que sendo bom, não pode excluir qualquer pessoa da referida condição. De fato Ele não faz acepção de qualquer pessoa, e tem o desejo de que todos fossem seus filhos amados, mas, não por qualquer ação voluntária 5 da Sua parte, há tanto nos homens, quanto nos anjos, na condição de seres morais livres, conforme foram criados, quanto ao exercício de suas inclinações e vontades, uma determinação para se resistir continuamente a Deus e aos Seus mandamentos, ou o contrário, quando se busca nEle graça, força e instrução para se viver em pleno acordo com tudo aquilo que planejou para que fôssemos perante Ele em amor. O falso raciocínio de que está obrigado a receber todos de igual forma cai inteiramente por terra mesmo em face de argumentos naturais, pelo que se pode observar no comportamento dos próprios homens. É certo que a maior parte das nações abre oportunidades iguais de acesso à cidadania e de aceitação pela sociedade a todas as pessoas. Todavia, não são poucos os que não atendem às condições para isto, e que a si mesmos se prejudicam ao viverem como malfeitores, para 6 os quais nada mais pode ser esperado do que a rejeição pela sociedade como um todo, e o seu isolamento em prisões. Se o homem, sendo pecador, exerce tal juízo, que é muito necessário para a continuidade pacífica da vida social, quanto mais não estaria Deus, de quem procede esta deliberação, disposto a rejeitar todos aqueles que são contrários a uma vida em comunhão, paz e amor fundamentada na justiça, no bem e na verdade? Chega-se então à conclusão que para sermos aceitos por Deus necessitamos de arrependimento e conversão, uma vez que não há quem não peque – que não seja, por natureza, inimigo de Deus e da Sua vontade. Necessitamos de restauração e livramento de nossa condição caída. Isto nos é propiciado apenas pelo fato de existir uma eleição que é inteiramente por graça, pois, 7 caso contrário, estaríamos todos, sem qualquer exceção, perdidos para sempre. 8 A Causa da Eleição A Causa Foi um Grande Amor. “1 Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados, 2 nos quais andastes outrora, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência; 3 entre os quais também todos nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais. 4 Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou, 5 e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo, - pela graça sois salvos,” (Efésios 2.1-5) 9 Nesta breve passagem de Efésios, especialmente nos seus versículos 4 e 5 é declarada a causa da nossa eleição para a salvação: o grande, o infinito amor de Deus por nós. O pecado não foi capaz de anular o amor de Deus por aqueles que ele pretende salvar para participarem deste mesmo amor que há na natureza divina. A eleição não se trata, portanto, de um projeto mecânico, de uma escolha baseada em princípios que levem em conta o nosso mérito e importância para Deus. Ao contrário, pois como se declara em nosso texto, toda a humanidade, inclusive os eleitos, se encontram numa completa miséria e desgraça em relação ao seu estado espiritual, em razão dos seus delitos e pecados. Na verdade, mais do que em estado de miséria, pois todos, sem serem vivificados por Cristo, acham-se 10 mortos espiritualmente e sob uma maldição de condenação eterna. Então o apóstolo declara final e triunfalmente no verso 5: “pela graça sois salvos”, ou seja, a causa da eleição é a graça, o amor, o favor e a misericórdia de Deus para com pecadores que mereciam, sem qualquer exceção, a condenação eterna debaixo do seu justo juízo contra o pecado e o pecador. E a grande prova de que a causa foi o amor, e por este modo como o amor se comprovou em ter o próprio Deus sofrido e morrido em nosso lugar numa cruz carregando sobre Si os nossos pecados, revela de modo muito claro e direto qual era a nossa completa miséria e impotência para que fôssemos eleitos por algo de bom e especial que Deus tivesse visto em nós, indignos pecadores. 11 Assim, Cristo teve que tomar o nosso lugar, para que pudéssemos receber a graça da nossa eleição para que pudéssemos ser salvos por Ele. Deus é espírito onisciente, onipotente, onipresente e completamente santo e puro. Nós, evidentemente, não o somos. É por isso que, sem que Ele manifeste a nós a sua graça, não podemos conhecê-lo de modo pessoal e íntimo. Deve ser também considerado, que para este conhecimento pessoal, é necessário antes que seja operado em nós, por Ele, o trabalho da nossa justificação (perdão pleno); regeneração (novo nascimento) e santificação. Ponderemos agora sobre quais seriam os principais motivos porque que nem todos sejam participantes dessa graça salvadora referida. 12 Caso fosse suposto que tal sucedesse em razão de um processo eletivo divino, no qual escolhesse ao léu quem seria agraciado, ao modo de um lançamento de sortes, equivaleria atribuir ao Deus que afirma não ter prazer na morte de ninguém, e que deseja que todos fossem salvos, alguma forma de vontade caprichosa. O bom senso recomenda portanto, que tal hipótese seja excluída. Podemos então, ter como segura causa da eleição, a assertiva bíblica de que somos: “eleitos, segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito,” (I Pedro 1.2a). Ou seja: como o fim da eleição é o de que sejamos santificados pelo Espírito Santo, Deus conhece, por seu atributo de presciência, quais são as pessoas que aceitarão o convite da graça do evangelho para ser operada nelas a referida 13 santificação, do mesmo modo que também conhece aqueles que resistirão ao citado convite, sem que haja nesta eleição qualquer qualificação moral ou espiritual antecedente que recomendasse o pecador à eleição, uma vez que todos pecaram e se encontram destituídos da graça divina. Como a condição natural de toda e qualquer pessoa é de endurecimento ao conhecimento de Deus e da sua vontade, então é de se supor, que Ele mantenha em endurecimento, por não conceder a sua graça, a estes que sabe, com antecedência, que a rejeitariam caso lhes fosse fornecida, para operar neles o trabalho de remoção do referido endurecimento. Daí afirmar o Senhor nas Escrituras que endureceu a faraó, nos dias de Moisés, ou seja, ele não lhe concederia graça para que se arrependesse e fosse transformado, porque 14 conhecia, em sua presciência, que ele lhe resistiria, não permitindo ser convertido. Não foi o Senhor o agente causador do endurecimento de faraó, mas o próprio mau uso deste, do livre arbítrio que lhe fora dado (Romanos 9.17,18). Deus a ninguém tenta, e em ninguém produz o mal moral. É Deus de vida e não de morte. É Deus de santidade e não de pecado. O que distingue os pecadores é que alguns chegam a lamentar o fato de serem pecadores e buscam serem transformados por Deus, enquanto outros jamais se arrependerão dessa condição de possuírem a natureza pecaminosa que é comum a todas as pessoas. Não se pense arrependimento também sem que qualquer será tipo este de resistência inicial, pois isto é visto como um fato real na vida de muitos eleitos, que resistem ao 15 evangelho até mesmo por longos anos em suas vidas, antes que se convertam a Cristo. Assim, não seria de se supor que Deus desperdice os seus dons, ou faça empenhos para nenhum propósito, quando usa de todos os meios necessários para conduzir àqueles que conheceu de antemão à salvação; e que não os use em relação àqueles que também já sabe em sua presciência que o rejeitarão. Como poderíamos admitir que tentasse salvar quem ele conheceu antes mesmo de formar no ventre, como sendo alguém que lhe resistiria de forma obstinada e para sempre, assim como fazem Satanás e seus demônios? Por isso citou o exemplo de Esaú e Jacó para o nosso conhecimento desta verdade (Romanos 9.13). Assim, as Escrituras declaram que bemaventurados são os humildes de espírito, porque 16 estes comprovam por sua humildade diante do Criador, que são o objeto da revelação da sua graça salvadora. Não há portanto qualquer mérito para a eleição, porque afinal, todos somos pecadores, mas é conhecido por Deus, de antemão, quem obterá o benefício da sua misericórdia para salvação, por desejar ser santificado, e, quem não receberá o citado benefício, por não se sujeitar a Ele, nem à sua vontade. Daí usar de misericórdia com quem quer usar de misericórdia (os eleitos, os que se arrependem), e de não usá-la com quem não quer usá-la (os não eleitos, por saber que seria por eles rejeitada, e assim permanecem endurecidos em seus pecados não perdoados). “terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia e me compadecerei de quem eu me compadecer.” (Êxodo 33.19b; Romanos 9.15) 17 É Possível Negar Biblicamente a Eleição e a Predestinação? Leia os poucos textos que destacamos abaixo e conclua, por si mesmo, sobre qual seja a resposta correta. Rom 8:28 Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito. Rom 8:29 Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. Rom 8:30 E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou. 18 Ef 1:4 assim como nos escolheu nele antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor Ef 1:5 nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade, Ef 1:11 nele, digo, no qual fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade, 1Pe 1:2 eleitos, segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, para a obediência e a aspersão do sangue de Jesus Cristo, graça e paz vos sejam multiplicadas. João 15:16 Não fostes vós que me escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros e vos designei para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça; a fim de que tudo 19 quanto pedirdes ao Pai em meu nome, ele vo-lo conceda. João 15:19 Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; como, todavia, não sois do mundo, pelo contrário, dele vos escolhi, por isso, o mundo vos odeia. João 17:6 Manifestei o teu nome aos homens que me deste do mundo. Eram teus, tu mos confiaste, e eles têm guardado a tua palavra. João 17:9 É por eles que eu rogo; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus; João 17:24 Pai, a minha vontade é que onde eu estou, estejam também comigo os que me deste, para que vejam a minha glória que me conferiste, porque me fundação do mundo. 20 amaste antes da 2Tm 2:19 Entretanto, o firme fundamento de Deus permanece, tendo este selo: O Senhor conhece os que lhe pertencem. E mais: Apartese da injustiça todo aquele que professa o nome do Senhor. Apo 13:8 e adorá-la-ão todos os que habitam sobre a terra, aqueles cujos nomes não foram escritos no Livro da Vida do Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo. João 10:26 Mas vós não credes, porque não sois das minhas ovelhas. João 10:27 As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem. João 10:28 Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão. Tito 1:1 Paulo, servo de Deus e apóstolo de Jesus Cristo, para promover a fé que é dos eleitos de 21 Deus e o pleno conhecimento da verdade segundo a piedade, Tito 1:2 na esperança da vida eterna que o Deus que não pode mentir prometeu antes dos tempos eternos “pois não tendo os gêmeos ainda nascido, nem tendo praticado bem ou mal, para que o propósito de Deus segundo a eleição permanecesse firme, não por causa das obras, mas por aquele que chama, foi-lhe dito: O maior servirá o menor. Como está escrito: Amei a Jacó, e aborreci a Esaú. Que diremos, pois? Há injustiça da parte de Deus? De modo nenhum. Porque diz a Moisés: Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia, e terei compaixão de quem me aprouver ter compaixão. Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus que usa de misericórdia. Pois diz a Escritura a Faraó: Para isto mesmo te levantei: para em ti mostrar 22 o meu poder, e para que seja anunciado o meu nome em toda a terra. Portanto, tem misericórdia de quem quer, e a quem quer endurece.” (Rm 9.11-18). “E logo enviará os seus anjos, e ajuntará os seus eleitos, desde os quatro ventos, desde a extremidade da terra até a extremidade do céu.” (Mc 13.27). “Saudai a Rufo, eleito no Senhor, e a sua mãe e minha.” (Rm 16.13). “Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, benignidade, de coração compassivo, humildade, de mansidão, longanimidade,” (Cl 3.12). “Por isso, tudo suporto por amor dos eleitos, para que também eles alcancem a salvação que há em Cristo Jesus com glória eterna.” (II Tim 2.10). 23 “Estes combaterão contra o Cordeiro, e o Cordeiro os vencerá, porque é o Senhor dos senhores e o Rei dos reis; vencerão também os que estão com ele, os chamados, e eleitos, e fiéis.” (Apo 17.14). “E peço também companheiro, que a ti, as meu verdadeiro ajudes, porque trabalharam comigo no evangelho, e com Clemente, e com os outros meus cooperadores, cujos nomes estão no livro da vida.” (Fp 4.3). “Antes que eu te formasse no ventre materno, eu te conheci, e antes que saísses da madre, te consagrei e te constituí profeta às nações.” (Jer 1.5). “Nós somos de Deus; quem conhece a Deus nos ouve; quem não é de Deus não nos ouve. Assim é que conhecemos o espírito da verdade e o espírito do erro.” (I Jo 4.6). 24 “Respondeu-lhes Jesus: Porque a vós é dado conhecer os mistérios do reino dos céus, mas a eles não lhes é dado;” (Mt 13.11). “Todas as coisas me foram entregues por meu Pai; e ninguém conhece quem é o Filho senão o Pai, nem quem é o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar.” (Lc 10.22). “conhecendo, irmãos, amados de Deus, a vossa eleição;” (I Tes 1.4). “Os gentios, ouvindo isto, alegravam-se e glorificavam a palavra do Senhor; e creram todos quantos haviam sido destinados para a vida eterna.” (At 13.48). 25 Eleição e Predestinação Que a eleição é pela graça está fora de qualquer dúvida, pois este é o ensino claro e direto das Escrituras. Os eleitos foram conhecidos de Deus, como afirma a Bíblia, antes mesmo que houvesse mundo, e isto indica conhecimento pessoal prévio daqueles que viriam a fazer parte da Sua própria vida divina, participando da Sua natureza e formando um só espírito com Ele. Deus disse ao profeta Jeremias: "Antes que te formasse no ventre te conheci". Jacó foi conhecido por Deus antes que fosse formado no ventre de sua mãe, e foi escolhido porque o Senhor sabia que ele amaria fazer a Sua vontade, e ensinaria o povo que seria formado a partir dele, a amar os Seus mandamentos. 26 Seu irmão Esaú, ao contrário, foi rejeitado porque também foi conhecido de antemão pelo Senhor, como quem não viveria como um crente e não amaria a Sua vontade. A Bíblia está repleta de exemplos em relação a isto, conforme afirmado pelo próprio Deus. Veja o caso de Sansão, dos reis Josias e Ciro, do profeta Jeremias, de João Batista, do próprio apóstolo Paulo, cujos nascimentos foram preanunciados com grande antecedência, ou sobre os quais foi afirmado diretamente por Deus, que os havia conhecido antes que os formasse no ventre. Deus não somente anunciou o nascimento dos reis Josias e Ciro, como citou-os por nome cerca de dois séculos antes do nascimento de ambos, e não somente isto, disse também o que eles fariam, um para a purificação da religião em Israel, e o outro para trazer os judeus de volta do cativeiro babilônico. 27 João Batista, a voz que clamaria no deserto, teve seu nascimento predito e que seria o precursor do Messias, cerca de 600 anos antes, através do profeta Isaías. Então, Deus conhece ou não com completa antecedência a todos que chegarão à existência neste mundo? Há alguma base para se duvidar da sua presciência? Deste modo, conforme a Bíblia ensina, somente Deus é glorificado na eleição, e toda a jactância do homem é excluída (Rom 3.27), exatamente para que ninguém se glorie em si mesmo (I Cor 1.26-29; Ef 2.9), por ter tido qualquer mérito ou iniciativa na sua salvação. Somente Deus é glorificado, e é somente em Cristo portanto, que devemos nos gloriar quanto à nossa salvação, porque houve uma eleição pela graça, antes da nossa conversão, e mesmo antes que houvesse mundo (Mt 25.34; Ef 1.4; Apo 17.8). 28 Há uma chamada geral do evangelho a todos os homens de modo que Cristo seja aroma de vida para a vida nos que se salvam, e cheiro de morte para a morte nos que se perdem. A rejeição do evangelho confirmará a condenação daqueles que não são conhecidos por Deus, por amarem as trevas e o pecado, e por não virem jamais a amar a Deus, por mais misericórdia e favor que Ele possa lhes demonstrar. Por isso, muitos são chamados com esta chamada geral do evangelho, mas poucos são os escolhidos, isto é, os eleitos de Deus, que além de atenderem à chamada geral da pregação do evangelho, são também chamados por um modo distinto e especial, pelo Espírito, de modo que se convertam ao Senhor, vindo a formar um só espírito com ele. “Mas, o que se une ao Senhor é um só espírito com ele.” (I Cor 6.17). 29 Negar a eleição corresponde a negar a veracidade das Escrituras porque é nelas que são afirmadas verdades relativas à eleição, como as seguintes: “Se o Senhor não abreviasse aqueles dias, ninguém se salvaria mas ele, por causa dos eleitos que escolheu, abreviou aqueles dias.” (Mc 13.20). “E logo enviará os seus anjos, e ajuntará os seus eleitos, desde os quatro ventos, desde a extremidade da terra até a extremidade do céu.” (Mc 13.27). “Saudai a Rufo, eleito no Senhor, e a sua mãe e minha.” (Rm 16.13). “Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, benignidade, de coração compassivo, humildade, longanimidade,” (Cl 3.12). 30 de mansidão, “Por isso, tudo suporto por amor dos eleitos, para que também eles alcancem a salvação que há em Cristo Jesus com glória eterna.” (II Tim 2.10). “Paulo, servo de Deus, e apóstolo de Jesus Cristo, segundo a fé dos eleitos de Deus, e o pleno conhecimento da verdade que é segundo a piedade,” (Tt 1.1). “eleitos segundo a presciência de Deus Pai, na santificação do Espírito, para a obediência e aspersão do sangue de Jesus Cristo: Graça e paz vos sejam multiplicadas.” (I Pe 1.2). “Estes combaterão contra o Cordeiro, e o Cordeiro os vencerá, porque é o Senhor dos senhores e o Rei dos reis; vencerão também os que estão com ele, os chamados, e eleitos, e fiéis.” (Apo 17.14). “Todavia o firme fundamento de Deus permanece, tendo este selo: O Senhor conhece 31 os seus, e: Aparte-se da injustiça todo aquele que profere o nome do Senhor.” (II Tim 2.19). “Paulo, apóstolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus, aos santos que estão em Éfeso, e fiéis em Cristo Jesus: Graça a vós, e paz da parte de Deus nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo. Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nas regiões celestes em Cristo; como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis diante dele em amor; e nos predestinou para sermos filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade, para o louvor da glória da sua graça, a qual nos deu gratuitamente no Amado; em quem temos a redenção pelo seu sangue, a redenção dos nossos delitos, segundo as riquezas da sua graça, que ele fez abundar para conosco em toda a sabedoria e prudência, fazendo-nos conhecer o mistério da sua vontade, segundo o seu 32 beneplácito, que nele propôs para a dispensação da plenitude dos tempos, de fazer convergir em Cristo todas as coisas, tanto as que estão nos céus como as que estão na terra, nele, digo, no qual também fomos feitos herança, havendo sido predestinados conforme o propósito daquele que faz todas as coisas segundo o conselho da sua vontade, com o fim de sermos para o louvor da sua glória, nós, os que antes havíamos esperado em Cristo; no qual também vós, tendo ouvido a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, e tendo nele também crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa, o qual é o penhor da nossa herança, para redenção da possessão de Deus, para o louvor da sua glória.” (Ef 1.1-14). “Eu rogo por eles; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me tens dado, porque são teus; todas as minhas coisas são tuas, e as tuas coisas são minhas; e neles sou glorificado. Eu não estou mais no mundo; mas eles estão no 33 mundo, e eu vou para ti. Pai santo, guarda-os no teu nome, o qual me deste, para que eles sejam um, assim como nós. Enquanto eu estava com eles, eu os guardava no teu nome que me deste; e os conservei, e nenhum deles se perdeu, senão o filho da perdição, para que se cumprisse a Escritura. Mas agora vou para ti; e isto falo no mundo, para que eles tenham a minha alegria completa em si mesmos. Eu lhes dei a tua palavra; e o mundo os odiou, porque não são do mundo, assim como eu não sou do mundo. Não rogo que os tires do mundo, mas que os guardes do Maligno. Eles não são do mundo, assim como eu não sou do mundo. (Jo 17.9-16). Não são do mundo porque são eleitos de Deus. Esta é a eleição de Deus: eleição para santificação e para fé. Deus escolhe a seu povo para ser santo e crente. Ninguém tem o menor direito de considerar-se eleito, a não ser em sua santidade. 34 Devemos reconhecer estas duas coisas: é necessário que haja soberania divina e responsabilidade humana. É necessário que haja eleição, porém também é necessário que abramos nossos corações, dando acolhida à verdade. A eleição para a vida eterna foi determinada por Deus, através da sua onisciência e presciência, antes mesmo que houvesse mundo, conforme ensinam as Escrituras. O ensino escriturístico sobre a eleição não leva em conta a quantidade e qualidade dos bons ou maus atos dos homens, para a justificação. Tanto que a eleição foi estabelecida antes da criação do mundo, sem levar em conta os bons e maus atos que cada eleito praticaria até ser chamado pelo Espírito, para ser justificado, regenerado e santificado. 35 Jesus pode salvar perfeitamente o pior dos ímpios, justificando-o pelo Seu sangue e Justiça. Assim, não é salvo em razão da preexistência de algo bom em sua natureza (Rom 7.18, Ef 2.3), mas pela sua resposta favorável ao convite da graça. É neste sentido que deve ser considerado como sendo pela verdade, e não por ser alguém que a amava e não estava consciente disso. O homem pode escolher muitas coisas, mas, quando esta escolha se refere à salvação da sua alma, o que poderá fazer com a sua decisão de desejar ser salvo se a providência divina não colocar em execução todos os meios de graça necessários para produzir nele o verdadeiro arrependimento e para conduzi-lo à conversão? Quem poderá chegar ao céu pela simples manifestação do seu desejo? Quem conhece o caminho? Quem está habilitado, atendendo 36 todas as condições impostas pelo Justo e Santo Deus para poder chegar até a Sua presença? Por isso Paulo diz que no que tange à eleição do pecador, o fator preponderante é o de que Deus tem misericórdia de quem Lhe apraz ter misericórdia (Rom 9.14-16; Êx 33.19). Não depende de quem quer ir para o céu. De quem afirma que deseja ir para lá. A propósito, a maioria das pessoas recusa a simples ideia de ir para o inferno. Querem ir para o céu depois da morte. Mas, desejar ir para o céu significa desejar viver em santidade sob o senhorio de Deus. Se é isto que o homem deseja de fato quando a graça lhe é manifestada, então ele é um eleito, e certamente irá para o céu, mas se não é isto o que deseja, então tem apenas o desejo de não ir para o inferno, mas não desejaria de fato ir para o céu, onde tudo e todos são santos. 37 Jesus veio de fato salvar pecadores e não justos. Veio buscar aqueles aos quais Deus, pela Sua exclusiva graça, aprouve, eleger para a salvação. Deste modo, como Paulo ensina em Romanos, a eleição não foi estabelecida com base em quem quer ou para quem corre mas em Deus usar de misericórdia. O homem nada tem ou pode fazer de bom, de modo que seja considerado digno de obter a justificação que é pela graça, mediante a fé, e por causa da eleição. A salvação em Cristo está disponível a todos os homens, mas nem todos os homens virão a Cristo. Mas aqueles que se permitirem serem atraídos a Ele pelo Pai, pela chamada do Espírito Santo, não serão rejeitados e não serão lançados fora de modo algum. Os que atendem a esta chamada e realmente se convertem, por receberem o dom da verdadeira 38 fé para crer em Cristo, são os eleitos de Deus. São estes que Ele escolheu para si desde antes da fundação do mundo. Seus nomes são escritos no livro da vida para nunca mais serem apagados. A eleição é a consequência da predestinação que é feita por Deus com base na sua presciência, ou seja, por saber quais serão aqueles que atenderão ao convite da graça do evangelho para a salvação. A estes concederá graça para que sejam livrados do endurecimento produzido pelo pecado, e os demais permanecerão endurecidos por rejeitarem a graça que lhes está sendo oferecida pela pregação do evangelho. 39 Eleição pela Graça Sempre faremos bem em não discutir no assunto relativo à doutrina bíblica da eleição, o modo desta eleição, isto é, o critério que Deus usou para eleger, porque isto não foi revelado por Ele nas Escrituras, além do que nos é dito que foi segundo a Sua presciência, por amor, misericórdia e graça, antes mesmo da fundação do mundo. O que devemos estudar na Bíblia, em relação a este assunto, é o fato relativo à realidade da eleição, para entendermos que há uma escolha de um povo por Deus, dentre os pecadores, por causa da Sua misericórdia, para viver em santidade perante Ele, e que esta eleição é feita pela graça, sendo efetivada na salvação, que é também pela graça, mediante a fé. Deus escolheu honrar alguns mais do que outros pela sua livre escolha, sem levar em conta o seu mérito, e o mesmo se dá em relação 40 à eleição para a salvação que foi feita também sem levar em conta o mérito humano. Se Deus tivesse escolhido com base em alguma justiça, santidade ou bondade do pecador, por causa de algum resquício da imagem e semelhança com Ele, ou então com base em boas obras praticadas pelo homem, a eleição não seria pela graça, mas pelo mérito. Que a eleição é pela graça está fora de qualquer dúvida, pois este é o ensino claro e direto das Escrituras. No assunto da eleição, não se pode afirmar qualquer mérito ou qualificações especiais relativas à vida de Deus, que já estivessem presentes nos eleitos, como sendo a causa da sua eleição, porque isto contrariaria o ensino claro e direto da Bíblia sobre a condição de corrupção do coração de todos os homens, em razão do pecado original, e a sua total inabilidade para a vida espiritual do céu, por 41 estarem mortos espiritualmente em seus pecados. Vemos na Bíblia, o próprio Deus declarando que não tem prazer na morte do ímpio, antes que ele se converta e viva (Ez 18.23; 33.11). O apóstolo Paulo afirmou o seguinte: “Pois isto é bom e agradável diante de Deus nosso Salvador, o qual deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade.” (I Tim 2.3,4). Isto demonstra claramente que até mesmo os eleitos eram ímpios diante de Deus, antes da sua conversão. A manifestação deste desejo expresso de Deus de salvar ímpios está revelada no Novo Testamento: “porém ao que não trabalha, mas crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é contada como justiça;” (Rm 4.5). 42 “Pois, quando ainda éramos fracos, Cristo morreu a seu tempo pelos ímpios” (Rm 5.6). “Ele vos vivificou, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados, nos quais outrora andastes, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que desobediência, agora opera entre os nos quais filhos todos de nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como também os demais.” (Ef 2.1-3). Contudo, uma vez convertido, o crente não é mais designado na Bíblia como ímpio, mas como justo, como eleito de Deus, e a palavra ímpio continua designando aqueles que não foram alcançados pela salvação que há em Cristo Jesus. É chamado ímpio (im = não; pio = piedoso) porque não possui a vida cujas realidades se 43 referem à piedade, e piedade em seu sentido bíblico significa vida santa e consagrada a Deus. Então concluímos que se houvesse em todos os seres morais a condição de serem salvos pelo Senhor, eles seriam efetivamente salvos, porque Deus afirma que tem o desejo de que todos se salvem. E se este desejo não fosse sincero, não veríamos Jesus repreendendo pessoas e até mesmo cidades inteiras pelo fato de não terem se arrependido e crido nEle, depois de ter se esforçado tanto para conduzilos à conversão. Por conseguinte, o homem é justamente responsabilizado quanto à condenação eterna, nem tanto pelo fato de ser pecador, pois todos são pecadores, mas pelo fato de não se arrepender e crer. A causa da sua condenação será o seu próprio pecado e endurecimento no pecado, mas a determinação desta condenação terá sido pelo 44 fato de ser o que é, a saber, alguém totalmente indisposto para as coisas de Deus, alguém totalmente avesso à simples ideia de viver em santidade para Deus, alguém inteiramente disposto a escolher o seu próprio caminho e a fazer a sua própria vontade, e não a do Senhor. Então, em sua presciência, como Deus poderia ter escolhido alguém que Ele previamente sabia que não se submeteria à Sua vontade? No entanto, tal não é o caso dos eleitos, porque apesar de pecadores, de terem sido ímpios como os demais, aspirarão pela santidade e justiça de Deus, no momento oportuno, quando estas lhes forem reveladas pelo Evangelho. Então, é especialmente a estes ímpios que se converterão a quem Deus ordena que se arrependam dos seus pecados e creiam, porque Ele sabe, em Sua presciência, que somente eles atenderão ao convite à conversão, para que não morram, e vivam eternamente. 45 É dito que somente estes, que são irmãos de Cristo pela fé, foram conhecidos de antemão por Deus como aqueles que O amariam, que são predestinados por Ele, isto é são os seus eleitos, os que escolheu para serem parte da Sua família, pelo que os chamou para serem justificados e glorificados (Rm 8.30). Por isso se diz: “a fé que é dos eleitos de Deus” em Tt 1.1: “Paulo, servo de Deus, e apóstolo de Jesus Cristo, segundo a fé dos eleitos de Deus, e o pleno conhecimento da verdade que é segundo a piedade,”. Se diz fé dos eleitos, porque somente os que são da fé são chamados de eleitos na Bíblia, pois os que não são da fé não são eleitos, porque não são escolhidos por Deus para fazerem parte do Seu reino. 46 Que fique claro entretanto, que esta fé só veio a habitar nos eleitos quando lhes foi dada como um dom de Deus na sua conversão. E esta fé que é a principal graça do evangelho, da qual todas as demais derivam, é exclusiva dos eleitos de Deus. Os não eleitos não chegarão jamais a possuí-la, porque é concedida somente para produzir a vida de Deus naqueles que se arrependem. É fé que salva, à qual se refere Tiago, que é viva e eficaz, e que nos habilita a fazer as boas obras que Deus também preparou de antemão para que andássemos nelas. Isto se aprende claramente nas parábolas de Jesus sobre o Reino dos céus, especialmente nas relativas aos peixes bons e ruins; ao trigo e ao joio; e em afirmações diretas como a de Mt 13.49: “Assim será no fim do mundo: sairão os anjos, e separarão os maus dentre os justos,”. 47 Sobre esta condição determinada pela eleição da graça, o próprio João Batista havia se referido: “A sua pá ele tem na mão, e limpará bem a sua eira; recolherá o seu trigo ao celeiro, mas queimará a palha em fogo inextinguível.” (Mt 3.12). O trigo são os eleitos e a palha os não eleitos. A fé não é de todos porque há eleição, e há eleição porque Deus conhece previamente os que são Seus, e a fé é dada como um dom somente aos que são conhecidos de Deus, como aqueles que o amariam e se uniriam a Ele, vindo a ser adotados como Seus filhos, para serem ovelhas do Seu rebanho, ainda que antes de serem chamados por Ele, todos fossem pecadores, e alguns dentre eles, os mais terríveis pecadores. Deus os conheceu antes mesmo de formá-los no ventre, e sabia que eram Seus e portanto não permaneceriam nas trevas, assim que lhes 48 resplandecesse a Luz do evangelho de Cristo Jesus. Paulo disse: “e para que sejamos livres de homens perversos e maus; porque a fé não é de todos.” (II Tes 3.2). A fé não é de todos porque é somente dos eleitos. Porque é somente dada aos que são chamados e justificados. E os que não são da fé, que não são conhecidos de Deus, permanecerão para sempre endurecidos em seus pecados: “Pois quê? O que Israel busca, isso não o alcançou; mas os eleitos alcançaram; e os outros foram endurecidos,” (Rm 11.7). Deste modo, conforme a Bíblia ensina, somente Deus é glorificado na eleição, e toda a jactância do homem é excluída (Rm 3.27), exatamente para que ninguém se glorie em si mesmo (I Cor 1.26-29; Ef 2.9), por ter tido qualquer mérito ou iniciativa na sua salvação. 49 Somente Deus é glorificado, e é somente em Cristo portanto, que devemos nos gloriar quanto à nossa salvação, porque houve uma eleição pela graça, antes da nossa conversão, e mesmo antes que houvesse mundo (Mt 25.34; Ef 1.4; Apo 17.8). E ainda que não concordemos com nada disto, e embora sejamos salvos, nós o seremos não por causa do nosso conhecimento sobre este assunto, mas porque esta verdade se cumprirá conforme está determinado por Deus, e não pelo homem. Então, a própria ignorância do homem não anula a doutrina e verdade bíblica sobre a eleição pela graça, antes a confirma, pois demonstra na prática que a salvação é pela graça e mediante a fé, e não segundo o conhecimento, mérito, ou obras do homem. Na verdade o homem escolhe a Deus porque foi antes escolhido por Ele. 50 O homem jamais poderia, por sua própria capacidade e poder, quitar a dívida de seus pecados e chegar ao conhecimento de Deus, se o Senhor não se revelasse a Ele. O homem está morto em seus pecados, envolvido em trevas espirituais em sua alma, e se o Senhor não dissipar estas trevas e não lhe der a vida eterna, ficará para sempre perdido. Desta forma, se diz que: “pois não tendo os gêmeos ainda nascido, nem tendo praticado bem ou mal, para que o propósito de Deus segundo a eleição permanecesse firme, não por causa das obras, mas por aquele que chama, foi-lhe dito: O maior servirá o menor. Como está escrito: Amei a Jacó, e aborreci a Esaú. Que diremos, pois? Há injustiça da parte de Deus? De modo nenhum. Porque diz a Moisés: Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia, e terei compaixão de quem 51 me aprouver ter compaixão. Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus que usa de misericórdia. Pois diz a Escritura a Faraó: Para isto mesmo te levantei: para em ti mostrar o meu poder, e para que seja anunciado o meu nome em toda a terra. Portanto, tem misericórdia de quem quer, e a quem quer endurece.” (Rm 9.11-18). Deus conhece os corações. Ele conhece os que são Seus. Então a salvação não depende de quem quer ou de quem se esforça com suas obras e justiça própria para obtê-la, senão de Deus usar de misericórdia e conceder a Sua graça para que possamos ser redimidos do pecado e capacitados a viver a vida de Deus. O que queremos dizer com isto, é o que a própria Bíblia ensina, particularmente este texto de Romanos citado, que não é o homem quem decide sobre a sua salvação, porque isto já está 52 decidido por Deus pelo conhecimento que possui de cada uma das suas criaturas. Ele chamará os que predestinou, e que conheceu de antemão, e somente a estes. E esta chamada é a chamada íntima e específica do Espírito que produz a regeneração ou novo nascimento. Há uma chamada geral do evangelho a todos os homens de modo que Cristo seja aroma de vida para a vida nos que se salvam, e cheiro de morte para a morte nos que se perdem. “Se o Senhor não abreviasse aqueles dias, ninguém se salvaria mas ele, por causa dos eleitos que escolheu, abreviou aqueles dias.” (Mc 13.20). “E logo enviará os seus anjos, e ajuntará os seus eleitos, desde os quatro ventos, desde a 53 extremidade da terra até a extremidade do céu.” (Mc 13.27). “Saudai a Rufo, eleito no Senhor, e a sua mãe e minha.” (Rm 16.13). “Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de benignidade, coração compassivo, humildade, de mansidão, longanimidade,” (Cl 3.12). “Por isso, tudo suporto por amor dos eleitos, para que também eles alcancem a salvação que há em Cristo Jesus com glória eterna.” (II Tim 2.10). “Paulo, servo de Deus, e apóstolo de Jesus Cristo, segundo a fé dos eleitos de Deus, e o pleno conhecimento da verdade que é segundo a piedade,” (Tt 1.1). “eleitos segundo a presciência de Deus Pai, na santificação do Espírito, para a obediência e 54 aspersão do sangue de Jesus Cristo: Graça e paz vos sejam multiplicadas.” (I Pe 1.2). “Estes combaterão contra o Cordeiro, e o Cordeiro os vencerá, porque é o Senhor dos senhores e o Rei dos reis; vencerão também os que estão com ele, os chamados, e eleitos, e fiéis.” (Apo 17.14). “Todavia o firme fundamento de Deus permanece, tendo este selo: O Senhor conhece os seus, e: Aparte-se da injustiça todo aquele que profere o nome do Senhor.” (II Tim 2.19). “Paulo, apóstolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus, aos santos que estão em Éfeso, e fiéis em Cristo Jesus: Graça a vós, e paz da parte de Deus nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo. Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nas regiões celestes em Cristo; como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis diante dele 55 em amor; e nos predestinou para sermos filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade, para o louvor da glória da sua graça, a qual nos deu gratuitamente no Amado; em quem temos a redenção pelo seu sangue, a redenção dos nossos delitos, segundo as riquezas da sua graça, que ele fez abundar para conosco em toda a sabedoria e prudência, fazendo-nos conhecer o mistério da sua vontade, segundo o seu beneplácito, que nele propôs para a dispensação da plenitude dos tempos, de fazer convergir em Cristo todas as coisas, tanto as que estão nos céus como as que estão na terra, nele, digo, no qual também fomos feitos herança, havendo sido predestinados conforme o propósito daquele que faz todas as coisas segundo o conselho da sua vontade, com o fim de sermos para o louvor da sua glória, nós, os que antes havíamos esperado em Cristo; no qual também vós, tendo ouvido a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, e tendo nele 56 também crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa, o qual é o penhor da nossa herança, para redenção da possessão de Deus, para o louvor da sua glória.” (Ef 1.1-14). “Eu rogo por eles; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me tens dado, porque são teus; todas as minhas coisas são tuas, e as tuas coisas são minhas; e neles sou glorificado. Eu não estou mais no mundo; mas eles estão no mundo, e eu vou para ti. Pai santo, guarda-os no teu nome, o qual me deste, para que eles sejam um, assim como nós. Enquanto eu estava com eles, eu os guardava no teu nome que me deste; e os conservei, e nenhum deles se perdeu, senão o filho da perdição, para que se cumprisse a Escritura. Mas agora vou para ti; e isto falo no mundo, para que eles tenham a minha alegria completa em si mesmos. Eu lhes dei a tua palavra; e o mundo os odiou, porque não são do mundo, assim como eu não sou do mundo. Não rogo que os tires do mundo, mas que os guardes 57 do Maligno. Eles não são do mundo, assim como eu não sou do mundo. (Jo 17.9-16). Não são do mundo porque são eleitos de Deus. Spurgeon disse o seguinte referindo-se aos eleitos: “Em todas as epístolas, os santos são chamados “os eleitos” (Col 3.12; Tito 1.1; I Pe 1.2 etc). Eles não se envergonhavam de serem chamados assim naqueles dias, como tampouco teriam medo de declará-lo. Este era o termo mais usual que empregavam como fórmula de tratamento entre muitas igrejas cristãs primitivas. Eleger é o mesmo que escolher entre muitos. Ser eleito de Deus significa ter sido escolhido para viver nEle e com Ele, fazendo a Sua vontade. Assim, até mesmo os anjos que Lhe são obedientes são eleitos (I Tim 5.21). Estes foram conhecidos por Deus em Sua onisciência, tanto quanto os anjos não eleitos, antes que estes últimos viessem a cair juntamente com Satanás, 58 revelando assim o seu amor pelas trevas e não pela luz; o amor pelo autogoverno, rejeitando assim o governo de Deus. Não é correto portanto, considerar que Deus tivesse falhado na criação dos anjos, em razão da queda de muitos deles, porque afinal, não eram eleitos. Pode-se dizer o mesmo em relação à criação do homem. Não houve nenhuma falha no plano de Deus, e nem mesmo está corrigindo qualquer falha com a salvação por meio de Cristo, porque também há entre os homens, eleitos e não eleitos. Tanto anjos quanto homens são seres morais que foram criados com livre arbítrio, e mais cedo ou mais tarde, cada um deles, a seu tempo, haveria de revelar para onde lhes conduziria o uso da sua liberdade: à submissão ao Senhor ou à rejeição do seu senhorio. Os que amam a Sua vontade são eleitos, e os que a rejeitam não são eleitos, como de fato, estes últimos não poderiam ser. Porque 59 afinal, somos eleitos para participarmos da santidade de Deus. Em razão da queda de Adão, todos os homens tornaram-se escravos do pecado. Condição esta, que segundo a Bíblia, é de inimizade contra Deus (Rom 8.7), isto é, dentre outras coisas, impossibilidade de conhecerem a Deus por si mesmos. É falsa portanto a afirmação de que o homem pode chegar por si mesmo ao conhecimento de Deus, sem que seja atraído por Ele para vir a Jesus Cristo. Sem a operação da graça divina, o livre arbítrio do homem nunca o levaria a alcançar o conhecimento do único Deus verdadeiro, por si mesmo e por sua própria capacidade, à parte da ajuda do Espírito Santo, porque contaminada pelo pecado, a natureza do homem é inimizade contra Deus conforme afirmam as Escrituras. Deus submete todos os homens à revelação da luz do evangelho, e não lhes pede licença para 60 tal, isto é, não lhes dá a oportunidade de exercerem o livre arbítrio, de modo que possam escolher não serem submetidos a tal revelação. De igual modo, também não é concedido aos homens usarem o livre arbítrio para fugirem do juízo de Deus. Jesus disse que os que são pela verdade ouvem a Sua voz, como que a afirmar que somente estes podem atender ao Seu chamado para viverem para Ele. Se bem que isto não signifique que antes da conversão estivessem na verdade ou na luz. Ao contrário, como a Palavra é bastante clara em afirmar, estavam em trevas como os demais pecadores. É portanto, somente pela resposta positiva ao convite do evangelho, que se confirma e se revela a sua eleição. Eles são agora pela verdade de Deus e é por isso que podem ouvir a voz de Cristo. Por causa do trabalho da graça de Cristo neles. Jesus mesmo 61 é quem salva o homem do pecado, de modo a poder ser transformado em filho de Deus. Estes que Lhe pertencem, que Lhe ouvem a voz e são por Ele conhecidos, ainda que em fraqueza, dúvidas e temores, serão assistidos pela Sua graça, aperfeiçoados, de modo firmados, que sejam fortificados e fundamentados. Este encontro pessoal com Deus acontece num determinado momento da vida, escolhido também pelo Senhor, em Sua Soberania, para se revelar àqueles cujos nomes estão escritos no livro da vida. “E peço também companheiro, que a ti, as meu verdadeiro ajudes, porque trabalharam comigo no evangelho, e com Clemente, e com os outros meus cooperadores, cujos nomes estão no livro da vida.” (Fp 4.3). 62 “A besta que viste era e já não é; todavia está para subir do abismo, e vai-se para a perdição; e os que habitam sobre a terra e cujos nomes não estão escritos no livro da vida desde a fundação do mundo se admirarão, quando virem a besta que era e já não é, e que tornará a vir.” (Apo 17.8). O trabalho de santificação dos eleitos será realizado progressivamente pelo Espírito Santo em suas vidas. Jesus está firmemente empenhado nisto, e usará todos os recursos necessários para apresentar ao Pai todos os que Lhe foram dados, sem mancha, ruga ou qualquer mácula. Paulo não sabia que ele havia sido eleito por Deus, antes mesmo de ter sido concebido no ventre de sua mãe, (Gál 1.15a), para ser o apóstolo dos gentios. Era uma pessoa que seria pela verdade, que estava lutando contra a verdade, antes da sua conversão. 63 A Escritura afirma: não há, fora de Cristo, dentre os pecadores, um justo sequer. Não há quem busque o bem. Isto é uma referência à natureza terrena inteiramente corrompida pelo pecado. Assim, Cristo salva pessoas desprovidas de qualquer bondade e justiça que as recomendasse à salvação. Realmente, quanto à justificação nada há no homem que lhe possa recomendar a Deus. Deste modo, ninguém está sendo impedido por Deus de vir a Ele, em razão de ser pecador. Mas, é igualmente verdadeiro que ninguém poderá vir a Jesus se não for atraído a Ele pelo Pai (Jo 6.44). O próprio homem não eleito escolhe permanecer endurecido no pecado, e Deus, conhecendo-lhe a real profundidade íntima do seu espírito em permanecer definitivamente em tal inclinação ao endurecimento, permite que continue entregue a si mesmo, deixando de lhe conceder a Sua graça (Rom 1.24,28). 64 Deus resiste ao soberbo. Conhece-lhe de longe as intenções reais do coração. Mas ao que se humilha, isto é, ao que se reconhece pecador e necessitado de salvação, concede Sua graça (Hc 2.4; Tg 4.6). “Porque o coração deste povo se endureceu, e com os ouvidos ouviram tardiamente, e fecharam os olhos, para que não vejam com os olhos, nem ouçam com os ouvidos, nem entendam com o coração, nem se convertam, e eu os cure.” (Mt 13.15). Nada há no homem que o recomende à eleição. Por isso Deus predestinou e prometeu salvar pela fé, somente aqueles que viessem a crer no Seu Filho. Não podemos negar que os tais foram conhecidos por Deus antes mesmo da criação do mundo, pois negá-lo seria negar-Lhe o atributo da onisciência, no qual se inclui o de presciência (I Pe 1.2). 65 O homem, não é deste modo, eleito e salvo em razão de sua própria justiça, bondade ou amor a ambas e à verdade. Mas em razão da justiça, bondade e verdade que pertencem a Cristo (Rom 5.17-19). Ao contrário, é pecador, e só será salvo através do reconhecimento desta verdade, pois Jesus não veio chamar justos, mas pecadores ao arrependimento. Quem se considera justo e salvo sem ter-se arrependido dos seus pecados, não será chamado pelo Senhor, pois Ele só chama a pecadores, que reconhecerão que estavam nas trevas, enquanto não se achegaram à luz de Cristo. Por isso, o Senhor declara que veio dar vista aos cegos, e que os fariseus permaneciam no pecado, porque não se consideravam cegos. Não é portanto, sem motivo, que todos os eleitos são chamados a demonstrarem boa vontade e amor para com todos os homens, quer eleitos ou não eleitos, porque eles próprios são pecadores 66 que foram resgatados do pecado, inteiramente pela graça de Deus. Há uma maior misericórdia, longanimidade e bondade do que as de que se tornaram alvo? Por isso são convocados a serem misericordiosos assim como o Senhor foi misericordioso para com eles. Pois qualquer que nele creia é salvo. Qualquer que invoque o Seu nome é salvo. Não devemos restringir aos eleitos a nossa atenção e o nosso amor. E nem devemos fazê-lo simplesmente pela expectativa de ganhar para Cristo alguns dentre aqueles que ainda não O conhecem. Afinal, nem sabemos quem é eleito antes que se converta ao Senhor. A ninguém Deus tem revelado quem é ou não eleito, de modo que nenhuma pessoa está impedida de buscar se aproximar dEle e se render a Cristo para que seja salva. 67 A Bíblia exorta-nos a fazer o bem a todos os homens, a amar os nossos inimigos, a dar-lhes de comer e beber quando têm fome e sede. Enfim, os que foram alcançados pelo bem devem viver na benignidade. Os que alcançaram misericórdia devem ser misericordiosos. Jesus fez o bem a todos os homens em seu ministério terreno, e devemos seguir-Lhe os passos. Ele curou dez leprosos mesmo sabendo que apenas um deles voltaria para dar glória a Deus. Ele curou a muitos, que mesmo assim não se arrependeram do pecado, ainda que não lhes tivesse isentado da responsabilidade pela sua incredulidade. O bem deve ser feito a todos os homens, independentemente de serem eleitos ou não eleitos. É importante saber que o Senhor não elegeu alguns para a salvação e outros para a perdição por mero capricho da Sua vontade. Como quem 68 tivesse colocado, em sua presciência, toda a humanidade em fila, e determinado por exemplo salvar os que ocupassem as posições pares, e condenar os das posições ímpares. A isto já respondemos pelas Escrituras, pois Deus elegeu aqueles que têm crido em Cristo, sem que lhes seja atribuído qualquer mérito por isto, porque são tanto pecadores quanto os demais homens. Leiamos um pouco mais o que Spurgeon escreveu sobre este assunto: “Por que murmuram contra a eleição aqueles que desprezam a Deus? Pelo fato de que Deus não os tenha eleito para viver em santidade? Se a amassem, seria porque Ele os teria escolhido, e se não, que direito têm de dizer que Deus deveria ter-lhes dado o que não lhes agrada? Imagine que eu tivesse em minha mão algo que não fosse do seu agrado, e decidisse dá-lo a 69 determinada pessoa, não é verdade que não se queixaria disso? Não creio que fosse tão néscio para protestar de que outro houvesse recebido o que para você era de nenhum valor. Por que pois teriam que se queixar de que outras pessoas tiveram o que vocês rejeitaram? Muitos não desejam Jesus, não querem ter um coração novo e nem um espírito reto, não apreciam o perdão dos pecados nem a santificação, não anseiam por serem eleitos para estas coisas, então, por que o lamentam enfurecidos? Por que se queixam contra Deus de que Ele tenha dado estas coisas, que para eles são como nada, aos eleitos? Se elas são preciosas, e se as desejam, aí estão para todos. Deus dá abundantemente a todos os 70 que lhe pedem, porém, antes de nada, Ele põe o desejo nos seus corações (dele é tanto o querer quanto o realizar), de outra forma jamais o teriam desejado. Se anelam por tudo isso, Ele os tem escolhido para que o tenham, porém se não, quem são vocês para censurar a Deus, quando é o próprio eu de vocês quem faz com que as odeiem. “Ah! Porém eu cria”, dirá alguém, “que era Deus que escolhe uns para o céu e a outros para o inferno” (de modo frio e aleatório, como comentado antes – nota do tradutor). Isso é completamente diferente da doutrina do Evangelho. Ele tem eleito os homens para o céu mediante a santidade e a justiça. Não se pode dizer que haja simplesmente escolhido uns para o céu, e outros para o inferno. Os tem elegido para a santidade, se vocês a amam. Se alguém quer ser salvo por Jesus Cristo, Ele o elegeu para 71 ser salvo. Os chamou para a salvação se vocês a desejam sincera e ardentemente. “Bem”, dizem outros, “é porque Deus os elege porque prevê sua fé”, isto é, que os eleitos antes de conhecerem Jesus eram pessoas cheias de fé. Mas, se a fé é Ele quem a dá, tampouco é sensato dizer que os eleja porque a tem previsto neles. A fé é um dom de Deus. Toda virtude emana dEle. Por ser, pois, a fé um dom, não pode ser a causa da eleição. A eleição, estamos seguros, é absoluta; completamente à parte de qualquer mérito que os santos possam ter depois. “Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia”, salva porque quer salvar. E se me perguntam por que me salvou a mim, somente lhes direi: porque quis fazê-lo. Havia algo em mim que me desse algum valor ante os olhos de Deus? Não, tudo o haveria afastado, não havia nada recomendável em mim. 72 Se abrirem a Bíblia em II Tim 1.9, encontrarão: "Que nos salvou e chamou com uma santa vocação". Aqui encontramos, portanto, a primeira prova pela qual podemos examinar nosso chamado - muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos - e isso porque há várias classes de chamado; porém o chamado verdadeiro, e somente ele, corresponde à descrição deste texto. É um chamado santo, não conforme as nossas obras, mas segundo o seu propósito e graça, a qual nos é dada em Cristo Jesus antes dos tempos dos séculos. Este chamado elimina toda confiança em nossas obras, e nos leva a confiar unicamente em Cristo para nossa salvação. Se alguém anda em pecado, então não foi chamado; se continua vivendo da mesma maneira que antes da sua pretendida conversão, então não se trata de conversão real; 73 o bêbado que receber o chamado, abandonará o vício. Vivendo na prática do pecado os homens podem receber o chamado, mas depois de recebê-lo já não continuarão mais no pecado. (Não há uma justificação e regeneração que seja aos poucos, e não instantânea. O convencimento do pecador sem a conversão não nos dá o direito de lhe dizer que ele está sendo salvo aos poucos. Ele poderá permanecer frequentando os em serviços nosso da igreja, meio, mas enquanto não tiver um encontro pessoal com Cristo não se pode dizer que seja de fato um crente. – nota do tradutor). Em Hebreus 3.1 lemos estas palavras: "Irmãos santos, participantes da vocação celestial". Aqui achamos outra prova. É um chamado celestial. Um chamado celestial significa algo que veio do céu. Foi chamado por Deus? Ou chamado pelo homem? Pode agora descobrir em seu chamado 74 a mão de Deus e a voz de Deus? Se foi apenas o homem quem o chamou, então você não recebeu o verdadeiro chamado. Seu chamado veio de Deus? É um chamado que o encaminha ao céu, do mesmo modo que veio do céu? Aqueles que foram chamados são homens que, antes de sua chamada, gemiam no pecado. Jesus não veio para chamar justos, e sim pecadores ao arrependimento. Assim sendo, posso dizer sem demora ao que confia na justiça própria, que ele não possui evidência alguma de haver sido eleito. Eu lhe digo: não! Cristo nunca chama os justos, e se você não foi chamado (condição que permaneça até ao dia da morte), isso confirma que não faz parte do número dos eleitos e portanto você e sua justiça própria devem ser sujeitos à ira de Deus e à perdição eterna. Somente o pecador a quem Deus tem despertado de sua condição pecaminosa pode estar seguro de que foi chamado. 75 A Palavra de Deus menciona duas classes de chamado. Fala-se, primeiramente, de um chamado geral, que se dá no evangelho a todos os que o ouvem. O servo de Deus tem a obrigação de convidar todas as almas, sem distinção alguma, a aceitar a Cristo (Mc 16.15). A trombeta do evangelho soa fortemente nos ouvidos de cada pessoa. Este chamado é sincero da parte de Deus; mas o homem por natureza é tão contrário a Deus, que o apelo nunca resulta eficaz, pois despreza-o, dá-lhe as costas e prossegue seu caminho sem preocupar-se com ele. Todavia, lembrem-se que embora o chamado seja rejeitado, o homem não tem nenhuma desculpa para fazê-lo; o chamado universal tem em si tal autoridade, que a criatura humana que não o atende não terá escusa no dia do juízo. Quando alguém é ordenado a arrepender-se e crer, quando é exortado a fugir da ira vindoura, 76 se ele menosprezar a exortação e rejeitar o mandamento, terá que sofrer as consequências disso. Este chamado universal que é desprezado pelo homem; é um chamado, porém não vem acompanhado com a força e a energia do Espírito Santo para torná-lo um chamado invencível; e em consequência, as almas perecem, mesmo depois do chamado universal do evangelho ter soado em seus ouvidos. Mas o chamado citado em Rom 8.30 é de natureza distinta; não é um chamado universal, e sim especial, particular, pessoal, diferenciador, eficaz e invencível. Este chamado é dirigido aos eleitos, e a eles somente (pode-se assegurar que é dirigido somente aos eleitos porque se diz em seguida no texto de Romanos 8.29,30, que estes chamados foram também justificados e glorificados, e sabemos que isto se refere apenas aos salvos – nota do tradutor); eles pela graça ouvem o chamado, o obedecem e o 77 recebem (Joel 2.32; At 2.39). Sem que isso indique qualquer tipo de acepção, porque Deus não faz acepção de pessoas, qualquer tipo de exclusividade, preferência divina, ou até mesmo discriminação. A prostituta e o ladrão serão bem recebidos por atenderem ao chamado. E Deus chamará eficazmente a qualquer um em cujo coração Ele perceber que haverá recepção do dom da fé para receber a Cristo e confiar nEle. Entretanto, jamais lançará suas pérolas aos porcos e suas coisas santas aos cães, para que sejam desprezadas e pisadas por eles. E estes não são comparados a porcos e a cães por serem pecadores, mas por serem conhecidos na sua onisciência, como aqueles que se manterão rebeldes contra a Sua vontade e Pessoa divina. A soberania da chamada eficaz pode ser ilustrada na história de Zaqueu. Por que Jesus chamou Zaqueu? Simplesmente porque o 78 chamado de Deus se estende a pecadores indignos. Nada existe no homem que o faça merecedor desta chamada - nem mesmo no melhor dos homens. Deus tem misericórdia de quem quer ter misericórdia, e o Seu chamado humilha e quebranta mesmo os piores pecadores. Eles não podem fazer outra coisa senão cair da árvore do seu pecado e prostrarem-se penitentes aos pés do Senhor Jesus. Em Rom 8.28-30 vemos que os que agora amam a Deus, são apenas aqueles que foram chamados por Ele. E por que foram chamados? Porque foram predestinados para a salvação antes que houvesse mundo para que sejam transformados à imagem de Jesus. Estes que foram assim chamados, são justificados para participarem da glória divina. Deus, pelo Pacto Eterno feito pela Trindade, antes da fundação do mundo, determinou salvar 79 pecadores, formando dentre eles, um povo exclusivamente Seu, zeloso de boas obras. Esta é a predestinação. Como consequência direta desta predestinação para a salvação dos que viessem a crer em Cristo, ficou determinada a eleição, isto é, a escolha destes que seriam salvos pela fé, para terem vida eterna, perdão total dos pecados e adoção, sendo feitos filhos de Deus. Para a concretização desta predestinação e eleição, é necessário convidar, chamar os pecadores para serem justificados, regenerados e glorificados.”. Nós percebemos nitidamente que Spurgeon se distanciou do determinismo calvinista, na expressão de uma escolha aleatória dos eleitos por Deus designando assim os que desejaria salvar e os que desejaria condenar no inferno. É a isto que faremos realmente bem em rejeitar no ensino dos reformadores em geral, porque não há base para se fazer uma afirmação final 80 neste sentido à luz do contexto geral das Escrituras. Spurgeon se expressou bem quando disse com base no ensino da Bíblia que a eleição foi para a santidade, e se alguém deseja a santidade de Deus evidencia nisto ser verdadeiramente um eleito, como que a dizer que a eleição foi feita para todos aqueles que viessem a aspirar à santidade de Deus, e Ele teria determinado a eleição destes, pelo Seu conhecimento presciente desta condição inerente a eles. Há vários textos bíblicos que ensinam claramente que a eleição foi fixada por Deus antes da criação do mundo, e dentre estes destacamos: II Tim 1.9; II Ts 2.13b,14; Ef 1.4,5; I Pe 1.2. Os nomes dos eleitos estão registrados no livro da vida, e os dos não eleitos não se encontram registrados no mesmo, sendo que o registro foi 81 feito antes da fundação do mundo: Apo 13.8; 17.8b; 20.15; 21.27; Fp 4.3. O próprio Jesus ensinou que muitos são chamados com a chamada geral da pregação do evangelho, mas somente uns poucos dentre estes são escolhidos (eleitos) por Deus, para a salvação (Mt 20.16b; 22.3,12-14). No contraste entre os vasos de ira (não eleitos) e os de misericórdia (eleitos) em Rom 9.21-25, afirma-se que somente os vasos de misericórdia podem dar a conhecer as riquezas da glória do Senhor, em razão do trabalho da graça em suas vidas. As palavras “Ou não tem o oleiro direito sobre a massa, para do mesmo barro fazer um vaso para honra e outro para desonra?” não devem ser interpretadas que Deus espíritos desobedientes, mesmo modelou infundindo-lhes a incapacidade de se voltarem para Ele, e também ao mesmo tempo inclinando-lhes para o erro. 82 Como podemos conciliar a ideia de que Deus é bondoso e justo com a de que Ele próprio modelou a perversidade em alguns espíritos, para finalmente condená-los à perdição eterna no inferno? Deus em sua bondade nem mesmo pode tentar qualquer pessoa (Tg 1.13). Somente o homem é responsável pelo pecado que existe em sua natureza terrena. E não podemos esquecer em nenhum momento, que criaturas morais, como o homem, são dotadas de livre arbítrio, e que além deste livre arbítrio, têm uma alma que pode ser avessa ou não à presença do Espírito de Deus e à Luz de Jesus. Jesus disse aos discípulos: "Não fostes vós que me escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros, e vos designei para que vades e deis frutos, e o vosso fruto permaneça;" (Jo 15.16). Não padece qualquer dúvida que o Senhor estava se referindo à eleição. 83 Na conclusão da parábola do juiz iníquo Jesus fez referência aos eleitos (Lc 18.7). Judas foi escolhido como apóstolo mas não era um dos escolhidos (eleitos) de Deus quanto à salvação. Referindo-se a ele, Jesus disse que lhe havia escolhido sabendo que era um diabo, isto é, inimigo para o propósito de traí-lo, conforme já estava profetizado na Escritura (Jo 6.70,71; 13.18). Muitos ensinam que Judas poderia ser um crente fiel caso o desejasse, mas isto não concorda com o ensino geral das Escrituras, nem com as palavras específicas de Jesus a seu respeito, pois não sendo um dos eleitos de Deus, como poderia crer? Não por nada que Deus tivesse feito nele em tal sentido, mas pelo que ele era em sua própria natureza e espírito, e que era conhecido por Deus, a ponto de ter falado da sua perdição muitos séculos antes 84 de ter chegado à existência. Jesus também se referiu a Judas chamando-o de filho da perdição (Jo 17.12). Ora, quem é filho da perdição, senão aquele que nasceu para se perder. O Senhor foi bastante claro quanto à impossibilidade de alguém crer nEle caso não se encontre entre os eleitos. Isto se depreende dos seguintes textos, dentre outros: Jo 6.37, 39, 64,65; 8.42-44, 47; 10.26; 15.19; 17.6. A distinção entre eleitos e não eleitos será bem marcada no tempo do fim, quando os anjos fizerem separação entre ambos (Mc 13.27). Necessitamos ainda de palavras mais enfáticas quanto à eleição do que as de Jo 17.9? Jesus não incluiu os não eleitos na cobertura da sua oração sacerdotal, mas apenas aqueles que lhes foram dados pelo Pai, a saber, os escolhidos. Além das várias referências bíblicas já destacadas ao longo do nosso estudo, podem ser citadas ainda muitas outras que confirmam 85 a realidade da eleição pela graça: I Ts 1.4; Ef 1.11; Mc 13.20; Rom 8.33; 16.13; I Pe 5.13; II Jo 13; I Cor 1.24. Para demonstrar que a eleição é por graça e não por mérito, Deus tem mais eleitos entre os fracos e desprezados (I Cor 1.26-29; Tg 2.5), do que entre os sábios, poderosos e nobres. Isto é para que ninguém se glorie, como afirma o apóstolo Paulo (I Cor 1.29). Em que nos gloriaremos então quando o assunto se trata da nossa eleição, senão somente em Jesus Cristo. Porque fomos escolhidos nEle, predestinados em amor para Ele, para a adoção de filhos, e por meio dEle (Ef 1.3-5). Como fica a glória humana? Reduzida a menos do que nada. Deste modo, prosperar no mundo, participar da sua glória efêmera, não é‚ nunca foi e nunca será sinal da graça e do favor divino. 86 Muitos têm sido enganados pela glória do mundo que hoje é e amanhã já não será. Há um reino e uma glória que não são deste mundo. Luxo, conforto, riquezas... quanto tempo duram e por quanto tempo podemos desfrutar deles? Como comparar uns poucos anos terrenos com toda a eternidade? Tais coisas são como laços para aqueles que nelas colocam os seus corações. Quais aplicações práticas e úteis podemos fazer do aprendizado da doutrina da eleição? Dentre outras podemos destacar as seguintes: a) Perseverar na fé, rejeitando as acusações da carne e do diabo, em razão da prática eventual de possíveis pecados, por sabermos que a nossa filiação a Deus não está baseada na nossa própria justiça, santidade ou méritos, mas no fato de termos sido escolhidos por determinação exclusiva da Sua graça. Isto 87 servirá para termos uma boa consciência (não paralisada por tais acusações) e fortalecimento de nossa fé nos méritos de Jesus, que nos foram atribuídos na justificação. b) Maior eficácia na evangelização pessoal ou pregação pública do evangelho, pela ministração da verdade a toda e qualquer pessoa (boa ou má) sabendo que Jesus tem seus escolhidos até entre os piores, e que veio chamar os eleitos entre pecadores, e não justos. c) Maior e melhor qualidade da adoração, louvor e serviço à Trindade, pelo conhecimento da profundidade da graça salvadora, especialmente no que se refere à eleição. d) Discernimento do oferecimento da graça pelo Espírito, não lançando pérolas e cousas santas a pessoas reprovadas (não eleitas) sabendo que a fé não é de todos. 88 e) Paz no espírito quanto à certeza de que o trabalho de alcançar os eleitos, sem exceção de qualquer um deles será feito pelo Espírito Santo, ainda que sejam imperfeitos empreendimentos os nossos evangelísticos e missionários, sem que isto signifique qualquer incentivo a nos acomodarmos ou a fazermos a obra de Deus relaxadamente, sem o devido zelo fervoroso, porque é necessário muita intercessão diante de Deus para que tire os eleitos das trevas para a Sua luz, e do endurecimento em que eles se encontram. Não devemos esquecer que para revelar que há eleição, está escrito: “amei a Jacó, porém me aborreci de Esaú”, e isto se refere ao fato de ter Deus escolhido a Jacó e não a Esaú, quando os gêmeos não eram ainda nascidos e nem tinham praticado o bem ou o mal (Rom 9.11-13); e quanto a Faraó nos dias de Moisés foi dito por Deus em relação a ele: “Para isto mesmo te levantei pra mostrar em ti o meu poder, e para que o meu 89 nome seja anunciado por toda a terra”, e em face disto o apóstolo Paulo conclui: “Logo, tem ele misericórdia de quem quer, e também endurece a quem lhe apraz.” (Rm 9.16-18). Assim, também se diz em relação a Judas que era filho da perdição, e isto indica que não poderia ser um crente, incluído no rol dos remidos pelo sangue de Jesus, porque era um diabo, isto é, um inimigo de Deus, no dizer do próprio Jesus, e fora escolhido por Ele exatamente para o propósito de o trair. O Espírito de Deus revelou nas Escrituras a traição de Judas alguns séculos antes de que ele nascesse. Estes exemplos dentre são apenas os muitos uns que poucos estão registrados na Bíblia quanto à presciência de Deus relativa àqueles que são e que não são Seus. Em relação a Jeremias Ele disse: “Antes que eu te formasse no ventre materno, eu te conheci, e 90 antes que saísses da madre, te consagrei e te constituí profeta às nações.” (Jer 1.5). Paulo diz a respeito de si mesmo: “Quando, porém, ao que me separou antes de eu nascer e me chamou pela sua graça, aprouve revelar seu Filho em mim, para que eu o pregasse entre os gentios,...” (Gl 1.15). Portanto, a presciência de Deus é inegavelmente um dos Seus atributos, e por meio dele pode conhecer e pesar os espíritos antes que cheguem à existência neste mundo. “Nós somos de Deus; quem conhece a Deus nos ouve; quem não é de Deus não nos ouve. Assim é que conhecemos o espírito da verdade e o espírito do erro.” (I Jo 4.6). “Então lhes direi claramente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade.” (Mt 7.23). 91 “Respondeu-lhes Jesus: Porque a vós é dado conhecer os mistérios do reino dos céus, mas a eles não lhes é dado;” (Mt 13.11). “Porque cada árvore se conhece pelo seu próprio fruto; pois dos espinheiros não se colhem figos, nem dos abrolhos se vindimam uvas.” (Lc 6.44). “Todas as coisas me foram entregues por meu Pai; e ninguém conhece quem é o Filho senão o Pai, nem quem é o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar.” (Lc 10.22). Este versículo é bastante claro quanto à verdade que a eleição para a salvação está inteiramente dependente da iniciativa de Cristo em escolher a quem Ele quiser se revelar. O pecador nada pode fazer senão se render à Sua revelação. “Mas o próprio Jesus não confiava a eles, porque os conhecia a todos,” (Jo 2.24). 92 “Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem,” (Jo 10.14). “a saber, o Espírito da verdade, o qual o mundo não pode receber; porque não o vê nem o conhece; mas vós o conheceis, porque ele habita convosco, e estará em vós.” (Jo 14.17). “E Deus, que conhece os corações, testemunhou a favor deles, dando-lhes o Espírito Santo, assim como a nós;” (At 15.8). “Porque os que dantes conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos;” (Rm 8.29). “Mas, se alguém ama a Deus, esse é conhecido dele.” (I Cor 8.3). “conhecendo, irmãos, amados de Deus, a vossa eleição;” (I Tes 1.4). 93 “sempre aprendendo, mas nunca podendo chegar ao pleno conhecimento da verdade.” ( II Tim 3.7). “Paulo, servo de Deus, e apóstolo de Jesus Cristo, segundo a fé dos eleitos de Deus, e o pleno conhecimento da verdade que é segundo a piedade,” (Tito 1.1). Que nenhum dos eleitos se abençoe no seu íntimo, julgando-se melhor do que os demais homens, porque na verdade todos são pecadores. Deus nos vê e nos julga como canas quebradas, por causa de nossa fraqueza e pecado, e não como carvalhos majestosos. Paulo se gloriava na sua própria fraqueza sabendo que era um vaso de barro no qual toda a excelência era a de Cristo. 94 A propósito, os eleitos são chamados de vasos de misericórdia, porque se não fosse pela misericórdia de Deus em elegê-los, a par de serem pecadores, jamais poderiam ter sido escolhidos por Deus, por ser completamente justo e santo. É pela copiosa redenção que há em Cristo que pudemos ser eleitos por Deus e não por qualquer bondade e justiça própria que houvesse em nós. Acerca disto, bem se expressou Davi no Salmo 130: “Se tu, Senhor, observares as iniquidades, Senhor, quem subsistirá?” (v. 3). “Mas contigo está o perdão, para que sejas temido” (v. 4). “Espera, ó Israel, no Senhor! pois com o Senhor há benignidade, e com ele há copiosa redenção; e ele remirá a Israel de todas as suas iniquidades.” (v. 7,8). Tudo o que se refere à eleição não foi por ter Deus criado nos que se perdem uma disposição 95 para isto, pois na condição de seres morais dotados de livre arbítrio, manifestam pelo seu próprio endurecimento no pecado, uma permanente inimizade contra Deus, condição esta, da qual são libertados os eleitos, a saber, todos aqueles que se arrependem de seus pecados e se voltam para Deus, crendo nas promessas e verdades do Evangelho. É preciso pois ter o cuidado de não tentar apresentar Deus aos outros como sendo complacente e bonzinho para com todos, para não desfigurarmos o Seu real caráter, por deixar de apresentá-lo como verdadeiro, soberano, onisciente e onipotente. Não temos o poder de fazer com que Deus deixe de ser Deus, e todas as teorias teológicas que ocultem a grande verdade da Sua soberania na eleição serão abatidas quando forem submetidas ao juízo da Sua Majestade quando Ele se manifestar em glória. 96 Para o nosso próprio bem e dos nossos ouvintes será uma boa praxe passar todas as nossas afirmações sobre as Escrituras sob o crivo do devido temor ao Senhor. A Bíblia declara que a salvação dos homens pecadores é uma questão de graça. De Efésios 1:7-10 aprendemos que o propósito primordial de Deus no trabalho da redenção foi o de exibir a glória deste atributo divino da misericórdia e da graça, de forma que por épocas sucessivas o universo inteligente pudesse admirar isto por ser feito conhecido pelo amor não merecido dEle e Sua bondade ilimitada para com criaturas culpadas, vis, desamparadas. Adequadamente, todos os homens são representados como estando numa condição de pecado e miséria, dos quais não podem se livrar totalmente. Quando mereciam somente a ira e a maldição de Deus, Ele determinou 97 que iria, graciosamente, prover redenção para eles enviando o Seu próprio Filho eterno para assumir a sua natureza e culpa e obedecer e sofrer no seu lugar, e o Espírito Santo, para aplicar a redenção comprada pelo Filho. No mesmo princípio representativo pelo qual o pecado de Adão é imputado a nós, somos completamente responsáveis por isto e sofremos as suas consequências, o nosso pecado em contrapartida é imputado a Cristo e a Sua justiça nos é imputada. Assim, foi pela determinação de um pacto de graça, que Deus oferece a salvação numa condição bem mais baixa do que a condição que foi imposta a Adão de permanecer perfeito perante Ele, pois em vez de exigir obediência perfeita Ele aceita somente a fé e a obediência evangélica, conforme imperfeito pode fazer. 98 o pobre pecador A palavra "graça" em seu próprio sentido e significado é o amor livre e imerecido ou favor de Deus oferecidos a pecadores indignos. É algo que é determinado independente de qualquer mérito do homem; e introduzir obras ou merecimentos em qualquer parte deste esquema planejado por Deus para a salvação, corrompe a natureza e frustra o Seu propósito eterno. Como é por graça, não pode incluir méritos precedentes que existissem no que é salvo. E é e deve ser por graça porque é somente por ela que todas as criaturas morais de Deus podem ser mantidas santas e inculpáveis perante Ele, porque isto não está no próprio poder delas. Somente Deus tem poder em si mesmo para não pecar. Todas as suas criaturas morais, sejam anjos ou homens, dependem inteiramente 99 dEle e especificamente da operação da Sua graça para que estejam de pé e inculpáveis na Sua presença. E vale dizer que isto não pode ser obtido sem estar em comunhão com Ele. Como o homem depende inteiramente da misericórdia de Deus para que seja salvo, pois diz que terá misericórdia de quem Lhe aprouver, então está somente em Deus poder livrar o homem da condição de escravidão ao pecado, porque, por melhores que sejam as obras do pecador, está inteiramente sem méritos diante de Deus, em razão de ser pecador, de suas más obras e da sua incapacidade inata de não poder fazer as obras de Deus e ter a vida de Deus em santidade e justiça plenas, que seria a única forma de alguém ser salvo sem a graça, mas como vimos, ninguém pode ser santo e justo sem que seja fortalecido e capacitado pela graça divina, e daí decorre então que qualquer pessoa natural, sem a justiça e a graça salvadora de Cristo está sem 100 méritos diante de Deus e não merece dEle senão somente castigo e nenhum dom ou favor. Tudo que os homens têm de bom, foi Deus quem lhes deu; e o que não têm, certamente é porque, obviamente não o receberam de Deus. Como Deus, em Seu plano eterno, preparou boas obras que procedem dEle, para que andássemos nelas (Ef 2.10), e como estas obras são o resultado da graça que passou a habitar naqueles que elegeu para a salvação, porque de outro modo não poderiam praticá-las porque todas estas obras são o resultado, a consequência da operação da graça neles, então não têm do que se gloriar, nem mesmo em suas obras, porque não são propriamente deles, mas da graça (I Cor 15.10). Deste modo, tudo permanece debaixo da soberana graça do Senhor, efetuando nos seus eleitos tanto o querer quanto o realizar. 101 Assim, toda a glória e honra são devidas ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, posto que Deus mesmo faz as Suas obras em nós e por meio de nós. Tendo sido criados portanto, para a exclusiva glória e honra do Senhor, por um viver em santidade e justiça, em completa dependência do Seu próprio poder, requer-se de toda criatura moral que tenha pureza imaculada e obediência perfeita a Deus. Como já vimos antes, como poderá o homem pecador alcançar isto até a perfeição completa que terá na glória futura, se não for por um trabalho da graça em sua vida? Esta perfeição é provida pela justiça de Cristo, que é imputada a eles, e que é também implantada em suas naturezas pelo processo da santificação. É dito claramente que Cristo sofreu como um substituto, "o justo pelo injusto"; e quando o 102 homem é encorajado a pensar que deve a si mesmo um pouco de seu próprio poder e arte nesta salvação que na realidade é totalmente pela graça, Deus é roubado de parte da Sua glória. Por nenhuma extensão da imaginação as boas obras de um homem podem ser consideradas ainda por um pouco que seja, equivalentes às bênçãos da vida eterna. Na realidade, nós nada somos além de meros receptores; nós nunca poderíamos de nós mesmos atender ao propósito de viver em perfeita justiça e santidade diante de Deus, pois como vimos, isto será um trabalho exclusivo da graça de Cristo em nós. A nossa parte consiste em crer e andar na presença de Deus procurando ser-Lhe agradáveis em tudo, mas sabendo de antemão que nada podemos fazer de nosso próprio poder. 103 Até nossas imperfeições e falhas em nossa comunhão servem para comprovar que somos inteiramente dependentes da graça e do favor do Senhor, que não sendo manifestados a nós, e não estando fortalecidos na graça de Jesus, não podemos viver do modo que Lhe seja agradável e praticar as obras de justiça da fé, conforme o Senhor nos capacita, pelo Seu próprio poder. Aqui temos experimentado a graça em nossas imperfeições em medidas recebidas não em grau absoluto, constante e permanente, ainda que nos esforcemos para tê-lo em todo o tempo, porque não está em nós sermos assistidos em todo o tempo, ininterruptamente pelo poder da graça do Senhor para não pecarmos e fazermos somente o que Lhe seja agradável, pois como diz Tiago, tropeçamos em muitas coisas neste mundo, e como diz João, se dissermos que não temos pecado, mentimos, pois para propósitos específicos, Deus nos tem ensinado por privações momentâneas da Sua graça, que 104 realmente todo o poder espiritual que há em nós procede dEle e não de nós mesmos. Isto nos estimula e encoraja ao exercício da fé para buscar nEle os recursos espirituais necessários para viver na prática da justiça, e em santidade de vida. Louvado seja o Seu santo nome! Louvada seja a Sua soberania e misericórdia! Assim, se alguém é grande e poderoso diante dEle em obras e palavras é porque tem recebido uma maior assistência da Sua graça do que outros, e não tem portanto do que se gloriar em si mesmo, senão nAquele de quem procede toda esta graça e poder. Por isso Paulo diz que toda a jactância do homem é excluída pelo plano de salvação de Deus. Ainda que o homem não tivesse pecado, e não precisasse de um Redentor que pagasse o preço 105 devido para satisfazer à justiça de Deus, e assim poder libertar o pecador da escravidão ao pecado, ao diabo, e da sujeição à ira eterna de Deus, nem mesmo neste caso, o homem teria qualquer mérito no fato de ser mantido perfeitamente santo e justo diante de Deus, pois ninguém poderia sê-lo a não ser por uma capacitação direta da própria graça divina. “É a lei, então, contra as promessas de Deus? De modo nenhum; porque, se fosse dada uma lei que pudesse vivificar, a justiça, na verdade, teria sido pela lei. Mas a Escritura encerrou tudo debaixo do pecado, para que a promessa pela fé em Jesus Cristo fosse dada aos que creem.” (Gl 3.21,22). É por isso que Jesus diz em Lc 17.10 que não há nenhum mérito em nossas obras, porque tudo o que fazemos é uma mera consequência do que deveríamos fazer e para 106 o quê somos inteiramente capacitados pela exclusiva graça de Deus: “Assim também vós, quando fizerdes tudo o que vos for mandado, dizei: Somos servos inúteis; fizemos somente o que devíamos fazer.” (Lc 17.10). Pelo mesmo motivo se diz em Is 64.6: “Pois todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças como trapo da imundícia; e todos nós murchamos como a folha, e as nossas iniquidades, como o vento, nos arrebatam.”. E em Is 55.1: “Ó vós, todos os que tendes sede, vinde às águas, e os que não tendes dinheiro, vinde, comprai, e comei; sim, vinde e comprai, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite.”. Se a salvação é pela graça, como a Bíblia tão claramente ensina, não pode ser por obras. Não há nenhum mérito nem mesmo na fé que temos porque é um dom de Deus. 107 Deus dá ao Seu povo a operação do Espírito para que possam crer. Então, é somente a fé a causa instrumental, o meio, e não a causa meritória da salvação. Assim a fé que é dom de Deus e a Sua graça, antecedem as nossas boas obras. “Querendo ele passar à Acaia, os irmãos o animaram e escreveram aos discípulos que o recebessem; e tendo ele chegado, auxiliou muito aos que pela graça haviam crido.” (At 18.27). Vemos claramente aqui que foi por causa da graça que eles creram, isto é, que receberam o dom da fé. “Os gentios, ouvindo isto, alegravam-se e glorificavam a palavra do Senhor; e creram todos quantos haviam sido destinados para a vida eterna.” (At 13.48). 108 Aqui se diz que creram os que estavam destinados para a vida eterna. E quem creu senão o que foi eleito pela graça para a salvação? E foi pelo poder operante desta mesma graça que ele pôde crer. Em At 16.14 se diz que foi Deus quem abriu o coração de Lídia para receber o evangelho. Se é a graça que tudo faz em relação à salvação, vemos então que como se afirma em Ef 2.10, as boas obras não são em nenhum sentido a base meritória da salvação, mas o fruto e a prova da salvação. É por causa deste sistema de graça na salvação que se diz que aquele que se gloriar, glorie-se no Senhor, pois a redenção foi comprada por um preço elevadíssimo e infinito pelo próprio Senhor. Quando Adão pecou e Deus fez para ele e para sua mulher vestimentas de peles de animais, naquele ato mesmo já estava preanunciada a 109 salvação pela graça unicamente pela fé em Cristo, e que seria portanto, desde então, a única forma de Deus se prover de filhos dentre os pecadores, por meio da Sua eleição soberana, em redimir pecadores não merecedores da salvação. Ainda que reconheçamos que a justiça de Adão, enquanto em santidade, estava baseada na sua obediência ao mandamento de Deus de não comer do fruto proibido, o que se comprovou é que assim como Adão caiu em desobediência, qualquer homem, no lugar de Adão, deixado à sua própria capacidade e poder para não pecar, acabaria pecando em dado momento, tal como ele. Ele deveria recorrer à graça de Deus, apesar de se encontrar em estado de perfeição, antes do pecado, para que fosse fortalecido e não caísse na tentação, mas o fato é que ele não o fez e veio a cair. 110 É o poder operante do Espírito em conceder esta condição de perfeita obediência que nos impede de cair, e é isto que impede também os anjos eleitos de pecarem. É por pura graça concedida em grau absoluto (como a teremos no céu) que impede qualquer ser moral criado por Deus de pecar contra Ele. Sem que Ele conceda tal graça seria impossível permanecer em estado de retidão absoluta perante Ele. Cremos que é isto que Ele queria mostrar, ensinar, principalmente aos anjos eleitos, com a criação do homem, e a forma que este está sujeito ao pecado, sem que receba graça e misericórdia da parte de Deus para vencê-lo. Daí o conselho de Paulo a Timóteo para se fortificar na graça que está em Cristo Jesus, e não somente a Timóteo como também a toda a Igreja, como está escrito em Ef 6.10. 111 Esta graça foi revelada desde o princípio. Quando João diz que a lei veio por Moisés e a graça e a verdade por Jesus Cristo o que há muito de revelação nisto é que Moisés não tinha nenhuma graça para transmitir por si mesmo a nenhum pecador, mas Cristo é a fonte de toda a graça. A revelação nisto é também que Moisés não foi Mediador de nenhuma aliança que fosse firmada na pura graça de Deus para a justificação. Esta aliança da graça foi firmada por Jesus. No entanto, não se pode afirmar que a graça que opera pela fé não estava operando nos dias do Antigo Testamento, pois vemos que mesmo antes da Lei, Abraão foi justificado pela fé, e certamente também Enoque, Noé e muitos outros eleitos de Deus, que viveram em tal período. 112 Como comentamos antes, quando Adão pecou, ficou comprovado que o homem não poderia ser salvo por sua própria capacidade, e jamais poderia se manter no estado de total santidade pelo seu próprio poder. O homem necessita ser eleito por Deus para receber dEle graça e misericórdia, para poder vencer o pecado e chegar ao estado de santidade absoluta no porvir, que também lhe será garantido pelo exclusivo poder da graça de Deus. Leia mais atentamente todos os textos de Paulo relativos à graça e verifique que é exatamente a isto que ele se refere em todas as suas epístolas. Ele sabia perfeitamente que quanto Deus disse a Moisés que usa de misericórdia com quem lhe apraz o que Ele quer dizer com isso, é que todos são eleitos, justificados, capacitados, honrados, amados, aperfeiçoados etc, unicamente pela graça que Ele concede no exercício da Sua 113 misericórdia, e que foi este o modo que Ele fixou desde a eternidade para firmar todos os seres morais na Sua justiça e santidade, de modo que sejam considerados Seus filhos, e possam viver de modo que Lhe seja agradável. Sem o Seu amor e graça, o homem nada é, segundo o propósito para o qual foi criado, a saber, de viver na prática das obras que o próprio Deus preparou na eternidade, assim como o Seu método de salvação pela graça. Não são as boas obras segundo a própria escolha e imaginação do homem que estão em foco, senão as boas obras que Deus preparou de antemão, como se diz em Ef 2. Então, até mesmo para a prática destas boas obras o crente necessitará da iluminação e capacitação do Espírito Santo, mediante a mesma graça que lhe foi concedida para a justificação. Afinal, não são as obras do homem mas as obras de Deus. 114 É assim que nós podemos entender que os maiores feitos pelos maiores homens do mundo que não têm a Cristo como Salvador, nada lhes aproveitará na eternidade, e realmente nada para a sua salvação eterna, porque continuam debaixo da ira de Deus, por serem escravos do pecado, por não serem Seus eleitos, por não terem alcançado misericórdia, por não terem sido santificados pela graça. Mesmo os atos valorosos dos crentes, que não são feitos em Deus e para Ele, não contarão em nada para o seu galardão futuro, e não servem para lhes recomendar ao Senhor, porque, como vimos antes, são as Suas obras, e não propriamente as nossas que nos recomendam perante Ele. Por isso se lê em I Cor 13 que apesar de grandes feitos e sacrifícios e sofrimentos sem a ação do amor de Cristo em graça, nada teremos e seremos. 115 Lendo Is 53.4,5, 11, 12 o que vemos ali é a pura graça e misericórdia de Deus manifestada em Cristo em favor da salvação dos pecadores. II Cor 5.21 diz que: “Àquele que não conheceu pecado, Deus o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus.”. A graça nos deu Cristo, e sem Cristo não podemos ter o poder da graça. O texto de Rom 3.20-28 mostra claramente que a salvação é inteiramente pela graça e que todo o mérito na salvação pertence exclusivamente a Cristo. Em Rm 5.18,19 e Fp 3.8,9 Paulo mostra que a justiça que salva é a de Cristo, e não a justiça própria, e que aquela justiça é obtida unicamente pela fé, para que seja por graça e não por obras. Deus quer nos ensinar que os nossos melhores esforços, sem o trabalho do Espírito Santo 116 aplicando a Sua graça em nossas vidas, não nos levariam a lugar algum, porque não podemos ser participantes da natureza de Deus, que é espírito, senão pela operação e habitação do Seu próprio Espírito que Ele nos concede livremente pela fé em Cristo. A posição determinista de que Deus escolheu alguns para a salvação e outros para a perdição eterna mantém intocado o sistema de salvação unicamente pela graça e segundo a soberania e misericórdia exclusiva de Deus na eleição; mas cria algumas dificuldades, e a maior delas é que se Deus quisesse, qualquer pessoa poderia ser salva, então não seria correto ou mesmo verdadeiro que Ele afirme que não tem prazer na morte do ímpio e que é Seu desejo que todos se salvem, já que estaria na esfera do Seu poder fazê-lo. Se por um lado a soberania de Deus na eleição é um fato incontestável, por outro, não se pode 117 tratar como um fato moral em termos meramente técnicos e teológicos, sem levar em conta outros aspectos como o do caráter moral do próprio Deus, que seria considerado negativamente, se fosse aventada esta hipótese de que se Ele quisesse poderia manter o próprio Satanás em estado de perfeita obediência, temor e amor a Ele. Nós cremos que, segundo o que se pode aprender das Escrituras, é Deus quem pode nos firmar na verdade e santidade pela Sua graça, mas seria inteiramente incompatível com o Seu caráter santo, compassivo e perdoador considerar que Ele endureceria no pecado quem estivesse buscando sinceramente encontrar a verdade e a Sua própria pessoa divina, para viver do modo que Lhe fosse agradável, e daí Jesus dizer que a nenhum que vier a Ele, será lançado fora, como que a dizer que todos que o buscarem de fato Lhe encontrarão, e sabemos que certamente estes 118 estarão sendo atraídos pelo Pai a Ele, porque de outro modo jamais O encontrariam, e João diz isto nas palavras que nós O amamos porque Ele nos amou primeiro, quer dizer, a iniciativa de procurá-lo partiu dEle mesmo. Os evangelhos mostram claramente o esforço de amor e misericórdia de Jesus entre os homens, fazendo inclusive muitos sinais entre eles para atraí-los à salvação, ainda que dissesse que muitos permaneceriam endurecidos pelos seus pecados e não viriam para a Luz, e para estes nem sequer a verdade seria colocada em termos diretos e claros para que não se convertessem à doutrina, sem um real conhecimento de Deus, porque isto não estava nos seus corações. Em Sua onisciência, Deus que conhece os corações, sabia que seria lançar pérolas aos porcos, chamar os tais por uma ação direta do 119 Espírito, pois seria em vão pelo conhecimento prévio da disposição dos seus corações. Deste modo, vemos que há uma ação de Deus em manter em endurecimento os que já estão endurecidos e que desejam permanecer nesta condição, sem que sejam tentados a permanecerem no pecado, porque isto não somente é uma impossibilidade moral para Deus, como não estaria em conformidade com o Seu caráter santo, bondoso e justo. Então, no desejo correto de afirmarmos a Soberania de Deus devemos ter o cuidado de não forjar uma teologia que não esteja em conformidade com o todo da revelação bíblica, que nos apresenta sim, como já dissemos Deus soberano na salvação do homem, mas que não exime a responsabilidade do homem, de modo que não seria correto julgá-los dignos do inferno se não fossem responsáveis pelos seus atos, quanto especialmente a terem a possibilidade 120 de se voltarem para Deus, de modo que pudessem ser salvos por Ele. Entretanto, as dificuldades permanecem, porque se de fato, como realmente é, a salvação dos eleitos é de conhecimento presciente de Deus, tanto que foram conhecidos de antemão como os que seriam salvos pela exclusiva graça e misericórdia de Deus, já que são pecadores, não se pode negar, que uma grande dificuldade seria levantada se pensássemos que a eleição não foi feita por nenhum mérito por um conhecimento prévio para a fé da parte de Deus, daqueles que aceitariam o convite à salvação, porque isto, tiraria a salvação da esfera exclusiva da graça, e seria então pelo mérito deles de crerem. Mas isto é o que afirmam os reformadores. Entretanto, se vemos por outro lado, que em relação ao pecado ou à capacidade de ficarem firmes na justiça e santidade, não há qualquer mérito em nenhum pecador, pois como vimos antes, ninguém é capaz disto, 121 então, não seria um ato meritório deles o fato de ter Deus conhecido em Sua presciência quem viria a crer para que pudesse ser justificado pela graça, pois continuariam dependendo da graça, não somente para serem justificados, mas para serem firmados na justiça. Então, sem que façamos do homem um parceiro de Deus na questão da salvação, pois como vimos, ele é inteiramente dependente da soberania e misericórdia do Senhor, no entanto, não excluímos a responsabilidade humana em não somente buscar o reino de Deus e a Sua justiça, no que tange à justificação e regeneração, como também na busca da santificação durante todo o curso da sua vida, sem que isto implique em qualquer mérito para ele, no sentido de anular a glória que é devida totalmente ao Senhor, senão somente a obediência a um dever que é imposto por Deus àqueles que tem chamado à salvação pela Sua graça. 122 Se não há de fato mérito na criatura em crer, já que a fé é um dom de Deus, no entanto, ainda que não haja também de fato nenhum mérito nos eleitos, aceitaram o convite de Deus à salvação, recepcionaram a fé que lhes foi dada como um dom, e em Sua presciência, Deus pôde perfeitamente conhecer quais seriam aqueles que viriam para a Luz de Cristo, quando fossem por Ele atraídos pela chamada da graça, por meio do Espírito Santo. Assim, permanece inalterável a exclusão do mérito para que a eleição seja por graça, como afirmam as Escrituras. “eleitos segundo a presciência de Deus Pai, na santificação do Espírito, para a obediência e aspersão do sangue de Jesus Cristo: Graça e paz vos sejam multiplicadas.” (I Pe 1.2). É inegável que Deus conhece os que são Seus, como afirma o apóstolo Paulo, e Jesus mesmo disse que conhece as Suas ovelhas e é por elas 123 conhecido, e que não seguirão o estranho porque sabem qual é a voz do Seu Pastor. Os eleitos não podem ser enganados pelos falsos profetas e cristos de modo a abandonarem a Jesus definitivamente, depois de tê-lo conhecido, para segui-los, porque é o próprio Cristo que se revela a eles e os atrai a Si, e nada e ninguém pode separar o eleito do amor de Deus que está em Cristo Jesus. Esta é a garantia de que ainda que pecadores neste mundo, ainda que tropecem em muitas coisas, por estarem sujeitos à fraqueza da carne, nisto, que é o principal, os eleitos jamais falharão, a saber, na atração espiritual de estarem unidos a Cristo num laço eterno e indestrutível, que nem mesmo a morte pode exterminar. Por mais que errem, jamais virão a ser inimigos eternos de Deus, para se colocarem prazerosa e voluntariamente debaixo do serviço de Satanás. 124 É com base neste mistério espiritual da atração mútua que passa a existir entre aqueles que se unem a Cristo pela fé, que são os eleitos de Deus, que é garantido o trabalho da graça em educar os eleitos a viverem justa, santa e piedosamente para Deus, até chegarem à estatura de varão perfeito. Não se deve confundir o significado da graça divina com a mera noção de grátis, porque a graça é um dos maiores atributos de Deus. Paulo reconheceu que foi a graça que fez com fosse o que ele era, e que pudesse fazer tudo quanto realizou (I Cor 15.10). Que todo o trabalho que fizera não foi propriamente ele quem fizera pelo próprio poder e capacidade, mas a graça de Jesus que nele estava e operava. O que deve estar bem claro diante de nós é a grande verdade que apesar de terem os eleitos sido conhecidos e designados segundo a 125 presciência de Deus, não havia e não há e não haverá qualquer perfeição e bondade que lhes seja inerentemente pessoal, ligadas à sua própria natureza, porque na verdade, na carne não habita bem algum, dado serem pecadores, e tudo o que houver de bom neles terá sido recebido pela graça de Deus. Nenhum eleito, antes da conversão, antes de ter sido redimido do pecado e da ira de Deus, por Cristo, era uma ovelha, uma pessoa qualificada à salvação, ao contrário, estava sujeito à condenação eterna como os demais pecadores. É por pura graça que os pecadores são salvos. É por pura graça que há eleição de pecadores. É pelo trabalho exclusivo da graça que serão transformados à imagem do Seu Salvador e Senhor. 126 É por isso que se diz que os crentes têm recebido da plenitude de Cristo, como graça sobre graça, pois esta é concedida progressivamente neste mundo, até que nos seja dada em plenitude no céu, no grau absoluto que nos tornará perfeitos e totalmente sem pecado, diante de Deus. Outra dificuldade é a que diz respeito à forma de recepção da graça, pois não é passiva como muitos a imaginam, ao contrário, é ativa, pois Paulo diz que trabalhou muito e que se esforçava muito, à medida que a graça lhe era concedida, capacitando-lhe, fortalecendo-lhe, enquanto atuava através dele pela sua cooperação e empenho para que a graça fosse plenamente atuante. Pedro fala da necessidade de diligência em empenho para se confirmar cada vez mais a nossa vocação e eleição, e isto fala de uma graça que é recepcionada de modo ativo e não passivo. 127 E que saberemos que somos eleitos, pela nossa perseverança e diligência em santificação. Em outras palavras, não há nenhuma graça para ser recebida, por quem não quer se dispor a trabalhar muito para Deus, pois Ele não desperdiçará os seus dons com aquele que desprezá-los ou que não se disponha a usá-los. Por conseguinte, se determina a necessidade da fé, e de uma fé ativa que confia não somente em Deus, mas também que Ele é poderoso para atuar em nós e através de nós, segundo a capacitação concedida pela Sua graça., nas boas obras que preparou de antemão para que andássemos nelas, para a glória da Sua honra e nome. A fé de Noé levou-o a construir uma imensa arca. Abraão a peregrinar numa terra estranha. Davi a construir um reino. Paulo a pregar o evangelho às nações gentias. 128 Se a salvação é unicamente por graça, e graça que salva pecadores, a quem se deve excluir portanto da possibilidade da eleição, pelo argumento da impossibilidade por ser um grande pecador? Quem seria excluído de se aproximar do banquete do grande Rei, em razão dos seus muitos pecados? O publicano da parábola citada por Jesus, que era desprezado pelo fariseu? A prostituta que se prostrou aos pés do Senhor na casa de Simão? O ladrão agonizante na cruz? Onde estão os grandes pecadores que se converterão e virão a ser amigos de Deus para sempre? Somente o Senhor o sabe em Sua presciência. 129 E a muitos deles deixa viverem neste mundo por longos anos, afastados da Sua presença, em terrível inimizade contra Ele, por causa do estado da carne ser o de inimizade contra Deus, até que, para revelar que salva por exclusiva graça, se manifesta a eles somente em ocasião muito próxima da sua morte, revelando-lhes toda a majestade, santidade, amor e doçura que há em Cristo, e eles se encantam com a glória e a bondade do Senhor, e em profundo arrependimento e tristeza por aquilo que foram e viveram, prostram-se aos Seus pés e lhe entregam as suas almas para serem seus servos por toda a eternidade. Onde está pois a jactância? A graça não a exclui totalmente? De que se gloriará o homem no que respeita à sua eleição e salvação, senão unicamente na sua própria fraqueza e incapacidade, e na total suficiência e mérito de Cristo? 130 Mas o ladrão e a prostituta que se converteram não devem se gloriar em terem sido o que foram, ao contrário, devem se envergonhar disto, mas podem e devem se gloriar na graça de Deus que lhes transformou. Contudo, uma vez salvos, não devem se considerar menos importantes que os demais servos de Deus, em razão do que foram, porque afinal todos são pecadores, não merecedores da graça de Deus, e todos são salvos por um único meio, a saber, a graça que opera mediante a fé, e por isso, os que confiam na justiça própria de suas obras, permanecem debaixo da ira de Deus e da condenação eterna. Assim, muitos fariseus e escribas permaneciam condenados em seus pecados, enquanto ladrões e prostitutas estavam entrando no reino de Deus, por causa da sua fé e arrependimento. O que furtava não furtará mais, o que se prostituía não mais se prostituirá, porque a 131 graça, ainda que eleja pecadores, trabalhará neles para que se cumpra o propósito de Deus na eleição, a saber, ter muitos filhos semelhantes a Cristo. Desta forma, se não se vê qualquer aspiração pela santidade de Deus, e de um sincero desejo de ser-lhe obediente, ou ainda, de falta de amor à Sua Palavra e aos demais irmãos na fé, é para se duvidar da nossa eleição, porque esta produzirá em nós, a partir do momento em que Cristo manifestar a Sua presença a nós, convertendo-nos das trevas e de Satanás para o domínio de Deus, todas estas coisas, dentre muitas outras, passarão a existir em nós, por causa do trabalho que a graça realiza em todos os eleitos de Deus, sem exceção. A graça revela quem são os verdadeiros filhos espirituais de Abraão, por terem a mesma fé que ele teve. Revelará a mudança que é operada por ela no seu caráter, de modo que a luz que faz 132 com haja neles não possa ser escondida, pois o propósito mesmo de Deus é que a sua luz brilhe diante dos homens, pelas suas boas obras que são produzidas por meio da Sua graça. “Com grande poder os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e em todos eles havia abundante graça.” (At 4.33). “Ora, Estêvão, cheio de graça e poder, fazia prodígios e grandes sinais entre o povo.” (At 6.8). “sendo justificados gratuitamente pela sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus,” (Rm 3.24). “Mas não é assim o dom gratuito como a ofensa; porque, se pela ofensa de um morreram muitos, muito mais a graça de Deus, e o dom pela graça de um só homem, Jesus Cristo, abundou para com muitos.” (Rm 5.15). 133 “Porque, se pela ofensa de um só, a morte veio a reinar por esse, muito mais os que recebem a abundância da graça, e do dom da justiça, reinarão em vida por um só, Jesus Cristo. Portanto, assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação e vida.” (Rm 5.17,18). “para que, assim como o pecado veio a reinar na morte, assim também viesse a reinar a graça pela justiça para a vida eterna, por Jesus Cristo nosso Senhor.” (Rm 5.21). “Assim, pois, também no tempo presente ficou um remanescente segundo a eleição da graça. Mas se é pela graça, já não é pelas obras; de outra maneira, a graça já não é graça.” (Rm 11.5,6). “Porque pela graça que me foi dada, digo a cada um dentre vós que não tenha de si mesmo mais alto conceito do que convém; mas que pense de 134 si sobriamente, conforme a medida da fé que Deus, repartiu a cada um.” (Rm 12.3). “De modo que, tendo diferentes dons segundo a graça que nos foi dada, se é profecia, seja ela segundo a medida da fé;” (Rm 12.6). “Segundo a graça de Deus que me foi dada, lancei eu como sábio construtor, o fundamento, e outro edifica sobre ele; mas veja cada um como edifica sobre ele.” (I Cor 3.10). “Mas pela graça de Deus sou o que sou; e a sua graça para comigo não foi vã, antes trabalhei muito mais do que todos eles; todavia não eu, mas a graça de Deus que está comigo.” (I Cor 15.10). “e ele me disse: A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza. Por isso, de boa vontade antes me gloriarei nas minhas fraquezas, a fim de que repouse sobre mim o poder de Cristo.” (II Cor 12.9). 135 “Estou admirado de que tão depressa estejais desertando daquele que vos chamou na graça de Cristo, para outro evangelho,” (Gl 1.6). “Mas, quando aprouve a Deus, que desde o ventre de minha mãe me separou, e me chamou pela sua graça,” (Gl 1.15). “Não faço nula a graça de Deus; porque, se a justiça vem mediante a lei, logo Cristo morreu em vão.” (Gl 2.21). “para o louvor da glória da sua graça, a qual nos deu gratuitamente no Amado; em quem temos a redenção pelo seu sangue, a redenção dos nossos delitos, segundo as riquezas da sua graça,” (Ef 1.6,7). “estando nós ainda mortos em nossos delitos, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos),” (Ef 2.5). 136 “para mostrar nos séculos vindouros a suprema riqueza da sua graça, pela sua bondade para conosco em Cristo Jesus.” (Ef 2.7). “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto não vem de vós, é dom de Deus;” (Ef 2.8). “do qual fui feito ministro, segundo o dom da graça de Deus, que me foi dada conforme a operação do seu poder.” (Ef 3.7). “Mas a cada um de nós foi dada a graça conforme a medida do dom de Cristo.” (Ef 4.7). “que já chegou a vós, como também está em todo o mundo, frutificando e crescendo, assim como entre vós desde o dia em que ouvistes e conhecestes a graça de Deus em verdade,” (Cl 1.6). “E o próprio Senhor nosso, Jesus Cristo, e Deus nosso Pai que nos amou e pela graça nos deu 137 uma eterna consolação e boa esperança,” (II Tes 2.16). “e a graça de nosso Senhor superabundou com a fé e o amor que há em Cristo Jesus.” (I Tim 1.14). “que nos salvou, e chamou com uma santa vocação, não segundo as nossas obras, mas segundo o seu próprio propósito e a graça que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos eternos,” (II Tim 1.9). “Tu, pois, meu filho, fortifica-te na graça que há em Cristo Jesus;” (II Tim 2.1). “Porque a graça de Deus se manifestou, trazendo salvação a todos os homens,” (Tt 2.11). “para que, sendo justificados pela sua graça, fôssemos feitos herdeiros segundo a esperança da vida eterna.” (Tt 3.7). “Pelo que, recebendo nós um reino que não pode ser abalado, retenhamos a graça, pela qual 138 sirvamos a Deus agradavelmente, com reverência e temor;” (Hb 12.28). “Não vos deixeis levar por doutrinas várias e estranhas; porque bom é que o coração se fortifique com a graça, e não com alimentos, que não trouxeram proveito algum aos que com eles se preocuparam.” (Hb 13.9). “Todavia, dá maior graça. Portanto diz: Deus resiste aos soberbos; dá, porém, graça aos humildes.” (Tg 4.6). “Desta salvação inquiririam e indagaram diligentemente os profetas que profetizaram da graça que para vós era destinada,” (I Pe 1.10). “servindo uns aos outros conforme o dom que cada um recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus.” (I Pe 4.10). “Semelhantemente vós, os mais moços, sede sujeitos aos mais velhos. E cingi-vos todos de 139 humildade uns para com os outros, porque Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes.” ( I Pe 5.5). “antes crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. A ele seja dada a glória, assim agora, como até o dia da eternidade.” (II Pe 3.18). Deus nos deu a salvação antes da fundação do mundo para que a nossa salvação fosse totalmente pela graça, através de Jesus Cristo, de modo que ficaria bem marcado para todos os salvos que foram realmente eleitos somente por graça, porque antes mesmo que nascessem ou fizessem qualquer obra, boa ou má, já haviam sido escolhidos por Deus e tiveram os seus nomes registrados no livro da vida. É neste fato que Jesus afirma que devemos nos regozijar, a saber, que na condição de salvos, temos os nossos nomes arrolados nos céus, isto é, registrados no livro da vida. 140 Sabendo que a salvação é por graça e não por obras, podemos saber que estamos firmes na graça que nos foi dada gratuitamente por Deus em Cristo Jesus (Rom 5.2), e isto é o fundamento no qual estamos firmemente seguros, porque como a salvação é por graça e não por obras, não somos salvos portanto, pelo esforço humano, porque como poderíamos saber que o nosso esforço foi suficiente para sermos salvos? Mas, como é pela graça, nossos pés estão firmados nas doutrinas da graça e não precisamos ter medo de cair. Spurgeon disse o seguinte: “Os que dizem, pensando com isso obter a salvação: “Deve haver algum mérito no que fazemos”. Essas pessoas estão sob a lei e não sob a graça. Elas não aprenderam a primeira coisa sobre o evangelho, se pensam que podem ser salvas recebendo algum mérito por suas próprias obras.”. 141 Por que Arão depois de ter fabricado o bezerro de ouro, já sendo um servo de Deus, justificado pela fé, pôde exercer o sumo sacerdócio, e ao morrer foi elevado à presença de Deus para se reunir aos demais crentes no céu? Por que Davi, depois de conhecer a Deus, cometeu o pecado de adultério com Bate-Seba e fez um arranjo covarde e vil para que o marido dela fosse morto, e apesar disso recebeu promessas grandiosas da parte de Deus, e produziu parte das Escrituras com os textos que escreveu sob inspiração do Espírito, e foi chamado por Deus de homem segundo o Seu coração, ainda que tivesse sido corrigido por Deus relativamente ao seu pecado? A única resposta para tudo isto é que eram eleitos de Deus. E a eleição é por pura graça e é destinada a pecadores. Transgressões, apostasias temporárias, pecados graves podem ocorrer na vida de um crente, 142 mesmo depois de grandes serviços em comunhão e em santidade para Deus, mas ainda que isto lhe traga as correções do Senhor, nada poderá anular a sua eleição, porque esta não foi estabelecida segundo as nossas obras e justiça própria, mas segundo a graça e justiça de Deus. Crentes verdadeiramente amadurecidos para o exercício do ministério, são de grande auxílio para conduzirem os pecadores não somente à conversão, mas sobretudo, para auxiliá-los na sua caminhada cristã, amparando os fracos, admoestando os insubmissos, consolando os desanimados e sendo longânimos para com todos (I Tes 5.13), em razão da sua eleição pela graça, que lhes transformou em novas criaturas, em filhos de Deus, ovelhas do rebanho de Cristo, que necessitam ser apascentados para aprenderem o modo que devem viver para o inteiro agrado do Seu Salvador e Senhor. 143 Condenar um crente como se fosse um ímpio, por causa dos seus erros, é um grande erro, pois Deus não mais os condenará. Ainda que sejam submetidos à disciplina da aliança, não devem ser acusados e condenados, porque Deus lhes justificou com a justiça de Cristo. Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus, já que é Ele quem lhes justifica? Quem lhes condenará? Embora verdadeiramente salvo, o crente pode apostatar temporariamente, e pode cometer pecados. Por mais que se esforcem pela santidade os crentes estão sujeitos a pecar por causa da fraqueza da carne, e do fato de não receberem de Deus, enquanto neste mundo, a graça em grau absoluto, de modo que possam ser perfeitamente santos e justos. Além disso há toda sorte de limitações (conhecimento em parte) e de tentações. 144 A doutrina da perseverança dos santos não significa portanto que os crentes não caiam vítimas do pecado, temporariamente. Até mesmo o melhor dos crentes pode apostatar temporariamente. Mas eles nunca são derrotados completamente por causa da graça que lhes foi dada em Cristo Jesus, e que habita permanentemente em seus corações. E é por isso que até mesmo o santo mais fraco está livre de uma apostasia final de Deus. Todavia, obviamente, é incompatível para um crente cometer pecado e o pecado lhe causará muitas dores e trará desonra para Cristo, mas por outro lado dará ocasião a que Deus demonstre a superabundância da Sua graça, em exercício de perdão e de misericórdia, por meio do arrependimento e da fé. Enquanto permanece neste mundo o crente é o palco vivo onde se desenrola uma verdadeira 145 guerra entre o Espírito Santo e a natureza terrena ou carne. Ele sofrerá derrotas temporárias e pode até parecer por algum tempo que tenha perdido toda a fé, mas se foi verdadeiramente salvo, não poderá cair completa e definitivamente da graça, porque está firme e seguro pelo próprio Cristo, de quem nada e ninguém poderá separálo. O tempo que ele permanecer no pecado pode prejudicá-lo grandemente e até mesmo trazer destruição a outros, mas ainda que suas obras sejam queimadas (I Cor 3.12-15), será salvo como que através do fogo, porque a eleição é irrevogável e não foi estabelecida com base nas suas obras, mas unicamente na graça de Deus. Se a ovelha se extraviar o Bom Pastor a buscará e a trará de volta em segurança ao aprisco. 146 Cada um dos eleitos de Deus são como o filho pródigo, que durante um tempo, uns mais e outros menos, se iludem com o mundo e se deixam conduzir por suas paixões carnais. Todavia, mais cedo ou mais tarde dirão que pecaram contra o céu e contra o Seu pai celestial e voltarão à comunhão com Ele. E o Pai o receberá como filho, porque tendo sido eleito pela graça, não poderá perder jamais o laço familiar daquela relação filial. Nossos juízos acerca da graça de Deus podem às vezes estarem errados como ocorreu na Igreja dos gálatas; os nosso afetos podem esfriar como ocorreu com a Igreja de Éfeso; a Igreja pode se tornar sonolenta como ocorreu com alguns em Tessalônica; ciumentos, crentes podem contenciosos, e ser carnais, até mesmo praticarem a imoralidade como muitos na Igreja de Corinto, e a graça pode parecer às vezes ter abandonado alguns filhos de Deus, quando na verdade isto jamais acontece. O sol 147 pode ser eclipsado, mas recupera o seu esplendor anterior. As árvores podem perder suas folhas mas ganham novas folhas em lugar das que caíram. Aqueles que são espirituais e crentes confirmados na fé, no corpo de Cristo devem atender à ordem aconselhamento e de Gál 6.1,2 no acompanhamento dos crentes que forem surpreendidos em alguma falta: “Irmãos, se um homem chegar a ser surpreendido em algum delito, vós que sois espirituais corrigi o tal com espírito de mansidão; e olha por ti mesmo, para que também tu não sejas tentado. Levai as cargas uns dos outros, e assim cumprireis a lei de Cristo.”. Deus nos chama ao exercício da misericórdia, assim como Ele usou de grande misericórdia para conosco perdoando pela graça todos os nossos pecados em Cristo. É um dever exercer a 148 mesma misericórdia da qual fomos alvo: em graça e não segundo a condenação da lei. Mesmo nos casos de aplicação de disciplina extrema, que conduza à exclusão de membros da comunhão visível da Igreja, não somos desobrigados do exercício da misericórdia e da intercessão, porque isto nos é ordenado até mesmo em relação aos que não são do rebanho de Cristo, e àqueles que são nossos inimigos, e que nos perseguem e nos maldizem. Se nos é ordenado orarmos pelo bem dos que nos maldizem, quanto mais dos membros do corpo do Senhor, que ainda que por ordem dEle tenham sido excluídos da comunhão visível na terra, até que se arrependam, jamais serão excluídos da comunhão em perfeição que terão no céu, por serem filhos de Deus, que ganharam o céu, não pelas suas obras, mas pelo modo determinado por Deus, a saber: unicamente pela graça, por meio da fé em Cristo Jesus. 149 O Conselho da Própria Vontade de Deus “Nele, digo, em quem também fomos feitos herança, havendo sido predestinados, conforme o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade;” (Ef 1.11). O conselho da própria vontade de Deus é tudo aquilo que Ele tem planejado desde toda a eternidade conforme a Sua exclusiva autoridade e soberania. Quanto à nossa salvação nós vemos em Hebreus 6.17 que este conselho é imutável. Em Atos 2.23 nós vemos que Jesus foi entregue por nós conforme o conselho determinado e presciência de Deus. Em Atos 4.28 é dito que a perseguição de Herodes, de Pilatos e do povo contra a Igreja estava acontecendo conforme Deus havia predeterminado no Seu conselho eterno. 150 Em Atos 20.27 nós vemos Paulo afirmando aos Efésios que não havia se esquivado de lhes anunciar todo o conselho de Deus. A palavra boulê usada no original grego para conselho, no texto de Ef 1.11 é a mesma que é usada em todos estes demais textos. As ações contra a Igreja já estavam determinadas por Deus desde antes da fundação do mundo (At 4.28) para a Sua exclusiva glória, pelo testemunho dos Seus servos no amor a Ele e à verdade, na medida em que teriam a fé deles aperfeiçoada por estas tribulações, que vêm aos crentes como oposições de Satanás. O nosso texto de Ef 1.11 diz que os crentes foram feitos herança do Senhor por terem sido predestinados de acordo com o propósito de Deus, que foi feito segundo o conselho da Sua própria vontade. 151 Estes que foram predestinados para serem herdeiros da glória juntamente com Cristo são portanto os eleitos de Deus. É declarado quanto à salvação deles que o caráter do decreto eterno é imutável, isto é, os que foram eleitos para a salvação jamais poderão perder a condição de filhos de Deus porque foram marcados por um conselho que é imutável e absoluto quanto a isto. De igual modo é também imutável o conselho quanto ao crescimento destes eleitos na graça e no conhecimento de Jesus, mas ele não é absoluto quanto à sua execução relativamente a todos os crentes porque este crescimento não dependerá somente da vontade de Deus, mas também do empenho e diligência de cada crente em santificação. Ainda que esteja determinado que todos eles serão perfeitos em santidade na glória, porque Deus é santo, e importa que Seus filhos sejam santos, no entanto, enquanto eles estiverem neste mundo 152 se verá mais progresso em santidade em uns do que em outros. E aqui se revela que eles devem crescer por um ato de escolha voluntária, porque não há amor e obediência verdadeiros que não sejam voluntários. Isto implica a necessidade de cooperação com o trabalho do Espírito Santo para que haja crescimento espiritual. Em Apocalipse 10.6 nós lemos o seguinte: “e jurou por aquele que vive pelos séculos dos séculos, o qual criou o céu e o que nele há, e a terra e o que nela há, e o mar e o que nele há, que não haveria mais demora,”. A humanidade está em contínuo processo de criação através dos séculos, com a geração de novas pessoas, mas se diz que Deus tudo criou, com o verbo criar no tempo passado, indicando uma ação concluída. Isto indica que tudo chega à existência no tempo, mas tudo já foi visto por Deus como criado no Seu próprio planejamento 153 eterno, conforme o conselho da Sua vontade. Assim, o que virá a ser ainda, já foi conhecido por Ele em Sua presciência, especialmente aqueles que alcançariam a salvação em Cristo Jesus (I Pe 1.2). Há muitos que pensam estar-se limitando o poder de Deus quando se afirma que Ele não poderia fazer de um Esaú um Jacó, porque para admitir que Ele seja de fato Todo-poderoso, deveria ter a condição de transformar num autêntico santo qualquer criatura que em Sua presciência, Ele sabia que jamais se submeteria voluntariamente ao Seu governo divino, tanto na terra, quanto no céu. Mas, se houvesse tal possibilidade, nós teríamos que assumir consequentemente que Satanás não seria o diabo (opositor) caso Deus desejasse que Ele voltasse a ser santo e inculpável. E isto se aplicaria não somente a Satanás mas a todos os anjos caídos. É inegável que há no Senhor o 154 poder para transformar pecadores em santos, mas este trabalho não pode ser realizado senão nos eleitos, e estes eleitos são aqueles que responderão de maneira positiva à chamada de Deus ao arrependimento e para a transformação das suas vidas, porquanto foram conhecidos por Ele antes que houvesse mundo, em Sua presciência divina (I Pe 2). Assim o ato da escolha não é feito no momento da geração da pessoa no ventre materno, mas antes da fundação do mundo, segundo o conselho da vontade de Deus (Ef 1.11b), isto é, no planejamento que Ele fez segundo a Sua vontade, para a criação de todas as coisas e seres morais, antes dos tempos eternos (Tito 1.1), tendo concebido a todos os que viriam à existência a um só tempo em Seu próprio ser, e por serem seres morais livres, Ele pôde em Seu atributo de presciência conhecer com antecedência aqueles que Lhe amariam e aqueles que sempre resistiriam à Sua vontade, não propriamente no sentido de cumprimento, 155 porque até mesmo os anjos caídos Lhe obedecem quando lhes despacha as suas ordens, mas o fazem por terror dos castigos que poderão sofrer, e não por amá-Lo, coisa que na verdade nunca o fizeram em verdade mesmo quando estavam sem pecado no céu, porque não chegaram a participar do conhecimento íntimo da natureza divina por uma entrega voluntária de seus espíritos para uma tal comunhão com Deus. Isto explica porque é possível haver muita obediência externa entre os homens mas na maioria dos casos, pouca ou nenhuma obediência de coração. O simples cumprimento de ordens não é a obediência que conduz à salvação, porque esta obediência que salva é do espírito e não o mero consentimento da vontade. Por isso se diz quanto à eleição, que não depende de quem quer ou de quem corre, porque o ato de querer e de correr se encontram na exclusiva 156 esfera da vontade do homem, que é uma faculdade da sua alma, e não do espírito. A obediência que se requer para a salvação é do coração, isto é, do espírito, por isso se diz que é preciso não somente confessar com a boca, mas também crer com o coração que Jesus é o Senhor, porque para isto se demanda revelação do Espírito ao nosso espírito, e a capacitação que é concedida pelo mesmo Espírito para que possamos crer de coração, e assim sermos salvos. Somente os eleitos permitirão ao Espírito tal revelação no interior deles. Somente eles se arrependerão e se renderão à chamada de Deus para a salvação. Deus planejou em Seu conselho eterno que salvaria por graça e mediante a fé, e somente os eleitos podem crer que são salvos por causa da graça que lhes é oferecida em Cristo, e não por causa de quaisquer obras de justiça própria que eles possam fazer. 157 Eles se unem em espírito ao Espírito de Deus e formam um só espírito com o Senhor. Mais do que serem salvos da condenação eterna eles desejam estar unidos em amor Àquele que os salvou, e viverem para o inteiro agrado dEle. É pelo conhecimento prévio destas realidades espirituais que haveria nestes espíritos que viriam a obedecer a Deus quando fossem alcançados pela graça do evangelho, que Ele os elegeu desde toda a eternidade para estarem para sempre com Ele em íntima comunhão. Tudo o que vier a ser já se encontrava em latência na mente de Deus, assim como um arquiteto tem todo o planejamento de um edifício em sua mente, antes de construí-lo. Podemos por assim dizer, que todos os seres morais que chegam à existência já se encontravam criados na imaginação e vontade de Deus antes de serem formados por Ele no 158 tempo da chegada que Ele previu para cada um deles a este mundo. Há este controle perfeito do Senhor sobre os seres morais porque eles têm um espírito, tal qual Deus é espírito, e assim não poderiam ser o fruto de uma geração espontânea ou meramente natural, porque também são seres espirituais além de terem um corpo natural. Deste modo não podemos cogitar se haveria ou não a possibilidade de se transformar um não eleito em um eleito, porque são condições absolutas, tal qual a natureza dos vegetais é uma e a dos minerais é outra; de forma que se alguém desejasse se prover de minerais, não o faria entre os vegetais, porque estes não possuem a natureza dos minerais. Isto não significa que houvesse algum bem prévio ou mérito nos eleitos, porque quanto ao pecado, como ensinam as Escrituras, são tanto pecadores e culpados como os não eleitos, 159 sendo salvos gratuitamente pela graça que está em Cristo Jesus. Não podemos afirmar então que haja uma impossibilidade em Deus, porque tudo Lhe é possível, mas trazer um não eleito em obediência somente seria possível por meio de uma mecanização do seu ser, transformando-o num robô, ou num ser obediente por meio de constrangimento e força. Mas não é isto que Deus espera na filiação em amor que Ele determinou desde antes da fundação do mundo. Vemos portanto, que não estamos diante de um caso de impossibilidade, mas de não realização daquilo que Deus intentou não realizar em Seus conselhos eternos, porque ao contrário do que muitos pensam, a Bíblia é clara em afirmar que os não eleitos foram chamados à existência para o propósito de serem aqueles vasos de ira, nos quais Deus revelará que é justo Juiz que castiga toda oposição à Sua vontade. (Rom 9.6-24). 160 Deve ser dito que Deus não o faz por capricho, mas porque o céu não poderia ser céu caso não houvesse ali somente obediência voluntária e de coração, em amor. Não é cabível portanto o tipo de pergunta que muitos fazem se seria possível transformar um Esaú num Jacó; porque Esaú jamais se permitiria renunciar à Sua própria vontade, ao seu ego, para dar o governo da sua vida ao Espírito Santo de Deus. Não podemos esquecer que tudo indica que os anjos foram criados ao mesmo tempo e que acabariam por revelar, por serem seres morais tal como os homens, se lhes agradaria estar debaixo do governo de Deus. E assim os espíritos dos homens são também provados pela luz que é o Senhor Jesus, de maneira que manifestarão diante dEle, mediante a Sua revelação a eles, se amarão a luz e virão para ela, ou se permanecerão amando as trevas, recusando-se 161 vir para a luz, para que as suas más obras não sejam manifestas. É realmente muito fascinante sabermos que Deus criou os seres morais à Sua imagem e semelhança. Eles estão dotados desta capacidade de juízo próprio, de direção própria, de determinação própria, em escolhas que podem fazer pelo exercício da razão e da imaginação. Temos então em cada ser moral criado uma personalidade específica e definida. Cada um deles é único e distinto uns dos outros. E é por isso que alguns afirmam erroneamente que Deus arriscou em havê-los criado, porque muitos deles poderiam por esta característica de direção própria, determinarem caminhar afastados da Sua vontade. Dizemos que não houve erro porque tudo isto estava planejado nos conselhos eternos de Deus, de maneira que estes vasos rebeldes são enchidos com a Sua ira, para manifestar neles o Seu poder como Juiz e Vingador do mal. É a isto que Paulo quer se 162 referir em Romanos 9, quando diz que Deus criou vasos para honra (eleitos) e vasos para desonra (não eleitos). Ele sabia de antemão e desejava este efeito de maneira a exibir tanto a sua misericórdia, graça e amor nos eleitos, que salvou de suas misérias no pecado, como o Seu grande poder em julgar e condenar ao sofrimento eterno aqueles que resistem à Sua vontade (não eleitos); apesar de não ter nenhum prazer em fazer isto, porque não criou nem anjos, nem homens, para serem rebeldes, e prova isto sujeitando-os aos Seus juízos, porque são responsáveis perante Ele pelo uso da liberdade que receberam, e que deveriam colocar debaixo da Sua instrução e governo, por uma obediência voluntária em amor. Assim, não houve portanto nenhum risco envolvido no fato de ter Deus criado os seres morais de tal forma, que somente alguns deles (eleitos) poderiam adorá-lo, amá-lo e servi-lo, do 163 único modo aceitável por Ele, a saber, voluntariamente e em amor. Para que estes eleitos não o fizessem mecanicamente, ou por imposição contrária à vontade deles, não poderia o Senhor receber uma verdadeira glória caso os que se aproximam dEle não o fizessem com um coração voluntário. É nisto que se encontra a maior razão porque Deus criou os seres morais com tal característica de poder de escolha, de maneira que aqueles que O amassem o fizessem do único modo que é inerente ao verdadeiro amor, a saber, não por obrigação, mas livre e voluntariamente. Então, apesar de não ser a vontade do homem o fator determinante da sua salvação, não se pode negar este conhecimento prévio de Deus daqueles que são Seus, e que se converterão a Ele, porque apesar de pecadores como os 164 demais homens, haverá uma resposta adequada de seus espíritos à chamada de Deus para que sejam santos, e reconciliados a Ele, pela adoção de filhos, tornando-se verdadeiramente amigos de Deus e inimigos do diabo e de todos os anjos caídos. Deste modo, nós vemos que não são os anjos e os homens que escolhem pelo simples exercício de suas vontades, serem bons ou maus, santos ou ímpios. Por isso o apóstolo Paulo afirma que a eleição que não é feita dependendo de quem quer ou de quem corre. Deus pesa os espíritos e conhece os corações. Ele conheceu o espírito de Jacó tanto quanto o de Esaú. Sabia que Jacó seria Seu, mas não Esaú. Não é portanto pelo exercício da própria vontade que os eleitos são salvos, mas pelo conhecimento espíritos, prévio como de sendo 165 Deus, dos aqueles seus que responderiam positivamente à Sua chamada para a salvação. É por isso que nós O vemos dizendo ao apóstolo Paulo que permanecesse ainda em Corinto, e que não saísse da cidade, porque Ele tinha muitos eleitos naquela região e que se converteriam com a pregação de Paulo (At 18.9,10). Então eles eram conhecidos de Deus antes mesmo da sua conversão. Não por nenhuma obra boa que tivessem feito, ou má que tivessem deixado de praticar, que eles seriam salvos, mas por causa deste conhecimento presciente deles por Deus. Somente o Senhor conhece até mesmo entre os piores pecadores, aqueles que serão adotados como Seus filhos, em face do arrependimento que terão de seus pecados quando Ele revelar a eles a salvação que há em Cristo Jesus. É ordenado que se pregue o evangelho a todos, porque apesar de o Senhor conhecer a todos os 166 que são Seus, nós não sabemos quem é eleito ou não, e a nenhuma pessoa também Deus tem revelado diretamente que está impedida de vir a Cristo. Ao contrário Ele convida a todos a se esforçarem por entrarem no Seu reino, com a promessa de que não lançará fora a ninguém que vier a Ele. Assim, se alguém tem vindo a Cristo e tem sido salvo por Ele, tal pessoa é bem-aventurada porque é uma eleita de Deus, conhecida por Ele desde a fundação do mundo. De igual modo, se alguém rejeita a Cristo e ao evangelho por toda a sua vida e vem a morrer em tal condição, tal pessoa enfrentará um castigo eterno, dando provas de que não pertencia ao número dos eleitos de Deus por causa da permanente e incurável dureza do seu coração. 167 Muitos Chamados e Poucos Escolhidos Jesus disse: “Muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos” (Mateus 22.14). Estas palavras foram proferidas pelo Senhor ao concluir a Parábola das Bodas, na qual destacou a necessidade de se possuir a veste nupcial fornecida pelo Noivo para se poder participar da comunhão com Ele. Esta veste nupcial nada mais é do que a própria vestimenta da sua justiça que é oferecida gratuitamente por Deus a todos os que creem em Cristo. Disto aprendemos que os muitos que são chamados se refere à totalidade da humanidade que é convocada pela proclamação geral do evangelho. Todos são chamados para participarem da íntima comunhão com Jesus pela simples fé 168 nele, demonstrada na aquisição da sua veste de justiça por meio do arrependimento e da conversão. Aqueles que partem deste mundo sem a referida vestimenta, ou que forem achados desnudos (por ocasião da Sua segunda vinda) da Sua justiça, pela qual seriam justificados dos seus pecados, serão lançados nas trevas exteriores nas quais há choro e ranger de dentes, como afirmado na Parábola das Bodas. Assim, como se tem verificado ao longo da história da Igreja, os que atendem ao convite da salvação são poucos, em relação aos muitos que são também convidados e que rejeitam não somente o convite como principalmente ao Pai do Noivo que os convidou. Os que se arrependem e atendem à convocação são os escolhidos por Deus para fazerem parte do Seu povo, e evidentemente, os demais são rejeitados pela própria determinação deles de 169 andarem afastados de Deus e dos Seus mandamentos. 170