memórias (auto) biográficas e prática docente: elementos

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MEMÓRIAS (AUTO) BIOGRÁFICAS E PRÁTICA DOCENTE: ELEMENTOS DA
PEDAGOGIA TRADICIONAL PRESENTES NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL.
Hostina Maria Ferreira do Nascimento
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN
[email protected]
Márcia Francione Sena do Nascimento
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN
[email protected]
Lana Jersica Alves de Lima
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN
[email protected]
Introdução
Este trabalho apresenta reflexões a respeito da continuidade de concepções pedagógicas
que, direta ou indiretamente, implicam e/ou refletem sobre o saber/fazer do professor ao
longo da história da educação brasileira, lançando mão da metodologia de pesquisa (auto)
biográfica desenvolvida através do resgate reflexivo de memórias relatadas oralmente por
dois professores que atuaram nas séries iniciais, na educação do campo, entre as décadas de
1960 e 1980, época em que a concepção tradicional de ensino era hegemônica em suas
comunidades1.
E também da reflexão sobre práticas pedagógicas observadas no espaço escolar urbano
atual desenvolvida na perspectiva da pesquisa exploratória, através da observação empírica
da atuação de professoras do ensino fundamental realizada por ocasião da vivência
formativa no estágio supervisionado do curso de pedagogia.
As narrativas (auto) biográficas, ao mostrar caminhos trilhados, permitem a reflexão acerca
de fatos e momentos que até então passaram despercebidos e/ou estavam adormecidos em
1
O material da análise autobiográfica está sistematizado nos trabalhos de conclusão de curso de Antônio
Duarte (ver referências).
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nossas memórias, assim como a construção de estratégias de autoformação (JOSSO, 2004).
O método (auto) biográfico possibilita o registro da trajetória de vida/formação de forma
reflexiva, pois no momento de sua produção, nos resgates de memórias, acontece uma
seleção de fatos que serão narrados de acordo com a significação que estes representam
para o depoente. Possibilita, ainda, a reflexão desses fatos narrados, pois nesse momento o
narrador se depara com sua trajetória, não apenas como ator dessa história, mas como
narrador.
Entre os teóricos que embasam este estudo se destacam Elizeu Clementino de Souza
(2006), que argumenta sobre a importância das narrativas de vidas, pois elas apontam
caminhos, estratégias e experiências a serem refletidas. Paulo Freire (1996), que discute a
respeito da horizontalidade da ação educativa. E Dermeval Saviani (2005), que aborda as
tendências pedagógicas na história da educação brasileira.
Discorremos inicialmente sobre a importância das narrativas e memórias (auto) biográficas
para a formação, assim como para a construção de uma prática reflexiva. Em seguida,
elencamos três categorias para análise das memórias narradas: metodologia de ensino;
relação professor-aluno e avaliação escolar com o intuito de identificar e refletir sobre a
presença de aspectos da pedagogia tradicional nas situações estudadas.
Importância das narrativas e memórias para a reflexão sobre as práticas pedagógicas
As narrativas (auto) biográficas e memórias possibilitam o olhar para si, com certo
distanciamento epistemológico, pois no momento em que narramos fatos já vividos, temos
a oportunidade de olhar para estes de modo mais crítico e reflexivo, não permanecendo
com os mesmos pensamentos, sentimentos, emoções e conhecimentos do momento em que
praticamos a ação. Assim, o ato de narrar e atribuir sentido às experiências passadas como
uma “estranheza de si” permite a interpretação das memórias em duas dimensões:
“Primeiro, como uma etapa vinculada à formação a partir da singularidade de cada história
de vida e, segundo, como um processo de conhecimento sobre si que a narrativa favorece”
(SOUZA, 2006, p. 144).
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As narrativas ajudam o sujeito a identificar experiências significativas e formadoras ao
longo de sua vida além de uma compreensão sobre si. Seu registro “não tenciona abraçar a
totalidade das vivências e aprendizagens formadoras do sujeito, mas sim, aquilo que cada
um elegeu como conhecimento de si e como formador na sua vivência pessoal e social”
(SOUZA, 2006, p. 144).
Os dois educadores leigos aqui apresentados foram aprendendo o oficio da profissão
docente à medida que a vivenciavam longitudinalmente. Nesse sentido, é importante
ressaltar que o espaço da prática é imprescindível para a formação, visto que nele são
adquiridos os saberes e é, também, construída a identidade docente. Entretanto, os
conhecimentos advindos da experiência não tornam isenta a necessidade de uma formação
sistemática.
As narrativas de cada um dos depoentes “inscreve-se na subjetividade e estrutura-se num
tempo que não é linear, mas num tempo de consciência de si, das representações que o
sujeito constrói de si mesmo” (FERREIRA, 2013, p. 251 apud SOUZA; FORNARI, 2008,
p. 109). Elas revelam particularidades, ideais, concepções, mas também ajudam a perceber
atitudes, interesses, valores e estigmas que são trazidos consigo, assim como refletir sobre
os que devem ser reforçados e os que devem ser repensados/reformulados.
Quanto à importância da reflexão sobre as práticas pedagógicas, Freire (1996, p. 12)
destaca que “A reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação
Teoria/Prática sem a qual a teoria pode ir virando blábláblá e a prática, ativismo”. Portanto,
é preciso que a prática docente esteja pautada na relação indissociável entre o saber e o
fazer, a concepção e a execução, na ação-reflexão-ação constante.
Elementos da pedagogia liberal tradicional presentes nas séries/anos iniciais
A princípio, faz-se necessário elucidar que a pedagogia, como defende alguns teóricos,
dentre eles Saviani (2005), é uma “teoria da educação”. Deste modo, trata-se de uma teoria
da prática, mais especificamente a teoria da prática educativa. Contudo, é preciso frisar que
“se toda pedagogia é teoria da educação, nem toda teoria da educação é pedagogia”
(SAVIANI, 2005, p. 1). Neste sentido, o conceito de pedagogia se refere a uma teoria
estruturada a partir e em função da prática educativa buscando, de algum modo, orientar o
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processo de ensino e aprendizagem, assim como, equacionar o problema da relação entre
professor e aluno.
Com efeito, partindo do ponto de vista da pedagogia, as várias concepções de educação,
compõem duas grandes tendências pedagógicas: pedagogia liberal e pedagogia progressista.
No primeiro grupo estariam a pedagogia tradicional, a renovada progressista, a renovada
não-diretiva e a tecnicista. Sendo, a pedagogia tradicional, estruturada em duas
perspectivas: a religiosa e/ou a leiga. No segundo grupo estariam as modalidades referentes
à pedagogia nova, sendo estas: pedagogia libertadora, libertária e crítico-social.
É importante ressaltar que o cerne da preocupação da primeira tendência pedagógica são as
teorias de ensino, ou seja, o como ensinar. Por outro lado, na segunda tendência, a ênfase se
localiza nas teorias de aprendizagem colocando, deste modo, o aluno no centro do processo
de ensino-aprendizagem.
Em termos teóricos, a pedagogia liberal foi hegemônica até meados do século XIX, quando
o movimento da escola nova começou a ganhar força. Até então, compreendia-se que as
práticas pedagógicas eram centralizadas na figura do professor, estando o fracasso e/ou
sucesso do processo educativo diretamente ligado a sua atuação na sala de aula. Portanto, a
aprendizagem dependia exclusivamente da atuação do professor, visto que este deveria
depositar nos alunos os conhecimentos adquiridos socialmente e estes como sujeitos
passivos deveriam apenas reproduzi-los.
A partir da disseminação teórica dos pressupostos da pedagogia progressista, iniciou-se um
processo de reflexão acerca do papel da escola, da relação entre educação e sociedade e, em
especial, do papel do aluno, que passou a ser visto como sujeito ativo que, ao entrar na
escola, já traz consigo uma bagagem de conhecimentos oriundos de seu cotidiano. Portanto,
considerá-lo como uma “tábula rasa”, como até então era comum, passou a ser pouco a
pouco disseminado e compreendido como um equívoco. Assim também como achar que o
professor não aprende com o aluno, apenas o ensina. Quanto a isto, Freire (1996, p. 25)
adverte que “quem ensina está aprendendo ao ensinar, e quem aprende está ensinando ao
aprender”.
Repensar o papel do aluno, consequentemente, implica também repensar o papel do
professor. Nesse contexto, já não há mais espaço para a concepção do educador como único
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detentor do conhecimento, mas como mediador, facilitador, aquele que estimula a reflexão,
o pensar critico, que valoriza os saberes de seus alunos, procura estabelecer relações entre
os conteúdos ministrados e o seu contexto, as situações de seu cotidiano, tentando fugir da
armadilha do ensino pautado na memorização, repetição, carente de sentido e significado
para o educando.
No Brasil, a tendência pedagógica liberal, com suas consequentes concepções foi
predominante nos centros urbanos brasileiros mais desenvolvidos até meados do século
XX, sendo que neste século também foi ocorrendo a transição desta tendência para a
tendência progressista. Atualmente, existem várias discussões e teorias que prezam pela
aprendizagem significativa, por uma relação horizontal entre professor e aluno e por novas
estratégias pedagógicas.
Porém, sabemos que os ideários de uma pedagogia não se extinguem completamente à
medida que novas concepções, muitas vezes radicalmente diferentes, surgem. No período
relatado nas autobiografias estudadas, décadas de 60 e 80 do século XX, na zona rural do
sertão nordestino, as características marcantes da educação escolar qualificavam a
concepção pedagógica tradicional. Neste sentido, com o intuito de identificar elementos
desta concepção que permanecem ao longo do tempo, é que nos debruçamos sobre as
memórias de educadoras aposentadas e sobre a ação de educadoras atuantes. Ambas as
experiências revelam histórias de vida e formação.
Metodologia de ensino
Os conteúdos de ensino, na pedagogia tradicional, são transmitidos como verdades
absolutas e inquestionáveis. De maneira geral, não há a preocupação em relacionar as
disciplinas com o contexto social do aluno, assim como a valorização de seus
conhecimentos prévios e as particularidades de cada um.
Atentar para as particularidades individuais em uma sala multisseriada, situação comum à
educação do campo, espaço social das narrativas docentes aqui analisadas, é uma tarefa
árdua, haja vista que este tipo de organização didática “caracteriza-se pela junção de alunos
de diferentes idades e níveis de aprendizagem em uma única sala de aula, com a mediação e
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responsabilidade de um professor” (SANTOS; MOURA, 2010 apud DUARTE, 2012, p.
04). Os narradores atuaram na educação do campo, em salas multisseriadas. A Professora
aponta, em suas narrativas, as dificuldades enfrentadas:
As primeiras séries só eram português e matemática, a segunda série já era mais. Matemática e até
Estudos Sociais para a quarta série. E ensinar primeira, segunda, terceira e quarta séries não era
mole não. Não dava pra ensinar muita coisa, não era?! Era um serviço danado para ensinar quatro
séries para ganhar dois mirreis. Hoje isso chama-se multisseriado: num ano só: duas, três, quatro
séries. (DUARTE, 2015. Excerto)
Corroborando com a narrativa acima, da Professora, o Professor afirma que “quando
ensinava, tinha meninos de várias idades e tamanhos, desde 16, 17 anos a 07 anos de idade.
Muitos iam só para se acostumarem com as letras”. Nas narrativas dos docentes são
perceptíveis os desafios de ensinar em salas multisseriadas, prática que se desenvolveu
mais fortemente nas instituições escolares rurais devido à carência de escolas e professores
resultante do histórico descaso com a educação do campo no Brasil.
Conforme Ferreira (2013), historicamente, a educação do campo surgiu a partir de um
modelo de educação do meio urbano e assim permanece até os dias atuais. É notório que a
educação no meio rural ainda é desprestigiada, no entanto no período em que os narradores
lecionaram, o descaso e as dificuldades para o ensino eram maiores, não havia, por
exemplo, transporte escolar nem merenda. Segundo uma delas, a responsabilidade do
processo educativo era praticamente apenas do professor, pois não existia uma política
educacional preocupada com a escolarização no meio rural, o professor era quem tinha que
buscar meios e condições de trabalho.
A constituição de 1988, ao regulamentar a intenção de uma “educação para todos”, abre
novos horizontes para a educação na zona rural, haja vista que a partir de sua promulgação
se passou a almejar uma educação que atendesse às peculiaridades regionais e culturais
(DUARTE, 2012). Entretanto, até hoje a educação ofertada no campo não conseguiu
contemplar de maneira satisfatória os contextos social e cultural do campo e dos sujeitos
que nele estão.
Por conseguinte, é evidente que as professoras enfrentaram inúmeros desafios tanto
estruturais como pedagógicos. Diante disto, nos questionamos quanto à aprendizagem dos
alunos uma vez que os docentes mencionam que não havia tempo para ensinar muitas
disciplinas e que estas eram basicamente português e matemática. Aprender a ler, escrever
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e contar, seria somente esta a finalidade do ensino nas séries iniciais? Das décadas de 60 e
80 até os dias atuais, ainda se tem priorizado a apropriação dessas três habilidades pelo
aluno, em detrimento de tantas outras?
Reportemo-nos à concepção de aprendizagem na pedagogia tradicional. Conforme este
ideário, a aprendizagem acontece de maneira estável. O professor, através de aulas somente
expositivas, prepara o aluno de forma mecanizada tendo, como estratégia principal, a
memorização pura e simples de fórmulas e conceitos e a resolução de exercícios pelos
educandos. O professor faz a apresentação do conteúdo e, em seguida, a aplicação do
exercício. Cabe ressaltar que tanto a exposição oral do conteúdo quanto a sua análise é feita
pelo docente. Conforme Libâneo, nessa análise são observados os seguintes aspectos:
a) preparação do aluno (definição do trabalho, recordação da matéria anterior, despertar interesse);
b) apresentação (realce de pontos-chave, demonstração); c) associação (combinação do
conhecimento novo com o já conhecido por comparação e abstração); d) generalização (dos
aspectos particulares chega-se ao conceito geral, é a exposição sistematizada); e) aplicação
(explicação de fatos adicionais e/ou resoluções de exercícios). (LIBÂNEO, 1982, p. 9)
É notória a importância dada às repetições e memorizações de fórmulas e conceitos, cujo
objetivo é disciplinar a mente e formar hábitos. Assim, há uma supervalorização acerca do
intelecto dos alunos que, numa perspectiva elitista e hierarquizada, são preparados para
assumir diferentes posições na sociedade. É importante frisar que a manifestação didática
da pedagogia tradicional pauta-se na suposta homogeneidade do ensino-aprendizagem.
Portanto, numa sala de aula onde não são consideradas as peculiaridades dos alunos, é
compreensível que a organização multisserial seja desafiadora ao professor apenas do ponto
de vista da justaposição dos conteúdos das diversas séries em um só espaço/tempo.
Na narrativa memorística do ensino da matemática, é possível percebermos pressupostos da
pedagogia tradicional aplicados à metodologia utilizada:
Todas as quartas-feiras tinha palmatória. […] só era um dia por semana. Marcava a tabuada: Todo
mundo estude a tabuada de 5, estude para saber decorada a tabuada, saber como é que se diz, dizer
tudo certo. A palmatória era a primeira que chegava na mesa. Eu perguntava: 5x5? 5+5? De somar;
1+2? 2+3? 4+5? Ia perguntando até chegar ao fim. O que dizia certo, não levava bolo não; o que
erasse, levava um bolo. Tinha menino que achava ruim (bolo); tinha os que estudava, dava bolo nos
outros, só não havia muita briga porque eu brigava sério. Primeiro eu perguntava, mas não dava
bolo não, aí depois eu chamava fulano, vamos ver, você aí, ele ia perguntar, se o menino errasse,
levava um bolo. Mais tinha menino que saía zangado. (DUARTE, 2015, excerto)
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A arguição feita pelo professor, com participação ou não dos alunos, utilizando a
palmatória, foi uma estratégia didática comumente usada em práticas educativas de outrora.
Felizmente em desuso, restam, desta prática, no ensino atual, a memorização e a repetição
dos conteúdos estudados, embora haja tentativas incessantes de acrescentar-lhes o caráter
de significação do ensinado e aprendido.
Na experiência vivenciada no estágio supervisionado pudemos presenciar momentos em
que as educadoras buscavam relacionar o conteúdo ministrado com o cotidiano dos alunos.
Podemos citar, como exemplo, uma atividade sobre localização geográfica, realizada no 3º
ano do ensino fundamental, na qual, após uma breve exposição acerca do que seria um
trajeto, a professora pediu aos alunos que representassem, por meio de um desenho, o
caminho que eles percorrem de sua casa até a escola. Percebemos claramente, neste
exemplo, a preocupação em estabelecer uma relação entre o conteúdo explicado e o
cotidiano dos alunos.
Por outro lado, no 4º ano, a prática docente observada esteve mais centrada na utilização do
livro didático. Segundo a educadora, ela não tinha o tempo disponível necessário para
elaborar atividades dinâmicas e criativas, tendo em vista que naquele momento trabalhava
em duas escolas, sendo que uma era na zona rural, o que lhe exigia a recorrência mais usual
ao livro e suas proposições didáticas.
Embora fossem evidentes e limitantes tais dificuldades, pudemos perceber que a docente
procurava constantemente instigar os alunos a participar ativamente das aulas, expondo
verbalmente o que entenderam do assunto explicado e suas eventuais dúvidas. Entretanto,
curiosamente, percebemos certa resistência por parte deles, como se uma prática educativa
pautado no diálogo fosse uma novidade para eles.
Relação professor-aluno
No ensino tradicional, a relação entre educador e educando é marcada por um
distanciamento hierárquico verticalizado, não havendo praticamente comunicação durante a
aula que não seja a pautada pelo rito da metodologia. Essa relação, marcada
predominantemente pela autoridade do professor para com seus alunos, manifesta-se, ao
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longo do tempo, muitas vezes como sinônimo de uma turma inteira silenciada, silenciosa,
obediente e passiva. Para Freire (1996), essa autoridade docente rígida implica, entre outros
fatores, no não desenvolvimento da criatividade do aluno.
As narrativas dos docentes nos ajudam a compreender sua concepção sobre a autoridade
docente e o que elas faziam para concretizá-la:
No meu tempo tinha palmatória! [Eu] usava! Porque tinha uns alunos meio teimosos, e os mais
teimosos eram Sinhor e Zeca (filho). Zeca me dava (trabalho), eu dava bolo. Botava de joelho!
Quando o “nego” tava aperreado eu tirava. Eles [os alunos] não davam trabalho. Se desse trabalho,
se falava com o pai do aluno e ele dava um jeito, não tinha perigo de darem trabalho não. Não era
como agora que os professores não podem nem dizer aos pais. Os pais, nesse tempo, só queriam que
os filhos estudassem. Não eram pais que fossem exigentes, que só queriam saber como ia seu filho,
como era que ele fazia, se ele estava presente na escola, não queriam saber de história. (DUARTE,
2015, excerto)
Meus alunos, quem teimasse eu falava sério. Também não ia esculhambar nem nada não, eu falava
sério: “Olhe, o negócio é sério”, você tem que ser direito, ser direito, porque senão eu vou dizer a
seu pai. Nesse tempo menino não dava o trabalho que dá agora, que eu vejo mesmo que não dava,
era um tempo bom! (DUARTE, 2015, excerto)
O uso da palmatória e dos castigos físicos eram comumente valorizados em práticas sociais
e educativas de outrora como instrumentos de formação. Esta prática é compreendida por
um dos professores como uma estratégia para manter o “domínio da sala”. Entretanto,
embora não mencione a utilização destes recursos, conta com a autoridade dos pais sobre os
filhos para concretizar sua própria soberania em sala. As práticas descritas revelam uma
relação autoritária em que um manda e o outro apenas obedece sem direito a questionar.
Na educação atual, os castigos físicos foram extintos. Ademais o caráter ilegal da violência
e da agressão, a simples rememoração de estratégias como estas provoca certo sentimento
de repugnância pelo potencial de constrangimento e desmotivação que carregam. Porém, a
suspensão deste modelo formativo no qual a autoridade do adulto sobre o jovem e a criança
poderia se pautar pelo castigo físico vem provocando, por vezes, uma compreensão
equivocada do equilíbrio entre direitos e deveres. É possível observar, como enfatiza Costa
(2009 apud DUARTE, 2015), que parte dos alunos desconhecem este necessário equilíbrio,
o que tem gerado bastantes conflitos na escola. Pudemos observar, na situação empírica
específica aqui analisada, por exemplo, a dificuldade de algumas professoras em ter alunos
e pais como aliados na manutenção da disciplina na sala de aula.
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É evidente, nestes casos, a confusão entre autoridade e autoritarismo de que nos fala Paulo
Freire quando defende uma autoridade democrática, precedida pela liberdade do educando
em se expressar, questionar, tirar dúvidas, enfim, uma autoridade que vá se construindo por
meio do respeito entre educador e educando. Em suas palavras ele descreve a essência da
verdadeira autoridade:
A autoridade coerentemente democrática, fundando-se na certeza da importância, quer de si mesma,
quer da liberdade dos educandos para a construção de um clima de real disciplina, jamais minimiza
a liberdade. Pelo contrário, aposta nela. Empenha-se em desafiá-la sempre e sempre; jamais vê, na
rebeldia da liberdade, um sinal de deterioração da ordem. A autoridade coerentemente democrática
está convicta de que a disciplina verdadeira não existe na estagnação, no silêncio dos silenciados,
mas no alvoroço dos inquietos, na dúvida que instiga, na esperança que desperta. (FREIRE, 1996, p.
36)
Com o passar do tempo, alguns valores vão sendo modificados ou esquecidos.
Comportamentos que antes eram inaceitáveis passam a ser normais ou até cobrados como
prova de amadurecimento em determinado grupo. Na educação, essas mudanças paulatinas
podem ser vistas claramente na relação entre professor e aluno, seja como prática ou como
concepção. No ensino atual, se espera que educador e educando tenham uma relação
recíproca de afeto, carinho e respeito.
Atualmente, a criação de leis que garantem o bem estar dos cidadãos, inclusive de crianças
e adolescentes, aliada à disseminação de conhecimentos sobre os aspectos subjetivos e
relacionais dos indivíduos, sobre o processo de desenvolvimento e aprendizagem
(atualmente compreende-se, por exemplo, que o erro faz parte do processo de
aprendizagem) contribui para que, de maneira geral, a relação entre professor e aluno tornese cada vez mais horizontal, minimizando o distanciamento entre ambos.
Avaliação escolar
A avaliação no contexto escolar, como prática organizada e sistematizada, reflete valores e
normas sociais. Neste sentido, se concretiza por meio de objetivos implícitos ou explícitos.
Autores defendem que a avaliação permeia todo o trabalho pedagógico, não ocorrendo em
um momento isolado:
A avaliação escolar é um meio e não um fim em si mesma; está delimitada por uma determinada
teoria e por uma determinada prática pedagógica. Ela não ocorre num vazio conceitual, mas está
dimensionada por um modelo teórico de sociedade, de homem, de educação e, conseqüentemente,
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de ensino e de aprendizagem, expresso na teoria e na prática pedagógica. (CALDEIRA, 2000, p.
122 apud CHUEIRI, 2008, p. 51)
De acordo com o pensamento da autora, a avaliação não é uma atividade neutra, sem
intencionalidade. Ao contrário, ela está impregnada de sentidos, conceitos e revela as
teorias, a concepção de sociedade e de educação que a subsidiam. Deste modo, a avaliação
é um “espelho” do perfil do educador e das circunstancias nas quais se realiza.
Na concepção tradicional, a avaliação possui um caráter fortemente classificatório, no qual
os dados quantificáveis, dos conhecimentos e a competitividade funcionam como elemento
motivador do ensino-aprendizagem e disciplinador do comportamento do aluno.
A cultura dos exames escolares que conhecemos hoje “foi sistematizada nos séculos XVI e
XVII, com as configurações da atividade pedagógica produzidas pelos padres jesuítas
(século XVI) e pelo Bispo John Amós Comênio (fim do século XVI e primeira metade do
século XVII)” (LUCKESI, 2003, p. 16). Para o autor, esses exames escolares permanecem
no ensino atual nomeados de “avaliação da aprendizagem escolar” (p. 11) que seria a
prática de acompanhar e avaliar a aprendizagem do aluno.
Refletindo acerca das experiências observadas durante o estágio supervisionado à luz das
ideias de Luckesi, é interessante tecermos algumas ponderações sobre o sistema de
avaliação aplicado nos anos iniciais do ensino fundamental. Pudemos constatar uma
diferenciação entre a prática avaliativa do 1º ao 3º ano e a do 4º e 5º ano. A partir do 4º
ano, a aprendizagem do aluno é verificada através de provas ou exames escolares nos quais
o valor quantitativo atingido determina o grau de assimilação do conteúdo necessário para a
progressão. Este modelo de avaliação se caracteriza como o elemento mais forte da
pedagogia tradicional presente no ensino atual na realidade verificada.
Contudo, a Lei nº 11.274/2006 determina que "o ensino fundamental seja obrigatório, com
duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de
idade" (BRASIL, 2010, p.26), acrescentando um ano a mais na formação básica escolar das
crianças brasileiras. As novas diretrizes curriculares recomendam que o ciclo de
alfabetização e letramento composto pelos três anos iniciais de ensino fundamental não
sejam interrompidos.
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Nesse sentido, a avaliação do 1º ao 3º ano acontece de forma contínua, sendo observados
aspectos como a interação, as atitudes, o interesse, a participação, o desenvolvimento das
habilidades de leitura e escrita, os ritmos e níveis de aprendizagem de cada um.
Na escola observada, as docentes que lecionam nos três primeiros anos afirmam que fazem
registros do desempenho de cada aluno conforme os aspectos mencionados e que esses
registros são entregues aos pais e também anexados à página do Sistema Integrado de
Gestão da Educação – SigEduque, no qual cada professor possui um login individual.
O SigEduque comporta os seguintes componentes avaliativos: frequência, competência,
habilidades e os conteúdos ministrados. As docentes frisam que o aluno que não
desenvolver plenamente esses componentes não é considerado reprovado, se espera que ele
os alcance no ano seguinte.
Considerações finais
A intenção primeira deste trabalho foi identificar elementos da pedagogia tradicional que
permanecem no ensino atual. Para tanto, fizemos um breve resgate das memórias de
docentes que atuaram entre as décadas de 60 e 80, momento em que essa tendência era
hegemônica na realidade em que estavam inseridos. E de uma experiência de observação
vivenciada no estágio supervisionado do curso de pedagogia, realizado numa escola dos
anos iniciais do ensino fundamental. A análise das autobiografias e dos registros da
observação desvelam a metodologia de ensino, a relação professor-aluno e a avaliação
escolar. A partir desses aspectos que denominamos ao longo do texto de categorias de
análise, fomos procurando compreender e ao mesmo tempo refletir sobre continuidades e
rupturas das concepções de ensino.
Neste sentido, é natural que ainda encontremos alguns elementos desse ideário na escola
contemporânea. Na realidade estudada eles aparecem na prática pedagógica do professor,
mas de maneira sucinta e articulados com estratégias mais progressistas, como é o caso das
aulas expositivas dialogadas, a partir do levantamento dos conhecimentos dos alunos sobre
os temas estudados. E da qualidade da relação entre professor e aluno, embora ainda padeça
a confusão entre autoridade e autoritarismo. Essas evoluções e retrocessos revelam o saber
fazer das professoras que vivenciam a relação dialética e entre teoria e prática.
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Em nossa opinião, o elemento da concepção tradicional que permanece mais fortemente
presente nos sistemas educativos atuais é a avaliação quantitativa, realizada sob a forma de
provas, ainda que as exigências quanto à avaliação qualitativa e contínua sejam prementes e
levem alguns sistemas a praticá-la.
Por fim, uma importante confusão que anseia por ser solucionada é a compreensão da
substituição de uma concepção por outra. E a consequente denominação de tradicional para
a prática pedagógica do professor porque este utiliza alguns elementos desse ideário. Nesse
sentido, é necessário elucidar que a pedagogia tradicional assim como as demais tendências
não desaparece e que tanto nas escolas quanto na prática docente atuais podemos perceber
alguns de seus elementos, haja vista que normalmente a prática pedagógica não se encontra
ligada a um único ideário.
Referências bibliográficas
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 5ª ed. Brasília: Câmara dos
Deputados, Coordenação Edições Câmara, 2010. 60p.
COSTA, Maria Antônia Teixeira da. O ensino primário no Rio Grande do Norte:
memória, educadores e lições sobre o ensinar (1939-1969). Mossoró, RN, 2009.
CHUEIRI, Mary Stela Ferreira. Concepções sobre a Avaliação Escolar. In: Estudos em
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