Sumário - Sociedade Brasileira de Clínica Médica

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Revista da Sociedade
Brasileira de
Clínica Médica
Volume 14 – Nº 1
Janeiro/Março
2016
E-mail para o envio de artigos: [email protected]
Sumário
Publicação Trimestral
Fundada em 1989
Triênio 2014-2017
Presidente
Antonio Carlos Lopes
Vice-Presidente
César Alfredo
Pusch Kubiak
Secretário
Mário da Costa
Cardoso Filho
1º Tesoureiro
Sergio Emmanuele Graff
Diretores
Assuntos Internacionais
Luis Roberto Ramos
Marketing e Publicidade
Maria de Fátima
Guimarães Couceiro
Educação Médica
à Distância
Milton Glezer
Sociedade Brasileira
de Clínica Médica
Rua Botucatu, 572 - Conj. 112
04023-061 - São Paulo, SP
Fone: (11) 5908-8385
Fax: (11) 5908-8381
E-mail: [email protected]
Indexada nas
Bases de Dados
LILACS E LATINDEX
QUALIS B5-Medicina I
As citações da Revista
Brasileira de Clínica Médica
devem ser abreviadas para
Rev Soc Bras Clin Med
EDITORIAL
1
O clínico e a saúde da mulher
The physician and women’s health
RELATOS DE CASOS
38
Rabdomiólise com altos níveis de creatinofosfoquinase,
sem evolução para insuficiência renal
Eros Antonio de Almeida
Rhabdomyolysis with high levels of creatine kinase, without progression
to renal failure
ARTIGOS ORIGINAIS
2
Avaliação do protocolo clínico e diretrizes terapêuticas
para o tratamento para hepatite B crônica nas regiões
nordeste e norte do Brasil
Iara Baldim Rabelo, Caio Pasquali Dias dos Santos, Eduardo Mares Caldeira, Fernando
Amaral Junqueira Nóbrega, Flávia Ferreira Martins, Maísa Ribeiro de Souza, Mariana
Martins Ferreira, Moara dos Santos Oliveira Rodrigues, Rafaela Dias Machado, Taís
Justimiano
Analysis of clinical protocol and guidelines therapeutic for treatment for
chronic hepatitis B in northeast Brazil and regions north
Sidelcina Rugieri Pacheco, Maria Isabel Magalhães Andrade dos Santos, Maria Isabel
Schinoni, Raymundo Paraná, Mitermayer Galvão dos Reis, Luciano Kalabric Silva
8
Avaliação dos 12 anos da campanha de acesso público a
desfibrilação
Evaluation of ten years of the Campaign for public access defibrillation
Manoel Fernandes Canesin, Alexsandro Oliveira Dias, Cíntia Magalhães Carvalho Grion,
Elza Hiromi Tokushima Anami, Lucienne Tibery Queiroz Cardoso, Vivian Biazon El Redá Feijó
13
Fenilcetonúria: perfil e abandono de tratamento em centro
de referência no Pará
Phenylketonuria: profile and treatment abandon in reference center in Pará
Luigi Ferreira e Silva, Gabriel Roberto Baena Rodrigues, Renata Henriques Cavalcante,
José Antônio Cordero da Silva
18
Avaliação do estilo de vida de pacientes com infarto agudo
do miocárdio admitidos em uma unidade coronariana
Lifestyle assessment of patients with acute myocardial of admitted in a
coronary unit
Edelvita Fernanda Duarte Cunha, Antônio Marconi Leandro da Silva, Karen Ruggeri Saad,
Thiago Araújo de Melo, Bruno Prata Martinez, Vitor Oliveira Carvalho, Gilson Soares
Feitosa-Filho
22
Infecção de corrente sanguínea em um hospital terciário
Bloodstream infection in a tertiary hospital
Thiago Reis de Santana, Arnaldo Alves Lima Jr., Iza Maria Fraga Lobo, Jerônimo
Gonçalves de Araújo
27
Distúrbios psiquiátricos menores em mulheres do extremo
Sul do Brasil: prevalência e fatores associados
Minor psychiatric disorders in women from southern Brazil: prevalence and
associated factors
Valéri Pereira Camargo, Renato Henrique Silva Nóbrega, Isabela Fonseca da Silva, Raúl
Andrés Mendoza-Sassi
33
Perfil dos pacientes com síndromes coronarianas agudas
em um hospital da Região Sul do Brasil
Profile of patients with acute coronary syndromes in a hospital in Southern
of Brazil
Rafael Beppler da Silva, Charles Martins de Castro, Betine Pinto Moehlecke Iser, Lucas
Jacometo Coelho de Castilho
41
Carcinoma Mucoepidermóide do Pulmão – estado da arte
a propósito de um caso clínico
Mucoepidermoid carcinoma of the lung – state of art with regard to a case
report
Cátia Isabel Ferreira da Silva Guimarães, Sandra Afonso André, José Manuel Fernandes
Correia, Lucília Cristina de Almeida Martins de Matos, Fernando José Dias Nogueira
45
Pneumonia intersticial aguda (síndrome de Hamman-Rich):
relato de caso e revisão de literatura
Acute intersticial pneumonia (Hamman-Rich syndrome): a case report and
literature review
Fernando Vaz Vieira, Fabiano Bichuette Custódio, Antônio Carlos Oliveira Meneses
48
Doença coronariana obstrutiva grave em um adulto jovem
com neurofibromatose tipo 1. Existe alguma conexão?
Severe obstructive coronary artery disease in a young adult with
neurofibromatosis type 1. Is there any connection?
Mauro de Deus Passos, Gustavo Carvalho, Karen Anelize Toso Passos, Isabella Godoy
Gomes
ARTIGOS DE REVISÃO
52
Estado nutricional e qualidade de vida em idosos
Nutritional status and quality of life in elderly
Cássia de Almeida Merlo Sarzedo Garcia, Maria Clara Moretto, Maria Elena Guariento
57
A importância do diagnóstico precoce de câncer bucal em
idosos
The importance of early diagnosis of oral cancer in the elderly
Stella Vidal de Souza Torres, Alessandra Sbegue, Sandra Cecília Botelho Costa
63
Uso do lítio no tratamento do Alzheimer
Use of lithium in Alzheimer’s treatment
Márcio Kamada, Anna Gabriella Netto Mattar, Mariana Prado Fontana
PONTO DE VISTA
67
Sistemas e protocolos
Systems and protocols
Tarcisio Triviño
A Revista da Sociedade
Brasileira de Clínica Médica
não assume qualquer
responsabilidade pelas
opiniões emitidas nos artigos
I
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11/04/2016 15:59:59
EDITORIAL
O clínico e a saúde da mulher
The physician and women’s health
O congresso da Sociedade Brasileira de Clínica Médica realizado em outubro de 2015 na cidade de Florianópolis/SC, recebeu
aproximadamente 1200 trabalhos científicos, os quais foram apresentados em formato de pôster e apresentações orais. O trabalho
da comissão científica foi árduo, mas prazeroso, uma vez que se constatou a excelência de vários estudos, assim como a diversidade
do conhecimento proveniente de várias regiões do Brasil. Isto só é possível em eventos de clínica médica, onde todos os tópicos têm
receptividade e aplicabilidade prática. Por outro lado, é admissível que os autores queiram publicar os resultados em veículos de comunicação com maior abrangência de público, além do participante do evento. Neste sentido, a revista da Sociedade Brasileira de Clínica
Médica tem se prestado a este serviço, se mostrando como opção para este fim.
No presente volume está publicado um dos estudos apresentados no congresso em Florianópolis, ao qual foi autorgado prêmio de
segundo lugar como o melhor trabalho apresentado, intitulado “Distúrbios psiquiátricos menores em mulheres adultas do extremo sul
do Brasil, de Valéri Pereira Camargo e colaboradores, um estudo tipo transversal, de base populacional. O estudo faz parte de outro
maior envolvendo mulheres residentes em Rio Grande, município do Rio Grande do Sul, de 96 mil pessoas apenas em região urbana. O
projeto se preocupou em verificar dados de educação, conhecimento de fatores de risco e utilização de serviço de saúde por mulheres
deste município do extremo sul do país. Em princípio, os autores do presente artigo valorizaram os distúrbios psiquiátricos, uma vez
que aqueles orgânicos são prioritariamente identificados pelos serviços de saúde, assim como pelos próprios usuários. No entanto, não
há barreiras identificáveis entre os dois polos em saúde, geralmente ocorrendo interferências entre um e outro. Estas situações muitas
vezes não são percebidas, mas podem ser modificadas, revertendo em melhora para o indivíduo como um todo. Assim, os autores
verificaram a prevalência dos transtornos psiquiátricos menores e a relação com fatores sociais, econômicos e comportamentais, fatores estes perfeitamente passíveis de modificações. O delineamento do projeto foi extremamente cuidadoso, com tamanho amostral
planejado estatisticamente, sendo entrevistadas mais de 1500 mulheres adultas que responderam questionário já validado no Brasil
(SRQ20)(1). Os autores verificaram que queixas difusas como sintomas depressivos, estados de ansiedades, irritabilidade, insônia, fadiga, dificuldade de concentração, de memória e sensação de inutilidade, considerados como distúrbios psiquiátricos menores, esteve
presente em 21,76% das mulheres entrevistadas, sendo esta frequência elevada. Estes transtornos psiquiátricos estiveram associados
a fatores modificáveis, principalmente à situação econômica, à falta de suporte social e à morbidades, sendo este último um fator já
conhecido como gerador de depressão. Os resultados apontam para a necessidade de rastreamento dos distúrbios psiquiátricos menores
nos doentes em geral, mas principalmente em mulheres, as quais estão sempre mais expostas a fatores estressores.
A revista da Sociedade Brasileira de Clínica Médica se sente prestigiada por publicar artigos de tal natureza que traz a tona “iniquidades”, nas palavras dos autores, envolvendo as mulheres. Preocupação, também, tem sido da revista em relação à saúde especificamente das mulheres, chamando a atenção para o tema em publicações recentes, como o editorial do último volume de 2016, abordando
o câncer de mama, sob o slogan de Outubro Rosa(2). Também, em edição anterior foi publicada revisão da literatura por importantes
cardiologistas do Brasil sobre o coração da mulher(3).
Embora os autores do artigo do atual volume da revista considerem que o rastreamento dos distúrbios psiquiátricos menores
deva ser utilizado na atenção básica, pensamos que o clínico, em qualquer segmento da atenção à saúde, seja o médico que melhor
possa identificar, conduzir, tratar ou encaminhar corretamente estas pacientes portadoras de tais eventos. Isto se dá, uma vez que
de todos os médicos, o clínico é aquele com a capacidade e dever de abordar a doentes e não a doenças, com visão holística do
indivíduo, sem estabelecer barreiras entre o somático e o psicológico.
Eros Antonio de Almeida
REFERÊNCIAS
1. Mari JJ, Williams P. A validity study of a psychiatric screening
questionnaire (SRQ20) in primary care in the city of São Paulo. Br
J Psychiatry 1986;148:23-6.
2. Cardoso Filho C, Santos CC, Shinzato JY. “Outubro rosa” – O que
há por trás desta iniciativa? Rev Soc Bras Clin Med. 2015;13(4):231-2.
3. Chagas AC, Dourado PM, Dourado LA. Woman’s heart –
differences that make a difference. Rev Soc Bras Clin Med. 2014;
12(1):84-92.
© Sociedade Brasileira de Clínica Médica
Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):1
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ARTIGO ORIGINAL
Avaliação do protocolo clínico e diretrizes terapêuticas
para o tratamento para hepatite B crônica nas regiões nordeste
e norte do Brasil
Analysis of clinical protocol and guidelines therapeutic for treatment for
chronic hepatitis B in northeast Brazil and regions north
Sidelcina Rugieri Pacheco1, Maria Isabel Magalhães Andrade dos Santos1, Maria Isabel Schinoni2, Raymundo
Paraná2, Mitermayer Galvão dos Reis1, Luciano Kalabric Silva1
Recebido do Centro de Pesquisa Gonçalo Moniz- Fundação Oswaldo Cruz.
RESUMO
ABSTRACT
No Brasil o tratamento para Hepatite B cônica, tem sido disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde há mais de 10 anos.
O objetivo foi analisar o tratamento dos pacientes com hepatite
B crônica, em dois Centros de Referência em Hepatites Virais
na Região Nordeste e Norte do Brasil, comparando com o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Hepatite B do Ministério da Saúde. Foram incluídos no estudo 527 pacientes em
atendimento ambulatorial. No algoritmo 4.1 foi observado que
existe uma dificuldade em seguir a recomendação do Ministério
da Saúde, nos dois serviços de referência, 78,9% e 72% Região
Nordeste e Norte respectivamente. O algoritmo 4.2, foi o algoritmo que apresentou no geral mais de 90% de seguimento na
recomendação do Protocolo Clínico, devido que os pacientes
são na sua grande maioria AgHBe negativo. O algoritmo 4.3
aproximadamente 85% dos pacientes da Região Nordeste estava
dentro da recomendação do Protocolo Clínico para Hepatite
B crônica, entretanto, nenhum paciente da Região Norte. O
Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas para Hepatite B
foi um grande passo e avanço. Uma ferramenta importantíssima
dentro da realidade do tratamento para Hepatite B e foi possível
incorporar novas drogas e indicadores de tratamento embasados
na Medicina Baseada em Evidencias e nos Consensos Internacionais pelo Ministério da Saúde.
In Brazil the treatment for Hepatitis B conical, has been provided
by the National Health System for over 10 years. The aim was
to analyze the treatment of patients with chronic hepatitis B
in two reference centers in Viral Hepatitis in the Northeast
and North of Brazil, compared to the Clinical Protocol and
Therapeutic Guidelines Hepatitis B of the Ministry of Health.
The study included 527 patients in outpatient care. In algorithm
4.1 it was observed that there is a difficulty in following the
recommendation of the Ministry of Health in two reference
centers, 78.9% and 72% northeast and north respectively. The
4.2 algorithm, the algorithm was presented in general more than
90% follow-up on the recommendation of the Clinical Protocol
because patients are mostly negative HBeAg. The algorithm 4.3
approximately 85% of patients in the Northeast was in the
recommendation of the Clinical Protocol for chronic hepatitis
B, however, no patients in the Northern Region. The Clinical
Protocol Therapeutic Guidelines for Hepatitis B was a big step
and advance. An important tool within the reality of treatment
for hepatitis B and it was possible to incorporate new drugs and
treatment indicators grounded in Evidence-Based Medicine and
the International Consensus by the Ministry of Health.
Descritores: Hepatite B; Guias como assunto; Antivirais; Brasil
Keywords: Hepatitis B; Guidelines as topic; Antiviral agents,
Brazil
INTRODUÇÃO
1. Centro de Pesquisa Gonçalo Moniz – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
2. Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil.
Data de submissão: 21/10/2015 – Data de aceite: 06/11/2015
Conflito de interesse: não há.
Endereço para correspondência:
Sidelcina Rugieri Pacheco
Rua Waldemar Falcão, 121 – Candeal
CEP: 40296-710 – Salvador, BA, Brasil
Tel.: (71) 3176-2254 – E-mail: [email protected]
CEP-HUPES: Protocolo: 31177 /12: CAAE 01315812.0.0000.0049
CEP-FIOCRUZ: Protocolo: 238/2011 CAAE: 04074012.2.0000.5009
CEP-FUNDHACRE: Protocolo: 144.499/12 CAAE: 04074012.2.0000.5009
© Sociedade Brasileira de Clínica Médica
2
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A hepatite B crônica (HBC) é um problema de saúde pública mundial, foi considerada recentemente pela Organização
Mundial de Saúde (OMS) como uma pandemia, exisitindo
aproximadamente 400 milhões de infectados no mundo, tendo
um grande impacto pessoal, social e econômico1. O tratamento
da HBC tem como objetivo a supressão sustentada da replicação do vírus, a remissão do estado necroinflamatório hepático e
a redução dos estágios avançados de fibrose, prevenindo assim,
a insuficiência hepática, cirrose e a evolução para o carcinoma
hepatocelular(2,3).
No Brasil o tratamento para HBC, tem sido disponibilizado
pelo Sistema Único de Sáude (SUS) há mais de 10 anos, com a
indicação do interferon-alfa (IFN) como primeira linha de escolha. Diversos medicamentos foram aprovados para tratamento
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Avaliação do protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para o tratamento para hepatite B crônica nas regiões nordeste e norte do Brasil
a partir de então, atualmente estão aprovados para o tratamento, os análogos de nucleos(t)ídeos (AN) Lamivudina (LAM), o
Adefovir dipivoxil (ADV), Entecavir (ETV), e Tenofovir (TDF),
respectivamente(4-6). O AN são administrados via oral, inibem a
transcrição reversa, que ocorre durante o ciclo de replicação viral
no hepatócito. O tratamento para HBC é baseado na eficácia,
segurança, incidência de resistência, via de administração, custo,
presença ou ausência de cirrose. Entretanto, o tratamento com
AN é a longo prazo, podem favorecer as mutações de resistência
no genoma de HBV, tendo um forte impacto na resposta ao tratamento e no curso da doença(4,7). Foram organizados consensos
terapêuticos (guidelines), na Europa e nos Estados Unidos que
servem como referência para outros países, pautados principalmente nos níveis sericos de aminotransferases (ALT/AST), carga
viral (HBV-DNA) (em inglês: Hepatitis B virus), AgHBe positivo
ou negativo, e cirrose(8-10).
O Ministério da Saúde(5), através do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para o Tratamento da Hepatite Viral Crônica B e Co-infecções (2011), amplia, regulamenta e universaliza a
nível nacional os critérios e acesso ao tratamento para hepatite B,
categoriza os algoritmos de tratamento, opções de terapia de resgate e as indicações para pacientes co-infectados, embasado nas
recomendações da Organização Mundial de Saúde, nas Diretrizes
Internacionais para o HBC e na Medicina Baseada em Evidências. A partir de então, a comunidade médica, tem um guia para
orientação na conduta clínica.
O Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para o Tratamento da Hepatite Viral Crônica B e Co-infecções apresenta
basicamente três algoritmos de tratamento. O algoritmo 4.1 engloba os pacientes virgens de tratamento, AgHBe + (positivo) e
não cirróticos, o 4.2 os pacientes virgens de tratamento, AgHBe (negativo) e não cirróticos e o algoritmo 4.3 abrange os pacientes
virgens de tratamento, cirróticos e AgHBe independente se for
positivo ou negativo. No protocolo há abordagens para terapia
de resgate, para pacientes que foram tratados, as mutações para
resistência, e situações especiais, como tratamento em crianças,
co-infectados por HIV (em inglês: Human immunodeficiency
vírus), VHC (em inglês: viral hepatitis C) e VHD (em inglês:
viral hepatitis Delta).
O objetivo deste estudo, foi analisar a condução do tratamento para os pacientes com hepatite B crônica, na Região Nordeste representado pelo Ambulatório de Refêrencia de Hepatologia do Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgard
Santos (HUPES-UFBA) em Salvador, Bahia e na região Norte
pela Fundação Hospitar do Estado do Acre (FUNDHACRE)
do Hospital das Clínicas do Acre, em Rio Branco, comparando
a conduta terapêutica, com o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Hepatite Viral Crônica B do Ministério da Saúde.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo exploratório descritivo do tipo corte
transversal, que abrange o período de 2011 a 2015. Foram incluídos 527 pacientes com HBC em acompanhamento nos Ambulatórios de Referências de Hepatologia do Complexo HUPES
(Região Nordeste) e do FUNDHACRE (Região Norte). Este estudo foi submetido de acordo com a resolução vigente em 2011
(196/96) do Conselho Nacional de Saúde, tendo obtido parecer
favorável do comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do
Centro de Pesquisa Gonçalo Moniz -Fundação Osvaldo Cruz
(CEP-CPqGM), CEP-HUPES e do CEP-FUNDHACRE.
Todos os participantes com HBC em atendimento ambulatorial foram convidados a participar do estudo mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Foi realizada entrevista e revisões de prontuários dos participantes a fim de obtermos os resultados de exames sorológicos
(AgHBs, AgHBe, anti-HBs, anti-HBe, anti-VHC, anti-HDV,
VDRL (Venereal Disease Research Laboratory), anti-HIV, anti-­
HTLV I/II), bioquímicos (ALT, AST), virológicos (Carga ViralHBV DNA), e esquema terapêutico adotado.
Os questionários aplicados durante a entrevista apresentavam codificação, não permitindo a identificação do indivíduo.
Os dados foram analisados através do pacote estatístico Software
SPSS versão 21.0 para Windows. Os eventos de interesse foram
descritos através de frequências e de medidas de tendência central (média, mediana) e dispersão (desvio-padrão).
Os pacientes foram categorizados nos algoritmos 4.1, 4.2
e 4.3, conforme suas características clínicas e resultados laboratoriais para o monitoramento ou tratamento contidos no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para o Tratamento da
Hepatite Viral Crônica B e Coinfecções (2011).
RESULTADOS
Foram incluídos no estudo 320 pacientes com HBC em
acompanhamento no Ambulatório de Referência do Complexo HUPES. A maioria dos pacientes foi do sexo masculino
(59,3%), a faixa etária foi de 18 a 83 anos com uma média de
idade e desvio padrão de 44,75±12,4. O tempo médio de acompanhamento ambulatorial são de 8 anos, com uma faixa que
se estende de 1 a 20 anos de acompanhamento (Tabela 1). No
FUNDHACRE foram incluídos 207 pacientes em acompanha-
Tabela 1. Características sócio-demográficas dos pacientes com HBC atendido no HUPES-UFBA e no FUNDHACRE, 2011-2015
Características demográficas
Sexo
Masculino
Idade
Mínimo
Máximo
N*=320
179
18
83
HUPES
%
Média±DP
59,3
44,75±12,4
N*=207
FUNDHACRE
%
87
42
18
72
Média±DP
40,36±13,9
*Resultado varia de acordo com a disponibilidade dos dados.
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Pacheco SR, Santos MI, Schinoni MI, Paraná R, Reis MG, Silva LK
mento no Ambulatório de Referência de Hepatites, a maioria
foi do sexo feminino com 57,0%, a faixa etária foi de 18 a 72
anos com uma média de idade de 40,36±13,9.
Os pacientes foram todos diagnosticados com HBC, apresentaram AgHBs positivo (100%) por mais de 6 meses. A maior
frequência foi dos pacientes AgHBe negativos com 86,1%
(390), AgHBe positivo com 13,9% (63). Entretanto, 74 pacientes não tinham no momento da coleta dos dados informações
para AgHBe.
Os níveis séricos das aminotransferases (ALT e AST) e carga
viral detectável (VHB-DNA) foram avaliados no pré-tratamento. Os níveis de aminotransferases ALT/AST dos pacientes do
Complexo HUPES 78% estavam com os níveis séricos normais,
dentro dos valores de referência, e 22% estavam com os níveis
elevados, acima do valor de referência. O VHB-DNA foi detectável em 59,3%. Os níveis de aminotransferases ALT/AST dos
pacientes do FUNDACRE 71,4% estavam com os níveis séricos
normais, dentro dos valores de referência, e 28,6% estavam com
os níveis elevados, acima do valor de referência. O VHB-DNA
foi detectável em 99,5% (Tabela 2).
Os pacientes do Complexo HUPES que estão em tratamento para HBC correspondem a 41,1% e os não tratados (virgens de
tratamento), que são os que nunca utilizaram droga para o tratamento da HBC, correspondem a 58,9%. As drogas mais utilizadas foram entecavir (ETV) 42,1%, tenofovir (TDF) 23,6%, lamivudina (LAM) 20%, inteferon (IFN)14,3%, e adefovir (ADF)
3,6%. Os pacientes do FUNDHACRE que estão em tratamento
para HBC correspondem a 27,1% e os não tratados, correspondem a 72,9%. As drogas mais utilizadas foram IFN 38,5%, ETV
32,7%, TDF 30,8% e LAM 3,8% (Tabela 3).
Os pacientes do Complexo HUPES que foram avaliados
para o seguimento do Protocolo de Diretrizes Terapêuticas para
HBC foram 85% (272), sendo que dos 320 pacientes que foram
considerados com HBC, devido a presença de AgHBs por mais
de 6 meses, 15% (48) não tinham alguns dos critérios descritos
no prontuários para que fossem alocados dentro dos algoritmos
(4.1, 4.2 e 4.3 ou co-infectados) e 8,4% (24) estão em tratamento, antes das Diretrizes do Ministério da Saúde entrar em
vigor (2011). No algoritmo 4.1 que tem como critérios virgem
de tratamento, AgHBe +, não cirrótico, 78,9% seguiram o que
está preconizado no Protocolo. No algoritmo 4.2 que tem como
critérios virgem de tratamento, AgHBe -, não cirrótico, 91,5%
seguiram o que está preconizado no Protocolo. No algoritmo
4.3 que tem como critérios virgem de tratamento, AgHBe + ou -,
cirrótico, 75% seguiram o que está preconizado no Protocolo.
Os co-infectados que são menos de 2% dos pacientes, não poderam ser avaliados, devido que estão ou foram tratados antes da
diretriz entrar em vigor.
Os pacientes do FUNDHACRE que foram avaliados para o
seguimento do Protocolo de Diretrizes Terapêuticas para HBC
foram 88,8% (184), sendo que dos 207 pacientes que foram
considerados com HBC, devido a presença de AgHBs por mais
de 6 meses, 11,1% não tinham alguns dos critérios descritos
nos prontuários para que fossem alocados dentro dos algoritmos
(4.1, 4.2 e 4.3 ou co-infectados). No algoritmo 4.1 que 72%
seguiram o que está preconizado no Protocolo. No algoritmo
4
RBCM 14.1.indb 4
4.2, 85,6% seguiram o que está preconizado no Protocolo. No
algoritmo 4.3 nenhum paciente tinha os critérios para ser alocados. Para co-infecções, 25 pacientes apresentaram reativos para
o anti-VHD (hepatite delta), e 24% seguiram a recomendação
de tratamento (Tabela 4).
DISCUSSÃO
Os Protocolos Clínico ou Diretrizes Terapêuticas são ferramentas que se configuram como um tipo de tecnologia lógica
que visam organizar, uniformizar a conduta dos profissionais da
saúde diante das diversas situações que possam enfrentar na rotina dos serviços de saúde(11). Eles se propõem a nortear as tomadas de decisões e manejo terapêutico desses profissionais através
do delineamento de diretrizes clínicas embasadas no movimento
internacional da Medicina Baseada em Evidências(12).
Seguindo essa tendência mundial, o Brasil desde 2002, inicialmente por meio de portarias, estabelecem consensos para
tratamento para hepatite B(11,13). Um marco foi alcançado com
o lançamento em 2011 do Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas para o manejo da Hepatite B, que tem como objetivo
uniformizar a nível nacional, o uso racional do arsenal terapêutico, pautado em algoritmos de tratamento (4.1, 4.2 e 4.3 e co-infecTabela 2. Resultados dos marcadores bioquímicos ALT/AST e HBVDNA na admissão e no pré-tratamento dos pacientes HBC em
acompanhamento ambulatorial, atendidos no HUPES-UFBA e no
FUNDHACRE, 2011-2015
Marcadores bioquímicos
Pré-tratamento
Aminotransferases (ALT/AST)
Normal
Elevada
HBV-DNA
Detectável
HUPES
n=295
%
FUNDHACRE
n=196
%
238
67
78
22
140
56
71,4
28,6
175
59,3
195
99,5
*Total varia conforme a disponibilidade do dado na revisão de prontuário.
Tabela 3. Características do tratamento antiviral dos pacientes com
HBC atendido no HUPES-UFBA e no FUNDHACRE 2011-2015
HUPES
n=307
%
Tratamento
Histórico de tratamento
Não tratados
Em curso
Droga antiviral
IFN
LAM
ENT
ADF
TDF
FUNDHACRE
n=199
%
181
126
58,9
41,1
145
54
72,9
27,1
20
28
59
5
33
14,3
20
42,1
3,6
23,6
20
2
17
38,5
3,8
32,7
16
30,8
*Total varia conforme a disponibilidade do dado na revisão de prontuário.
Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):2-7
11/04/2016 16:00:00
Avaliação do protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para o tratamento para hepatite B crônica nas regiões nordeste e norte do Brasil
Tabela 4. Comparação do tratamento antiviral indicado para os pacientes com HBC com o Protocolo de Diretrizes Terapêuticas atendido no
HUPES-UFBA e no FUNDHACRE, 2011-2015
HUPES
Algoritmo de tratamento
4.1 Virgem de tratamento,
AgHBe+, não cirrótico
4.2 Virgem de tratamento,
AgHBe-, não cirrótico
4.3Virgem de tratamento,
AgHBe+ou-, cirrótico
Co-infectado HBV-VHD
FUNDHACRE
Elegíveis
n=272
38
Seguiram a
recomendação do MS
30
78,9
Elegíveis
n=184
25
Seguiram a
recomendação do MS
18
72
194
178
91,5
134
119
85,6
16
12
75
-
-
-
-
-
-
25
6
24
%
%
*Total varia conforme a disponibilidade do dado na revisão de prontuário.
ções) principalmente na presença ou ausência do AgHBe, níveis
de ALT e carga viral (DNA-VHB)(5).
O ambulatório Magalhães Neto, do Complexo HUPES da
Região Nordeste, e o Serviço de Assistência Especializada do
FUNDHACRE da Região Norte são considerados como referência para os pacientes com hepatites virais, atuando há mais de
20 anos no acompanhamento, monitoramento e tratamento dos
pacientes com hepatite B crônica. Os pacientes em atendimento
ambulatorial do Complexo HUPES são na sua grande maioria do sexo masculino, em média 8 anos de acompanhamento
ambulatorial e mais de 70% foram AgHBe-. Os pacientes do
FUNDHACRE foram na sua grande maioria do sexo feminino,
e mais de 80% foram AgHBe-. No geral, 86,1% foram AgHBe-.
Os pacientes AgHBe- são os que tendem a evoluir clinicamente
para as formas mais grave da doença hepática crônica. E muitos
trabalhos vem demonstrando, principalmente no Brasil, essa realidade da maior prevalência dos pacientes HBC com marcador
sorológico AgHBe-(14-17).
A avaliação do paciente pré-tratamento é fundamental e objetiva selecionar os indivíduos que serão tratados ou que continuarão a ser monitorados. A conduta clínica deve ser pautada,
no status clínico, exame físico, histologia hepática, provas de
função hepática, mas principalmente nos níveis séricos das aminotransferases (ALT, AST), e sorologias para o VHB (AgHbs,
AgHbe/anti-Hbe, anti Hbc (total e IgM), anti-Hbs), HIV,
VHC e VHD (co-infecções) e níveis de HBV DNA(4,8).
Em relação aos pacientes que tiveram histórico de tratamento, desse universo, os pacientes virgens de tratamento foram
58,9% do Complexo HUPES e 72,9% do FUNDHACRE.
Em relação aos pacientes em tratamento, 41,1% do Complexo
HUPES e 27,1% do FUNDHACRE. Nos dois serviços as maiores frequências são de pacientes virgens de tratamento, que estão
sendo monitorados para ALT/AST e HBV-DNA, como prevê
o Protocolo de Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde.
Para o primeiro esquema terapêutico, a maior frequência de indicação ao tratamento formam os AN, ETV e TNF,
correspondendo a mais de 60% das prescrições. Dois pontos
podem ser destacados em relação a maior frequência dessas drogas, primeiro que seguindo a recomendação do Ministério da
Saúde, pelo o Protocolo de Diretrizes Terapêuticas, os pacientes AgHBe- devem ser tratados como primeira droga de escolha
Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):2-7
RBCM 14.1.indb 5
por ETV e TNF, e segundo são drogas que tem maior barreira
genética, diminuindo assim o risco de adquirir a longo prazo
resistência antiviral.
O algoritmo 4.1 que abrange os pacientes virgens de tratamento AgHBe+ e não cirróticos, quando apresenta ALT normal,
o paciente deve ser monitorado a cada 3 meses, entretanto, se o
paciente apresentar ALT alterada, o tratamento deve ser iniciado
com IFN, independente da carga viral DNA-VHB, isto é explicado porque os pacientes que apresentam AgHBe+, existe uma
alta probabilidade da carga viral estar acima de 20.000UI/ml.
O IFN foi à primeira droga aprovada para o tratamento
para os pacientes com HBC, o tratamento tem em média
uma duração de 16 a 24 semanas. Entretanto foi observado
que existe uma dificuldade em seguir a recomendação do Ministério da Saúde, nos dois serviços de referência, os que se
enquadraram no algoritmo 4.1, apenas 78,9% no Complexo
HUPES e 72% no FUNDHACRE, seguiram o que está preconizado no Protocolo Clínico.
Todavia, apesar de não estar devidamente documentado
no prontuário do paciente, há contraindicações ao uso do IFN
descrito no Protocolo Clínico, como descompensação hepática, gestação, neoplasias, infecções ativas, doenças auto-imunes,
granulocitopenia ou plaquetopenia críticas, depressão psíquica
acentuada, além de concomitâncias mórbidas de maior gravidade pelos eventos adversos associados ao IFN(18).
O IFN como qualquer outra droga apresenta vantagens e
desvantagens, apesar da administração ser intramuscular, três
vezes por semana, entretanto têm como vantagem o período determinado de tratamento, maior taxa de redução de AgHBe e
AgHBs, a Resposta Virológica Sustentada (RVS) nos pacientes e
a ausência de resistência ao IFN. Contudo, são diversos os efeitos adversos e sua utilização é limitada em pacientes com doença
hepática avançada ou descompensada(19). Utilizando os parâmetros adotados no Brasil, no aspecto econômico demonstrou ser
a alternativa com a melhor relação custo-efetividade. Ou seja, os
efeitos alcançados justificam o valor gasto com a droga(20).
Em relação ao algoritmo 4.2 que abrange os pacientes virgens, mas AgHBe-, quando a ALT alterada e carga viral acima
de 2000UI/ml, o paciente deve ser tratado com TDF, caso existe
contraindicação em pacientes renais crônicos, indica-se o ETV.
Os AN como são administrados via oral, os eventos adversos são
5
11/04/2016 16:00:00
Pacheco SR, Santos MI, Schinoni MI, Paraná R, Reis MG, Silva LK
praticamente inexistentes, o risco é mínimo ou ausente de resistência, boa tolerabilidade e RVS obtida na grande maioria dos
pacientes aderentes ao tratamento(21). Os pacientes atendidos
nos dois serviços, são na sua maioria AgHBe negativo, e são os
estão dentro dessa recomendação do Ministério da Saúde, e foi o
algoritmo que apresentou no geral mais de 90% de seguimento
na recomendação do Protocolo Clínico.
O algoritmo 4.3 abrange os pacientes cirróticos, independente da positividade do AgHBe, da carga viral DNA-VHB e
dos níveis de aminotransferases, o critério central nesse algoritmo é a classificação do Child-Pugh. Resumidamente, os pacientes que foram classificados como Child-Pugh A, AgHbe-, se
os níveis de aminotransferases estiverem normais e a carga viral
DNA-VHB estiverem <200UI/ml os pacientes devem ser monitorados, agora, se os níveis de aminotransferases estiverem
alteradas e o DNA-VHB >200UI/ml o tratamento é indicado, como primeira droga de escolha, o entecavir. Os pacientes
classificados como Child- Pugh B e C, encaminhados para o
ambulatório de transplante hepático. Nesse algoritmo, aproximadamente 85% dos pacientes do Complexo HUPES estavam
dentro da recomendação do Protocolo Clínico para Hepatite B
crônica, entretanto, nenhum paciente do FUNDHACRE tinha
os critérios para ser alocados dentro desse algoritmo.
Uma particularidade dos pacientes do FUNDHACRE, como
são pacientes que estão na área endêmica da região da Amazônia
ocidental, existe uma alta prevalência de co-infecção com o vírus da Hepatite D (delta), considerada como uma superinfecção
podendo evoluir para hepatite fulminante(22-24). Dos pacientes
do presente estudo, 12,1%(25) apresentaram co-infecção com
VHB-VHD, e destes apenas 24% seguiram a recomendação do
Protocolo Clínico para co-infecções, entretanto, como trata-se
de um estudo de corte-transversal, isto é a realidade no momento da coleta de dados. Para os pacientes co-infectados com
o vírus delta, quando diagnosticado o paciente deve ser tratado
com IFN-peg ou se a o VHB-DNA for acima de 2000UI/mL
o tratamento deve ser IFN-LAM ambos por 48 semanas. Como
trata-se de uma doença grave e poucos são os estudos clínicos
controlados efetivos e os AN, como LAM e ADF não apresentaram resultados satisfatórios, apenas o IFN, o Protocolo Clínico
recomenda que todos os casos deverão ser seguidos e notificados
ao Programa Nacional de Hepatites Virais para que se faça o
monitoramento dos resultados.
Com base nos resultados discutidos, há alguns pontos que
devem ser considerados e apontados para futuras discussões e
adaptações do protocolo. Os pacientes virgens de tratamento,
por exemplo, podem apresentar mutações de resistência, sendo assim, torna-se importante antes do início do tratamento,
realizar o levantamento das mutações antes da decisão da melhor escolha terapêutica, o rastreamento das mutações permite
a escolha da melhor droga que pode aumentar as chances de
alcançar a RVS(25-27).
Outro ponto que deve ser abordado é a quantificação do
AgHBs que se destaca como indicador prognóstico e na avaliação de resposta ao tratamento. Foi observado que os pacientes
em uso de AN apresentam um padrão de declínio do AgHBs
variável, sendo pouco frequente a ocorrência de clareamento do
6
RBCM 14.1.indb 6
AgHBs durante o tratamento com AN(28,29). Entretanto, a perda
do AgHBs e a soroconversão para anti-HBs podem ocorrer espontaneamente em 1 a 3% dos casos por ano, geralmente após
vários anos com HBV-DNA persistentemente indetectável(30).
O rastreamento das mutações de resistência e a quantificação
do AgHBs podem ser uma mais uma alternativa para auxiliar na
tomada de decisão e no manejo clínico, que no Brasil não está
disponibilizado na Rede Pública, apenas em poucos laboratórios
particulares ou em protocolos de pesquisa.
O Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas para Hepatite B, foi um grande passo e avanço. Uma ferramenta importantíssima dentro da realidade do tratamento para Hepatite B
e foi possível incorporar novas drogas e indicadores de tratamento embasados na Medicina Baseada em Evidencias e nos
Consensos Internacionais pelo Ministério da Saúde. Entretanto,
passados quase 5 anos da sua incorporação, torna-se necessário
atualizar com as novas propostas apresentadas nas revisões dos
Consensos Internacionais e na produção científica, avaliar as lacunas de classificação dos algoritmos para que todos os pacientes
possam ser alocados corretamente e facilitando que os mesmos
possam alcançar a RVS no tratamento para Hepatite B.
Agradecimentos
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio financeiro através
do processo 478322/2012-7.
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7
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ARTIGO ORIGINAL
Avaliação dos 12 anos da campanha de acesso público a
desfibrilação
Evaluation of ten years of the Campaign for public access defibrillation
Manoel Fernandes Canesin1, Alexsandro Oliveira Dias1, Cíntia Magalhães Carvalho Grion1, Elza Hiromi Tokushima
Anami1, Lucienne Tibery Queiroz Cardoso1, Vivian Biazon El Redá Feijó1
Recebido da Universidade Estadual de Londrina, Hospital Universitário de Londrina, Londrina, PR, Brasil.
RESUMO
ABSTRACT
JUSTIFICATIVA: Campanhas públicas e leis que visam desenvolver métodos de esclarecimento e incentivo na busca de
informações sobre o tratamento da parada cardiorrespiratória
devem ser objetivo de todos e implicam em excelentes resultados em todas as esferas de leigos, gestores e profissionais de
saúde. OBJETIVO: Avaliar o impacto de uma Campanha de
Acesso Público a Desfibrilação na população leiga, profissionais
de saúde e gestores. MÉTODO: A pesquisa quantitativa foi desenvolvida após a avaliação de 12 anos das atividades efetuadas
por uma Comissão de Ressuscitação Cardiopulmonar sobre a
Campanha de Acesso Público a Desfibrilação voltada para as
manobras de ressuscitação cardiopulmonar. RESULTADOS:
Como principais resultados diretos e indiretos nos 12 anos de
análise, promoveu-se a realização de cursos de suporte básico
de vida para profissionais de saúde e leigos, cursos de suporte
avançado de vida em cardiologia para profissionais de saúde,
treinamento em massa para a população geral, implantação da
temática no currículo da Faculdade de Medicina e a primeira
lei de Acesso Público a Desfibrilação da América Latina, assim
como o modelo para a lei federal que se encontra em tramitação. CONCLUSÕES: É evidente que mesmo com os resultados positivos ainda há necessidade real de maior número de
profissionais e leigos treinados, assim como o amplo estabelecimento dos cinco elos atuais da corrente de sobrevivência em
nosso terri­tório nacional, podendo outras campanhas, espelhadas nesta, serem implantadas.
BACKGROUND: Public campaigns and laws developing
methods of enlightenment and encouragement in finding
information on the treatment of cardiac arrest should be the
objective of all and imply excellent results in all spheres of
lay people, government managers and health professionals.
OBJECTIVE: To evaluate the impact of a Public Access
Defibrillation Campaign implementation in the lay population,
health professionals and government managers. METHODS:
The quantitative study was conducted after the 12 year
review of the activities undertaken by a Hospital Committee
of Cardiopulmonary Resuscitation and a Campaign for
Public Access Defibrillation geared toward cardiopulmonary
resuscitation. RESULTS: The main direct and indirect results
in the 12 years of analysis promoted courses in basic life support
for health professionals and lay public, courses of advanced
cardiac life support for health professionals, mass training for
general population, implementation of the thematic curriculum
in the School of Medicine and the first law of Public Access
Defibrillation in Latin America as well as the model for the
federal law that steel in progress. CONCLUSIONS: It is clear
that with the direct and indirect experiences of these 12 years
of Public Access Defibrillation Campaign we shown positive
results. There is real need for more professionals and trained lay
people as well as the extensive establishment of five current links
in the chain of survival in our Nationwide.
Descritores: Ressuscitação; Desfibriladores; Capacitação profissio­
nal; Cardiologia; Avaliação de resultados (Cuidados de saúde)
Keywords: Resuscitation; Defibrillators; Professional training;
Cardiology; Outcomes assessment (Health care)
INTRODUÇÃO
1. Universidade Estadual de Londrina, Hospital Universitário de Londrina,
Londrina, PR, Brasil.
Data de submissão: 09/07/2015 – Data de aceite: 03/11/2015
Conflito de interesse: não há.
Endereço para correspondência:
Manoel Fernandes Canesin
Hospital Universitário de Londrina
Departamento de Medicina
Avenida Robert Koch, 60 – Vila Operária
CEP: 86038-440 – Londrina, PR, Brasil
Tel.: (43) 3371-2395 – E-mail: [email protected]
© Sociedade Brasileira de Clínica Médica
8
RBCM 14.1.indb 8
Morte súbita é uma das principais causas de morte em todo
mundo(1), sendo dever da sociedade, conscientizar e capacitar
profissionais de saúde e leigos para o seu enfretamento(2). Para
que isto aconteça, o envolvimento e conscientização da sociedade são fundamentais.
Algumas cidades no mundo se empenharam em organizar
um serviço médico especializado (SME) voltado para o atendimento da parada cardiorrespiratória (PCR), com adoção da
corrente de sobrevivência(3,4). A realização dos elos dessa corrente
demonstra-se fundamental para o bom desfecho no que se refere
à sobrevida do paciente(5,6).
No Brasil, no ano de 2000 nenhuma cidade havia adotado um
SME. A cidade de Londrina-PR, possui em sua região metropoRev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):8-12
11/04/2016 16:00:01
Avaliação dos 12 anos da campanha de acesso público a desfibrilação
litana aproximadamente 840 mil habitantes(7), quatro hospitais
terciários, 55 unidades básicas de saúde e sistema integrado de
urgência clínica e traumática (SAMU/SIATE)(7).
A cidade que pretende alcançar índice de sobrevida adequado após o atendimento de PCR deve realizar o tempo de atendimento de Suporte Básico de Vida (SBV) e a chegada do suporte
avançado de vida (SAV) em até 7 minutos, e manobras de ressuscitação cardiopulmonar em pelo menos 50% dos eventos(8).
Em 1999 foi criada a Comissão de Ressuscitação Cardiopulmonar no Hospital Universitário da Universidade de Londrina (CorHU), com objetivo de capacitar profissionais que
atuam nas emergências cardiovasculares pré e intra-hospitalar, e
ações comunitárias para prevenção de morte súbita. Em 2000,
iniciou-se a campanha “Tempo é Vida”, com o objetivo de sensibilizar a população de profissionais de saúde e sociedade para
prevenção e tratamento da PCR, por meio de ampla divulgação
com pôsteres na cidade (Figura 1).
Ainda em 2000, foi realizada abertura da campanha com a
presença de autoridades da área da saúde, acadêmica, hospitalar,
coordenador do SIATE/SAMU, presidentes de associações de
bairros, com conferência sobre o tema proferida por profissional
médico de destaque nacional.
Após a abertura da campanha, ocorreu evento prático rea­
lizado em shopping da cidade, contendo painéis educativos,
aparelhos de TV que transmitiam o atendimento de PCR em
local público, manequins para o atendimento de emergência
cardiológica, desfibrilador externo automático (DEA) e uma
ambulância.
Profissionais permaneceram no local em esquema de revezamento no horário de funcionamento do shopping para demons-
Figura 1. Material sobre o lançamento da campanha “Tempo é
Vida”. Londrina-PR, 2000.
Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):8-12
RBCM 14.1.indb 9
trarem o atendimento de SBV e uso do DEA para interessados
(Figura 2). Outros profissionais ficavam à disposição para responder perguntas e estimular a população para participar das
demonstrações.
Este estudo tem como objetivo avaliar o impacto dos 12 anos
da campanha de acesso público a desfibrilação na população leiga, profissionais de saúde e gestores, na cidade de Londrina-PR.
MÉTODO
Pesquisa descritiva que avaliou a participação da população
nos três dias do evento de lançamento da campanha, bem como
o impacto da mesma sobre a comunidade médica e população
leiga após as capacitações oferecidas.
Para a análise estatística da ação de treinamento de pessoas
legais sobre a temática, foi considerado o nível de significância
p<0,05. Depois de selecionados os dados da pesquisa, os mesmo foram compilados em uma planilha específica do programa
Excel® 2007 para posterior tratamento dos dados e discussão dos
resultados embasados na revisão da literatura científica. Esta
pes­quisa foi aprovada pelo CEP/UEL no. 213/2011.
RESULTADOS
Durante os três dias da fase inicial da campanha circularam
pelo shopping, segundo sua gerência administrativa, 86.700
pessoas, e destas, 1.900 assinaram a lista de presença e obtiveram
orientações diretas sobre as manobras de SBV e DEA.
O impacto da fase de lançamento da campanha suscitou
maior interesse da população no assunto em virtude da metodo­
logia utilizada (manequins, DEA, instrutores e simulações). A
participação das autoridades convidadas na abertura da campanha
“Tempo é Vida” foi expressiva, pois todos os convocados participaram e se demonstraram sensibilizados com a importância da
questão abordada.
Figura 2. Simulação em manequins sobre o atendimento de emer­
gência cardiovascular e desfibrilador externo automático, no lan­
çamento da Campanha “Tempo é Vida” no ano 2000.
9
11/04/2016 16:00:01
Canesin MF, Dias AO, Grion CM, Anami EH, Cardoso LT, Feijó VB
Comparou-se o número de médicos que realizaram o curso
de suporte avançado de vida em cardiologia (SAVC) antes da
campanha “Tempo é Vida” (1999) e após um ano do evento,
em 2000. Foi constatado que o número de médicos atuantes na
cidade, antes da campanha (1998) era composto por 1231 profissionais, dos quais cinco (0,4%) realizaram o curso de SAVC.
Após um ano da campanha realizada em 1999, dos 1276 médicos, 308 (24,1%) realizaram o curso.
Infere-se que após a ampla divulgação da campanha o curso
de SAVC, realizado nos diversos âmbitos de saúde na cidade e
para docentes do curso de medicina da Universidade Estadual
de Londrina-PR (UEL), propiciou o aumento do número de
profissionais que realizaram a capacitação.
No mesmo ano do início da campanha, uma parceria com o
governo do estado do Paraná foi estabelecida para a realização de
uma série de treinamentos padronizados sobre SBV, sob normas
da Sociedade Brasileira de Cardiologia e do International Liaison
Committee on Resuscitation, para a população geral e para agentes comunitários de saúde nas quatro maiores cidades do Estado.
O treinamento citado foi denominado “Amigos da Vida” e
realizado entre 2000 a 2003, contando com a participação de
4.500 pessoas leigas, sendo convidados de forma não aleatória a participação na pesquisa de 687 indivíduos. Foi aplicado
questionário do tipo pré e pós-teste, com questões de múltipla
escolha, com alteração da disposição das perguntas, em cada
fase da avaliação.
Após seis meses decorridos do primeiro treinamento, os autores convidaram, via telefone e endereço eletrônico, uma amostra de 15% do total de participantes das atividades do pré e
pós-teste, tendo adesão de 91 pessoas (13%) que foram submetidas a um novo treinamento sobre o conteúdo de emergências
cardiovasculares e uso do DEA, e novamente avaliadas. Foram
comparadas as assertivas das questões, utilizando o teste de
Fisher (Tabela 1).
No ano de 2001, a CorHU apoiada pela campanha “Tempo
é Vida” elaborou, em conjunto com o colegiado de medicina da
UEL, um programa de aprimoramento do ensino prático baseado em metodologia ativa de ensino em emergências cardiovasculares. As diretrizes internacionais afirmam que o treinamento
em habilidades em emergências cardiovasculares para médicos
deve começar na faculdade e, recapacitados ao longo da carreira
médica(9).
Em 2002, após o trabalho de sensibilização da classe de profissionais de saúde e da população geral, assim como de treinamentos realizados de SBV/SAVC, a CorHU apresentou projeto
de lei junto à câmara de vereadores do município, que versava
sobre a criação de lei que regulamentasse a necessidade de pes­soas
treinadas em SBV e DEA em locais públicos da cidade.
Foi aprovada a primeira lei da América Latina (no 8845/12)(10)
que garante brigada treinada em SBV e pelo menos um aparelho
DEA em locais públicos, com circulação diária maior que 1.000
pessoas. Ocorreu neste local o primeiro treinamento depois de
decretada a lei conforme a exigência legal (Figura 3). Após promulgação desta lei, outras cidades e estados do país criaram suas
próprias legislações a respeito de SBV e DEA.
Em 2004, o trabalho foi ampliado com lançamento nacional
da campanha “Tempo é Vida”. Após este lançamento, em 2005
houveram duas grandes ações realizadas no Rio Grande do Sul
e no Ceará para treinamento em massa de SBV e uso do DEA.
No ano de 2006 até o presente momento, uma organização
da sociedade civil, sem fins econômicos, com intenção de favorecer educação no tratamento das urgências cardiovasculares
fundou associação “Tempo é Vida”, na cidade de Londrina-PR.
Na análise de 12 anos da Campanha de Acesso Público a
Desfibrilação, foram considerados resultados positivos diretos:
cursos SBV para profissionais de saúde e leigos, cursos de SAVC
para profissionais de saúde, treinamentos em massa para a população geral em SBV (Amigos da Vida) e a primeira Lei de Acesso
Público a Desfibrilação da América Latina.
Outros resultados positivos: implantação de treinamento de
SBV e SAVC no currículo do curso de Medicina da UEL, lançamento nacional da campanha, realização de treinamentos em
SBV em outros Estados, formação de um centro de treinamento
em emergências cardiovasculares, assim como a criação de uma
associação civil não governamental “Tempo é Vida” que se empenha pela causa.
Como resultados positivos indiretos: implantação de outras
leis de acesso público a desfibrilação em municípios e estados
no Brasil, assim como a lei federal que ainda encontra-se em
tramitação. Experiência adquirida pelos membros da campanha
para edição da I Diretriz Brasileira de PCR e Emergência Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e publicação de livro e curso nacional da SBC de treinamento básico
e avançado em emergências cardiovasculares (TECA A e B)(11),
no ano de 2013.
Tabela 1. Número de acertos e comparação entre as avaliações de 687 alunos do treinamento (pré e pós-teste) e 91 alunos após re-treinamento (pré
e pós após 6 meses) em suporte básico de vida. Londrina-PR, 2003
Questões
Quais os sintomas do ataque cardíaco? (Insuficiência coronariana aguda)
Que atitude tomar em evento de ataque cardíaco?
Quais os sintomas do derrame? (AVC)
Qual o sinal de engasgamento?
Qual a sequência de atendimento primário da parada cardiorrespiratória?
Qual a frequência compressão/ventilação na parada cardiorrespiratória?
Pré-curso
(pré-teste)
n=687
499
603
205
285
95
249
Pós-curso
(pós-teste)
n=687
596*
621
439 *
617 *
276 *
660*
Re-treinamento
n=91
65*
83
49
69 *
44
64 *
Pós
Re-treinamento
n=91
87*
85
72 *
76
61 *
81 *
* Teste de Fisher: p<0,05.
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Avaliação dos 12 anos da campanha de acesso público a desfibrilação
a preocupação da comunidade médica e leiga assim como o
governo em tornar a padronização do atendimento à PCR
mais popular, são metas para se melhorar a sobrevida destes
pacientes.
CONCLUSÃO
Figura 3. Treinamento realizado aos servidores da câmara municipal da cidade de Londrina-PR (foto à esquerda), após decretada a Primeira Lei de Acesso Público a Desfibrilação da América
Latina (foto à direita). Londrina-PR, 2002.
DISCUSSÃO
Entre as causas mais comuns de morte estão as doenças car­
diovasculares, a maior parte destas mortes acontece por fibrilação ventricular (FV), que é potencialmente tratada com compressão torácica e desfibrilação imediatas(12,13). O desenvolvimento
da tecnologia para DEA possibilitou a desfibrilação precoce na
PCR fora do ambiente hospitalar, porém grande parte de nossa
população ainda não tem conhecimento que é possível tratá-la
com melhores resultados.
Assim, depois de um treinamento, o leigo é capaz de realizar
atendimento adequado(14,15). Alguns programas de acesso público a desfibrilação já são realizados em outros países. Programas
de conscientização de SBV nos moldes do programa “Tempo é
Vida” ainda eram inexistentes no Brasil no ano 2000.
Pesquisa realizada na cidade de Chicago após implantação
do programa de acesso público a desfibrilação, que ofertava capacitação aos funcionários do aeroporto, policiais, seguranças,
pessoas do setor público ou privado que transitavam pelo local,
constatou que a maioria dos pacientes com FV foram ressuscitados em poucos minutos. Após um ano, o resultado neu­
rológico dos casos atendidos era satisfatório(16). Ao contrário do
que acontecia no atendimento tradicional, em que o paciente já
chegava comatoso ao hospital e mais da metade não recobrava
a consciência(17-18).
O sucesso na ressuscitação cardiopulmonar não depende
apenas da disponibilização de equipamento, mas também de
pessoas capacitadas para a abordagem e compressão torácica
adequada, contribuindo para diminuição da mortalidade(19).
A importância da correta realização das compressões torácicas
também se confirma, com demonstração de bons resultados inclusive quando somente compressões torácicas são realizadas no
atendimento da PCR no ambiente pré-hospitalar(4-6).
A Campanha “Tempo é Vida”, estabelece que se mais pessoas
são capacitadas e equipadas para o atendimento de emergências
cardiovasculares, melhores são os resultados em relação a ações
que poderão aumentar a sobrevida de pessoas que sofrem PCR.
A formação profissional com treinamento adequado e contínuo, o planejamento do setor hospitalar e pré-hospitalar para
que a emergência possa ser atendida com rapidez e eficiência,
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As campanhas que visem orientar a população sobre manobras de SBV e DEA precoces podem estimular as populações
na busca de informações e exigir da sociedade medidas eficazes
para resultados mais satisfatórios no atendimento de eventos
de PCR.
Na análise desta experiência pioneira de 12 anos da promulgação da primeira Lei de Acesso Público a Desfibrilação da
América Latina e Campanha Pública em Ressuscitação Cardiopulmonar no Brasil, pode-se concluir que, apesar da real necessidade de aprimoramento, os resultados positivos diretos e indiretos geraram interesse da população e governo, sensibilizando
médicos e outros profissionais de saúde.
Algumas limitações como registros para avaliação do impacto
direto das ações na sobrevida e mais parcerias com o setor pú­
blico são necessárias.
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percentuais reativa e acumulada, segundo os municípios e as
11
11/04/2016 16:00:01
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ARTIGO ORIGINAL
Fenilcetonúria: perfil e abandono de tratamento em
centro de referência no Pará
Phenylketonuria: profile and treatment abandon in reference center in Pará
Luigi Ferreira e Silva1, Gabriel Roberto Baena Rodrigues1, Renata Henriques Cavalcante1, José Antônio Cordero da Silva1
Recebido da Universidade do Estado do Pará, Belém, PA, Brasil.
RESUMO
OBJETIVO: Verificar o perfil sociodemográfico e a frequência
de abandono de tratamento dos portadores de fenilcetonúria
atendidos em um serviço de referência. MÉTODOS: Estudo
retrospectivo, transverso, descritivo, com abordagem quantitativa,
envolvendo todos os prontuários de pacientes fenilcetonúricos,
atendidos no Serviço de Referência de Triagem Neonatal do
Centro de Saúde-Escola Marco da Universidade do Estado do
Pará, até novembro de 2013, com protocolo de autoria própria.
RESULTADOS: No total, 36 pacientes compuseram a amostra;
52,77% eram do sexo feminino e 47,23% do sexo masculino.
Três quartos não residiam em Belém (75%). Apenas um caso
de abandono do tratamento (2,77%) foi confirmado, ou seja,
um número ínfimo. Quanto ao diagnóstico da doença, 80,55%
foram precoces. CONCLUSÃO: O perfil sociodemográfico traçado no atendimento do Centro de Saúde-Escola da Universidade do Estado do Pará foi: uma criança entre zero a 4 anos,
do sexo feminino, diagnosticada precocemente, não residente
em Belém, com tratamento efetivo, sem intercorrências que a
fizessem abandonar o tratamento.
Descritores: Fenilcetonúria; Perfil de saúde; Triagem neonatal;
Pacientes desistentes do tratamento
ABSTRACT
OBJECTIVE: To check the sociodemographic profile and the
frequency of treatment abandon of phenylketonuria patients
treated at a reference service. METHODS: Retrospective,
cross-sectional, descriptive, quantitative approach study,
1. Universidade do Estado do Pará, Belém, PA, Brasil.
Data de submissão: 06/11/2015 – Data de aceite: 16/11/2015
Conflito de interesses: não há.
Endereço para correspondência:
José Antônio Cordero da Silva
Universidade do Estado do Pará
Travessa Perebebuí, 2623 – Marco
CEP: 66095-450 – Belém, PA, Brasil
Tel.: (91) 98121-8869
E-mail: [email protected]
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involving all records of phenylketonuria patients treated at the
neonatal screening reference center of the Marco School Health
Center of State University of Pará until November 2013, with
own protocol. RESULTS: It was counted 36 pacients, 52.77 %
were female and 47.23% male. 3/4 doesn’t live in Belém (75%).
Only one confirmed case of noncompliance (2.77%), small
number, however should be eradicated. Regarding the diagnosis
of this disease, 80.55% were early. RESULTS: The sample was
composed of 36 patients; 52.77 % were female and 47,23%
male. Three of each four patients did not live in Belém (75%). We
observed only one confirmed case of noncompliance (2.77%),
that is a small number. Regarding the diagnosis of this disease,
80.55% were early. CONCLUSION: The sociodemographic
profile in stroke care Centro de Saúde-Escola Marco was a
child between zero to 4 years old female diagnosed early,
non-resident of Belém, with sporadic and effective treatment
without complications that made them to abandon treatment.
Keywords: Phenylketonuria; Health profile; Neonatal screening;
Patient dropouts
INTRODUÇÃO
Caracterizada como uma desordem genética autossômica
recessiva, a fenilcetonúria é originada de mutações genéticas
que alteram a produção da enzima hepática fenilalanina-hidro­
xilase, culminando com o acúmulo de fenilalanina no sangue
e em outros tecidos, devido à deficiência ou à ausência de fenilalanina-hidroxilase.(1-3)
A prevalência média global é de 1:10 mil recém-nascidos,
sendo uma doença rara e cuja variação se dá pelo número de novos casos em diferentes nações e grupos étnicos pelo mundo.(4)
O Programa Nacional de Triagem Neonatal realizou, no Brasil,
um estudo em 2001 expondo uma prevalência de fenilcetonúria
de 1:15.839.(5) Outro levantamento, este de 2002, evidenciou
prevalência de 1:24.780, incluindo na pesquisa 18 Estados brasileiros.(6) Quando comparada a todos os erros inatos do metabolismo de aminoácidos, é a de maior prevalência, tendo grande
implicação clínica. Como consequência do defeito/ausência da
enzima, os níveis de fenilalanina encontram-se altíssimos nos
organismo, enquanto que os de tirosina são praticamente normais ou baixos.(1,7)
Não há sintomatologia precoce nos recém-nascidos portadores até iniciarem alimentação com fenilalanina. Deve-se, por
meio de rastreamento, diagnosticar a doença, pois, caso contrário, esta só se manifestará clinicamente entre o terceiro ou quarto
13
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Silva LF, Rodrigues GR, Cavalcante RH, Silva JA
mês de vida,(1,8) como presença de retardo neuropsicomotor global, irritabilidade, síndromes convulsivas, odor característico de
pele, urina e cabelos e outros achados.(1,2,8)
Distúrbios do comportamento, hiperatividade, comprometimento cognitivo e intelectual,(1,2) depressão, sinais piramidais e
extrapiramidais, e epilepsia podem surgir na infância e tornam-se mais exacerbados na adolescência.(9) Porém, é possível que
um portador não desenvolva qualquer sintoma e tenha uma vida
normal, se este for diagnosticado durante o período pós-natal e
mantiver restrição à fenilalanina.(2,3)
Uma amostra de sangue do segundo ao quinto dia de vida
após a exposição à dieta proteica é o procedimento diagnóstico
padrão para rastreamento, trata-se do chamado “teste do Pezinho”.(8,10) O programa Nacional de Triagem Neonatal do Ministério da Saúde preconiza que, por meio da análise dessa amostra,
os recém-nacidos que apresentarem níveis elevados de fenilalanina devem ser encaminhados para acompanhamento multiprofissional. Atualmente, o teste é rotina, pois, com o diagnóstico
e o tratamento precoces da fenilcetonúria, o prognóstico torna-se
favorável para prevenir danos neurológicos irreversíveis que
aconteceriam com a ausência de tratamento.(10,11) O Estatuto
da Criança e do Adolescente confirma a necessidade da realização do teste, regulamentando pela portaria que estabeleceu o
Programa Nacional de Triagem Neonatal para diagnóstico precoce de fenilcetonúria.(8-10)
O Centro de Saúde-Escola Marco da Universidade do Estado do Pará é o centro de referência para o tratamento controlado
e acompanhamento dos pacientes portadores de fenilcetonúria
do Estado do Pará, sendo o mais adequado ponto de estudo da
doença no Pará.
OBJETIVO
Verificar o perfil sociodemográfico e a frequência de abandono de tratamento dos portadores de fenilcetonúria atendidos em
um serviço de referência
MÉTODOS
Os prontuários gerados pelo no Serviço de Referência de
Triagem Neonatal do Centro de Saúde Escola Marco foram
revisados após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade do Estado do Pará, protocolo 579.738, datado de
21 de março de 2014.
O estudo realizado foi retrospectivo, transverso, descritivo e
com abordagem quantitativa. Foram incluídos todos os prontuá­
rios de pacientes diagnosticados com fenilcetonúria, atendidos
no Serviço de Referência de Triagem Neonatal do Centro de
Saúde Escola Marco até novembro de 2013.
Para a realização do estudo, foi aplicado um protocolo, de
autoria própria, com a pesquisa dos seguintes dados registrados
em prontuário: idade, município de naturalidade, sexo, qual o
tratamento realizado no Centro de Saúde Escola Marco, data da
primeira consulta, presença de casos consanguíneos relatados,
diagnóstico em período neonatal ou tardio.
14
RBCM 14.1.indb 14
Para a confecção das tabelas e análise de dados, utilizou-se o
Microsoft Office Excel 2011.
RESULTADOS
No período de pesquisa, foram analisados 36 prontuários
de pacientes com diagnóstico de fenilcetonúria confirmado pelo
teste do Pezinho. Quanto ao sexo (Tabela 1), 52,77% dos pacientes da amostra eram do sexo feminino. Em torno de 75%
dos pacientes não residiam em Belém (Tabela 2), e uma fração de
8,33% concentrou-se no município de São Miguel do Guamá.
Apenas um caso de abandono do tratamento (2,77%) foi
confirmado (Tabela 3), tendo também um caso (2,77%) que
permaneceu em busca ativa. Registrou-se que 80,55% foram
diagnosticados precocemente (Tabela 1), apresentando-se assintomáticos, e 16,66% não foram referidos se houve diagnóstico
precoce ou tardio – casos sintomáticos. A faixa etária de zero a
4 anos foi predominante (44,44%), seguida da faixa de 5 a 9
anos (30,55%). A presença de casos consanguíneos foi majoritariamente não referida (44,44%), compreendendo como perigo
de subnotificação de casos se não for realizado rastreamento minucioso nas famílias cadastradas, já que 13,88% apresentaram
casos consanguíneos confirmados, mesmo contrastando com
ausência de casos em 41,66%.
DISCUSSÃO
No Pará, havia apenas 36 casos de fenilcetonúria registrados
em prontuário até o final do ano de 2013. É possível que tenha
havido subnotificação de casos, pela pouca densidade demográfica do Estado em detrimento de sua territorialidade ou mesmo
por falha técnica dos profissionais envolvidos no rastreamento
Tabela 1. Distribuição de faixa etária, sexo, tempo diagnóstico da doença
e casos consanguíneos dos pacientes registrados
Característica
Idade, anos
0-4
5-9
>9
Sexo
Masculino
Feminino
Tempo de diagnóstico da fenilcetonúria
Precoce
Tardio
Não referido
Casos consanguíneos
Sim
Não
Não referido
Total
n (%)
16 (44,44)
11 (30,55)
9 (25)
17 (47,22)
19 (52,77)
29 (80,55)
1 (2,77)
6 (16,66)
5 (13,88)
15 (41,66)
16 (44,44)
36 (100)
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Fenilcetonúria: perfil e abandono de tratamento em centro de referência no Pará
da fenilcetonúria. Um sistema de saúde efetivo é aquele organizado por uma gestão esclarecida das reais necessidades da população, sobretudo em suas particularidades e magnitudes, e no
contexto da fenilcetonúria, mesmo epidemiologicamente representando uma baixa frequência, exige grande responsabilidade
clínica e estrutural e imediata intervenção, devendo oferecer suporte incluindo os casos distantes do centro de referência, locais
diretamente afetados pela carência de cobertura diagnóstica e
suporte interdisciplinar.
Dos 36 pacientes registrados no Serviço de Referência de
Triagem Neonatal do Centro de Saúde Escola Marco, a maioria
(44,44%) se encontrava na faixa etária de zero a 4 anos de idade,
com predominância no primeiro ano (13,88%). A idade baixa
pode refletir a realidade da menor expectativa de vida de fenil-
Tabela 2. Distribuição dos municípios de nascimento dos pacientes
registrados
Município de nascimento
Belém
São Miguel do Guamá
Eldorado dos Carajás
Santarém
Tucuruí
Abaetetuba
Almerim
Ananindeua
Capanema
Castanhal
Curralinho
Floresta do Araguaia
Igarapé Mirim
Juruti
Marabá
Monte Alegre
Oriximiná
Ourilândia
Ponta de Pedras
Salvaterra
Santa Bárbara
Tailândia
Tomé-Açu
Total
n (%)
9 (25)
3 (8,33)
2 (5,55)
2 (5,55)
2 (5,55)
1 (2,77)
1 (2,77)
1 (2,77)
1 (2,77)
1 (2,77)
1 (2,77)
1 (2,77)
1 (2,77)
1 (2,77)
1 (2,77)
1 (2,77)
1 (2,77)
1 (2,77)
1 (2,77)
1 (2,77)
1 (2,77)
1 (2,77)
1 (2,77)
36 (100)
Tabela 3. Situação dos pacientes quanto à presença de abandono de
tratamento notificado
Abandono
Sim
Busca ativa
Não
Total
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RBCM 14.1.indb 15
n (%)
1 (2,77)
1 (2,77)
34 (94,44)
36 (100)
cetonúricos, porém, além disso, faz perceber que o Teste do Pezinho vem sendo realizado em faixas etárias cada vez menores, o
que é uma vantagem, assim como é preconizado pelo Ministério
da Saúde através do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas
da fenilcetonúria.(12)
No Estado do Pará, houve grande distribuição do local de
residência registrado em prontuário, com concentração na capital Belém (25%) e em São Miguel do Guamá (8,33%), contemplando quase todas as mesorregiões do Pará, excetuando apenas
a sudoeste. A explicação para tal pode ser devido a fatores genéticos próprios das populações de cada mesorregião, podendo
ser alguma menos predisposta geneticamente à fenilcetonúria
do que as outras.
Houve diferença na proporção dos sexos, com maior prevalência de pacientes do sexo feminino. Tal qual como demonstrado em um estudo realizado em Alagoas(13), e na Bahia,(14) foram
encontrados 52,77% dos casos em meninas no presente estudo.
Santos et al.,(13) e Amorim et al.,(14) ressaltam a não relação direta
do sexo com a frequência da doença, além de sugerirem também
que o número amostral reduzido não gera relevância estatística
entre sexo e frequência da doença, além do fato da fenilcetonúria apresentar padrão de herança autossômica recessiva. No
entanto, o número de casos de irmandade aumenta principalmente pelo número de pais consanguíneos, aumentando, por
conseguinte, o número de casos de fenilcetonúria.(14) É necessário
orientar as famílias, desde o período de pré-concepção, sobre os
riscos inerentes de relações consanguíneas no que diz respeito às
condições genéticas predisponentes e ao histórico de doenças genéticas na família, além de rastrear, nas famílias, casos de casais
consanguíneos e filhos portadores, devendo ocorrer uma investigação maior, que aborde também irmãos. Neste estudo, verificou-se que 44,44% (16 pacientes) dos casos não tinham registro
de pesquisa de casos familiares de irmandade ou pesquisa por
pais consanguíneos, o que pode acarretar menores coberturas,
rastreamento e notificação da doença, além de prejuízo clínico
dos portadores não pesquisados.
O diagnóstico pela triagem neonatal foi realizado em 80,55%
deles. O restante confirmou-se tardiamente, por meio da existência de deficiência mental de etiologia não esclarecida.(15) Em
concordância com os achados de Amorim et al,(14) o rastreio dos
neonatos diagnosticou três quartos dos casos; o restante teve
confirmação por desenvolvimento clínico da fenilcetonúria pela
presença de retardo mental, dentre os graus leve a grave. Similarmente aos achados de Amorim et al(14) e Gomes e Sampaio,(15)
nesta pesquisa realizada no Centro de Saúde Escola Marco foram confirmados números maiores de pacientes com diagnóstico neonatal do que em período infantil, ou seja, a triagem
neonatal detectou a doença em período precoce na maioria
dos pacientes. É de suma importância a descoberta precoce da
doença, dada a possibilidade de melhor prognóstico e evolução
desta. Além do mais, percebe-se uma melhoria na saúde pública, salientada pela maior parte dos diagnósticos realizados
por meio da triagem neonatal. A intervenção precoce impede o
desenvolvimento do quadro clínico.
O autismo é uma condição que, em muitos aspectos, assemelha-se com a fenilcetonúria, o que, aliado à falta de conhecimen15
11/04/2016 16:00:01
Silva LF, Rodrigues GR, Cavalcante RH, Silva JA
tos dos médicos atendentes, torna a fenilcetonúria uma doença
de difícil suspeição clínica. O diagnóstico, seja tardio ou precoce
depende do conhecimento do profissional de saúde quanto à
patologia e do acesso da população a exames diagnósticos.(14)
Como no presente estudo a maioria dos pacientes morava no
interior do Estado do Pará, que é uma área, na maioria das vezes,
de difícil acesso a exames diagnósticos, ainda se observou uma
pequena fração (2,77%) da população com diagnóstico tardio.
O tempo para diagnóstico e tratamento mostra-se ainda elevado, uma vez que a recomendação é de que o tratamento se
inicie no primeiro mês de vida. A justificativa para tal deve-se
a maior parte dos pacientes serem provenientes do interior do
Estado, tendo, então, pouco acesso a exames diagnósticos e com
dificuldades em receber adequado atendimento médico, além de
não saberem e nem compreenderem a importância do Teste do
Pezinho. Não obstante, é possível que haja um acompanhamento pós-natal deficitário, devido às condições técnicas estruturais
e dos profissionais envolvidos nesses municípios de longa distância e difícil acesso.
A apresentação clínica da fenilcetonúria variou com a mudança de fatores ambientais e genéticos, pois, em pacientes
com mesma mutação e com abordagem diagnóstica e adesão
terapêutica diferentes, ocorrem evoluções distintas. No entanto,
mesmo aquele com assistência mais adequada, não foi isento
de sintomatologia.(14) Um dos fatores ambientais relatado é, por
exemplo, o abandono ao tratamento ou, então, a influência familiar sobre diversos fatores da vida do paciente. Todos os fenilcetonúricos pesquisados são menores de idade, dependendo,
de seus responsáveis tanto para a continuação do tratamento,
quanto para alimentação e outros fatores. Assim, a influência
de familiares sobre um paciente pode fazê-lo não seguir as recomendações médicas, variar seu fenótipo e influenciar negativamente no prognóstico da doença. A não adesão ao tratamento
repercutirá negativamente na evolução clínica dos portadores da
fenilcetonúria, entre os fatores para não aderirem, encontram-se:
influências sociais e culturais pelos hábitos alimentares, desconhecimento das implicações dieta-doença e da quantidade
de fenilalanina da alimentação, elevado custo da dieta, além
da qualidade da terapêutica determinada pelos profissionais e
pela instituição envolvidos.(16) Em todos os prontuários, foi registrada assistência multiprofissional por médicos, enfermeiros,
nutricionistas e psicólogos, trazendo, desta forma, abrangência
terapêutica e acompanhamento efetivo de longa data, conferindo ao Serviço de Referência de Triagem Neonatal do Centro
de Saúde Escola Marco uma eficaz cobertura multiprofissional,
referente aos pacientes assistidos, apesar das dificuldades enfrentadas pelos locais vinculados ao Programa Nacional de Triagem
Neonatal. Dentre as dificuldades, há relatos que se repetem, em
estudos como fragmentação do serviço de atendimento, e ausência de informatização e de comprometimento dos gestores estaduais e municipais.(16) Também, consta-se como dificuldades:
burocratização dos processos e dificuldades na gestão financeira.(17)
O manejo dos casos deve ser forma adequada e em tempo hábil.
Para isso, é mandatório um sistema integrado, complexo e multidisciplinar em bom funcionamento.
16
RBCM 14.1.indb 16
Em Alagoas, de 20 pacientes acompanhados, foram encontrados três casos diagnosticados tardiamente. Em dois pacientes,
houve interrupção temporária do tratamento e um paciente não
aderiu ao tratamento.(13) No presente estudo, foi registrado um
caso de abandono de tratamento e um caso de abandono não
concluído, apesar de que, em ambos, houve a prática da busca
ativa. A questão do abandono possui grande relevância de discussão pela sua contemporaneidade – o abandono do tratamento achado, por mais que seja um número relativamente pequeno,
é preocupante. As consequências desse abandono podem ser no
âmbito jurídico para os responsáveis pelos pacientes (já que todos os pesquisados são menores de idade e pela doença representar um risco de debilitação irreversível), mas, primordialmente,
para os pacientes. Estes terão pior prognóstico, avanço mais rápido e descontrolado da doença e piores consequências quanto
à sua saúde, necessitando de maiores gastos futuramente com a
evolução da doença.
Existem fatores(13) que levam a não adesão ao tratamento,
como o custo social e financeiro da manutenção da dieta restrita
de fenilalanina, e tais fatores precisam de atenção da equipe envolvida no atendimento, envolvendo também o poder público
– tanto no sentido de provedor de financiamento de recursos
para a saúde, quanto no caráter educador em investimentos na
divulgação de informações a respeito da patologia, no intuito de
atingir a intervenção necessária para proteger o organismo dos
pacientes, levando em consideração a relação custo-benefício.
Neste estudo, o preenchimento dos prontuários indicou que a
atuação da equipe multiprofissional executava seu papel satisfatoriamente, exercendo seguimento clínico dos pacientes e atendimento integral, sendo estes fatores protetores da permanência
em tratamento ininterrupto dos pacientes.
Um programa eficiente de rastreio em massa deve cumprir
suas metas diagnósticas, atingindo diretamente grandes populações, intervindo precocemente nestas patologias, principalmente
se envolver neurodegeneração, e indução lenta e progressiva de
retardo mental grave.(18) O portador de fenilcetonúria sem tratamento apresenta perda de aproximadamente cinco unidade de
Quociente de Inteligência em torno de 2 meses.(6)
O Estatuto da Criança e do Adolescente(19) objetiva traçar o
que é fundamental para a plenitude do gozo do desenvolvimento infanto-juvenil e, no contexto da saúde, o art. 7º ressalta o dever de políticas públicas em prol da existência sadia da criança, incluindo a participação do Sistema Único de Saúde, em seu art. 11,
como prestador de serviços.
Neste estudo, não foram encontradas, durante a revisão
de prontuários, possíveis justificativas para o único relato de
abandono do tratamento e, apesar de sua baixa frequência, é
necessário que existam posteriores estudos que possam esclare­
cer à comunidade científica tais razões, especialmente na infância pré-escolar. Portanto, este estudo permite inferir a alta
relevância do Centro de Saúde Escola Marco em seu papel
cuidador e prestador de assistência integral e multiprofissional
para com os pacientes registrados neste serviço, mesmo com a
presença de dificuldades estruturais e de cobertura da imensidão do Estado do Pará, cumprindo efetivamente sua função na
triagem neonatal.
Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):13-7
11/04/2016 16:00:01
Fenilcetonúria: perfil e abandono de tratamento em centro de referência no Pará
CONCLUSÃO
O perfil sociodemográfico traçado no atendimento do Centro
de Saúde Escola Marco foi de uma criança entre zero e 4 anos,
do sexo feminino, diagnosticada precocemente, não residente de
Belém, com tratamento multiprofissional efetivo, sem intercorrências significantes que a fizessem abandonar, com baixíssima
frequência de abandono.
Os autores deste artigo compreendem a relevância de ressaltar que um atendimento multidisciplinar no Sistema Único
de Saúde é essencial para todos os cidadãos, sobretudo no que
diz respeito àqueles grupos de usuários de maior relevância clínica, pelas possíveis intercorrências da evolução das doenças. É
fato que a fenilcetonúria tende a reduzir a qualidade de vida
dos pacientes, pela debilidade consequente de sua natureza. No
en­tanto, a atenção adequada aos pacientes de forma efetiva e
precoce possibilita seu desenvolvimento sadio, com menores sequelas e direito à saúde de qualidade.
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17
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ARTIGO ORIGINAL
Avaliação do estilo de vida de pacientes com infarto agudo
do miocárdio admitidos em uma unidade coronariana
Lifestyle assessment of patients with acute myocardial of admitted in a coronary unit
Edelvita Fernanda Duarte Cunha1, Antônio Marconi Leandro da Silva1, Karen Ruggeri Saad2, Thiago Araújo de Melo3,
Bruno Prata Martinez3,4, Vitor Oliveira Carvalho5, Gilson Soares Feitosa-Filho3,6
Recebido do Hospital Santa Izabel, Escola Bahiana de Medicina e Saude Publica, Salvador, BA, Brasil.
RESUMO
ABSTRACT
OBJETIVO: Descrever o estilo de vida de pacientes admitidos em uma unidade coronariana com diagnóstico de infarto
agudo do miocárdio. MÉTODOS: Estudo de corte transversal, observacional, realizado entre março e junho de 2012,
em um hospital da cidade de Juazeiro (BA). O questionário
utilizado foi o FANTASTIC, que é uma ferramenta validada internacionalmente, inclusive no Brasil. O questionário foi
aplicado aos pacientes durante os primeiros dias de internação
na unidade fechada, e os dados secundários foram coletados
nos prontuários. RESULTADOS: Responderam ao questionário 57 pacientes, sendo 63,2% do sexo masculino, com idade
média 61,3±10,9 anos e índice de massa corporal médio de
27,0±4,4kg/m2. A média de pontuação pelo questionário foi
de 57,2±7,2, e 63,2% apresentaram um “bom” estilo de vida
pela classificação previamente padronizada. As mulheres apresentaram um escore de estilo de vida melhor do que os homens
(61,1±5,1 pontos versus 55,0±7,3 pontos; p=0,001). Houve
menor pontuação nos domínios nutrição, atividade física e
tabagismo. Conclusão: Os pacientes com infarto agudo do
miocárdio apresentaram um escore “bom” pelo questionário
FANTASTIC. Alguns domínios, no entanto, mostram valores
baixos, como atividade física, nutrição e tabagismo.
OBJECTIVE: To describe the lifestyle of patients admitted
to a coronary care unit with acute myocardial infarction.
METHODS: Observational cohort study, conducted between
March and June, 2012, in a hospital of Juazeiro (BA), Brazil. The
questionnaire used was FANTASTIC, that is an internationally
validated tool, including Brazil. This was administered to
patients during the first days in the coronary care unit and
the secondary data were collected from the medical records.
RESULTS: Fifty-seven patients answered the questionnaire,
63.2% male, mean age 61.3±10.9 years and mean body mass
index of 27.0±4.4kg/m2. Mean score of the questionnaire was
57.2±7.2; and 63.2% had a “good” lifestyle by previously
standardized classification. Women had a better lifestyle score
than men (61.1±5.1 points versus 55.0±7.3 points; p=0.001)
There were lower scores in the areas nutrition, physical activity
and smoking questionnaire. CONCLUSION: Acute myocardial
infarction patients had a “good” score in the FANTASTIC
questionnaire. Some domains, however, were undesirably low:
physical activity, nutrition and smoking.
Descritores: Infarto do miocárdio; Unidades de terapia intensiva;
Estilo de vida; Questionários
1. Hospital Promatre, São Paulo, SP, Brasil.
2. Universidade Federal do Vale do São Francisco, Petrolina, PE, Brasil.
3. Hospital Aliança, Salvador, BA, Brasil.
4. Universidade do Estado da Bahia, Salvador, BA, Brasil.
5. Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE, Brasil.
6. Hospital Santa Izabel, Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador,
BA, Brasil.
Data de submissão: 16/01/2015 – Data de aceite: 09/04/2015
Conflito de interesses: não há.
Fontes de financiamento: não há.
Endereço para correspondência:
Gilson Soares Feitosa-Filho
Comissão de Ensino do Hospital Santa Izabel
Santa Casa de Misericórdia da Bahia
Praça Conselheiro Almeida Couto, 500 – Nazaré
CEP: 40050-410 – Salvador, BA, Brasil
Tel.: (071) 2203-8214 – E-mail: [email protected]
© Sociedade Brasileira de Clínica Médica
18
RBCM 14.1.indb 18
Keywords: Myocardial infarction; Intensive care units; Life style;
Questionnaires
INTRODUÇÃO
A Organização Mundial da Saúde define “estilo de vida”
como a maneira geral de viver, que se baseia na interação entre
as condições de vida e padrões individuais de conduta.(1) Especialmente nas duas últimas décadas, a influência do estilo de
vida na saúde tem sido investigada, assim como sua relação com
o tratamento e o prognóstico de diversas doenças, como as
cardiovasculares.(2-5)
A adoção de medidas de promoção a hábitos de vida saudáveis para prevenção das doenças cardiovasculares é de fundamental importância. Muitos fatores de risco são modificáveis e
estão ligados ao estilo de vida, como atividade física, hábitos
alimentares, sono, estresse e relacionamento com amigos e familiares.(6,7) O controle desses fatores de risco pode impactar signi­
ficativamente na incidência de doenças cardiovasculares, que
encontram-se entre os maiores gastos em internações nos leitos
de terapia intensiva do sistema público.(8,9)
Entre os questionários que visam avaliar o estilo de vida, um
já validado na população brasileira é o FANTASTIC.(10) Nele,
Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):18-21
11/04/2016 16:00:02
Estilo de vida de pacientes infartados
aspectos físicos, psicológicos e sociais do estilo de vida são explorados e constituem ferramentas importantes para avaliação
do estilo de vida. Apesar de sua importância, esse instrumento
nunca foi aplicado para avaliar o estilo de vida de pacientes com
infarto agudo do miocárdio (IAM).
OBJETIVO
Quantificar o estilo de vida de pacientes com infarto agudo
do miocárdio em uma unidade coronariana.
MÉTODOS
Este foi um estudo de corte transversal realizado em uma
unidade coronariana de um hospital público de referência em
cardiologia, o Hospital Promatre, na cidade de Juazeiro (BA).
Foram incluídos pacientes com diagnóstico de IAM com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCST) ou IAM sem
supradesnivelamento do segmento ST (IAMSST), definidos por
meio de elevação de marcadores séricos de necrose miocárdica e
classificados pelo eletrocardiograma, conforme a definição universal de IAM.(11) Foi também aplicada a classificação clínica de
Killip para cada paciente. Foram critérios de exclusão: rebaixamento de nível de consciência e dificuldade de compreensão.
Todos os participantes concordaram em assinar o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido. O projeto foi aprovado pelo
Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Tecnologia e Ciências,
sob o protocolo 3.538.
A coleta de dados foi realizada entre março e junho de 2012,
com entrevista realizada na própria unidade em momento confortável para o paciente, por meio da aplicação do questionário
FANTASTIC, desenvolvido na Universidade de McMaster, no
Canadá,(12) e traduzido e validado para português por Rodriguez-Anes et al.(10) O questionário consiste em 25 perguntas
objetivas com gradação nas respostas, que exploram 9 domínios
sobre os componentes físicos, psicológicos e sociais do estilo de
vida dos indivíduos no último mês.
Cada letra do acrônimo “FANTASTIC” representa um domínio: F é family and friends (família e amigos); A é activity
(atividade física); N é nutrition (nutrição); T é tobacco and toxics
(tabagismo e drogas); A é alcohol (álcool); S é sleep, seatbelts,
stress, safe sex (sono, cinto de segurança, estresse e sexo seguro);
T é type of behavior (tipo de comportamento); I é insight (introspecção); C é career (satisfação com a profissão). Uma pontuação
de zero a 4 é atribuída a cada resposta de um total de 25 questões. Após somatória total, conforme questionário validado para
língua portuguesa, o intervalo entre zero a 34 pontos representa
“necessita melhorar”; de 35 a 54, “regular”; 55 a 69, “bom”; 70
a 84, ”muito bom”; e 85 a 100, “excelente”.(10) Vinte e três questões possuem cinco alternativas e duas são dicotômicas. Trata-se
de um questionário autoadministrado, lido na presença do pesquisador, com possíveis dúvidas em relação às questões esclarecidas quando necessário. Dados epidemiológicos e clínicos foram
obtidos de consulta de prontuário.
Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):18-21
RBCM 14.1.indb 19
Análise estatística
O cálculo do tamanho amostral foi realizado por meio de
um nível de significância de 5%, um valor de estilo de vida assumido de 85 e um erro máximo estimado de 10, sendo, para tanto, necessária uma amostra de 49 pacientes. Esse valor de 85 foi
adotado, já que a amostra estudada é uma população de risco, e
o valor do estilo de vida deve ser elevado, já que essa variável tem
relação com benefícios para saúde.
Foi realizada uma análise descritiva dos resultados com cálculos de frequências e porcentuais, para as variáveis categóricas,
e de médias e desvios padrão, para as variáveis numéricas. A
análise intergrupo foi feita por meio do teste t não pareado entre
as variáveis categóricas e o escore obtido pelo questionário. Para
análise intergrupos da escolaridade e do estilo de vida, foi utilizada a Análise Variância (ANOVA). Para as variáveis de distribuição não normal dos domínios do questionário estilo de vida,
foi utilizado o teste Mann-Whitney. Todas as análises foram
realizadas por meio do programa Statistical Package for Social
Science (SPSS), versão 14.0.
RESULTADOS
No período descrito, foram admitidos na unidade coronariana analisada 65 indivíduos com diagnóstico de IAM. Não
responderam ao questionário oito pacientes: três por dificuldade
de compreensão e cinco por instabilidade clínica. Assim, 57 pacientes responderam ao questionário, existindo predomínio do
sexo masculino (63,2%). A média de idade foi 61,3±10,9 anos.
O índice de massa corporal (IMC) médio foi 27,0±4,4kg/m2,
sendo que 15 (26,3%) indivíduos eram obesos. Outras variáveis
como classificação Killip, presença de comorbidades e escolaridade estão descritas na tabela 1.
A média do escore do questionário FANTASTIC foi
57,2±7,2 pontos. Houve predomínio do escore caracterizado
como “bom estilo de vida” (Tabela 2). Entre os nove domínios
do questionário, destacou-se a baixa atividade física da maioria
dos entrevistados, no qual 30 pacientes (53%) obtiveram escore
mínimo (zero) nesse item, conforme apresentado na tabela 3.
As mulheres apresentaram um maior escore (61,1±5,1 pontos versus 55,0±7,3 pontos; p=0,001), mesmo sem ter diferenças
entre os sexos em outros parâmetros, como idade (sexo feminino: 64,0±11,6 anos versus sexo masculino: 59,8±10,5 anos;
p=0,17) ou IMC (sexo feminino: 27,1±4,6kg/m2 versus sexo
masculino: 27,0±4,3 kg/m2; p=0,97).
Na comparação entre obesos e não obesos, não houve diferença em relação ao escore (54,9±8,7 pontos versus 58,1±6,5
pontos; p=0,15). Também não foram notadas diferenças quanto ao mesmo escore entre idosos e não idosos (57,9±6,7 pontos
versus 56,4±7,8 pontos; p=0,44), nos diferentes tipos de infarto
(IAMCST: 57,5±6,7 pontos versus IAMSST: 56,9±7,8 pontos;
p=0,73), bem como naqueles com até uma comorbidade e duas
ou mais comorbidades (55,8±7,3 pontos versus 59,8±6,3 pontos; p=0,42). A análise de variância utilizada para avaliação do
estilo de vida nos diferentes níveis de escolaridade não encontrou diferença significativa (p=0,44). Também a pontuação do
questionário entre os diferentes níveis de escolaridade não mostrou diferenças significativas.
19
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Cunha EF, Silva AM, Saad KR, Melo TA, Martinez BP, Carvalho VO, Feitosa-Filho GS
Tabela 1. Características dos pacientes internados com infarto agudo
do miocárdio
Variaveis
Escolaridade
Analfabeto (a)
1o grau completo
2o grau completo
Superior completo
Tipo de infarto
Com supra ST
Sem supra ST
Classificação Killip
I
II
III
IV
Comorbidades
Nenhuma
HAS
DM
HAS e DM
Outros
n (%)
7 (12,3)
35 (61,3)
13 (22,8)
2(3,5)
31 (54,4)
26 (45,6)
34 (59,6)
18 (31,6)
4 (7,0)
1 (1,8)
7 (12,3)
29 (50,9)
3 (5,3)
16 (28,1)
2 (3,5)
HAS: hipertensão arterial sistêmica; DM: diabetes mellitus.
Tabela 2. Pontuação do questionário Estilo de Vida FANTÁSTICO,
em pacientes com infarto agudo do miocárdio
Classificação
Necessita melhorar
Regular
Bom
Muito bom
Excelente
n (%)
1 (1,8)
17 (29,8)
36 (63,2)
3 (5,3)
0
Tabela 3. Descrição dos valores em mediana (percentil) dos domínios
do questionário Estilo de vida FANTÁSTICO
Domínio
Família e amigos
Atividade física
Nutrição
Tabaco e tóxicos
Álcool
Sono, cinto de segurança, stress
e sexo seguro
Tipo de comportamento
Introspecção
Trabalho
Mediana
6,0
0,0
4,0
10,0
9,0
13,0
Percentil (25-75)
4,5 - 7,0
0,0 - 2,0
3,0 - 5,5
7,5 - 12,0
5,0 - 11,0
11,0 - 14,0
4,0
8,0
4,0
3,0 - 5,0
7,0 - 9,0
3,0 - 4,0
A classificação Killip foi dicotomizada em I ou maior que
I, não sendo observada também diferença significativa na pon­
tuação entre os grupos no estilo de vida (56,1±7,4 versus 59±6,6;
p=0,18).
20
RBCM 14.1.indb 20
DISCUSSÃO
A avaliação do estilo de vida de uma pessoa é algo complexo
e subjetivo. O questionário FANTASTIC constitui um excelente método, validado em vários países, inclusive no Brasil. Testado e validado em diferentes perfis de pacientes, o questionário
ainda não tinha sido usado para avaliar uma população em sua
fase aguda de um evento potencialmente fatal, como o IAM.
Este estudo foi o primeiro a avaliar o estilo de vida por meio do
questionário FANTASTIC em pacientes infartados internados
em uma unidade coronariana.
A avaliação do estilo de vida é importante, já que refere-se a fatores modificáveis pelo paciente e que estão diretamente
relacionados a ocorrência de doenças, bem como ao seu tratamento. A equipe de saúde deve permanentemente incentivar a
adoção de hábitos saudáveis. A classificação do estilo de vida
como “bom”, a partir da pontuação média encontrada neste trabalho, assemelha-se à de outro estudo que avaliou pacientes com
dia­betes melliutus tipo 2.(13) Por outro lado, um grande levantamento de 6.729 pacientes diabéticos nas Ilhas Canárias identificou que a adoção desses hábitos saudáveis é muito infrequente,
principalmente em homens.(14)
Em relação ao sexo, foi observado um melhor estilo de vida
entre as mulheres. Esse dado está em acordo com um estudo com
685 universitários brasileiros, que identificou que o sexo masculino necessita de medidas de orientação para um estilo de vida mais
saudável, principalmente para redução de peso corporal.(15)
Na análise da idade, não houve diferença no estilo de vida entre indivíduos idosos ou não idosos, o que difere de outro estudo
com indivíduos hipertensos, que identificou associação positiva
entre idade e maior pontuação total deste mesmo questionário.(4)
Na análise de cada um dos nove domínios, houve menor
pontuação nos itens relacionados às atitudes pessoais que geram
impacto direto à saúde dos indivíduos, como nutrição, atividade física, tabaco e tóxicos. Estes itens têm relação direta com
desenvolvimento de eventos isquêmicos. A pontuação do item
nutrição foi particularmente muito baixa na população avaliada,
na qual a maioria dos participantes declarou não fazer uma dieta
balanceada.
A inatividade física foi mais perceptível na média geral da
população idosa da amostra, o que pode ser explicado pelos
efeitos do envelhecimento nos diferentes sistemas do organismo que, de certa forma, diminuem a aptidão e o desempenho
físico.(16) O estudo de Matsudo e Matsudo, que avaliou a prevalência de inatividade física em idosos, concluiu que 78,7%
das mulheres e 75,1% dos homens responderam “não” quanto
à prática de exercício regular no último ano. Em ambos os sexos, a proporção de inativos foi maior nos grupos etários mais
avançados, com diferenças estatisticamente significativas.(17) De
modo semelhante a outros estudos, identificou-se uma frequência elevada de indivíduos tabagistas (26,3%), contribuindo para
uma menor média no escore deste item. Destes, 14,3% relataram fumar mais de 10 cigarros por dia, o que pode ser considerado um dado preocupante, já que há uma clara associação entre
tabagismo e morte por causas cardiovasculares, particularmente
por doenças isquêmicas.(18,19)
Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):18-21
11/04/2016 16:00:02
Estilo de vida de pacientes infartados
No presente estudo, não foi avaliado o efeito das mudanças
de estilo de vida posteriormente à internação. Por outro lado,
foi metodologicamente importante a padronização da avaliação
dos pacientes neste momento de internação em unidade coronariana. Ademais, as longas horas de internação podem permitir
uma mais profunda reflexão, diante da condição potencialmente
fatal que se instalou, sobre como são e como podem mudar seus
hábitos de vida.
Este estudo certamente tem algumas limitações. Trata-se de
estudo descritivo e intervenções que visem a melhorias na qualidade de vida não foram testadas. Além disso, embora o número
de pacientes esteja compatível com os erros máximos e desvios
padrão estimados para avaliação dos escores pelo questionário,
um tamanho amostral maior permitiria uma mais profunda
análise de subgrupos. Por ser um estudo unicêntrico há uma
redução da validade externa dos dados.
Outra limitação que pode ser apontada no estudo é que o
número absoluto de pacientes com classificação Killip maior
que I foi pequeno, não permitindo uma melhor avaliação da
correlação do referido escore com a gravidade clínica. Outro
ponto a ser considerado, é que o estilo de vida apresenta vários
domínios, porém alguns domínios têm um impacto negativo
maior sobre os desfechos clínicos dos pacientes, como nutrição,
atividade física, álcool, cigarro e drogas, sono e estresse. Estudos
multicêntricos são necessários para avaliação da validade externa
desses dados, bem como com a associação com desfechos clínicos a médio e longo prazo.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
CONCLUSÃO
Os pacientes com IAM avaliados nesta população apresentaram um estilo de vida classificado como “bom” de acordo com o
questionário FANTASTIC. Apesar do pequeno tamanho amostral, alguns domínios do questionário mostraram-se com valores
baixos, como nutrição, atividade física e o quesito tabagismo, e
podem ser alvo de melhor atuação das equipes de saúde, com
vistas à promoção de saúde.
13.
14.
15.
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ARTIGO ORIGINAL
Infecção de corrente sanguínea em um hospital terciário
Bloodstream infection in a tertiary hospital
Thiago Reis de Santana1, Arnaldo Alves Lima Jr.1, Iza Maria Fraga Lobo1, Jerônimo Gonçalves de Araújo1
Recebido da Universidade Federal do Sergipe.
RESUMO
ABSTRACT
OBJETIVO: Determinar os microrganismos mais frequentes, o
significado clínico e o perfil de sensibilidade aos antimicrobianos dos agentes isolados nas hemoculturas de um hospital escola. MÉTODOS: Trata-se de um estudo retrospectivo realizado
por meio de levantamento das hemoculturas positivas de um
hospital universitário no período de 2012 a 2014. RESULTADOS: Das 111 hemoculturas obtidas, os microrganismos mais
isolados foram Staphylococcus epidermidis (27,4%), outros Staphylococcus coagulase-negativos (32,7%) e Staphylococcus aureus
(13,3%). Aproximadamente metade das hemoculturas representou pseudobacteriemia, e Staphylococcus coagulase-negativo
foi o contaminante em 89,1% dos casos. A maioria das cepas
de S. aureus apresentou suscetibilidade para oxacilina (66,7%),
enquanto as de Staphylococcus coagulase-negativo exibiram resistência. Nenhum Gram-positivo apresentou resistência à vancomicina. Escherichia coli, demais enterobactérias (exceto Klebsiella
pneumoniae) e bacilos Gram-negativos não fermentadores apresentaram resistência para ampicilina + sulbactam, gentamicina e
cefepime, respectivamente. CONCLUSÃO: Gram-positivos representaram a maior parte das bactérias isoladas, e todos foram
sensíveis à vancomicina. O elevado número de contaminantes
pôde ser atribuído à antissepsia inadequada na coleta, pois Staphylococcus coagulase-negativo, o contaminante mais frequente,
está presente na microbiota da pele.
OBJECTIVE: To determine the most frequent microorganisms,
the clinical significance and the susceptibility profile to
antimicrobial agents obtained in blood cultures at a teaching
hospital. METHODS: This was a retrospective study through
the analysis of positive blood cultures at an university hospital in
the period 2012 to 2014. RESULTS: Of the 111 blood cultures
obtained, the most isolated microorganisms were Staphylococcus
epidermidis (27.4%), other coagulase-negative Staphylococcus
(32.7%) and Staphylococcus aureus (13.3%). Approximately half
of blood cultures represented pseudobacteremia, and coagulasenegative Staphylococcus was the contaminant in 89.1% of cases.
Most S. aureus strains showed susceptibility to oxacillin (66.7%),
while coagulase-negative Staphylococcus showed resistance. No
Gram-positive was resistant to vancomycin. Escherichia coli, other
members of the Enterobacteriaceae (except Klebsiella pneumoniae)
and Gram-negative bacilli non-fermenters were resistant to
ampicillin + sulbactam, gentamicin and cefepime, respectively.
CONCLUSION: Gram-positive bacteria accounted for most of
the bacteria isolated and all were susceptible to vancomycin. The
high number of contaminants can be attributed to inadequate
antisepsis in the collection, as coagulase-negative Staphylococcus,
the most frequent contaminant, is present in the skin microbiota.
Descritores: Bacteriemia; Infecção hospitalar; Epidemiologia;
Resistência microbiana a medicamentos; Farmacorresistência
bac­teriana; Hospitais especializados
1. Universidade Federal de Sergipe, Aracaju, SE, Brasil.
Data de submissão: 24/11/2015 – Data de aceite: 04/01/2016
Conflito de interesse: não há.
Fontes de financiamento: não há.
Endereço para correspondência:
Thiago Reis de Santana
Avenida Engenheiro Gentil Tavares, 1.507 – Getúlio Vargas
CEP: 49055-260 – Aracaju, SE, Brasil
Tel.: (79) 99910-3792 − E-mail: [email protected]
© Sociedade Brasileira de Clínica Médica
22
RBCM 14.1.indb 22
Keywords: Bacteremia; Cross infection; Epidemiology; Drug
resistance, microbial; Drug resistance, bacterial; Hospitals, special
INTRODUÇÃO
Bacteriemia e fungemia podem ser conceituadas como o
aparecimento no sangue de bactérias ou fungos, respectivamente, capazes de causar doença. A cultura de sangue periférico
constitui importante instrumento para o diagnóstico e o tratamento dos casos de infecção de corrente sanguínea, por meio
do isolamento do patógeno responsável e guiando o uso de anti­
bióticos com o antibiograma, respectivamente.
A obtenção do sangue para cultura requer alguns cuidados.
A antissepsia adequada do local de coleta é fundamental para
evitar contaminação da amostra com germes que colonizam
a pele. Deve-se solicitar de duas a quatro hemoculturas, com
amostras coletadas em punções venosas de locais diferentes.
Cada hemocultura pode ser entendida como um conjunto de
culturas, pois compreende todos os frascos de cultura obtidos
pela distribuição do sangue de apenas uma punção venosa. Em
adultos, recomendam-se coletar 20 a 30mL de sangue para cada
hemocultura e distribui-los em um frasco de cultura para aeróbio e um para anaeróbio de forma igual. A coleta deve ocorrer
Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):22-6
11/04/2016 16:00:02
Infecção na corrente sanguínea em hospital terciário
preferencialmente antes da utilização de antibióticos ou, caso já
tenha iniciado uso, no período que antecede a próxima dose do
antimicrobiano.(1-5)
Diante de uma hemocultura positiva, pode-se questionar a
possiblidade de contaminação da amostra ou considerá-la como
infecção de corrente sanguínea verdadeira.(1) Para tal distinção,
os seguintes elementos podem ser utilizados: a identificação do
microrganismo encontrado, o número de hemoculturas positivas em relação ao número de hemoculturas obtidas; e os dados
clínicos do paciente (temperatura, contagem de leucócitos, exames de imagem, entre outros). Em contrapartida, o número de
frascos positivos de um mesmo conjunto de cultura e o tempo
para a positivação da hemocultura não devem ser usados, pois
patógenos e contaminantes podem apresentar semelhanças nesses
aspectos. Resultados falso-positivos acarretam gastos desnecessários e transtornos para o paciente.(6,7)
verdadeira ou contaminação, segundo critérios do National
Healthcare Safety Network (NHSN). Posteriormente, por meio
dos prontuários de internação, obtiveram-se a idade, o sexo e o
setor de internação de cada paciente.
As informações coletadas foram codificadas em uma planilha do Microsoft Excel®, versão 2010. As variáveis quantitativas
foram expressas por medidas de tendência central e de dispersão, e as variáveis categóricas, por números absolutos e porcen­
tuais. Utilizou-se o teste qui quadrado para analisar a associação
entre as variáveis de interesse. Quando não foi possível usar o
qui quadrado, empregou-se o teste exato de Fisher. O programa
OpenEpi, versão 3.03a, foi utilizado na realização dos cálculos estatísticos, sendo considerado como significância estatística
quando p<0,05.
OBJETIVO
Dos 111 pacientes do estudo, 63 (56,8%) eram do sexo
masculino, com média de idade de 46,6 anos (desvio padrão de
25,7) e mediana de 48 (variação de 3 meses a 90 anos). Entre 40
a 49 anos e 70 a 79 anos registraram-se as maiores porcentagens
de hemoculturas positivas, 14,4% e 15,3%, respectivamente. O
porcentual de pacientes acima de 60 anos foi de 36,0%.
Em duas hemoculturas ocorreu o isolamento de duas bactérias, enquanto nas demais apenas um agente foi isolado. Das
113 bactérias isoladas, 84 (74,3%) eram cocos Gram-positivos
e 29 (25,7%) bacilos Gram-negativos. A tabela 1 apresenta as
frequências dos microrganismos isolados. Dos 68 Staphylococcus
coagulase-negativo, o mais frequente foi o Staphylococcus epidermidis (45,6%), seguido pelo Staphylococcus haemolyticus
(11,8%) e Staphylococcus hominis (8,8%).
A distribuição dos agentes patogênicos nas enfermarias do
hospital ocorreu da seguinte forma: 70 (61,9%) foram provenientes de pacientes da clínica médica, 16 (14,2%) da UTI; 16
(14,2%) da clínica pediátrica; e 11 (9,7%) da clínica cirúrgica.
Determinar os microrganismos mais frequentes, o significado clínico e o perfil de sensibilidade aos antimicrobianos dos
agentes isolados nas hemoculturas de um hospital universitário.
MÉTODOS
Estudo retrospectivo e transversal realizado por meio de
levantamento de todas as hemoculturas positivas realizadas no
Laboratório de Análises Clínicas do Hospital Universitário da
Universidade Federal de Sergipe (HU-UFS), no período de janeiro de 2012 a dezembro de 2014. O presente trabalho foi
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do hospital, sob
o registro 44389115.6.0000.5546, parecer número 1058906.
O HU-UFS possuía 105 leitos, distribuídos nas seguintes
enfermarias: clínica médica, unidade de terapia intensiva, clínica
pediátrica, clínica cirúrgica e psiquiatria.
O sangue para cultura foi coletado por punção venosa periférica, após antissepsia da pele com álcool 70%, e distribuído
em frascos contendo meio de cultura para aeróbios e frascos
com meio para anaeróbios. Em seguida, as amostras foram incubadas durante 5 dias, a 37°C, no instrumento automatizado
BACTEC® FX (Becton Dickinson and Company, Sparks, MD,
Estados Unidos), versão MAR_11_001. Os testes bioquímicos/
enzimáticos, para o isolamento dos microrganismos, e o teste de
suscetibilidade antimicrobiana (TSA) foram realizados no aparelho MicroScan WalkAway® 40 (Siemens Healthcare Diagnostics Inc., West Sacramento, CA, Estados Unidos). Realizou-se o
TSA conforme as normas do Clinical and Laboratory Standards
Institute (CLSI).
Os resultados das hemoculturas positivas foram obtidos
do arquivo da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar
(CCIH) do HU-UFS. Após a exclusão de quatro hemoculturas, que apresentaram dados insuficientes, foram avaliadas 111
hemoculturas positivas, equivalentes a 111 pacientes. Por meio
dos laudos das hemoculturas, obtiveram-se o organismo isolado e o antibiograma de cada cultura. Além disso, profissionais
treinados da CCIH classificaram tais resultados em bacteriemia
Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):22-6
RBCM 14.1.indb 23
RESULTADOS
Tabela 1. Frequência dos microrganismos isolados nas hemoculturas
do Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe, de 2012
a 2014
Bactérias isoladas
Staphylococcus coagulase-negativo*
Staphylococcus epidermidis
Staphylococcus aureus
Escherichia coli
Klebsiella pneumoniae
Outras enterobactérias†
Bacilos Gram-negativos não fermentadores‡
Streptococcus agalactiae
Total
N (%)
37 (32,7)
31 (27,4)
15 (13,3)
10 (8,8)
8 (7,1)
7 (6,2)
4 (3,5)
1 (0,9)
113 (100,0)
*Outras espécies de Staphylococcus coagulase-negativo que não o Staphylococcus
epidermidis; †Citrobacter spp., Enterobacter spp., Klebsiella oxytoca, Proteus
spp., Salmonella spp. e Serratia spp.; ‡Acinetobacter baumannii, Burkholderia
cepacia e Pseudomonas aeruginosa.
Fonte: Protocolo de pesquisa, 2015.
23
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Santana TR, Lima Jr. AA, Lobo IM, Araújo JG
Conforme avaliação da CCIH, 56 (49,6%) bactérias foram
classificadas como bacteriemia verdadeira, 55 (48,7%) contaminantes e 2 (1,8%) como de significado clínico indeterminado. As tabelas 2 e 3 dispõem a classificação dos microrganismos
isolados. O contaminante mais comum foi o Staphylococcus
coagulase-negativo (todas as espécies, inclusive o S. epidermidis)
em 89,1% dos casos. O único Streptococcus agalactiae isolado foi
considerado contaminante. O setor hospitalar que apresentou
maior número de contaminantes foi a clínica médica (67,3%),
Tabela 2. Classificação das hemoculturas do Hospital Universitário da
Universidade Federal de Sergipe, de 2012 a 2014, de acordo com os
microrganismos Gram-positivos isolados*
Staphylococcus
coagulase-negativo
n (%)
Staphylococcus
aureus
n (%)
Bacteriemia verdadeira
19 (27,9)
12 (80,0)
Contaminação
49 (72,1)
3 (20,0)
Total
68 (100,0)
15 (100,0)
Classificação
*O nível de significância foi p<0,05 (qui quadrado de 14,23; valor de
p=0,0001615).
Fonte: Protocolo de pesquisa, 2015.
seguida pela UTI e clínica pediátrica, ambas com porcentual de
12,7%, e clínica cirúrgica (7,3%).
Os perfis de sensibilidade dos microrganismos aos antimicrobianos estão representados nas tabelas 4 e 5. Observou-se que
a taxa de agentes produtores de betalactamase de espectro ampliado (ESBL) foi de 30,0% para a Escherichia coli, 12,5% para
a Klebsiella pneumoniae e 14,3% para as demais enterobactérias.
DISCUSSÃO
Devido às alterações próprias da senilidade, processos infecciosos causam maior morbimortalidade em idosos, e complicações como bacteriemia são mais frequentes.(8) Assim, 36,0% dos
pacientes do presente trabalho possuíam idade acima de 60 anos.
Estafilococos são causa importante de infecções hospitalares
e adquiridas na comunidade.(9) Os microrganismos mais isolados
no HU-UFS foram Staphylococcus coagulase-negativo (32,7%),
S. epidermidis (27,4%) e Staphylococcus aureus (13,3%). Os
Gram-positivos representaram 74,3% dos germes encontrados.
Estudo em um hospital terciário evidenciou taxa semelhante de
Gram-positivos (79,7%), porém o agente mais isolado foi o S.
epidermidis (40,6%), seguido pelo S. aureus (17,2%), e os demais Staphylococcus coagulase-negativo tiveram prevalência de
4,7%(10). O porcentual total de Staphylococcus coagulase-negati-
Tabela 3. Classificação das hemoculturas do Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe, de 2012 a 2014, de acordo com os
microrganismos Gram-negativos isolados
Classificação
Bacteriemia verdadeira
Contaminação
Significado indeterminado
Total
Escherichia coli
n (%)
9 (90,0)
0
1 (10,0)
10 (100,0)
Klebsiella pneumoniae
n (%)
6 (75,0)
1 (12,5)
1 (12,5)
8 (100,0)
Outras enterobactérias
n (%)
7 (100,0)
0
0
7 (100,0)
Bacilos não fermentadores
n (%)
3 (75,0)
1 (25,0)
0
4 (100,0)
Fonte: Protocolo de pesquisa, 2015.
Tabela 4. Perfil de sensibilidade dos cocos Gram-positivos isolados nas hemoculturas do Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe
de 2012 a 2014, segundo o número de cepas testadas
Antibióticos
Ampicilina + sulbactam
Ciprofloxacino
Clindamicina
Eritromicina
Levofloxacina
Oxacilina
Rifampicina
Tetraciclina
Sulfazotrim†
Vancomicina
Staphylococcus coagulase-negativo
n (%)*
15 (40,5)
22 (59,5)
14 (37,8)
12 (32,4)
23 (62,2)
15 (40,5)
30 (81,1)
24 (64,9)
24 (64,9)
37 (100,0)
Staphylococcus epidermidis
n (%)
14 (45,2)
18 (58,1)
18 (58,1)
10 (32,3)
19 (61,3)
14 (45,2)
29 (93,5)
29 (93,5)
15 (48,4)
31 (100,0)
Staphylococcus aureus
n (%)
9 (60,0)
11 (73,3)
7 (46,7)
6 (40,0)
11 (73,3)
10 (66,7)
14 (93,3)
11 (73,3)
12 (80,0)
15 (100,0)
*Outras espécies de Staphylococcus coagulase-negativo que não o Staphylococcus epidermidis; †sulfametoxazol + trimetoprim.
Fonte: Protocolo de pesquisa, 2015.
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Infecção na corrente sanguínea em hospital terciário
Tabela 5. Perfil de sensibilidade dos bacilos Gram-negativos isolados nas hemoculturas do Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe
de 2012 a 2014, segundo o número de cepas testadas
Antibióticos
Amicacina
Ampicilina + sulbactam
Cefepime
Ceftriaxona
Ciprofloxacino
Gentamicina
Imipenem
Levofloxacina
Meropenem
Piperacilina + tazobactam
Tigeciclina
Escherichia coli
n (%)
10 (100,0)
4 (40,0)
7 (70,0)
6 (75,0)
7 (70,0)
9 (90,0)
10 (100,0)
7 (70,0)
10 (100,0)
10 (100,0)
9 (90,0)
Klebsiella pneumoniae Outras enterobactérias
n (%)
n (%)
8 (100,0)
4 (80,0)
7 (87,5)
1 (25,0)
7 (87,5)
4 (57,1)
6 (85,7)
3 (60,0)
5 (62,5)
4 (57,1)
8 (100,0)
2 (40,0)
8 (100,0)
5 (100,0)
6 (75,0)
3 (60,0)
8 (100,0)
5 (100,0)
7 (87,5)
3 (100,0)
8 (100,0)
6 (100,0)
Bacilos não fermentadores
n (%)
2 (66,7)
1 (50,0)
1 (33,3)
NT
2 (66,7)
2 (66,7)
0*
NT
3 (75,0)
NT
NT
* Apenas uma cepa testada; NT: não testado.
Fonte: Protocolo de pesquisa, 2015.
vo nas hemoculturas do HU-UFS (60,1%) também foi superior
ao encontrado em outro estudo, 22,0%.(11) Metodologias diversificadas podem ter contribuído para tal diferença na taxa de
Staphylococcus coagulase-negativo, considerado frequentemente
como contaminante.(12) A contaminação elevada das amostras
do HU-UFS também pode explicar a alta taxa de Staphylococcus
coagulase-negativo.
Os Staphylococcus coagulase-negativo mais comuns foram o
S. epidermidis e o S. haemolyticus. Igualmente, estudo realizado
com linhagens de Staphylococcus coagulase-negativo isoladas de
recém-nascidos teve como agentes mais frequentes o S. epidermidis e, em seguida, o S. haemolyticus.(13)
A prevalência elevada de bactérias isoladas (61,9%) e de
contaminantes (67,3%) na enfermaria de clínica médica pode
ter ocorrido devido ao maior número de leitos desse setor, em
relação aos demais. Outra hipótese que poderia explicar tal fato
é a menor solicitação de hemoculturas em setores como a clínica cirúrgica, por exemplo. Em um hospital de Minas Gerais
constatou-se que 56,3% das bacteriemias eram provenientes da
clínica médica.(10)
Alguns microrganismos, quando isolados nas hemoculturas, sugerem fortemente infecção verdadeira. São eles: S. aureus,
Streptococcus pneumoniae, E. coli e demais integrantes da Enterobacteriaceae, Pseudomonas aeruginosa, Candida albicans, entre
outros. Entretanto, Corynebacterium spp., Bacillus spp. e Propionibacterium acnes raramente correspondem a bacteriemia verdadeira. Streptococcus viridans, Enterococcus spp. e Staphylococcus
coagulase-negativo exigem melhor compreensão, devido taxas
intermediárias de infecção verdadeira.(14-16) Os resultados deste
estudo corroboram o que foi descrito anteriormente, pois, nas
hemoculturas analisadas, S. aureus, E. coli, K. pneumoniae e demais enterobactérias foram considerados predominantemente
como bacteriemia verdadeira.
Staphylococcus coagulase-negativo apresenta crescente relevância clínica, devido à associação com bacteriemia secundária a
cateteres e próteses vasculares.(14) Estudo prévio evidenciou que
Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):22-6
RBCM 14.1.indb 25
o Staphylococcus coagulase-negativo foi o agente mais comum
das hemoculturas falso-positivas e que apresentou taxa de infecção verdadeira de 24,7%.(12) No HU-UFS, o contaminante mais
prevalente também foi o Staphylococcus coagulase-negativo, e o
porcentual de infecção verdadeira do Staphylococcus coagulase-negativo foi de 27,9%. Houve diferença estatisticamente significativa entre a classificação do Staphylococcus coagulase-negativo, contaminante frequente, e do S. aureus, verdadeiro patógeno
na maioria das vezes.
Preconiza-se que a taxa de contaminação de hemoculturas
seja no máximo 3%.(3) No entanto, no presente estudo, 48,7%
das bacteriemias corresponderam a contaminantes. Obteve-se
resultado semelhante em estudo que analisou 1.585 hemoculturas positivas, sendo que 41,5% delas representaram pseudobacteriemia.(15) O elevado número de contaminantes nas hemoculturas do HU-UFS pode ser atribuído à antissepsia inadequada
do local de coleta do sangue, pois o Staphylococcus coagulase-negativo, contaminante mais frequente, abrange espécies presentes na microbiota da pele.(12) No entanto, nas outras fases
do processamento das hemoculturas, também pode ter ocorrido
contaminação.
O S. aureus apresentou taxas de sensibilidade para eritromicina, oxacilina e sulfametoxazol + trimetoprim de 40,0%,
66,7% e 80,0%, respectivamente − porcentuais estes maiores
que os obtidos em um estudo que analisou dados de infecções
hospitalares, a saber: 34,0%, 22,7% e 56,7%, nessa ordem.(17)
A suscetibilidade para clindamicina (46,7%) também foi superior a de estudo prévio, 27,3%. S. epidermidis mostrou baixa
sensibilidade para oxacilina (45,2%) e sulfametoxazol + trimetoprim (48,4%), mas as taxas foram superiores às da literatura, 15,4% e 27%, respectivamente; eritromicina e ampicilina
+ sulbactam também tiveram suscetibilidade menor que 50%;
clindamicina teve sensibilidade de 58,1%, ou seja, maior que
a obtida em outro trabalho (27%). Outros Staphylococcus coagulase-negativo exibiram resistência superior a 50% para eritromicina, clindamicina, oxacilina e ampicilina + sulbactam;
25
11/04/2016 16:00:02
Santana TR, Lima Jr. AA, Lobo IM, Araújo JG
sulfametoxazol+trimetoprim (64,9%) teve suscetibilidade superior ao valor da literatura (33,3%).(10) Nenhuma cepa Gram-positiva apresentou resistência à vancomicina.
A utilização de antimicrobianos de forma indiscriminada
está implicada no aparecimento de cepas bacterianas multirresistentes. Enterobactérias (E. coli e Klebsiella spp., principalmente)
produtoras de ESBL são capaz de hidrolisar penicilinas, cefalosporinas e monobactans. No presente trabalho, a prevalência
de produção de ESBL pela E. coli (30,0%) foi maior que a encontrada em cepas de hospitais brasileiros (10%),(18) enquanto a
taxa de ESBL da K. pneumoniae (12,5%) foi menor em relação
a estudo anterior (53,8%).(19)
A K. pneumoniae apresentou suscetibilidade à ceftriaxona
(85,7%) maior que a obtida em trabalho prévio (53,3%).(17) A
E. coli manifestou sensibilidade reduzida para ampicilina + sulbactam. Demais enterobactérias mostraram resistência para gentamicina e ampicilina + sulbactam, e bacilos não fermentadores
exibiram resistência ao cefepime.
CONCLUSÃO
As espécies mais prevalentes nas hemoculturas do hospital
universitário estudado foram Staphylococcus epidermidis, demais
Staphylococcus coagulase-negativo e Staphylococcus aureus. Comumente, classificou-se Staphylococcus aureus e Gram-negativos
como bacteriemia verdadeira. O elevado número de contaminantes pode ser atribuído à antissepsia inadequada na coleta,
pois Staphylococcus coagulase-negativo, contaminante mais frequente, está presente na microbiota da pele. A maioria das cepas
de Staphylococcus aureus foi oxacilicina-sensível, mas apresentou
resistência acima de 50% à eritromicina e à clindamicina. Staphylococcus epidermidis e outros Staphylococcus coagulase-negativo exibiram resistência à oxacilina, eritromicina e ampicilina +
sulbactam.
Nenhum Gram-positivo apresentou resistência à vancomicina. Escherichia coli, demais enterobactérias (exceto Klebsiella pneumoniae) e bacilos não fermentadores exibiram resistência à ampicilina + sulbactam, gentamicina e cefepime, respectivamente.
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Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):22-6
11/04/2016 16:00:02
ARTIGO ORIGINAL
Distúrbios psiquiátricos menores em mulheres do extremo Sul do
Brasil: prevalência e fatores associados
Minor psychiatric disorders in women from southern Brazil: prevalence and
associated factors
Valéri Pereira Camargo1, Renato Henrique Silva Nóbrega1, Isabela Fonseca da Silva1, Raúl Andrés Mendoza-Sassi1
Recebido da Universidade Federal do Rio Grande (FURG); Faculdade de Medicina (FAMED), Rio Grande, Rio Grande do Sul,
Brasil.
RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A prevalência de distúrbios
psiquiátricos menores (DPM) pode variar ao longo do tempo,
ser mais frequente entre mulheres e estar influenciada por diversos fatores, alguns deles modificáveis. Este estudo, portanto, objetivou identificar essa prevalência e os fatores associados em um
grupo de mulheres residentes no sul do Brasil. MÉTODOS:
Estudo transversal, realizado em município de porte médio do
Extremo Sul do Brasil em 2011. Foram entrevistadas mulheres
com 18 anos ou mais nos domicílios selecionados. O desfecho
foi distúrbios psiquiátricos menores, avaliado com a aplicação
do instrumento Self-Report Questionnaire (SRQ20) e utilizando um ponto de corte 7/8. Foram analisadas variáveis sócio demográficas, comportamentais e de saúde. Na análise estatística
calculou-se a prevalência de distúrbios psiquiátricos menores e
as razões de prevalência dos fatores associados, mediante uso da
regressão de Poisson com variância robusta. RESULTADOS: A
prevalência de distúrbios psiquiátricos menores entre as 1595
mulheres participantes foi 21,76%. Entre os fatores associados
encontrados, destaca-se o aumento linear da prevalência de distúrbios psiquiátricos menores com a idade, e também se observa
uma relação inversa com a escolaridade e a renda. Há forte associação entre o desfecho e falta de suporte social, auto percepção
1. Universidade Federal do Rio Grande (FURG); Rio Grande, Rio Grande
do Sul, Brasil.
Data de submissão: 15/03/2016 – Data de aceite: 16/03/2016
Conflitos de interesse: não há.
Endereço para correspondência:
Valéri Pereira Camargo
FURG Campus Saúde
Rua Gen. Osório, s/n – Centro Área Acadêmica do Hospital Universitário
CEP: 96201-900 – Rio Grande, RS, Brasil
Tel.: (53) 8124-5856 – E-mail: [email protected]
Fontes de auxilio à pesquisa: EDITAL MCT/CNPq 14/2010 – UniversalPROCESSO 470362/2010-3
Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa: Comissão de Ética e Pesquisa da
Universidade Federal do Rio Grande (processo 129/2010).
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE): Todos os pacientes que
participaram do estudo leram e assinaram o TCLE.
© Sociedade Brasileira de Clínica Médica
Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):27-32
RBCM 14.1.indb 27
de saúde ruim e doença crônica referida. CONCLUSÕES: A
prevalência de distúrbios psiquiátricos menores foi elevada e
afeta mais aos grupos com menores condições socioeconômicas,
mostrando uma iniquidade que merece atenção. Outros fatores
associados, também modificáveis foram o suporte social e a
carga de morbidade referida, indicando a necessidade de ações
de apoio nesses grupos de mulheres.
Descritores: Depressão; Transtornos de ansiedade; Transtornos
somatoformes; Classe social; Saúde mental; Mulheres
ABSTRACT
BACKGROUND AND OBJECTIVE: The prevalence of
minor psychiatric disorders (MPD) changes along time, is
more frequent in women and can be influenced by several
factors, most of them modifiable. The aim of this study was
to analyze the prevalence of minor psychiatric disorders and
its associated factors in a sample of women living in southern
Brazil. METHODS: Cross-sectional study carried on in a
municipality from extreme southern Brazil in 2011. Women
18 years or older were interviewed in their homes. The
outcome was minor psychiatric disorders which was identified
by the Self-Report Questionnaire (SRQ-20) using a 7/8 cut-off
point. Demographic, socioeconomic, behavioral, and health
variables were also collected. Prevalence of minor psychiatric
disorders with its 95% confidence interval was calculated.
Prevalence Ratios of risk factors were obtained by the Poisson
regression with robust variance. RESULTS: Prevalence of
minor psychiatric disorders among the 1595 studied women
was 21.76%. Amongst the associated factors we highlight the
linear trend between the outcome and age. Also we remark the
inverse relationship between minor psychiatric disorders with
education and income. A strong association was also found with
lack of social support, self perception of poor health and self
referred chronic disease. CONCLUSION: The prevalence of
minor psychiatric disorders among women was high and more
related to those worst off, pointing a situation of inequity that
has to be addressed. Other modifiable factors where lack of
social support and poor perceived health status, suggesting the
need of supportive actions to these groups of women.
Keywords: Depression; Anxiety disorders; Somatoform disorder;
Social class; Mental health; Women
27
11/04/2016 16:00:03
Camargo VP, Nóbrega RH, Silva IF, Mendoza-Sassi RA
INTRODUÇÃO
Os transtornos mentais por si só e pelo uso de substancias aditivas, como álcool e fumo, são responsáveis por uma importante
carga de doença. Em 2010 responderam diretamente por 7,4%
do total da carga mundial e desse total os transtornos depressivos
corresponderam a 40,5%.(1) Além disso existem evidências de que
indivíduos com esse grupo de doenças tem uma redução significativa da esperança de vida ao nascer.(2) Por tanto a identificação,
diagnóstico e tratamento desses indivíduos é um assunto prioritário em termos de saúde pública e na organização da atenção nos
serviços de saúde. Diversos fatores de risco tem sido associados
com os transtornos mentais, entre os quais se encontram os demográficos, como idade, sexo e etnia, os socioeconômicos, como
a escolaridade, a renda e o baixo suporte social, e fatores ambientais como moradia, violência e desastres naturais.(3)
Dentro de essa categoria de doença se situam os distúrbios psiquiátricos menores, definidos como um quadro clínico com queixas difusas, expressas por sintomatologias somáticas, depressivas,
estados de ansiedade, irritabilidade, insônia, fadiga, dificuldade de
concentração e de memoria e sensação de inutilidade.(4)
Apesar dos transtornos psiquiátricos menores atingirem ambos os sexos, as mulheres são mais acometidas e desenvolvem
um número maior de comorbidades. A maior frequência deste
tipo de transtorno nas mulheres se explica pela maior exposição
a fatores estressores como violências, abusos sexuais.(5,6) Além
disso passam a maior parte da vida por alterações hormonais,
que iniciam na menarca e continuam após a menopausa e que
podem produzir estados depressivos, como o a depressão perinatal e a psicose puerperal entre outros7,8.
A identificação de fatores de risco removíveis e o rastreamento
de indivíduos suscetíveis, são medidas que podem contribuir para
a redução e controle dos transtornos psiquiátricos menores não
psicóticos, colaborando com a redução da carga de morbidade.
Assim sendo, e considerando a importância de conhecer
como as enfermidades mentais afetam o população feminina e
os fatores associados, este estudo tem como objetivo verificar a
prevalência dos transtornos psiquiátricos menores e sua relação
com fatores sociais, econômicos e comportamentais.
MÉTODOS
Local do estudo e tipo de delineamento
Realizou-se um estudo de tipo transversal e de base populacional, na cidade de Rio Grande – RS, no extremo sul do Brasil
entre abril e novembro de 2011. De acordo com o IBGE(9) o
município tem 197.228 habitantes, sendo 96.000 residentes em
região urbana. O PIB per capita em 2011 era de R$ 41.376,0 e
o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) era
de 0,744 em 2010. A economia da cidade se baseia na atividade
do porto marítimo (segundo maior porto do Brasil), a indústria
de fertilizantes e o polo naval.
Esse trabalho é parte de um projeto maior denominado
“Educação, conhecimento sobre fatores de risco e utilização de
serviços de saúde em mulheres residentes em uma cidade do Sul do
Brasil: estudo de base populacional”. A população de estudo foi
28
RBCM 14.1.indb 28
formada por mulheres com idade igual ou superior a 18 anos
residentes na cidade de Rio Grande.
Tamanho e tipo da amostra
O cálculo do tamanho da amostra foi realizado no programa Epi Info 6.04 (Centers for Disease Control and Prevention
- CDC). Para essa finalidade, se estimou uma prevalência esperada entre não expostos de ao menos 10%, um risco relativo
de 2, um nível de confiança de 95% e um poder de 80%, com
uma relação de não expostos para expostos de até 8:1. Ao tamanho da amostra inicialmente calculado se acrescentou 10% para
perdas, 20% para fatores de confusão e 20% para possível efeito
de delineamento, chegando a um tamanho de amostra de 1.582
mulheres. Considerando que existiam 1,13 mulheres maiores
de 18 anos por domicílio, estimou-se que deveriam ser visitados
1400 domicílios para obter o tamanho da amostra desejada.
A amostragem foi por múltiplos estágios. Primeiro, utilizou-se uma amostragem por conglomerados, sorteando-se 50 setores censitários entre os 246 existentes na zona urbana do município do Rio Grande.(9) Posteriormente, em cada um dos setores
sorteados, e mediante amostragem aleatória simples, se sorteou
uma quadra e dessa quadra uma esquina. A seguir, e mediante
amostragem sistemática, foi visitada a partir da esquina sortea­
da, uma de cada duas residências, até completar 28 em cada
setor. Participavam do estudo todas as mulheres com idade igual
ou superior a 18 anos que residissem nos domicílios sorteados e
que tivessem condições mentais para responder.
Definição do desfecho e variáveis independentes
O desfecho, distúrbios psiquiátricos menores (DPM) foi
avaliado com a aplicação do instrumento Self-Report Questionnaire (SRQ20) Esse questionário, elaborado por Harding et
al.,(10) foi desenvolvido para essa finalidade e validado por uma
série de estudos internacionais conduzidos pela OMS. No Brasil
foi validado por Mari e Williams(11) e tem sido aplicado em diversos estudos de base populacional. Neste estudo foi utilizando
o ponto de corte 7/8, adequado para mulheres(11).
As variáveis independentes estudadas incluíram a idade (categorizada em grupos de 10 anos), a cor da pele (classificada
em branca e pretas e outras), a escolaridade (categorizada em
segundo grau incompleto ou segundo grau completo), a renda
per capita familiar, transformada em quartis, (sendo o 1o quartil
o mais baixo), presença de companheiro, situação de emprego
(empregado ou desempregado), suporte social (avaliado mediante escala de Likert e depois dicotomizado), religião (referência a
ter uma religião, classificado como sim/não); o uso abusivo de
álcool (medido pelo AUDIT utilizando ponto de corte 5/6(12),
doença crônica auto referida e diagnosticada pelo médico e auto
percepção do estado de saúde (avaliada por uma escala tipo
Likert e depois categorizada em dois grupos).
Coleta, digitação e análise dos dados
A coleta de dados ocorreu mediante um questionário pré-codificado e testado. Foi realizado um estudo piloto para avaliar
Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):27-32
11/04/2016 16:00:03
Distúrbios psiquiátricos menores em mulheres do extremo Sul do Brasil: prevalência e fatores associados
o instrumento e a logística do estudo em um dos setores censitários que não foi sorteado. Seis entrevistadoras, treinadas para
essa tarefa aplicaram o questionário nos domicílios selecionados.
Todas as mulheres residentes no domicilio sorteado respondiam
o questionário. Se a pessoa não se encontrava no domicílio no
momento da entrevista, se retornava posteriormente. No caso de
pessoas que recusavam realizar a entrevista, eram realizadas duas
novas tentativas, utilizando diferentes estratégias. Havendo uma
terceira recusa se contabilizava como perda. Da mesma forma,
após uma terceira tentativa sem sucesso para localizar a pessoa,
a mesma era considerada como perda. As perdas não tiveram
reposição. Como forma de avaliar a qualidade da informação
obtida e a confiabilidade do instrumento, se reaplicaram algumas das questões do questionário no decorrer do mês da entrevista em 10% das entrevistadas. Antes de realizar a entrevista, as
pessoas liam um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE), e se concordavam assinavam autorizando sua participação no estudo.
Os dados dos questionários foram digitados duplamente
e de forma independente, utilizando o programa EpiData 3.1
(EpiData Association). Após verificação de erros de amplitude
e consistência, os dados foram transferidos para o programa de
estatística Stata, versão 11 (Stata Corp., College Station). Foi rea­
lizada uma análise descritiva, com cálculo de médias e desvios
padrões, para variáveis numéricas, e com cálculo de proporções
para o caso de variáveis categóricas. A seguir foi realizada uma
análise bivariada para estudar a associação entre o desfecho com
as variáveis de interesse, sendo calculadas as Razões brutas de
Prevalências (RPb) e seus respectivos intervalos de confiança de
95% (IC95). Na etapa multivariada foi aplicada a técnica da
regressão de Poisson com variância robusta, de tipo para trás e
considerando a opção para amostra por conglomerados do Stata
(opção “cluster”). As RP ajustadas e seus IC95 foram calculados
seguindo um modelo hierárquico de análise(13) que compreendeu 2 níveis de determinação, sendo o mais distal formado pelas variáveis sociodemográficas e o segundo mais proximal pelo
tabagismo, uso de álcool e convênio de saúde. As variáveis de
cada nível que tivessem um p menor a 0,05 eram mantidos no
modelo para ajuste como o nível seguinte. Nos testes de significância foi considerado um valor de p menor a 0,05 de um
teste bicaudal. O projeto de pesquisa foi aprovado pela Comissão de Ética e Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande
(processo 129/2010).
Tabela 1. Descrição da amostra estudada. 2011. N=1596
Variável
N
%
44,58
17,76
Até 39
676
42,36
40-59
575
36,03
60 ou mais
345
21,62
Branca
1131
70,86
Preta e outras
465
29,14
Não
869
54,45
Sim
727
45,55
1-3
206
12,91
4-7
477
29,89
8-10
290
39,04
11 ou mais
623
18,17
1o quartil
213,48
71,48
2 quartil
440,76
67,83
3o quartil
745,33
134,90
4o quartil
2421,43
1506,94
Não
1016
63,70
Sim
579
36,30
Não
1.160
72,68
Sim
436
27,32
Não
316
19,80
Sim
1.280
80,20
Não
658
41,23
Sim
938
58,77
1.238
77,57
358
22,43
Não
338
21,18
Sim
1258
78,82
Não
927
58,08
Sim
669
41,92
Não
1.248
78,24
Sim
347
21,76
Idade (anos) média (DP)
Idade (categorizada)
Cor da pele
Com companheiro
Escolaridade (anos)
Renda per capita familiar
o
Idade (anos)
Trabalha atualmente
Fuma?
Recebe ajuda quando precisa
Participa eventos sociais
Audit
<5 pontos
RESULTADOS
No total, 1595 mulheres responderam ao questionário, tendo ocorrido 1,91% de perdas. Na tabela 1 se apresenta a descrição da amostra. As entrevistadas tinham média de idade de
44,58 anos (DP17, min/max 18-96), 71% eram brancas, 54%
não tinham companheiro, e mais de 63% não estavam trabalhando no momento. Mais de 57% tinha o 1o grau completo
e a relação da renda familiar per capita entre o 4o e o 1o quartil
foi maior a 10.
A prevalência de Distúrbios Psiquiátricos Menores (DPM)
foi 21,76% (IC95 19,73-23,78) (Tabela 1).
Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):27-32
RBCM 14.1.indb 29
>6
Tem religião
Doença crônica diagnosticada por médico
DPM (Srq20 >7
29
11/04/2016 16:00:03
Camargo VP, Nóbrega RH, Silva IF, Mendoza-Sassi RA
Na tabela 2 podem ser vistas as RP brutas e ajustadas. No
modelo ajustado observou-se que os distúrbios psiquiátricos
menores aumentaram de forma linear com a idade (atingindo
39% no grupo de maior idade) e entre as mulheres de cor de
pele branca (46% a mais). Diminuíram de forma linear na me-
dida em que aumentou a escolaridade (42% de redução entre
as mulheres com 2o grau completo) e a renda das entrevistadas (43% de redução no quartil superior). O menor suporte
social foi uma situação que aumentou a prevalência do desfecho
(60% entre aquelas que não recebiam ou recebiam pouca aju-
Tabela 2. Prevalências e Razões de Prevalência para depressão e fatores associados. 2011. N=1595
Variável
Idade categorizadab
Até 39 anos
40-59
60 ou mais
Cor
Preta e outras
Branca
Com companheirob
Não
Sim
Trabalhob
Não
Sim
Escolaridade
Até 3 anos
4-7 anos
8-10 anos
11 anos ou mais
Quartil de rendab
1o quartil
2o quartil
3o quartil
4o quartil
Recebe ajudac
Quase sempre/sempre
Quase nunca/nunca
Participa eventos sociaisc
Quase sempre/sempre
Quase nunca/nunca
Tem religião
Não
Sim
Auditd
Até 5 pontos
6 pontos ou mais
Autopercepção saúde último mêse
Boa/excelente
Ruim/regular
Doença crônicae
Não
Sim
Prevalência (N)
RP bruta
IC 95
P
RP ajustada
17,01 (115)
24,56 (141)
26,38 (91)
1
1,44
1,55
1,16-1,80
1,22-1,98
16,63 (82)
23,45 (265)
1
1,33
1,06-1.66
21,66 (188)
21,87 (159)
1
1,01
24,80 (252)
16,26 (94)
0,001a
1
1,36
1.39
1,09-1,70
1,06-1,82
0,01
1
1,46
1,16-1,83
0,84-1,22
0,9
1
0,95
0,79-1,15
1
0,66
0,53-0,81
0,001
1
0,80
0,64-1,00
30,58 (63)
27,25 (130)
23,79 (69)
13,67 (85)
1
0,89
0,78
0,45
0,69-1,14
0,58-1,04
0,33-0,59
0,001
31 (124)
21,74 (85)
18,25 (77)
15,57 (57)
1
0,70
0,59
0,50
17,34 (222)
39,68 (125)
a
0,001a
1
0,89
0,85
0,58
IC 95
0,001a
0,001
0,6
0,5
0,001a
0,69-1,14
0,63-1,15
0,43-0,79
0,55-0,89
0,46-0,75
0,38-0,66
1
0,73
0,66
0,57
0,57-0,94
0,50-0,87
0,42-0,78
1
2,29
1,91-2,74
1
1,62
1,35-1,95
11,42 (107)
36,47 (240)
1
3,19
2,60-3,92
1
2,35
1,87-2,96
18,34 (62)
22,67 (285)
1
1,01
1,003-1,05
0,001
1
1,30
1,02-1,66
21,42 (328)
29,69 (19)
1
1,15
0,81-1,62
0,4
1
1,61
1,14-2,27
12,76 (151)
47,57 (196)
1
3,73
3,11-4,46
1
2,64
2,14-3,26
14,00 (128)
32,16 (129)
1
2,29
1,89-2,79
1
1,28
1,02-1,61
0,001
0,001
0,001
p
0,001a
0,001
0,001
0,03
0,007
0,001
0,03
: teste de tendência linear; b: 1o nível; c: 2o nível; d: 3o nível; e: 4o nível.
a
30
RBCM 14.1.indb 30
Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):27-32
11/04/2016 16:00:03
Distúrbios psiquiátricos menores em mulheres do extremo Sul do Brasil: prevalência e fatores associados
da e 130% entre as que não participavam de eventos sociais).
Quem expressou ter uma religião teve aumentada em 30% a
probabilidade do desfecho. O uso abusivo de álcool incrementou a probabilidade de distúrbios em 60%. Entre aquelas com
auto-percepção de saúde ruim a probabilidade de ter distúrbios
psiquiátricos menores aumentou em mais de duas vezes e meia,
enquanto que nas mulheres com doença crônica a probabilidade
do desfecho passou a ser 28% maior.
DISCUSSÃO
A prevalência encontrada de DPM de 21,76% é menor do
que a encontrada em município vizinho no ano de 2002 (34%).
Infere-se que a diferença se explica porque o ponto de corte
adotado para mulheres nessa outra pesquisa foi de 6/7, ou seja,
menor do que o ponto de corte 7/8 estabelecido no presente
estudo(14). Ao eleger um ponto de corte menor certamente se
aumenta a prevalência do desfecho.
Em outro estudo(15) realizado em 2000, com o mesmo instrumento e ponto de corte, com amostra similar e também no
mesmo município, revelou uma prevalência de DPM de 22%.
Esse valor é bem próximo ao encontrado no ano de 2011, assim,
os achados sugerem que entre esses dois períodos a prevalência de
DPM manteve-se estável, ao contrário do que poderia se supor.
Observamos também que essa afecção foi mais frequente entre mulheres com 40 anos ou mais. Esse achado tem consistência com outros estudos realizados e que analisaram esse tópico.
A idade foi um fator que se associou ao desfecho na análise
ajustada, e esse achado foi também demonstrado por outro trabalho(16). Uma parte desse efeito deve ser explicado pela maior
probabilidade de doença crônica e condições de saúde ao longo
da vida. De fato, ao ajustar a idade com a carga de morbidade o
efeito desapareceu.
Entre os fatores socioeconômicos diversos estudos tem mostrado a associação entre esse tipos de fatores e a presença de
depressão(17,18). Nosso estudo também encontrou essa relação,
tanto no que se refere à cor, escolaridade e renda, e os resultados apontam para uma importante iniquidade entre as mulheres
com menores condições socioeconômicas.
O uso abusivo de álcool foi um fator associado à DPM em
nosso estudo. Essa relação entre álcool e depressão já foi demonstrada por outros estudos(19). O interessante de nosso achado é que confirmou a relação entre as mulheres. As situações
que facilitam a interação social e/ou o suporte social estiveram
associadas à DPM neste estudo. Tanto a religião quanto a falta
de suporte social e de rede social foram fatores que geraram uma
prevalência maior de DPM entre as mulheres. Com respeito a
religião, observou-se que aquelas mulheres que manifestaram
ter uma religião tiveram uma maior probabilidade do desfecho.
Esse achado é contrário ao que pode ser encontrado na literatura(20). Uma explicação para isso seria que neste estudo não diferenciamos qual religião manifestada, podendo ocorrer um erro
de classificação. Outra explicação seria, uma vez que o estudo é
transversal, a existência de causalidade reversa e dessa forma, as
mulheres com DPM estariam procurando mais a religião. Sobre
Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):27-32
RBCM 14.1.indb 31
o suporte social nossos achados são consistentes com a literatura(21), e mostra a importância que tem para a saúde mental a
presença de esse tipo de ajuda.
A carga de morbidade sempre foi um fator associado à depressão. Diversos estudos tem mostrado isso(22-24). Nosso estudo
não foi uma exceção, tanto uma auto percepção da saúde baixa,
como a presença de doença crônica associaram-se a o desfecho.
Esta relação pode ocorrer nos dois sentidos, tanto a carga de
morbidade por produzir incapacidade funcional, dor e sofrimento levando à depressão, quanto a depressão mediante alterações fisiológicas e hormonais pode aumentar a probabilidade de
desenvolvimento de doença crônica.(22)
Como limitação do nosso estudo devemos assinalar o tipo
de delineamento transversal, que como mencionado antes pode
ser causa de uma causalidade reversa. Esse fenômeno pode ter
acontecido na associação com a religião e carga de morbidade,
conforme citado antes. O tamanho da amostra foi adequada
para encontra a maior parte das associações, contudo não podemos descartar a possibilidade de uma falta de poder estatístico
em algumas associações que não foram significativas. Finalmente, devemos recordar que o instrumento utilizado não faz diagnóstico de depressão e sim é um instrumento de rastreamento
dessa afecção. Como aspectos positivos devemos indicar a baixa
proporção de perdas. Também o fato do estudo ter sido de base
populacional, de forma seus resultados são extrapoláveis a esse
grupo estudado.
CONCLUSÕES
Nosso estudo deixou em evidência que a prevalência de
DPM entre mulheres é elevada e apresenta diversos fatores modificáveis. A relação inversa entre o desfecho e situação sócio
econômica aponta para uma importante situação de iniquidade que deveria ser considerada no planejamento de ações para
melhorar a situação.
Por outro, o estudo mostrou a importância das redes sociais
nesse tipo de doença, indicando a necessidade de promover esses suportes entre as mulheres que apresentam esses distúrbios.
Obviamente que os fatores de morbidade estiveram associados,
uma vez que a relação entre doença e depressão é um achado já
consolidado.
A utilização desse tipo de rastreamento na atenção básica
pode ser útil para reduzir esses distúrbios, mediante a identificação de mulheres com fatores de risco modificáveis e a implementação de medidas assistências que minimizem a carga dos
DPM e suas consequências,
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Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):27-32
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ARTIGO ORIGINAL
Perfil dos pacientes com síndromes coronarianas agudas em um
hospital da Região Sul do Brasil
Profile of patients with acute coronary syndromes in a hospital in Southern of Brazil
Rafael Beppler da Silva1, Charles Martins de Castro1, Betine Pinto Moehlecke Iser2, Lucas Jacometo Coelho de
Castilho1
Recebido da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
RESUMO
ABSTRACT
OBJETIVO: Descrever o perfil demográfico e laboratorial de
pacientes com síndromes coronarianas agudas, identificando as
principais variáveis e se elas são fatores prognósticos, com relação ao tempo de internação e à mortalidade hospitalar. MÉTODOS: Estudo transversal com análise de prontuários dos pacientes portadores de síndromes coronarianas agudas atendidos
no período de julho de 2011 a julho de 2012. Na análise estatística, foram utilizados o teste t, Kruskal-Wallis e Mann-Whitney,
conforme a adequação do teste. Considerou-se significativo
p<0,05 e utilizou-se intervalo de confiança de 95%. RESULTADOS: Foram avaliados 261 pacientes com síndromes coronarianas agudas, sendo 42,1% do sexo feminino e média de idade
de 59±10,2 anos. O diagnóstico de angina instável ocorreu em
48,3% da amostra, infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento do ST em 32,6% e infarto agudo do miocárdio com
supradesnivelamento do ST em 19,2%, com tempo de internação média de 6,5 dias, 7,8 dias e 8,3 dias, respectivamente.
A mortalidade nos pacientes com angina instável foi de 0,8%,
infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento do ST de
10,6% e infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do ST de 20%. CONCLUSÃO: O perfil do paciente com
síndromes coronarianas agudas teve como diagnóstico mais frequente angina instável e a maior mortalidade por infarto agudo
do miocárdio com supradesnivelamento do ST. Nos pacientes
com infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do
ST, o pico de creatina quinase e creatina quinase MB foi menor
nos pacientes que foram a óbito do que nos sobreviveram.
OBJECTIVE: To describe the demographic and laboratorial
profile of patients with acute coronary syndromes identifying
key variables and if there are prognostic factors with respect
to length of stay, and hospital mortality. METHODS: Crosssectional analysis of medical records of patients with acute
coronary syndromes treated between July 2011 and July 2012.
In the statistical analysis, we used the t test, Kruskal-Wallis
and Mann-Whitney. We set p<0.05 as significant and 95%
confidence interval. RESULTS: There were 261 patients with
acute coronary syndromes, 42.1% of them were female and
the mean age of 59±10.2 years. Of the sample, the diagnosis
of unstable angina was 48.3%, acute myocardial infarction
without ST segment elevation was 32.6% and acute myocardial
infarction with ST segment elevation in 19.2%; the average
hospital stay was respectively 6.5 days, 7.8 days and 8.3 days.
The mortality in patients with unstable angina was 0.8%, 10.6%
for acute myocardial infarction without ST segment elevation
and 20% for acute myocardial infarction with ST segment
elevation. CONCLUSION: The profile of the patient was male
with an average age of 59±10.2 years. Unstable angina was the
most frequent diagnosis and the mortality higher in patients
with acute myocardial infarction with ST segment elevation. Of
those, the peak of creatine kinase and creatine kinase MB was
lower in patients who died than in survivors.
Descritores: Síndrome coronariana aguda/mortalidade; Creatina
quinase; Mortalidade; Tempo de internação
1. Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, SC, Brasil.
2. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.
Data de submissão: 01/04/2014 – Data de aceite:14/07/2014
Conflito de interesse: não há.
Endereço para correspondência:
Rafael Beppler da Silva
Rua Humberto de Campos, 213 − Coral
CEP: 88508-190 − Lages, SC, Brasil
Tel.: (48) 9974-0780 − E-mail: [email protected]
Fonte de financiamento: próprios autores.
© Sociedade Brasileira de Clínica Médica
Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):33-7
RBCM 14.1.indb 33
Keywords: Acute coronary syndrome/mortality; Creatine kinase;
Mortality; Length of stay.
INTRODUÇÃO
A síndrome coronariana aguda (SCA) abrange um grupo
de doenças que incluem a angina instável (AI), o infarto agudo
do miocárdio (IA) com supradesnivelamento do segmento ST
(IAMCST) e sem supradesnivelamento (IAMSST). Essas entidades são causas comuns de atendimentos e admissões nos setores de emergência dos hospitais, assim como importante causa
de mortalidade e morbidade.(1,2)
As SCA foram responsáveis pelo maior gasto com internações, totalizando cerca de R$1,9 bilhão ou 19% do custo total com hospitalizações no Brasil no ano de 2009.(3) Dados de
2007 da Organização Mundial da Saúde (OMS) revelaram que
as doen­ças cardiovasculares, particularmente o IAM, representam a principal causa de mortalidade e incapacidade no Brasil e
33
11/04/2016 16:00:03
Silva RB, Castro CM, Iser BP, Castilho LJ
no mundo. No Brasil, a doença arterial coronariana (DAC) foi
responsável por mais de 100 mil óbitos em 2011.(4,5) No ano de
2010, no Brasil, as doenças do aparelho circulatório, foram a
terceira causa de internação hospitalar, sendo que 210.046 internações foram por doenças isquêmicas do coração. O número
total de óbitos por doenças isquêmicas do coração naquele ano
foi de 99.408 óbitos ou 52 óbitos/100 mil habitantes.(3) A prevalência da DAC na população adulta está estimada em 5 a 8%.(6)
Cerca de 52% dos indivíduos com IAMCST possuem acometimento de parede anterior, o que confere um pior prognóstico se comparado com o acometimento das outras paredes
cardíacas. Esses pacientes estão mais propensos a apresentarem
complicações como insuficiência cardíaca, formação de aneurisma de ventrículo esquerdo e ruptura cardíaca.(7,8)
O conhecimento dos diversos sintomas que se apresentam
na SCA e a correta interpretação dos exames que podem ser realizados nestes pacientes são de suma importância para o diagnóstico correto, implicando diretamente no sucesso do tratamento.
A análise de marcadores hospitalares dos pacientes com SCA é
fundamental para a estratificação do risco hospitalar, além de
mostrar como esses pacientes são tratados em nosso meio.
Os marcadores de necrose tecidual miocárdica tendem a ter
uma relação estreita com a extensão de músculo lesado, sendo
comumente utilizado com marcador de risco para eventos desfavoráveis, como óbito e insuficiência cardíaca. No entanto, esses
marcadores, como a creatina quinase (CK) e a isoenzima MB da
cretinina quinase (CKMB, mais utilizada no nosso meio) apresentam uma curva de elevação. O pico dessa curva tende a ser
mais precoce quando há reperfusão da artéria comprometida.
Também está demonstrado que lesões não muito extensas (enzimas não muito elevadas), quando associadas a lesões preexistentes, podem a levar a um pior prognóstico.(9)
A CK, embora seja um sensível marcador de lesão muscular,
não é específica para o diagnóstico de lesão miocárdica. O marcador específico e mais utilizado é a CKMB, que possui uma
sensibilidade diagnóstica de 93% após 12 horas do início dos
sintomas, porém, é pouco sensível para o diagnóstico nas primeiras 6 horas de evolução.(9)
O objetivo deste artigo foi descrever o perfil demográfico e
laboratorial de pacientes com SCA, identificando as principais
variáveis e se elas são fatores prognósticos, com relação ao tempo
de internação e à mortalidade hospitalar
MÉTODOS
O presente estudo foi do tipo transversal com análise de
prontuários dos pacientes com SCA atendidos em um hospital
no município de Tubarão (SC), no período de julho de 2011 a
julho de 2012, e recebeu a aprovação do Comitê de Ética (CEP)
em Pesquisa da Universidade do Sul de Santa Catarina (registro
12.528.4.01.III).
Os dados foram coletados por meio de um protocolo de coleta elaborado pelos pesquisadores e, por se tratar de um estudo
retrospectivo não intervencionista, não houve necessidade do uso
do Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE). A amostra foi composta por 273 pacientes atendidos no período do estu34
RBCM 14.1.indb 34
do, sendo que 12 pacientes foram excluídos, por falta de registros
adequados, totalizando 261 pacientes avaliados com SCA.
As variáveis estudadas foram sexo, faixa etária (em anos),
valor de CKMB, valor de CK, bloqueio intraventricular, localização do bloqueio intraventricular, supradesnivelmaneto do ST,
parede cardíaca acometida, uso de fibrinolítico (estreptoquinase),
IAMCST, IAMSST, AI, dias de internação e óbito.
Para a criação do banco de dados e a análise estatística, foi
utilizado o programa Epi Info™ 3.5.4. As variáveis contínuas
foram avaliadas por medidas de tendência central e dispersão
dos dados; as variáveis categóricas, apresentadas em porcentuais
simples. Para as diferenças dos desfechos, foram utilizados o teste t, Kruskal-Wallis e Mann-Whitney, conforme a adequação do
teste. Fixaram-se valor de p<0,05 como significante e intervalo
de confiança de 95% para as diferenças e associações.
RESULTADOS
Durante o período de julho de 2011 a julho de 2012, foram incluídos 261 pacientes com diagnóstico de SCA, sendo 110 (42,1%)
mulheres. A média de idade foi de 59 anos (desvio padrão − DP
±10,28; mínimo de 32 e máximo de 84). O diagnóstico final mais
frequente foi de AI para 126 (48,3%) pacientes (Tabela 1).
Tabela 1. Perfil demográfico e fatores associados em pacientes atendidos
em um hospital na Região Sul do Brasil
Variável
Sexo masculino
Idade, anos
Diagnóstico
AI
IAMSST
IAMCST
151 (57,9)
59 (±10,2)
126 (48,3)
85 (32,6)
50 (19,2)
Resultados expressos em frequência absoluta (porcentagem), ou média ± desvio
padrão. AI: angina instável; IAMSST: infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento do ST; IAMCST: infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do ST.
Ao eletrocardiograma, 51 (19,5%) pacientes apresentaram
bloqueio de ramo, dos quais 26 (51%) no ramo direito.
Entre os pacientes com IAMSST, 29 (58%) tiveram acometimento de parede anterior, 18 (36%) da parede inferior, 2 (4%)
da parede lateral e 1 (2%) da parede septal.
Quanto ao tempo de internação, os pacientes com AI
permaneceram, em média, 6,5 dias internados; aqueles com
IAMSST, 7,8 dias; e os pacientes com IAMCST, 8,3 dias internados. Não foi encontrada diferença estatisticamente significativa entre eles (p=0,13).
Da amostra total, 219 (83,9%) pacientes tiveram alta, 20
(7,7%) foram a óbito e 22 (8,4%) foram transferidos para outra unidade de tratamento. A taxa de óbito entre os pacientes com
IAMSST foi de 20%, sendo que todos os pacientes portadores de
IAMSST que foram a óbito tiveram acometimento de parede anterior; o óbito nos pacientes com IAMCST ocorreu em 10,6%,
e 9,4% foram transferidos; a taxa de óbito dos pacientes com AI
Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):33-7
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Perfil dos pacientes com síndromes coronarianas
foi 0,8%, e 11,1% também foram encaminhados a outro centro
de tratamento.
Realizada a comparação entre os valores de CK para os pacientes vivos e os que foram a óbito, encontrou-se média de 693U/L
para os que foram a óbito e 232,5U/L para os que permaneceram
vivos, tendo significância estatística (p=0,003). Ao avaliar os valores de CKMB, encontrou-se média de 64U/L para os que foram a
óbito e 25U/L para os que permaneceram vivos (p<0,01).
Entre os pacientes com diagnóstico de SCA, que considerou apenas os pacientes com IAMCST, foi encontrada média de
1.513U/L para CK e 165 para CKMB. A média de CK foi de
692,5U/L para os pacientes que foram a óbito e de 1.686U/L
para os que permaneceram vivos (p=0,28). A média de CKMB
foi de 70,5 para os pacientes que foram a óbito e 177,5 para os
que permaneceram vivos, também não sendo estatisticamente
significativo (p=0,49).
Referindo-se ao grupo de SCA (80,8%), que consideram os
pacientes com IAMSST e os pacientes com AI, aqueles que foram a óbito apresentaram média de CK de 693U/L e os que permaneceram vivos, 182,5U/L (p<0,01). Com relação aos valores
de CKMB, os pacientes que foram a óbito demonstraram média
de 64U/L e os que permaneceram vivos, de 22U/L (p=0,0026)
(Tabela 2).
Tabela 2. Média do valor de creatina quinase (CK) e CKMB para
síndrome coronariana aguda (SCA) com e sem supradesnivelamento
do ST, de acordo com o desfecho óbito ou não
Variável
SCA com ST (média CK)
SCA com ST (média CKMB)
SCA sem ST (média CK)
SCA sem ST (média CKMB)
Óbito Não óbito Valor de p
692,5
1.686
0,28
70,5
177,5
0,49
693
182,5
<0,01
64
37,5
0,0026
Nível de significância adotado: 5%.
Com relação ao tempo de internação, os pacientes com SCA
com supradesnivelamento do ST que permaneceram por mais
de 10 dias internados (longa permanência) apresentaram média
de CK de 2.738U/L e aqueles que permaneceram até 5 dias
apresentaram 843U/L (p=0,04). Referindo-se à CKMB, não
houve diferença no valor médio apresentado pelos pacientes, de
acordo com o tempo de internação.
Não foram verificadas diferenças nas médias de CK e CKMB
entre os pacientes com SCA sem de acordo com o tempo de internação (Tabela 3).
Tabela 3. Média do valor de creatinina quinase (CK) e CKMB para
síndrome coronariana aguda (SCA) com e sem supradesnivelamento
do ST, de acordo com o tempo de internação
Variável
SCA com ST (média CK)
SCA com ST (média CKMB)
SCA sem ST (média CK)
SCA sem ST (média CKMB)
>10 dias Até 5 dias Valor de p
2738
843
0,04
241,5
79
0,13
141
203,5
0,44
19,5
22
0,42
Nível de significância adotado: 5%. Valor de p obtido pelo teste t de Student.
Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):33-7
RBCM 14.1.indb 35
Entre os pacientes com IAMCST, 91,80% fizeram o uso
de trombólise química, sendo que, no período do estudo, não
estava disponível no Serviço Único de Saúde (SUS) desta instituição a terapia de reperfusão mecânica (intervenção coronária
percutânea).
Ao avaliar o tempo de internação e os valores enzimáticos na
amostra total (n=261), os pacientes que tiveram longa permanência apresentaram média de CK de 178,5U/L, e os que permaneceram até 5 dias tiveram média de 228U/L. Com relação
aos valores de CKMB, também não foram verificadas diferenças
significativas (Tabela 3).
Com relação ao tempo de internação e ao desfecho óbito ou
não, os pacientes que permaneceram vivos tiveram como média
6 dias de internação e os que foram a óbito tiveram 1,5 dia de
internação (p=0,056). Quando comparado SCA com supradesnivelamento de ST com SCA sem supradesnivelamento de ST
em relação aos dias de internação, encontraram-se médias de 6 e
5 dias, respectivamente, não sendo significativo estatisticamente
(p=0,53).
DISCUSSÃO
Registros clínicos contribuem de forma significativa para
avaliar a apresentação clínica, o comportamento, o tratamento e
a evolução dos pacientes afetados por determinadas doenças.(10)
Os estudos que se baseiam em registros refletem mais o mundo
real, pelo fato de que os pacientes não são selecionados, o que
confere aproximação maior com a realidade e a vivência dos médicos, mesmo sendo mais sujeitos a viesses.(7)
Este registro resultou da análise de prontuários e foram analisados os aspectos da SCA, individualizando os três quadros
clínicos clássicos (AI, IAMCST e IAMSST). Num total de 261
prontuários, analisaram-se as principais variáveis demográficas e
laboratoriais, e se elas eram fatores prognósticos com relação ao
tempo de internação e à mortalidade hospitalar.
Encontrou-se que, nos pacientes admitidos com SCA no Serviço de Emergência, 42,1% eram do sexo feminino e a idade média foi de 59 anos (DP=10,2865). De forma semelhante, aproximadamente um terço dos pacientes do registro BRACE(10) era do
sexo feminino, todavia a idade média encontrada foi de 63 anos.
Neste estudo, dos 261 pacientes admitidos por SCA, o diagnóstico na alta hospitalar mais frequente foi AI (48,3%), seguido
de IAMSST (32,6%) e de IAMCST (19,2%), sendo que, neste
último, a maior incidência foi em parede anterior (58%).
Entre as modalidades de SCA, os pesquisadores do estudo RBSCA(7) relataram que a AI foi a causa mais frequente de
internação (60%), seguida por IAMSST (27,7%) e IAMCST
(9,1%). Dentre os pacientes portadores de IAMSST, a maior
parte apresentou também acometimento de parede anterior
(52,6%). Os resultados do estudo GRACE(11) mostraram os
achados encontrados para 11.543 pacientes, definindo que, na
alta hospitalar, 38% dos pacientes possuíam AI, 30% IAM e
25% IAMSST.
Evidenciou-se que 9,5% dos pacientes apresentaram bloqueio de ramo esquerdo, o que se distinguiu de estudo sobre
gestão de SCA na África do Sul(12) e de um registro nacional de
35
11/04/2016 16:00:03
Silva RB, Castro CM, Iser BP, Castilho LJ
SCA em Portugal,(13) nos quais apenas 2,9% e 6%, respectivamente, do total de pacientes, apresentaram esse mesmo dado
eletrocardiográfico.
Analisando os picos enzimáticos na população total dentre
os pacientes com IAMSST e AI, notou-se que aqueles que possuíam picos maiores de CK e CKMB morreram mais, mas o
mesmo não ocorreu com os pacientes com IAMCST, para quem
o pico enzimático foi maior nos pacientes que sobreviveram.
Tal comportamento pode ser devido ao fato de a mortalidade
precoce ter ocorrido ainda na fase de elevação enzimática, o que
não permitiu atingir sua dosagem máxima.
Alguns registros prévios mostraram alinhamento dos resultados com o presente estudo, que totalizou 0,8% de mortalidade
para AI, 10,6% para IAMSST, 20% para IAMCST. Dados do
registro GRACE(11) mostraram mortalidade hospitalar de 3%
na AI, 5% no IAMSST e 7% no IAMCST. Seguindo o mesmo modelo de resultados, o registro espanhol Mascara(14), que
incluiu 7.923 pacientes, encontrou mortalidade hospitalar de
3,9% para SCA sem supradesnivelamento do ST e de 7,6% na
SCA com supradesnivelamento do ST. Observou-se também,
no estudo BRACE,(10) que a mortalidade dos pacientes com
SCA acompanhou os modelos anteriores, e 4,8% dos pacientes
com IAMSST e 6,4% no IAMCST foram a óbito.
Neste estudo, 9,4% dos pacientes com IAMSST e 11,1%
dos pacientes com AI foram transferidos para outros serviços de
cardiologia, o que se assemelha ao estudo GRACE,(11) no qual
9% dos pacientes com AI e 11% dos com IAMSST foram transferidos para outros serviços.
Na presente pesquisa, os pacientes com IAMCST tiveram,
em média, 8,3 dias de hospitalização; IAMSST, 7,8 dias, e os
pacientes com AI permaneceram 6,5 dias internados, com média total de 7,2 dias. O estudo TARGET,(15) que avaliou as características epidemiológicas de pacientes portadores de SCA na
Grécia, mostrou que estes pacientes tiveram tempo médio de
internação de 4,6 dias. Quando analisados o tempo de internação e a modalidade da SCA, Registro Nacional de Síndromas
Coronárias Agudas(16) evidenciou tempo médio de 8,6 dias para
os pacientes com IAMCST, 8,7 dias para IAMSST e 8,7 dias
para AI, seguindo os achados anteriores.
Em cerca de 91,8% dos pacientes com IAMCST desta análise, utilizou-se a trombólise química, pelo fato de que, no período analisado, não estava disponível a terapia de reperfusão
mecânica (intervenção coronária percutânea) para os indivíduos
atendidos pelo SUS dessa instituição. Este resultado destoou do
Registro Nacional de Síndromas Coronárias Agudas,(16) segundo
o qual 99% dos pacientes com IAMCST receberam este tipo
de tratamento. A diferença no resultado pode se dever ao fato
de que houve demora na procura pelo atendimento médico especializado e na condução do paciente até o serviço hospitalar,
já que se sabe que o trombolítico é especialmente efetivo nas
primeiras 12 horas do início dos sintomas.(8)
CONCLUSÃO
Durante o período de 12 meses, este registro reuniu pacientes portadores do diagnóstico de síndrome coronariana aguda,
36
RBCM 14.1.indb 36
no qual existiu uma prevalência de AI, se comparada às outras
modalidades. Evidenciou-se também maior mortalidade nos pacientes portadores de IAMSST sendo o acometimento maior o
de parede anterior. Nos pacientes com IAMCST que sobreviveram, observou-se um pico maior de e MB, mas o mesmo não
ocorreu com os pacientes que apresentaram IAMSST e AI, já
que os picos enzimáticos foram observados nos pacientes que
não sobreviveram.
Com este registro, passamos a conhecer o perfil da nossa
população de pacientes com síndrome coronariana aguda. Seus
resultados, mesmo com as habituais limitações de comparações,
não diferiram de dados coletados em outros registros, de dentro
e fora do país, sendo consistentes como estes.
O conhecimento da nossa realidade e o correto entendimento de seus achados podem ajudar no mapeamento de nossas inconsistências e na melhoria do planejamento do atendimento
público e privado da síndrome coronariana aguda.
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37
11/04/2016 16:00:04
RELATO DE CASO
Rabdomiólise com altos níveis de creatinofosfoquinase,
sem evolução para insuficiência renal
Rhabdomyolysis with high levels of creatine kinase, without progression
to renal failure
Iara Baldim Rabelo1, Caio Pasquali Dias dos Santos1, Eduardo Mares Caldeira1, Fernando Amaral Junqueira Nóbrega1,
Flávia Ferreira Martins1, Maísa Ribeiro de Souza1, Mariana Martins Ferreira1, Moara dos Santos Oliveira Rodrigues1,
Rafaela Dias Machado1, Taís Justimiano1
Recebido da Universidade José do Rosário Vellano (UNIFENAS), Alfenas, MG, Brasil.
RESUMO
Rabdomiólise é uma condição aguda com lesão muscular esquelética e liberação de toxinas produzidas pelos miócitos. A
apresentação clínica é variada (desde elevações assintomáticas
de marcadores de injúria muscular, com a creatina fosfoquinase (CPK), até distúrbios hidroeletrolíticos graves com ou sem
insuficiência renal aguda. As etiologias envolvem desde medicamentos como atividades físicas extenuantes. O diagnóstico é
clínico-laboratorial, chamando a atenção para níveis aumentados de enzimas musculares, especialmente a reatinofosfoquinase.
A principal complicação clínica é a insuficiência renal aguda e
o diagnóstico precoce é fundamental para a instituição de medidas terapêuticas eficazes. Relatamos o caso de um paciente jovem, com rabdomiólisepós exercício físico (musculação), com
altos índices de reatinofosfoquinase (239.000U/L), sem evolução para insuficiência renal aguda (IRA), contrariamente ao
esperado pelos valores isolados de reatinofosfoquinase.
Descritores: Rabdomiólise; Creatina quinase; Lesão renal aguda;
Relatos de casos
ABSTRACT
Rhabdomyolysis is a acute condition with muscle injury
and liberation of toxins produced by myocytes. The clinical
presentation is wide (from asymptomatic elevations in laboratorial
1. Universidade José do Rosário Vellano (UNIFENAS), Alfenas, MG, Brasil.
Data de submissão: 30/11/2015 – Data de aceite: 06/03/2016
Conflito de interesse: não há.
Endereço para correspondência:
Dra. Iara Baldim Rabelo
Rod. MG 179, Km 0 – Campus Universitário
CEP: 37130-000 – Alfenas, MG, Brasil
Tel.: 55 (35) 3299-3000
E-mail: [email protected]
Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa
Plataforma Brasil
Número CAAE: 36503414.6.0000.5143
© Sociedade Brasileira de Clínica Médica
38
RBCM 14.1.indb 38
markers of muscle injury, like creatine kinase (CK), to severe
electrolyte disturbances with or without acute renal failure).
The etiologies involve from medications to strenuous physical
activity. The diagnosis is clinical and laboratorial, which have
attention to the increased levels of muscle enzymes, especially
the CPK. The main clinical complication is acute renal failure
and early diagnosis is critical for the establishment of effective
therapeutic measures. We report the case of a young patient
with rhabdomyolysis after exercise (weightlifting), with high
levels of CPK (239.000U/L) without denvelopment to acute
renal failure (ARF), contrary to the expected with isolated
values of CPK only.
Keywords: Rhabdomyolysis; Creatine kinase; Acute kidney injury;
Case reports
INTRODUÇÃO
A rabdomiólise é uma condição aguda onde há uma lesão
da fibra muscular esquelética, com liberação maciça de toxinas,
produzidas pelos miócitos, no sistema circulatório(1,2). Sua apresentação varia desde elevações assintomáticas da creatina fosfoquinase (CPK), até distúrbios hidroeletrolíticos letais com ou
sem insuficiência renal aguda (IRA) (ocorre em 10-50% dos casos(3-5), com média de mortalidade de 20%(4)) e coagulação intravascular disseminada(4). Outros sintomas são mialgia, fraqueza,
mal estar generalizado, febre, taquicardia, hipovolemia e acidúria(4).
Arritmias pela hipercalemia também podem ocorrer(6,7).
Possui diversas etiologias, como síndrome compartimental, doenças hereditárias, medicamentos (propofol, quetiapina,
aripiprazol, ciclosporina, warfarina, amiodarona, antifúngicos,
derivados azólicos, bloqueadores de canal de cálcio(7), clozapina,
olanzapina, haloperidol e outros antipsicóticos típicos)(8), toxinas, álcool e algumas drogas ilícitas. Compressão muscular,
esforço excessivo, convulsões, endocrinopatias, infecções(1-4,6,7),
oclusão arterial aguda(2), compressão pneumática intermitente(4)
são outras causas.
Pode estar associada a climas quentes e úmidos(1,6). Hipóteses
de predisposição genética foram descritas(6), relacionadas à deficiência de adenosina trifosfato sintetase, que resulta em prejuízo
no uso e consumo do trifosfato de adenosina (ATP) (em inglês:
Adenosine Triphosphate), o que causa um acúmulo intracelular
de cálcio devido a interrupção no funcionamento das bombas
de sódio/potássio e sódio/cálcio(1).
Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):38-40
11/04/2016 16:00:04
Rabdomiólise com altos níveis de creatinofosfoquinase
O diagnóstico consiste nos achados clínicos e laboratoriais
de mioglobinúria e CPK elevadas (mais que 5 vezes o limite su­
perior da normalidade). Os níveis de CPK se elevam a partir de
12 a 24 horas da injúria, com picos entre 1 e 3 dias, e declínio
após 3 a 5 dias da cessação da lesão muscular(2,4). A dosagem de
mioglobina ou mioglobinúria é menos sensível que a dosagem
de CPK para diagnosticar a rabdomiólise(2), no entanto, é a primeira substância muscular a se elevar e a primeira que contribui
para o dano renal(2,3,7). O cálcio inicialmente encontra-se em
quantidade reduzida(1,3,4) e aumenta progressivamente pós lesão
muscular intensa. A anidrase carbônica 3, aldolase e ácido úrico
estarão elevados, assim como o dehidrogenase láctica (DHL),
aspartato aminotransferase (AST), fósforo, potássio(4). Edema
muscular associada à história de abuso de álcool, overdose de
drogas, lesões musculares traumáticas, imobilizações prolongadas
ou perda de consciência corroboram com o diagnóstico(7).
Um importante diagnostico diferencial é a síndrome neuroléptica maligna ou hipertermia maligna, relacionada a anestésicos voláteis, num contexto relacionado a drogas, especialmente
antipsicóticos e succinilcolina(6,8).
O tratamento deve ser instituído imediatamente. A principal
medida é iniciar uma reposição volêmica vigorosa para prevenção de IRA. Níveis de CPK acima de 5.000U/L estão altamente
associados à IRA.
O bicarbonato pode ser utilizado para fazer a alcalinização
da urina, e desta forma reduzir os riscos de obstrução tubular pela
mioglobina. Manitol e diuréticos podem ser utilizados, porém
apresentam poucas evidências científicas(3,4).
RELATO DE CASO
Paciente masculino, 21 anos e 11 meses, natural e residente
de Alfenas-MG, foi admitido no Hospital Universitário Alzira
Vellano (HUAV) com queixa de mialgia generalizada, de forte
intensidade, iniciada após esforço físico – sessão de musculação,
com duração de 1h, por dois dias consecutivos anteriores ao da
admissão. Notou urina de coloração acastanhada, com noctúria
na noite anterior. Na manhã do dia de admissão no HUAV, o paciente colheu por iniciativa própria amostra da sua urina e levou
ao laboratório. Após análise do material, foi orientado procurar
um hospital devido à mioglobinúria. Afirmava não ter usado
qualquer suplemento. Referia que essa foi a primeira vez que fez
exercícios anaeróbicos. Usou relaxante muscular com analgésico
comum para alívio da mialgia, em dose única, mas negava o uso
de qualquer outra medicação previamente, de forma contínua
ou esporádica. Negava trauma. Não havia antecedentes pessoais
patológicos relevantes. Ao exame físico, apresentava-se em bom
estado geral, corado, hidratado, eupneico, anictérico, afebril.
PA: 140x90mmHg, estável hemodinamicamente. Musculatura
normotrófica e normotônica, dolorosa à palpação difusamente.
Sem outras alterações detectadas.
Os exames laboratoriais solicitados e seus respectivos valores
estão representados na tabela 1.
As dosagens de CPK foram realizadas inicialmente no laboratório de análises clínicas do HUAV, no aparelho de bioquímica HumaStar 300, Human, série A520527, lote 13008, com
dupla checagem e confirmação em laboratório de referência em
Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):38-40
RBCM 14.1.indb 39
Belo Horizonte-MG. Os controles de CPK do dia, bem como
as dosagens em outros pacientes, foram normais.
O esquema terapêutico introduzido foi de alcalinização da
urina (manutenção do pH urinário >7,5) e hidratação rigorosa
(30mL/Kg/dia).
Não houve alteração da função renal apesar do aumento da
CPK. O paciente evoluiu muito bem, sem intercorrências, com
melhora da mialgia e normalização do aspecto e dos exames
urinários.
Após duas semanas da alta hospitalar, o paciente foi reavaliado, sem alterações clínicas ou laboratoriais, e já havia retomado
atividades físicas similares às iniciais, com a frequência de 3
vezes na semana, em menor intensidade.
DISCUSSÃO
O caso supracitado destaca-se primeiramente pela discre­
pância entre o esforço físico e os níveis elevados de CPK, já
que não há medicações ousubstâncias ilícitas envolvidas no caso.
Curioso, também, o fato de que níveis tão altos de CPK não
afetaram a função renal do paciente. Os valores de CPK relacionados à insuficiência renal variam de 5.000U/L(4) (sepse,
desidratação e acidose associadas)a 20.000U/L(5). A CPK do paciente chegou a 239.000U/L enquanto a creatinina plasmática
basal sofreu acréscimo de apenas 0,2mg/dL. O quadro de IRA
associado à rabdomiólise cursa com oligúria, anúria, redução
da fração de excreção de sódio (<1%) talvez pela vasoconstrição preglomerular e oclusão tubular antes da necrose(5). As alterações hidroeletrolíticas parecem preceder a lesão renal e estão
diretamente relacionadas à IRA já instalada, devendo, portanto,
ser monitorizadas durante toda a internação(5). As alterações
hidroele­trolíticas mais descritas foram encontradas em nosso
paciente sem, no entanto, terem evoluído com IRA.
É importante destacar que os resultados dos exames de CPK
e concentração sérica da isoenzima MB (CKMB) realizados no
laboratório do Hospital Universitário Alzira Velano devem ser
acreditados de forma que exames realizados para outras hipóteses diagnósticas como infarto agudo do miocárdio (IAM) em
outros pacientes na mesma época, com o mesmo kit e pelos
mesmos profissionais não apresentaram exacerbações exageradas
dessas enzimas e foram compatíveis com a clínica para que foram pedidos. As dosagens também foram repetidas na mesma
amostra para confirmação. Além disso, amostra do sangue do
paciente com a data de internação foi enviada para um laboratório de renome em Belo Horizonte – MG ainda com viabilidade,
com confirmação dos valores elevados de CPK, bem como a
variação pequena de creatinina plasmática.
Ensaios clínicos randomizados (base de dados Medline/
Pubmed) que elucidem a melhor terapia para a rabdomiólise e
sua principal complicação, a IRA, ainda são escassos. Um estudo
multicêntrico demonstrou em 2007 que, apesar de amplamente utilizados na IRA, os diuréticos de alça ainda necessitam de
evidências e critérios mais claros para seu uso, independente da
etiologia da IRA, o que inclui rabdomiólise(9). Peltonematal concluíram que a combinação de hemofiltração intermitente com
diurese alcalina forçada é superior à última isoladamente no tocante à redução da mioglobina plasmática na rabdomiólise(10).
39
11/04/2016 16:00:04
Rabelo IB, Santos CP, Caldeira EM, Nóbrega FA, Martins FM, Souza MR, Ferreira MM, Rodrigues MS, Machado RD, Justimiano T
Tabela 1. Evolução dos exames laboratoriais
Admissão
Hemácias
Hemoglobina
Hematócrito
Leucócitos
Segmentados
Linfócitos
Plaquetas
Sódio
Potássio
Fósforo
Cálcio
Uréia
Creatinina
Urina I
CPK
CKMB
TGO
TGP
5,54
16,2
48,7
10100
75%
21%
327.000
140
4,2
1,32
35
0,94
Sem alterações
129000
-
D2
internação
5,69
16,2
50,6
8.100
71%
22%
412.000
138
4,2
16,4
0,73
239000
159
470
D4
internação
32
0,75
9600
1300
-
D5
internação
42400
370
-
D6
internação
11790
142
-
D7
internação
4,23
3,1
36
0,93/1,02*
5660/5074*
73
-
Alta hospitalar
4,74
4,2
36
0,9/1,07*
2000/2593*
36
96
211
30 dias pós
alta hospitalar
0.77
172
19
-
*Valor da mesma amostra em segundo laboratório.
Em trabalho randomizado sobre o manejo da rabdomiólise
secundária ao uso de Doxilamina, foi demonstrado que o grupo
tratado com Ringer lactato obteve maior pH sérico e urinário
com menos menos distúrbios dos íons sódio e cloreto, quando
comparado ao grupo tratado com solução salina 0,9%(11).
O paciente recebeu hidratação vigorosa com solução salina fisiológica isotônica e a alcalinização da urina foi mantida durante
toda a internação. Embora seus níveis séricos de CPK tenham
chegado a valores acima de 200.000U/L, não houve evolução
para IRA, o que ainda não está descrito na literatura específica.
A instituição da terapêutica eficaz e de forma rápida pode ter
sido o fator decisivo para o sucesso da condução do caso, especialmente pela não evolução para IRA. Apesar de os valores de
CPK terem sido duplamente checados e conferidos em outro laboratório, não podemos descartar que os valores mais elevados tenham sido superestimados por algum viés analítico, já que níveis
de CPK acima de 20.000U/L têm altíssima relação com IRA.
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Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):38-40
11/04/2016 16:00:04
RELATO DE CASO
Carcinoma Mucoepidermóide do Pulmão – estado da arte
a propósito de um caso clínico
Mucoepidermoid carcinoma of the lung – state of art with regard to a case report
Cátia Isabel Ferreira da Silva Guimarães1, Sandra Afonso André1, José Manuel Fernandes Correia1, Lucília Cristina
de Almeida Martins de Matos1, Fernando José Dias Nogueira1
Recebido do Serviço de Pneumologia Hospital de Egas Moniz, Centro Hospitalar Lisboa Ocidental, Lisboa, Portugal.
RESUMO
ABSTRACT
O Carcinoma Mucoepidermóide do Pulmão (CMP) é um
tumor com baixo potencial de malignidade; acredita-se que é
indolente, mas pouco se sabe sobre as suas características dada
a sua baixa incidência (0,2% de todos os tumores pulmonares). Os autores apresentam um caso clínico de um Carcinoma
Mucoepidermóide do Pulmão de alto grau, a que se associa,
habitual­
mente, metastização à distância, recorrência do tumor e mau prognóstico. Destaca-se a exuberante metastização
(pleural, pericárdica, ganglionar e cerebral), que contrasta com
o curso da doença, relativamente indolente, volvidos 12 meses
do diagnóstico. Dado não ter indicação cirúrgica, a doente foi
tratada com radioterapia e quimioterapia, apesar de ainda não
estar definido um tratamento standard para este tipo histológico. A raridade do diagnóstico e os escassos estudos da literatura
condicionam a abordagem terapêutica sistémica destes doentes,
constituindo um desafio para a comunidade médica. O possível
papel da terapêutica dirigida, como os inibidores da tirosina cinase do receptor do fator de crescimento epidérmico (EGFR)
ou a terapêutica contra o oncogene de fusão CRTC1-MAML2,
tem sido investigado, em doentes com Carcinoma Mucoepidermóide do Pulmão de alto grau.
Mucoepidermoid Carcinoma of the Lung (MECL) is a tumor of
low malignant potential; we believe it is indolent, but little is known
about its clinical features because of the low incidence rate
(incidence of 0.2% of all lung cancers). We present a clinical case
of a high degree Mucoepidermoid carcinoma of the lung, which
frequently have distant metastasis, tumor recurrence and a bad
prognosis. It is highlighted in this case the exuberant metastases
(pleural, pericardial, cerebral, lymph nodes), contrasting with
the relatively indolent course of the disease since the diagnosis
(10 months ago). Our patient was treated with radiotherapy
and chemotherapy, although effective treatment measures
for high-grade tumors have not been established. The rarity of
the diagnosis and the rare studies in the literature affect the
systemic approach to these patients, becoming a challenge for
the scientific community. The role of targeted therapy directed
against the epidermal growth factor receptor (EGFR) and the
novel fusion oncogene CRTC1-MAML2, is being investigated
in high-grade tumors.
Descritores: Carcinoma mucoepidermóide/diagnóstico; Carcinoma mucoepidermóide/quimioterapia; Carboplatina/uso
te­­rapêutico; Vimblastina/uso terapêutico; Carcinoma mucoepi­
dermóide/radioterapia; Neoplasias pulmonares; Diagnóstico diferencial; Biópsia; Humanos; Relatos de casos
1. Serviço de Pneumologia. Hospital de Egas Moniz. Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, Lisboa, Portugal.
Data de submissão: 10/06/2015 – Data de aceite: 17/06/2015
Conflito de interesse: não há.
Endereço para correspondência:
Cátia Isabel Ferreira da Silva Guimarães
Urbanização da Codeceira – casa 20
4835-038 – Creixomil, Guimarães
Telefone: (+351) 96769-7225
E-mail: [email protected]
© Sociedade Brasileira de Clínica Médica
Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):41-4
RBCM 14.1.indb 41
Keyword: Carcinoma, mucoepidermoid/diagnosis; Carcinoma,
mucoepidermoid/drug therapy; Carboplatin/therapeutic use;
Viblastine/therapeutic use; Carcinoma, mucoepidermoid/
radiotherapy; Lung neoplasms; Diagnosis, differential; Biopsy;
Humans; Case reports
INTRODUÇÃO:
Os Carcinomas Mucoepidermóides desenvolvem-se, habitualmente, a partir das glândulas salivares, parótidas e submaxilares(1). Os Carcinomas Mucoepidermóides do Pulmão (CMP)
são raros (0,1% a 0,2% de todos os tumores pulmonares) e desenvolvem-se tipicamente a partir da traqueia ou dos brônquios
principais(1,2). A apresentação clínica correlaciona-se com o grau
histológico (alto ou baixo grau) do tumor. Estes tumores são
mais frequentes nos jovens e caracterizam-se pela combinação
de diferentes tipos de células: células glandulares secretoras de
muco, células escamosas e células intermediárias(1,3). Os CMP de
baixo grau apresentam taxas favoráveis de sobrevida aos 5 e 10
anos; os de alto grau apresentam pior prognóstico, sendo que a
maioria dos doentes sucumbe à doença(1).
Os autores apresentam um caso clínico de CMP de alto grau,
com exuberante metastização (pleural, pericárdica, ganglionar e
cerebral), contrastando com o curso da doença relativamente
41
11/04/2016 16:00:04
Guimarães CI, André SA, Correia JM, Matos LC, Nogueira FJ
indolente. A raridade do diagnóstico e os escassos estudos da
literatura mundial condicionam a abordagem terapêutica sistémica destes doentes, constituindo um desafio para a comunidade médica.
RELATO DE CASO
Apresenta-se o caso clínico de uma mulher, de 67 anos, caucasiana, não fumadora, com antecedentes pessoais de epilepsia,
hipertensão arterial e síndrome depressivo, que recorre ao Serviço de Urgência por um quadro de dispneia, tosse irritativa,
toracalgia anterior, direita, e anorexia não seletiva, com 6 meses
de evolução. O exame físico geral era normal, à excepção da
diminuição do murmúrio vesicular nas bases pulmonares. Analiticamente destacava-se: anemia normocítica normocrómica,
D-dímero de 10,4mcg/mL, desidrogenase do lactato (LDH)
245U/L, Proteína C Reativa 1,43mg/dL. A gasometria arterial
apresentava hipoxemia (PaO2 63). A radiografia de tórax (Figu­ra
1) mostrava uma hipotransparência, heterogénea, para-cardíaca direita, com sinal de silhueta com o coração. A tomografia
computorizada (TC) de tórax (Figura 2) mostrava “derrame
pleural bilateral; volumoso derrame pericárdico; espessamento
peribrônquico do brônquio principal direito, do lobo médio e
lobo inferior direito (LID) e obliteração do brônquio do segmento apical do LID; volumosa massa no lobo superior direito,
30mm, com contacto pleural; alguns micronódulos bilaterais;
adenomegalias hilares e mediastínicas; sinais de tromboembolismo pulmonar (TEP) envolvendo artérias segmentares e
subsegmentares do LID. O ecocardiograma transtorácico confirmou a presença de derrame pericárdico tendo sido realizada
pericardiocentese (citologia do líquido pericárdico positivo para
células neoplásicas, correspondentes a metástases de carcinoma).
A doente recusou a realização de broncofibroscopia. Foi realizada biópsia transtorácica da massa pulmonar cuja histologia
foi compatível com um carcinoma mucoepidermóide, de loca­
lização primitiva pulmonar, com pleomorfismos nucleares, mitoses celulares e expressão de CK7, CK5, TTF1 e P63. Dos mar­
cadores tumorais, destaca-se elevação do CEA 66,9ng/mL, CA
125 1550U/mL, CA 19,9 >100,00U/mL e Cyfra-21 4,3ng/mL.
Para estadiamento, a doente realizou TC Cerebral que mostrou
formações nodulares múltiplas compatíveis com depósitos secundários. A doente encontrava-se, então, medicada com varfarina, sob oxigenioterapia a 2L/min, tendo iniciado terapêutica
com dexametasona. Nesta sequência, a doente realizou uma TC
por Emissão de Positrões (PET-TC) que confirmou a evidência
de malignidade da massa torácica e dos gânglios supraclaviculares, mediastínicos e hilares, bilaterais. Foi realizada a pesquisa de
mutações do EGFR (sigla em inglês: epidermal growth factor receptor) que foi negativa. Por apresentar um bom status performance (0/1), iniciou radioterapia (RT) holocraneana e quimioterapia
(QT) com carboplatina e vinorelbina. No total, a doente completou 3 ciclos de QT. Como intercorrências há a destacar anemia,
trombo­citopenia e vómitos, com progressiva intolerância aos
efeitos secundários da QT e deterioração do status performance.
Pelo exposto anteriormente, decidiu realizar-se um reestadiamento no final dos 3 ciclos de QT, de que se destaca: regres42
RBCM 14.1.indb 42
são tumoral mas com elevação de marcadores tumorais - CEA
109ng/mL, CA 125 1770U/mL, CA 19,9 >15000U/mL, CA
15,3 45,2U/mL, NSE 16,8ng/mL, Cyfra-21 3,6ng/mL; TC
Tórax - “diminuição ligeira das dimensões da lesão proliferativa primitiva; sem alterações do envolvimento ganglionar”; TC
Cerebral - “ausência de lesões ocupando espaço”; Ecocardiograma
transtorácico - “pequena lâmina de derrame pericárdico”.
Em face da aparente estabilidade da doença e do status performance da doente, a mesma iniciou QT de manutenção com
vinorelbina oral, com boa tolerância, que mantém até à data.
DISCUSSÃO
O CMP é um tumor com um baixo potencial de malignidade, descrito pela primeira vez por Smetana et al., em 1952(4)
com uma incidência de 0.1% a 0.2% de todos os tumores pulmonares(3,5). Dada a localização predominantemente brônquica,
Figura 1. Radiografia de tórax: hipotransparência para-cardíaca
direita.
Figura 2. Tomografia computorizada de tórax: derrame pleural
bilateral; volumoso derrame pericárdico; massa no LSD, 30mm,
com contacto pleural.
Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):41-4
11/04/2016 16:00:04
Carcinoma Mucoepidermóide do Pulmão
a forma de apresentação habitual da doença correlaciona-se
com a obstrução brônquica e atelectasia, apresentando sintomas como tosse, expectoração, hemoptises, pieira e toracalgia;
opressão torácica e febre associadas a pneumonia obstrutiva(1,3).
O tabagismo não é considerado um fator de risco major(6).
A avaliação radiológica por TC de Tórax apresenta um importante papel no diagnóstico dos CMP; a imagem radiológica
é, habitualmente, uma massa endobrônquica, oval ou lobulada,
com calcificações ocasionais, com ou sem pneumonia ou atelectasia pós-obstrutivas(7,8). A PET-TC com fluorodesoxiglicose
(F-FDG PET-TC) pode ser um método útil para a avaliação
dos doentes com CMP; podendo ter relevância prognóstica ao
predizer a diferenciação histológica do tumor(7,8). Dada a sua
localização, os CMP são frequentemente diagnosticados por
broncofibroscopia(9).
Tanto a disseminação linfática como a hematogénea já foram
descritas na literatura(9). Os locais frequentes de metastização são:
gânglios linfáticos regionais (48%), outras localizações pulmonares (25%), medula óssea (25%), gânglios linfáticos distan­
tes (18%), glândulas supra-renais (14%), cérebro (14%) e pele
(14%)(9). A metastização pleural, renal, pericárdica, mediastínica, gastrointestinal e para o músculo esquelético foi descrita,
mas é pouco frequente(9,10).
Os CMP caracterizam-se pela mistura de células produtoras
de muco, com células epiteliais escamosas, glandulares e células
intermediárias(7). São classificados como de baixo ou alto grau de
acordo com a diferenciação histológica, nomeadamente a atipia
celular, atividade mitótica, invasão local e necrose(5,11). Estes tumores podem também ser classificados em três graus: bem diferenciado, moderadamente diferenciado e pouco diferenciado(12).
Os CMP de baixo grau apresentam, maioritariamente, células secretoras de muco e elementos glandulares, sendo que
os de alto grau consistem em conjuntos de células escamosas
e intermediárias, com escassas populações de células secretoras
de muco(1).
Os CMP de baixo grau distinguem-se dos de alto grau pela
ausência de atipia celular, incluindo pleomorfismos nucleares e
pela ausência de mitoses celulares significativas e necrose celular(1). A invasão microscópica para o parênquima pulmonar e a
metastização ganglionar hilar regional são raras nos tumores de
baixo grau(6). Estes tumores apresentam um curso relativamente benigno, permitindo que a resseção cirúrgica conservadora
seja a opção terapêutica(11,13). O tipo histológico é um indicador prognóstico importante, sendo que os CMP de alto grau
apresentam um risco aumentado de metastização, recorrência
do tumor e morte(1).
Um dos processos iniciais da carcinogénese e metastização
envolve a degradação dos componentes da matriz extracelular
pelas enzimas proteolíticas das células tumorais, das quais as metaloproteinases da matriz (MMPs) são cruciais(11). Está estabelecida uma correlação entre a destruição da membrana basal pelas
MMPs e o potencial metastático das células tumorais(11). Os
CMP de alto grau apresentam expressão de MMPs, o que pode
explicar o seu comportamento mais agressivo e a sua capacidade
de metastizar à distância(1,11). Cerca de 25% dos doentes com
CMP de alto grau apresentam recidiva e sucumbem à doença;
Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):41-4
RBCM 14.1.indb 43
metastizam frequentemente para os gânglios hilares regionais e
cerca de 50% apresentam invasão do parênquima pulmonar(6,11).
Por vezes é difícil distinguir os CMP de alto grau, dos adenocarcinomas(5).
A resseção cirúrgica é a terapêutica de eleição para os doentes
com CMP(1,5,14). Existem várias técnicas cirúrgicas, como: toracotomia com lobectomia, lobectomia com sleeve brônquico,
lobectomia com broncoplastia, segmentectomia, excisão endoscópica, sendo que, atualmente, a abordagem mais frequentemente utilizada é a cirurgia por toracoscopia vídeo-assitida(1,6,15).
O objectivo da cirurgia é obter a resseção completa, com margens cirúrgicas negativas(1).
Os doentes com CMP de baixo grau apresentam um prognóstico favorável, com uma taxa de sobrevida aos 5 anos de cerca
de 95%. Nestes doentes a terapêutica adjuvante não está indicada(3). Em contraste, os doentes com CMP de alto grau apresentam pior prognóstico, não estando estabelecido um tratamento
eficaz para este tipo histológico(1,3). A QT ou a RT adjuvantes
podem ser consideradas em doentes com resseção incompleta ou
doença avançada, mas ainda não há uma forte evidência do seu
papel(13,15). A QT combinada de carboplatina e paclitaxel pode
ser uma opção terapêutica em doentes com CMP em estadio
avançado(16). A sobrevida dos doentes sob tratamento de suporte
é habitualmente muito limitada(14).
A idade avançada, o alto grau histológico e a presença de
metastização ganglionar hilar são fatores associados a pior prognóstico(5). O Estadiamento TNM (sigla em inglês: tumor-node-metastasis) (tumor primário, gânglios regionais, metástases à distância) é um preditor independente de prognóstico dos doentes
com CMP(13,15).
Dada a frequente expressão do EGFR nos carcinomas mucoepidermóides com origem nas glândulas salivares, tem sido
testada a mutação deste gene em doentes com CMP(1). A presença desta mutação abriria portas à introdução de novas terapêuticas, como os inibidores da tirosina cinase do EGFR(1,5,16).
Têm sido descritos na literatura casos de doentes tratados com
gefitinib, com evidência radiológica de resposta parcial pulmonar, regressão de metástases e estabilização da doença pulmonar(1). Novos rearranjos de genes, que podem servir como
potenciais alvos terapêuticos estão em investigação, como a
translocação t (11;19) com aparecimento de um oncogene de
fusão (CRTC1-MAML2)(1).
Os autores apresentam um caso clínico de um CMP de alto
grau, associado a um TEP, com exuberante metastização (pleural,
pericárdica, ganglionar e cerebral), tratado com RT e QT e apresentando um curso de doença relativamente indolente, volvidos
12 meses do diagnóstico. O tratamento sistémico dos doentes
com CMP de alto grau, constitui um desafio para a comunidade
científica, assim como o possível papel da terapêutica dirigida,
de acordo com o perfil molecular do tumor.
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RELATO DE CASO
Pneumonia intersticial aguda (síndrome de Hamman-Rich):
relato de caso e revisão de literatura
Acute intersticial pneumonia (Hamman-Rich syndrome): a case report
and literature review
Fernando Vaz Vieira1, Fabiano Bichuette Custódio1, Antônio Carlos Oliveira Meneses1
Recebido da Universidade Federal do Triangulo Mineiro, Uberaba, MG, Brasil.
RESUMO
A Pneumonia Intersticial Aguda (PIA) é uma rara e fulminante
forma de doença pulmonar difusa descrita por Hamman e Rich
em 1935. Pneumonia Intersticial Aguda é classificada como
Pneumonia Intersticial Idiopática, e é a mais aguda e agressiva em seu curso. Apresenta-se clinicamente de forma similar a
Síndrome da Angústia Respiratória Aguda (SARA), e representa
provavelmente uma parte dos casos de síndrome da Angústia Respiratória Aguda idiopática. O caso relatado é de uma paciente
de 55 anos, portadora de Obesidade e Esquizofrenia, que apresentou Insuficiência Respiratória Aguda e síndrome da Angústia
Respiratória Aguda grave, com piora clínica rápida e evolução
para óbito com menos de 3 dias de internação hospitalar. O
diagnóstico de Pneumonia Intersticial Aguda foi feito na necropsia. O objetivo deste trabalho é fazer uma breve revisão sobre a Pneumonia Intersticial Aguda e relatar um caso clínico
desta doença, que é rara e com pouca descrição na literatura,
devendo ser lembrada como diagnóstico diferencial nos casos de
Síndrome da Angústia Respiratória Aguda.
Descritores: Fibrose pulmonar; Síndrome do desconforto respiratório do adulto; Autópsia; Obesidade; Esquizofrenia; Síndrome;
Humanos; Relatos de casos
ABSTRACT
Acute Interstitial Pneumonia (AIP) is a rare and fulminant
diffuse lung disease described by Hamman and Rich in 1935.
Acute Interstitial Pneumonia is classified as idiopathic interstitial
pneumonia, and is the most aggressive and acute in its course. It
1. Hospital de Clínicas. Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba,
MG, Brasil.
Data de submissão: 24/02/2015 – Data de aceite: 17/03/2015
Conflito de interesse: não há.
Endereço para correspondência:
Fernando Vaz Vieira
Rua Teixeira de Freitas, 252 – Apto. 201 – Abadia
Tel.: (34) 8825-1012
E-mail: [email protected]
© Sociedade Brasileira de Clínica Médica
Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):45-7
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is presented as Adult Respiratory Distress Syndrome (ARDS),
and it is one of the cases of idiopathic as Adult Respiratory
Distress Syndrome. This is a case of a 55 years-old patient, with
obesity and schizophrenia who presented with acute respiratory
insufficiency and severe as Adult Respiratory Distress Syndrome,
with rapid clinical deterioration and progression to death in
less than three days of hospitalization. The diagnosis of Acute
Interstitial Pneumonia was made at necropsy. The objective of
this paper is to briefly review the Acute Interstitial Pneumonia
and to report a case of this disease, which is rare with limited
description in the literature. It should be included as a differential
diagnosis in cases of Adult Respiratory Distress Syndrome.
Keywords: Pulmonary Fibrosis; Respiratory distress syndrome,
adult; Autopsy; Obesity; Schizophrenia; Syndrome; Humans;
Case reports
INTRODUÇÃO
A Pneumonia Intersticial Aguda (PIA) é uma rara e fulminante forma de doença pulmonar difusa descrita por Hamman
e Rich em 1935(1,2). PIA é classificada como Pneumonia Intersticial Idiopática, e é a mais aguda e agressiva em seu curso(1,3).
Apresenta-se clinicamente de forma similar a síndrome da
Angústia Respiratória Aguda, e representa provavelmente uma
parte dos casos de síndrome da Angústia Respiratória Aguda
(SARA) idiopática(4).
Afeta geralmente indivíduos saudáveis, sem história prévia
de doença pulmonar e não é associada ao tabagismo. Não há diferença na incidência dos casos em relação ao gênero. A maioria
dos pacientes possui idade maior que 40 anos(3,5-7).
A PIA apresenta-se com início rápido, período prodrômico
de 7 a 14 dias. Os sintomas incluem febre (75%), tosse seca
(79%), e dispneia (90%)(3,5,6). A maioria dos pacientes apresenta hipoxemia e necessita de suporte ventilatório invasivo após
poucos dias de evolução. Em alguns casos, podem apresentar
sintomas como mialgia, artralgia, calafrios e mal estar.
O exame físico apresenta taquipneia, e crepitações pulmonares difusas. Devem ser procurados sinais que possam ajudar no
diagnóstico diferencial, como o baqueteamento digital, que não
está presente nesses casos, mas é encontrado em outras doenças
pulmonares de curso indolente(3).
A evolução é semelhante aos de outras causas de SARA.
Devendo-se sempre descartar os diagnósticos diferenciais, utilizando os diversos métodos de auxílio diagnóstico.
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Vieira FV, Custódio FB, Meneses AC
Os exames laboratoriais são inespecíficos, sendo comum en­­
contrar leucocitose. A gasometria frequentemente apresenta hipoxemia com a relação PaO2 ∕ FiO2 menor que 200mmHg.
O raio-x de tórax apresenta opacidade alveolar bilateral(3,7)
e a tomografia de tórax de alta resolução mostra áreas em vidro fosco, consolidação dos alvéolos, espessamento dos septos
e bronquiectasias por tração, de forma assimétrica e bilateral(7).
O diagnóstico é dado pelo quadro clínico compatível com
SARA e confirmação histológica de dano alveolar difuso, através
de biópsia transbrônquica, videotoracoscopia ou toracotomia(8).
Devido à gravidade do quadro, não sendo possível a realização
de biópsia, deve ser iniciado o tratamento empírico, quando forem descartadas outras causas mais comuns, através de análise
do material colhido por lavado bronquioalveolar.
Os principais diagnósticos diferenciais são: infecção pulmonar, insuficiência cardíaca, Pneumonia Eosinofílica Aguda,
Pneumonia por Hipersensibilidade e doenças do tecido conjuntivo(9).
O tratamento é baseado no suporte ventilatório e hemodinâmico adequado, pois é frequente a evolução com grave hipoxemia e choque distributivo. O uso de antibiótico deve ser
realizado empiricamente, já que descartar uma causa infecciosa
não é possível, principalmente em vigência de um quadro grave.
O uso de glicocorticoides é controverso, já que os trabalhos
publicados relatam um número de pacientes pequeno e resultados variáveis(3,6). Em geral, é recomendado realizar pulsoterapia
com Metilprednisolona(5).
O prognóstico é ruim, com mortalidade dos pacientes na
primeira internação em torno de 50%, e os que sobrevivem podem recuperar completamente a função pulmonar ou podem
desenvolver uma doença pulmonar intersticial crônica(3,5).
da função hepática, do DHL e as sorologias para vírus foram
negativas.
O caso foi inicialmente conduzido como sepse grave de foco
pulmonar por provável pneumonia da comunidade, sendo administrados empiricamente Ceftriaxona e Clindamicina.
Permaneceu sedada, em ventilação mecânica, sempre à custa
de altos parâmetros (FiO2 de 100% e PEEP (em inglês: positive
end-expiratory pressure) acima de 14cmH2O), mantendo critérios
gasométricos compatíveis com SARA grave (Tabela 1).
Nas primeiras 48 horas de internação, a paciente apresentou
piora progressiva do quadro, com manutenção de platô febril e
necessidade de iniciar drogas vasoativas. Foi optado por ampliação do esquema de antibiótico para Imipeném e Vancomicina.
Solicitados lavado bronquioalveolar e tomografia computadorizada de tórax. Contudo, a paciente evoluiu com choque refratário e instabilidade clínica, impossibilitando a realização dos
exames acima citados. Apresentou parada cardiorrespiratória em
assistolia, sem reversão. Óbito 60 horas após a internação.
Para elucidação diagnóstica foi solicitada necropsia. O exame macroscópico evidenciou aumento do peso e da consistência
pulmonar. Na avaliação microscópica, foi detectado espessamento generalizado das paredes alveolares, com intenso espessamento do epitélio dos alvéolos. Muito frequentemente os alvéolos estavam obliterados por tecido conjuntivo frouxo e estavam
limitados por membrana hialina (Figura 2).
RELATO DO CASO
Paciente de 55 anos, parda, procedente de Frutal-MG. Portadora de obesidade, com diagnóstico prévio de esquizofrenia,
e fazia uso de Levomepromazina. Não havia antecedentes de
pneumopatias ou de infecções de vias aéreas recentes. Sem histórico de etilismo, tabagismo ou uso de drogas.
Apresentava quadro de tosse seca há um mês da internação,
com piora há 2 dias, com surgimento de febre alta (39-40ºC)
e dispneia.
Procurou atendimento na cidade de origem em franca insuficiência respiratória, sendo necessária intubação oro-traqueal
imediata e ventilação mecânica, sendo então transferida ao
Hospital de Clínicas da UFTM.
Ao exame físico inicial foram observados à ausculta pulmonar estertores crepitantes difusos, mais intensos em base pulmonar direita. Apresentava ainda, taquicardia (frequência cardíaca
entre 140-160bpm) e febre (39ºC). A pressão arterial estava
normal, sem necessidade de drogas vasoativas.
Ao raio-x de tórax, foi evidenciada opacidade interstício-alveo­
lar heterogênea bilateral (Figura 1).
Os exames de sangue mostraram discreta leucocitose (sem
desvio à esquerda), e elevação de PCR (em inglês: Polymerase chain
reaction). Não havia alterações de função renal, de eletrólitos,
46
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Figura 1. Raio-X tórax (incidência AP) evidenciando opacidade
interstício-alveolar heterogênea bilateral.
Tabela 1. Gasometrias Arteriais durante a internação hospitalar
Gasometria arterial
1o dia
2o dia
3o dia
Ph
7,41
7,33
7,3
pCO2
47,1
53,9
47,1
pO2
60,9
81
104,8
HCO3
29,4
28,4
22,9
BE
3,9
1,4
-3,7
rel PaO2/FiO2
60,9
81
104,8
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Pneumonia intersticial aguda (síndrome de Hamman-Rich)
Figura 2. Pneumonia intersticial aguda. Esta imagem mostra
espessamento generalizado das paredes alveolares, com intenso
espessamento do epitélio dos alvéolos. Muito frequentemente os
alvéolos estão obliterados por tecido conjuntivo frouxo e estão
limitados por membrana hialina. (Hematoxilina e Eosina; aumento x40).
Ocasionalmente encontrou-se depósito de fibrina na superfície pleural visceral. Não foram encontrados corpos estranhos
pesquisados com luz polarizada. Além disso, não foram detectados bactérias, micobactérias, fungos, e inclusões de adenovírus,
vírus herpes simples, e citomegalovírus.
Estes achados tornaram a hipótese de Pneumonia Intersticial
Aguda a mais provável. Este é diagnóstico de exclusão para o
quadro clínico de SARA e para os achados histológicos de Dano
Alveolar Difuso.
DISCUSSÃO
O caso relatado é compatível com Pneumonia Intersticial
Aguda (Síndrome de Hamman-Rich), diagnóstico de exclusão
frente às possibilidades de SARA, sendo confirmado apenas em
exame histológico.
A apresentação clínica do caso foi de SARA grave, com rápida evolução para o óbito, sendo o diagnóstico confirmado através da necropsia.
A aparência histopatológica da PIA é de Dano Alveolar
Difuso (DAD)(3). Geralmente a fase exsudativa do DAD não é
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encontrada, sendo a fase proliferativa em organização o achado
mais frequente, como descrito abaixo(3,4,8):
• Espessamento dos septos alveolares por edema intersticial,
infiltração de células inflamatórias, proliferação de fibroblastos (no interstício e espaço aéreos), e hiperplasia dos
pneumócitos tipo 2;
• Colapso e aposição de septo alveolar adjacente;
• Membranas hialinas em áreas focais ao longo dos septos
alveolares;
• Trombos em pequenas artérias.
Outra importante característica da PIA é a uniformidade
temporal das lesões, sugerindo que um episódio agudo possa
ser o responsável pelo desencadeamento de todo o processo
inflamatório.
Portanto, concluímos que o diagnóstico de PIA deve ser
lembrado em todos os casos de SARA grave de etiologia indeterminada, apesar do prognóstico sombrio com alta mortalidade e
pouca efetividade terapêutica.
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RELATO DE CASO
Doença coronariana obstrutiva grave em um adulto jovem
com neurofibromatose tipo 1. Existe alguma conexão?
Severe obstructive coronary artery disease in a young adult with
neurofibromatosis type 1. Is there any connection?
Mauro de Deus Passos1,2,5, Gustavo Carvalho3, Karen Anelize Toso Passos4,5, Isabella Godoy Gomes6
Recebido da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília.
RESUMO
Paciente de 37 anos, portador de neurofibromatose tipo 1 que se
apresentou com quadro de dor torácica típica. Exceto pelo sexo
mas­culino, não apresentava outros fatores de risco pessoais ou
familiares para doença arterial coronária. Com o eletrocardiograma de repouso normal e um ecocardiograma transtorácico
mostrando apenas hipertrofia ventricular esquerda de grau discreto, realizou teste de esforço que foi fortemente positivo para
doença arterial coronariana. Com esse resultado e considerando
a baixa faixa etária e a escassez de fatores de risco, o paciente foi
encaminhado para a ecocardiografia com estresse farmacológico, que deflagrou dor torácica típica e alterações segmentares da
contratilidade com baixas doses de dobutamina. Encaminhado
para a cineangiocoronografia, detectou-se lesão mulitvascular
grave, com indicação para tratamento cirúrgico (revascularização do miocárdio). Questiona-se, após breve revisão da literatura, eventual associação entre a presença e gravidade da doença
arterial coronariana e a neurofibromatose tipo 1.
Descritores: Neurofibromatose tipo 1; Doença da artéria coronariana; Dor no peito
ABSTRACT
Male patient, 37 years old, affected by neurofibromatosis type 1
who presented with typical chest pain. Except for being male, he
had no other risk factors, personal or family history of coronary
1. Hospital Universitário de Brasília, Brasília, DF, Brasil.
2. Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (FMUnB), Brasília, DF,
Brasil.
3. Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil.
4. Hospital Regional de Sobradinho, Sobradinho, DF, Brasil.
5. DIAGNOSIS – Diagnóstico por Imagem, Formosa, GO, Brasil.
6. Faculdade Atenas, Paracatu, MG, Brasil.
Data de submissão: 10/08/2015 – Data de aceite: 13/08/2015
Conflito de interesses: não há.
Fontes de financiamento: não há.
Endereço para correspondência:
DIAGNOSIS – Diagnóstico por Imagem
Avenida Brasília, 1.100, Sala 105 − Formosinha
73813-010 – Formosa, GO, Brasil
E-mail: [email protected]
© Sociedade Brasileira de Clínica Médica
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artery disease. With normal resting electrocardiography and a
transthoracic echocardiogram showing mild left ventricular
hypertrophy, we performed stress test, which was strongly
positive for coronary artery disease. With this result and
considering the young age and lack of risk factors, the patient
was referred for pharmacologic stress echocardiography, which
triggered typical chest pain and electrocardiographic changes
with low doses of dobutamine. The patient was referred
to cineangiocoronariography, which showed mulitvascular
serious injury, with an indication for surgery (myocardial
revascularization). After a brief literature review, we wonder if
there is a possible association between the presence and severity
of coronary artery disease and neurofibromatosis type 1.
Keywords: Neurofibromatosis 1; Coronary artery disease; Chest
pain
RELATO DO CASO
Paciente, 37 anos, sexo masculino, admitido para investigação de precordialgia. Referia que a dor torácica iniciara há
aproximadamente seis meses e era de característica típica. Referia ser portador de neurofibromatose tipo 1 (NF1). Negava
antecedentes de hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus
e tabagismo. Não apresentava histórico familiar de doença arterial coronariana, doença cerebrovascular, morte súbita ou NF1.
Apresentava índice de massa corporal na faixa normal. No exame físico, apresentava neurofibromas faciais, com distribuição
predominantemente periorbital bilateralmente (Figura 1). O
eletrocardiograma de repouso era normal. No ecocardiograma
transtorácico, o ventrículo esquerdo apresentava-se discretamente hipertrófico, porém com função contrátil global e segmentar preservada. Realizou teste de esforço, que foi fortemente
positivo para isquemia miocárdica induzida pelo esforço físico
(dor torácica típica com alteração eletrocardiográfica). Submetido à cineangiocoronariografia (Figura 2), que mostrou: (1)
circulação coronária: tipo coronária direita (CD) dominante;
(2) CD: apresentando irregularidades parietais difusas e lesão
segmentar de 90% no terço médio, além de ramo descendente
posterior de fino calibre, com lesão segmentar de 95% no terço
médio; (3) coronária esquerda: tronco com lesão de 60% no
terço médio; descendente anterior (DA) apresentando irregularidades parietais difusas e lesão segmentar de 90% nos terços
proximal e médio; diagonalis com irregularidades parietais difusas; circunflexa apresentando irregularidades parietais difusas
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Doença coronariana obstrutiva grave em um adulto jovem com neurofibromatose tipo 1. Existe alguma conexão?
Figura 1. Neurofibromas faciais.
A
B
C
D
Figura 2. Cineangicoronariografia. (A) Angiografia da coronária esquerda na projeção oblíqua anterior direita axial caudal, evidenciando tronco com lesão grave no terço distal. Ramo circunflexo com lesão grave no terço proximal e fino ramo marginal com lesão
proximal. Ramo descendente anterior com lesão grave extensa no terço proximal e médio, envolvendo a origem e o terço proximal do
primeiro ramo diagonal. (B) Angiografia da coronária esquerda na projeção oblíqua anterior direita axial cranial, evidenciando tronco
com lesão grave no terço distal. Ramo descendente anterior com lesão grave extensa no terço proximal e médio, envolvendo a origem
e o terço proximal do primeiro ramo diagonal. (C) Angiografia da coronária esquerda na projeção oblíqua anterior esquerda axial caudal, evidenciando tronco bifurcado com lesão grave no terço distal. Ramo circunflexo com lesão grave no terço proximal e fino ramo
marginal com lesão proximal. Ramo descendente anterior com lesão grave extensa no terço proximal; e (D) Angiografia da coronária
direita na projeção oblíqua anterior direita, dominante, demonstrando lesão grave no terço proximal.
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Passos MD, Carvalho G, Passos KA, Gomes IG
e lesão de 70% no terço proximal; segundo ramo marginal de
fino calibre, com lesão de 99% no terço proximal. Foi encaminhado para cirurgia de revascularização do miocárdio, com a
realização de anastomose da artéria torácica interna esquerda
(mamária) para a DA e “ponte de safena” para a CD e primeira
marginal esquerda.
DISCUSSÃO
Trata-se de um paciente jovem portador de NF1, sem ante­
cedentes pessoais de hipertensão arterial sistêmica, diabetes
mellitus, obesidade, tabagismo e, ainda, sem histórico familiar
de coronariopatia, que se apresentou em no Serviço de Cardiologia com quadro de torácica típica. A investigação pré-cateterismo foi fortemente sugestiva de DAC, A cineangiocornariografia
mostrou lesões coronárias obstrutivas graves, que foram tratadas
por meio de revascularização cirúrgica do miocárdio.
A NF-1, também conhecida como doença de Von Recklinghausen, é uma condição autossômica dominante causada por
mutação do gene NF-1, que está localizado no lócus gênico
17q11.2. O gene NF1 sintetiza uma proteína denominada
neurofibromina, que atua como um supressor tumoral. A NF1
representa 95% dos casos de neurofibromatose, com uma prevalência de um para cada cinco mil nascidos, sendo considerada uma das doenças hereditárias mais comuns(1). Estima-se que
50% dos casos de NF1 resultem de mutação de novo. Apresenta
expressividade variável, entre diferentes famílias, entre diferentes
indivíduos de uma mesma família e entre diferentes segmentos
corporais de um mesmo indivíduo. Os achados clínicos mais comuns são as “manchas café com leite”, os neurofibromas cutâneos
e os nódulos de Lisch da íris.
As manifestações cardiovasculares da NF1 incluem hipertensão arterial sistêmica, cardiomiopatia hipertrófica, várias cardiopatias congênitas, alterações vasculares e arritmias. A NF1
parece estar associada com várias malformações do sistema
cardiovascular(2). No entanto, em pacientes adultos com NF1,
o envolvimento cardíaco é raro. Parece existir uma correlação
entre a NF1 e a cardiomiopatia hipertrófica(3,4). As alterações
coronárias são pouco encontradas. A hipertensão pode ser um
fenômeno isolado, ou ocorrer devido à estenose da artéria renal,
coarctação da aorta e, menos frequentemente, por feocromocitoma. Vários casos de doença cardíaca congênita foram associados com a NF1. Na casuística de Neiman et al., usando como
método diagnóstico a cateterização cardíaca, foram encontradas evidências de cardiopatia congênita em 6 (7,7%) de 78 pacientes, sendo a estenose valvar pulmonar a lesão mais frequente
(2,6%).(5) A estenose pulmonar, valvar ou dos ramos arteriais
parece ser a lesão congênita mais associada com a NF1(6). Tedesco et al., usando a ecocardiografia transtorácica, encontrou
anormalidades cardíacas em 13 de 48 pacientes jovens com
NF1, com a comunicação interatrial do tipo ostium secundun
encontrada em dois pacientes(4). Nessa mesma casuística, estenose do ramo esquerdo da artéria pulmonar foi observada em
apenas um paciente e outras estenoses envolvendo a via de saí­
da do ventrículo direito não foram observadas(4). Em resumo,
não é consenso que a NF1 esteja associada com um aumento
de risco para a ocorrên­cia de defeitos cardíacos congênitos ou
50
RBCM 14.1.indb 50
que esteja relacionada a um tipo particular de malformação. A
adição do Doppler Tecidual na avaliação ecocardiográfica básica
permitiu observar, nos indivíduos com NF1, alterações morfológicas e funcionais ainda mais precoces, que incluíam aumento
das dimensões do átrio esquerdo, prolongamento dos tempos
de desaceleração e de relaxamento isovolumétrico, entre os outros parâmetros(7). Além dos defeitos cardíacos congênitos e da
cardiomiopatia hipertrófica, tumores cardíacos e lesões coronárias têm sido descritas em associação com a NF1. As alterações
vasculares incluem aneurismas das artérias coronárias e da aorta
abdominal e a doença arterial coronariana (formação de fibromas intravasculares). Vários casos de pacientes jovens com NF1
e aneurismas coronários, que evoluíram com infarto do miocárdio ou morte súbita, já foram descritos(8,9).
Estima-se que 13,2 milhões de norte-americanos apresentam
DAC, 6,5 milhões dos quais têm angina pectoris e 7,2 milhões
tiveram um infarto do miocárdio(10). Com base no Framinghan
Heart Study, o risco durante toda a vida de desenvolvimento de
uma DAC sintomática após a idade de 40 anos é de 49% para
os homens e 32% para as mulheres(11). Apesar de seu elevado
risco de ocorrência e prevalência, dados do Center for Disease
Control and Prevention (CDC) mostraram que sua incidência
na população norte-americana, no período de 2006 a 2010,
sofreu um declínio global de 6,7 para 6,0%, justificado pelos
programas de prevenção(12). Trata-se de uma doença que afeta
predominantemente os indivíduos mais velhos, sendo baixa sua
incidência em indivíduos jovens. Estudos têm demonstrado que
somente 3% de todos os casos de DAC e de 2 a 6% de todos os
casos de infarto ocorrem em indivíduos menos de 45 anos(13).
A literatura brasileira sobre prevalência e incidência de DAC,
principalmente em indivíduos jovens, é pobre, restringindo-se,
na ampla maioria das vezes, aos dados de internação e aos procedimentos do Sistema Única de Saúde (SUS). Na população
de Pelotas (RS), Alves et al. encontraram prevalência de angina
entre os 1.680 indivíduos estudados, todos acima dos 40 anos
de idade, de 8,2%(14). É mais comumente causada por uma
placa ateromatosa, mas a DAC obstrutiva também possui muitas outras causas não ateroscleróticas, como as anomalias congênita da coronária, a ponte miocárdica, a arterite coronariana
associada às vasculites sistêmica e a doença coronariana induzida
pela radiação(11).
Questiona-se, no presente, relato, se a NF1 poderia também
ser causa de DAC obstrutiva. A demonstração da ausência de
placas ateromatosas como causa das obstruções poderia reforçar
essa hipótese. O ultrassom intracononariano, ao permitir o estudo in vivo da parede vascular, dos componentes da placa aterosclerótica, das mudanças quantitativas e qualitativas que ocorrem
no ateroma em várias circunstâncias poderia contribuir na sua
definição diagnóstica(15).
Após o exposto, parece apenas provável a hipótese de que
NF1 tenha contribuído para o desenvolvimento da doença arte­
rial coronária no paciente em estudo. No entanto, a gravidade com que a DAC se expressou no mesmo justifica investigar
eventuais sinais e sintomas cardiovasculares nos portadores de
NF1 com maior detalhamento.
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Doença coronariana obstrutiva grave em um adulto jovem com neurofibromatose tipo 1. Existe alguma conexão?
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ARTIGO DE REVISÃO
Estado nutricional e qualidade de vida em idosos
Nutritional status and quality of life in elderly
Cássia de Almeida Merlo Sarzedo Garcia1, Maria Clara Moretto1, Maria Elena Guariento1
Recebido da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil.
RESUMO
OBJETIVO: Realizar uma revisão referente à relação entre estado nutricional e qualidade de vida em idosos. MÉTODOS:
Procedeu-se a uma busca dos principais termos que definissem
estado nutricional e qualidade de vida no envelhecimento, passando-se, a seguir, a apresentar estudos recentes que relacionavam tais variáveis. Para tanto, realizou-se uma revisão da literatura científica em livros-textos, dissertações, páginas da internet
e artigos, nas bases de dados PubMed, SciELO e Lilacs. Foram
incluídos trabalhos originais ou de revisão, em português, inglês
e espanhol, publicados no período de 1990 a 2014. RESULTADOS: Instrumentos genéricos desenvolvidos para a avaliação
da qualidade de vida foram frequentemente utilizados para o
planejamento e avaliação em saúde. Estados nutricionais alterados (desnutrição e obesidade) contribuíram para maior morbimortalidade, redução da funcionalidade e da qualidade de vida,
ao longo da vida e durante o processo de envelhecimento, além
de serem condições que interferiram na forma como o indivíduo avaliava sua saúde e seu bem-estar subjetivo. Conclusão:
A literatura evidenciou associações entre desnutrição, obesidade
e pior qualidade de vida em amostras de idosos de diversas localidades.
Descritores: Idoso; Estado nutricional; Obesidade; Desnutrição;
Qualidade de vida
ABSTRACT
OBJECTIVE: To conduct a review on the relationship between
nutritional status and quality of life in elderly. METHODS:
A search for key terms defining nutritional status and quality
1. Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil.
Data de submissão: 11/01/2016 – Data de aceite: 13/01/2016
Conflito de interesses: não há.
Fontes de financiamento: não há.
Endereço para correspondência:
Cássia de Almeida Merlo Sarzedo Garcia
Rua Tessália Vieira de Camargo, 126
Cidade Universitária Zeferino Vaz
CEP:13083-887 – Campinas, SP, Brasil
Tel.: (19) 98147-2841 – E-mail: [email protected];
© Sociedade Brasileira de Clínica Médica
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of life in aging was carried out. Then recent studies linking
these variables were presented. The research of the scientific
literature was based on textbooks, dissertations, web pages and
papers published on PubMed, SciELO and Lilacs databases.
Portuguese, English or Spanish original articles and reviews,
published from 1990 to 2014, were included. RESULTS:
Generic instruments developed for quality of life’s assessment
were often used for planning and evaluation in health. Altered
nutritional status (malnutrition and obesity) contributed to
increased morbidity and mortality, to reduction of functioning
and quality of life during lifetime and aging process, and
were conditions that interfered in how individuals assessed
their health and subjective well-being. CONCLUSION: The
literature has shown associations between malnutrition, obesity
and poor quality of life in older samples from different locations.
Keywords: Aged; Nutritional status; Obesity; Malnutrition;
Quality of life
INTRODUÇÃO
O envelhecimento populacional tem se caracterizado pela
transição demográfica. Tal processo também é acompanhado
por mudanças no perfil nutricional e epidemiológico da popu­
lação, devido, em grande parte, a modificações no padrão alimentar, ocorrendo aumento das prevalências de sobrepeso e
obesidade,(1) bem como das taxas de morbidade e mortalidade,
associadas às doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) e de
suas complicações, que geram incapacidades e dependência.(2,3)
Diante desse contexto, o objetivo dos gestores das áreas sociais e de saúde deixou de ser apenas prolongar a vida, mas
também buscar estratégias que possibilitem um envelhecimento mais saudável e ativo, caracterizado pela interação multidimensional entre saúde física e mental, independência nas
atividades de vida diária, integração social, suporte familiar e
independência econômica,(4) além de melhor qualidade de vida
e satisfação pessoal.(5)
A alimentação e o estado nutricional são aspectos que refletem
parte das condições de saúde do indivíduo, associando-se à promoção da saúde, além de prevenção e reabilitação de agravos.(1)
Por isso, sua avaliação é fundamental na identificação da satisfação e no bem-estar do idoso.
A relação entre qualidade de vida e saúde passou a ser, hoje,
de grande importância(6) e, em vista disto, a literatura tem evidenciado associações entre pior qualidade de vida e desnutrição
e obesidade em amostras idosas de diversas localidades.
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Estado nutricional e qualidade de vida em idosos
OBJETIVO
Proceder a uma revisão sobre a relação entre estado nutricional e qualidade de vida em idosos.
MÉTODOS
Procedeu-se a uma busca dos principais termos que definissem estado nutricional e qualidade de vida no envelhecimento,
passando-se, a seguir, a apresentar estudos recentes que relacionavam tais variáveis. Para tanto, realizou-se uma revisão da literatura científica em livros-textos, dissertações, páginas da internet
e artigos utilizando-se as bases de dados PubMed, Scientific
Electronic Library Online (SciELO) e LILACS. Foram incluídos
trabalhos originais ou de revisão, em português, inglês e espanhol, publicados no período de 1990 a 2014.
Estado nutricional e envelhecimento
As alterações fisiológicas do envelhecimento relacionadas à
composição corporal e à ingestão alimentar devem ser consideradas. Os idosos apresentam diminuição progressiva da altura
(1 a 2cm/década); aumento do peso e do índice de massa corporal (IMC) até os 65 a 70 anos, com redução progressiva após
essa faixa etária; alterações da composição corporal, com redistribuição da gordura corporal (redução em regiões periféricas
e aumento no interior do abdômen), e diminuição da massa
magra e da água corporal, refletindo em redução da taxa de metabolismo basal, além de alterações no sistema digestivo e na
percepção sensorial, que incluem menor palatabilidade e menor
sensibilidade à sede.(7)
Outros aspectos, somados aos fatores já citados, contribuem
para um maior risco de distúrbios nutricionais em idosos: presença de doenças crônicas e de multimorbidades, polifarmácia,
comprometimento da ingestão alimentar (dificuldades de mas­
ti­gação, digestão, disfagia e xerostomia), depressão, alterações
da mobilidade com dependência funcional e comprometimento
da capacidade cognitiva, além da interferência de fatores sociais,
culturais e econômicos.(7,8)
O estado nutricional, importante elemento entre os determi­
nantes de saúde e doença, pode ser avaliado por métodos objetivos e subjetivos, dentre os quais a antropometria, a bioimpedância, os testes bioquímicos, o exame clínico e a avaliação da
ingestão alimentar.(9) O uso e a interpretação desses parâmetros
apresentam limitações em idosos, sendo importante realizar a
avaliação nutricional por meio da associação de vários indicadores,
utilizando-se critérios de diagnóstico e valores de referência específicos para essa faixa etária, quando existirem.(10)
Para a população idosa, foi desenvolvida uma avaliação específica, a Miniavaliação Nutricional (MAN), que é reconhecida
como ferramenta completa de triagem nutricional de idosos, considerada apropriada para aplicação em diversos ambientes, como
hospitais, instituições de longa permanência e comunidade.(11,12)
Quanto ao IMC, os valores de corte estabelecidos para a população idosa consideram as propostas sugeridas pela Organização
Mundial da Saúde (OMS),(13) estabelecidas por Lipschitz,(14) e as
definidas pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).(15)
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As duas últimas sugerem valores de corte mais elevados, considerando as alterações na composição corporal e a ingestão alimentar dos idosos, que refletem maiores riscos para desnutrição.
Estados nutricionais alterados contribuem para maior morbimortalidade, redução da funcionalidade e da qualidade de vida,
ao longo da vida e durante o processo de envelhecimento.(16-18)
Destacam-se entre idosos, em decorrência das alterações fisiológicas, elevadas prevalências de desnutrição, mas, por outro lado,
há também crescentes proporções de sobrepeso e obesidade,(1)
condições que interferem na forma como o indivíduo avalia sua
saúde e seu bem-estar subjetivo.(18-20)
Paz et al., observaram frequência de 37,5% de desnutrição
(classificação do IMC de Lipschitz) em avaliação realizada pela
MAN, em idosos residentes em uma instituição de longa permanência.(21) Em outra investigação, 58,8% dos idosos institucionalizados apresentaram baixo peso pelo IMC, com maior proporção de risco para dependência funcional. Pela MAN, 41,6% deles
apresentaram risco nutricional e 26,2% eram desnutridos.(22)
O estudo FIBRA (Fragilidade em Idosos Brasileiros), que
avaliou 3.075 idosos (com 65 anos ou mais), residentes de comunidades de sete cidades brasileiras, evidenciou proporções de
18% dos participantes com baixo peso, 14,8% com sobrepeso
e 24% de obesos (IMC classificado pelo critério OPAS).(23) No
estudo Saúde, Bem-estar e Envelhecimento (SABE) (n=1.773),
que utilizou os mesmos valores de referência do IMC, as frequên­
cias de baixo peso, sobrepeso e obesidade em idosos com 60
anos ou mais, foram de 24,1, 12,1 e 20,8%, respectivamente.(24)
Em investigação realizada com dados do Estudo Nacional de
Despesa Familiar (1974-1975), da Pesquisa Nacional sobre Saúde
e Nutrição (1989) e das Pesquisas de Orçamento Familiar de
2002-2003 e 2008-2009, observou-se que a prevalência de déficit de peso no Brasil declinou ao longo dos quatro inquéritos,
apesar de a desnutrição ainda prevalecer em estratos de menor
renda, principalmente entre as mulheres. Enquanto isso, os índices de sobrepeso e obesidade de adultos e idosos apresentaram
aumento, com maiores prevalências em classes intermediárias de
renda. O de peso tendeu a aumentar a partir dos 65 anos, porém
não ultrapassou 2 a 3% em todas as regiões do país.(25)
Qualidade de vida em idosos
A qualidade de vida é um conceito complexo, cuja definição
ainda não é consensual.(26) Por outro lado, teorias biomédicas
e psicossociais do envelhecimento bem-sucedido embasaram os
primeiros conceitos de qualidade de vida na velhice.
Lawton, um renomado estudioso sobre o tema, definiu qualidade de vida no idoso como uma avaliação multidimensional,
referenciada por critérios intrapessoais e socionormativos,(27)
destacando-se como importante indicador de saúde.(28)
Previamente, a mensuração da saúde era realizada exclusivamente por parâmetros objetivos. No entanto, observando-se
como os aspectos subjetivos da saúde influenciavam nos indivíduos, passou-se a valorizar a percepção subjetiva de saúde e,
assim, surgiu o conceito de qualidade de vida, com suas diferentes definições e utilizações.(29)
O construto qualidade de vida pode interferir de maneira
positiva nas práticas assistenciais e na concepção do processo
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Garcia CA, Moretto MC, Guariento ME
saúde-doença, com mudanças nos modelos de atendimento
estritamente biomédicos.(6)
Os instrumentos genéricos desenvolvidos para a avaliação
da qualidade de vida são frequentemente utilizados para o planejamento e a avaliação em saúde, e referem-se à qualidade de
vida geral. Dentre eles, destacam-se: World Health Organization
Quality of Life Assessment (WHOQoL-100, incluindo também a
versão abreviada WHOQoL-BREF, além da versão para idosos
WHOQoL-OLD); Medical Outcome Study Health Survey (SF-36,
e a versão abreviada SF-12); o EuroQol (EQ-5D); e o Sickness
Impact Profile (SIP) (30-34).
Estudos quantitativos realizados em diferentes populações,
utilizando os instrumentos SF-36(35) e EQ-5D, constataram que
os principais fatores que influenciam de forma negativa na percepção sobre qualidade de vida em idosos foram: idade superior
a 80 anos,(36) sexo feminino,(35,36) baixo nível de escolaridade,(35)
insatisfação com a situação econômica, problemas de saúde e
sintomas depressivos.(37)
Quanto aos aspectos que influenciam positivamente na qualidade e na satisfação de vida na velhice, destacam-se: sensação
de conforto e bem-estar;(5) saúde;(5,37-39) independência;(5,37) equilíbrio emocional;(38) sentimentos positivos;(39) relações interpessoais(37-39) e com a família;(37) recursos financeiros(37,39) e posse de
outros bens materiais.(38)
Um estudo que utilizou o WHOQoL-BREF evidenciou
que o domínio físico apresentou-se como o mais significativo
na avaliação da qualidade de vida global de idosos, seguido dos
domínios ambiental e psicológico. Tais dados demonstram a in­
fluência do domínio físico e o consequente impacto da capacidade funcional para o bem-estar subjetivo desse grupo etário.(40)
Estado nutricional e qualidade de vida em idosos
A literatura tem evidenciado associações entre qualidade de
vida (avaliada usualmente por instrumentos genéricos) e estados
nutricionais correspondentes à desnutrição(18,41-43) e à obesidade
em idosos,(44-46) embora investigações que relacionam tais variá­
veis sejam ainda escassas − particularmente nesse grupo etário.(18,47)
Uma revisão sistemática recente demonstrou que idosos
desnutridos apresentaram maior chance de uma qualidade de
vida ruim (odds ratio − OR: 2,85; intervalo de confiança de
95% − IC95%: 2,20-3,70; p<0,001). Os autores observaram
também que, ao considerar o efeito do suporte nutricional em
investigações de intervenção, registrou-se melhora significativa
na qualidade de vida desses indivíduos, tanto em aspectos físicos
como mentais.(18)
Em outro estudo, realizado com 20 idosos espanhóis nona­
genários não institucionalizados, avaliou-se a relação entre estado
nutricional e qualidade de vida utilizando-se a MAN, o recordatório de ingestão alimentar de 24 horas e o EQ-5D. O risco para
a desnutrição foi verificado em 40% da amostra, e tal condição nutricional associou-se à pior qualidade de vida (p=0,012).
Além disso, o aumento da ingestão de energia e nutrientes asso­
ciou-se ao aumento dos escores em todas as dimensões, com
exceção da mobilidade, que foi o domínio mais prejudicado na
maioria dos idosos (80%).(43)
54
RBCM 14.1.indb 54
Kostka et al., em investigação realizada com idosos poloneses
de comunidades urbanas (n=1.003), rurais (n=890) e institucio­
nalizados (n=879), utilizaram a MAN e a circunferência da
panturrilha (CP) para avaliação nutricional, e o EQ-5D, além
da escala visual analógica VAS (sigla do inglês Visual Analogue
Scale), referente ao mesmo instrumento, para avaliação da qualidade de vida. Por meio da escala VAS, os indivíduos avaliam
seu estado geral de saúde, considerando-se uma pontuação que
varia de zero (pior imaginável) a 100 (melhor imaginável). As
frequências de mobilidade, atividade habitual, dor/desconforto e
ansiedade/depressão foram mais elevadas, e o VAS, mais baixo,
conforme o aumento do IMC e da CP entre os idosos de comunidades urbanas e rurais. Por outro lado, nos institucionalizados,
os problemas relacionados aos cuidados próprios e a atividades
cotidianas foram maiores, e a pontuação da VAS, mais baixa, com
valores menores para as medidas antropométricas. Quanto à avaliação feita pela MAN, os três grupos apresentaram associações
similares: elevados valores da MAN, indicativos de melhor estado
nutricional, foram associados à melhor qualidade de vida.(47)
Keller et al., evidenciaram que o risco nutricional é um preditor independente de pior qualidade de vida em idosos canadenses.(41) De forma similar, idosos noruegueses (65 a 87 anos)
em risco para desnutrição e com menores valores de IMC, apresentaram pior pontuação no EQ-5D. Além disso, os indivíduos
com IMC entre 25,0 e 27,5kg/m2 foram os que apresentaram
melhor qualidade de vida.(42)
De acordo com estudo brasileiro realizado com dados do
sistema Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para as Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL), referentes a
54.213 indivíduos adultos e idosos, a saúde autoavaliada como
ruim foi mais prevalente entre as mulheres, em indivíduos mais
velhos, naqueles com menor nível de escolaridade, sem atividade ocupacional e naqueles que residiam nas Regiões Norte e
Nordeste do país. Além disso, em análise ajustada para variáveis
sociodemográficas e de saúde, o baixo peso e a obesidade estiveram entre os fatores associados à pior autoavaliação de saúde,
tanto para homens como para mulheres.(19)
Em amostra de alemães (idade média de 61 anos), verificou-se
que a medida do IMC foi inversamente relacionada com os
escores dos domínios físico e mental do instrumento genérico
para avaliação de qualidade de vida SF-12. Durante um período
de seguimento, a pior qualidade de vida desses indivíduos manteve-se associada ao aumento do IMC, quanto ao aspecto físico
em mulheres e obesos, enquanto que o domínio mental apresentou associação direta com o parâmetro antropométrico.(44)
So et al., avaliaram a relação entre adiposidade abdominal,
indicada pela circunferência da cintura (CC) e qualidade de
vida (EQ-5D) em idosos coreanos (n=4.122; 65 a 74 anos).(45)
Observaram, assim, que o aumento da CC piorou a mobilidade
e que a presença de comorbidades associadas à obesidade abdominal piorou a qualidade de vida, somente no sexo feminino.
Rouch et al., também demonstraram, em amostra de 1.011 idosos, associação entre a obesidade abdominal e satisfação com
a vida percebida (OR: 1,9; p=0,02), somente em mulheres.(20)
Em amostra de 3.184 chineses, entre 18 a 80 anos, a adipo­
sidade abdominal, avaliada pela CC e pela relação cintura-quaRev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):52-6
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Estado nutricional e qualidade de vida em idosos
dril, foi associada à pior qualidade de vida (com base no instrumento SF-36), particularmente referente ao componente físico,
principalmente nas mulheres.(46)
CONCLUSÃO
Os estudos aqui citados parecem concordar com o fato de
que tanto o baixo peso (e o risco para a desnutrição) como a
obesidade (destacando-se a adiposidade abdominal) apresentam associação com pior qualidade e satisfação com a vida em
amostras de idosos de diversas localidades. Já é estabelecido, pela
literatura, que tais condições nutricionais apresentam forte relação com morbidades e outros desfechos negativos em saúde,
fatores que podem afetar diretamente a qualidade de vida dos
indivíduos.
No entanto, observa-se que, diante da diversidade de escalas utilizadas para a avaliação da qualidade de vida em saúde, a
maioria delas não inclui itens relativos aos aspectos nutricionais,
sendo recomendada a utilização dos instrumentos genéricos relacionados à saúde para a avaliação do impacto do estado nutricional na qualidade de vida dos indivíduos. Considerando, ainda, a
escassez de achados sobre o tema, principalmente em amostras de
idosos brasileiros, destaca-se a necessidade de se realizar mais estudos que, inclusive, podem colaborar com estratégias específicas de
promoção à saúde, prevenção e reabilitação de agravos.
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ARTIGO DE REVISÃO
A importância do diagnóstico precoce de câncer bucal em idosos
The importance of early diagnosis of oral cancer in the elderly
Stella Vidal de Souza Torres1, Alessandra Sbegue2, Sandra Cecília Botelho Costa1
Recebido da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil.
RESUMO
Mesmo com o avanço das modalidades terapêuticas para o tratamento do câncer, o carcinoma epidermoide oral possui elevadas taxas de mortalidade. Este artigo teve por finalidade revisar
e discutir essa questão. Grande parte dos casos diagnosticados
da doença é detectada em sua fase avançada, em indivíduos de
baixa renda, com pouca escolaridade e com limitado acesso aos
serviços de saúde. No entanto, essa neoplasia pode ser prevenida
por meio de ações que facilitem a identificação dos principais fatores de risco, que são, em sua maioria, de ordem socioambiental. Práticas de prevenção e promoção de saúde, que busquem
o diagnóstico precoce de lesões suspeitas, possibilitam maiores
chances de cura e de aumento da sobrevida dos pacientes, especialmente entre os idosos.
Descritores: Carcinoma de células escamosas/diagnóstico;
Detecção precoce de câncer; Envelhecimento; Promoção da
saúde; Saúde do idoso
ABSTRACT
Even with the advance of therapeutic modalities for the treatment
of cancer, the oral squamous cell carcinoma has high rates of
mortality. This article aimed to review and discuss about this
issue. A large part of diagnosed cases of the disease is detected
in the advanced stage, in individuals of low income, with little
education and limited access to health services. However, this
neoplasm can be prevented through actions that facilitate the
identification of the main risk factors, which are, in its majority,
1. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil.
2. Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, SP, Brasil.
Data de submissão: 25/11/2015 – Data de aceite: 18/01/2016
Conflito de interesses: não há.
Fontes de Financiamento: não há.
Endereço para correspondência:
Stella Vidal de Souza Torres
Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas
Rua Tessália Vieira de Camargo, 126
Cidade Universitária Zeferino Vaz
CEP: 13083-887 – Campinas, SP, Brasil
E-mail: [email protected]
© Sociedade Brasileira de Clínica Médica
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RBCM 14.1.indb 57
of socio-environmental causes. Practices of prevention and
health promotion that seek the early diagnosis of suspicious
lesions allow greater chances of cure and increased survival of
the patients, especially among the elderly.
Keywords: Carcinoma, squamous cell/diagnosis; Early detection
of cancer; Aging; Health promotion; Health of the elderly
INTRODUÇÃO
O câncer é considerado um problema de saúde pública
mundial. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS),
estima-se que, no ano de 2030, ocorram 27 milhões de casos
novos de câncer, 17 milhões de mortes por câncer e 75 milhões
de pessoas conviverão com a doença.(1) O câncer bucal responde
por quase 3% dos casos de câncer no mundo, e o carcinoma de
células escamosas (CCE) é a neoplasia maligna mais comum,
correspondendo a aproximadamente 90 a 95% de todas as neoplasias malignas encontradas nesta região.(2)
No Brasil, o câncer oral é preocupante, com alta incidência e mortalidade na população. De acordo com estimativa
do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva
(INCA),(3,4) o câncer de cavidade oral representa quase 4% de
todas as neoplasias malignas, sendo o quinto mais incidente entre os homens e o 12o entre as mulheres; é mais prevalente nas
Regiões Sudeste, Nordeste e Sul do país. Grande parte dos casos
diagnosticados da doença é detectada em sua fase avançada, em
indivíduos de baixa renda, com pouca escolaridade e com limitado acesso aos serviços de saúde. No entanto, essa neoplasia
pode ser prevenida por meio de ações que facilitem a identificação dos principais fatores de risco, que são, em sua maioria,
de ordem socioambiental, e pela realização de práticas que busquem o diagnóstico precoce de lesões suspeitas, possibilitando,
assim, maiores chances de cura e um aumento da sobrevida dos
pacientes, especialmente entre os idosos.
O câncer da cavidade oral é mais comum em homens caucasianos na quinta década de vida. Tabagismo, etilismo e algumas
infecções virais, como por papilomavírus humano (HPV) ou
Epstein-Barr vírus (EBV), também são fatores de risco para o
desenvolvimento do câncer oral, tendo sido demonstrados por
vários autores na literatura.(5,6)
Esse tipo de câncer pode ser detectado simplesmente com
visualização da cavidade oral em busca de lesões, sendo um método de baixo custo e que pode ser feito pelo próprio indivíduo.
Apesar disso, a maior parte dessas neoplasias é diagnosticada nas
fases mais avançadas da doença (estágios III e IV).(7)
Costa et al.,(8) realizaram um estudo em Piracicaba (SP) e
concluíram que, apesar de a maioria dos idosos já ter ouvido
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Torres SV, Sbegue A, Costa SC
falar em câncer oral, menos da metade deles sabe como se prevenir. A falta de informação da população geral e dos profissionais
de saúde sobre a prevenção dessa neoplasia, principalmente em
indivíduos expostos a fatores de risco, atrasa o diagnóstico dessa
neoplasia. Isso diminui a eficácia do tratamento e aumenta a
gravidade das sequelas secundárias a ele, principalmente relacionadas à deglutição e à fonação, além de elevar os índices de
mortalidade.(9)
CÂNCER ORAL EM IDOSOS
Uma das mais altas incidências de câncer de boca e orofaringe do mundo é a encontrada no Brasil.(10) Ainda, a incidência
de casos de câncer de boca em indivíduos idosos tem crescido
significativamente. Em parte, isso decorre do aumento da longevidade da população brasileira.
Por apresentar um tratamento muitas vezes agressivo, o estado de saúde geral do paciente é sempre levado em consideração.
O fato de ser idoso e possuir um diagnóstico de câncer requer
uma atenção com relação ao tratamento. Por vezes, ele foi executado de forma paliativa, baseado na crença de que o paciente não
suportaria a terapia e morreria em sua decorrência, acreditando
que o tratamento seria mais agressivo do que a própria lesão.(10-12)
No entanto, estudos recentes vêm mostrando o contrário.
Estudo realizado por Perussi et al.,(13) mostraram que não
houve diferença entre os grupos de idade, quando analisados alguns parâmetros de evolução da gravidade da doença, como indivíduos que morreram antes do início do tratamento e o tempo de sobrevida dos mesmos. No entanto, por ser o câncer um
processo marcado pela falta de controle da proliferação celular,
existe a indicação de que a evolução da doença pode variar em
conformidade com algumas características clínicas ou patológicas. Desta forma, existe a possibilidade de que a evolução nos
indivíduos que desenvolvem câncer em idade mais avançada seja
diferente daqueles acometidos pela doença quando mais jovens.
A ausência de complicações associadas ao processo de envelhecimento, além de uma menor prevalência de doenças debilitantes,
pode significar uma melhora na evolução da doença nos pacientes
mais velhos.(9)
Estudo conduzido por pesquisadores do Rabin Medical Center,
de Tel Aviv, em Israel, mostrou que o comportamento do câncer
de boca em pacientes com mais de 75 anos não é diferente do de
outras faixas etárias, além de o tratamento ter, estatisticamente,
o mesmo efeito nesse grupo. Os pesquisadores perceberam que
a taxa de sobrevida de 5 anos observada nos pacientes com mais
de 75 anos de idade foi maior do que no grupo com menor idade, sendo 65% vs. 58% no grupo dos mais jovens.(10)
A maior dificuldade no tratamento do câncer de boca nos
pacientes idosos tem sido o diagnóstico tardio da doença − assim
como acontece em qualquer faixa etária de pessoas acometidas
por essa patologia. As investigações do perfil e da sobrevivência dos pacientes, de acordo com as regiões anatômicas específicas, fornecem bases científicas para orientar campanhas de
prevenção educativas para o diagnóstico precoce e o tratamento
dessa doença, que quase sempre começa num local de fácil visualização e inspeção para o próprio paciente.(11) Uma lesão que
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RBCM 14.1.indb 58
apresenta mais de 3cm já é considerada em fase avançada e, devido ao seu perfil biológico, o carcinoma epidermoide pode, em
pouco tempo, atingir esse tamanho. Por esse fato, é importante
alertar os pacientes para a realização de exames periódicos, feitos por profissionais, bem como para o autoexame da cavidade
oral, com o intuito de observar a presença de sinais que possam
ser indicativos de câncer, como aumentos no tecido mucoso,
presença de caroços, úlceras ou manchas brancas, vermelhas ou
escuras, podendo causar sangramento e dor para que, assim, em
casos de suspeita da doença, possam ser realizados exames complementares, como a citologia esfoliativa ou a biópsia da lesão,
no intuito de ser realizado um diagnóstico precoce da doença.
Apesar de os estudos associando o perfil dos pacientes conforme o tempo de evolução das lesões serem escassos, é consenso
na literatura que pacientes diagnosticados em estágio tardio da
doença têm maiores índices de mortalidade.(12) De acordo com
Kowalski e Souza,(14) as causas mais importantes no atraso do
diagnóstico são a evolução inicial sem sintomatologia, o reduzido conhecimento sobre a doença entre pacientes e profissionais,
o medo do diagnóstico e as dificuldades ao acesso médico. O
tempo médio que os pacientes demoram a procurar cuidados
profissionais varia de 3 a 5 meses para o câncer bucal.(15)
FATORES DE RISCO
A literatura científica reconhece que os dois principais fatores de risco relacionados ao câncer bucal são o hábito de fumar
e o consumo excessivo de bebidas alcoólicas. No entanto, outros fatores têm sido associados ao desenvolvimento do câncer
de boca e orofaringe, que incluem agentes biológicos, como o
HPV, higiene oral precária, história pregressa de neoplasia do
trato aerodigestório e exposição à luz ultravioleta em excesso
(câncer de lábio).(1,3,4,7)
Tabaco
O ato de fumar, durante anos, foi interpretado como um
estilo de vida. Atualmente, esse equívoco foi elucidado pelo entendimento de que o tabagismo é uma doença resultante da dependência da nicotina, sendo classificado no Código Internacional de Doenças (CID-10) no grupo de transtornos mentais e de
comportamentos decorrentes do uso de substâncias psicoativas.
Além disso, as inúmeras substâncias presentes na composição
dos produtos do tabaco são fatores causais para cerca de 50 doenças
tabaco-relacionadas ao grupo de doenças crônicas, como câncer,
as cardíacas, as cerebrovasculares e as respiratórias.(16,17)
De acordo com a OMS, cerca de 90% dos pacientes diagnosticados com câncer de boca são tabagistas. O cigarro representa o maior risco para o desenvolvimento dessa doença, sendo
que seu risco varia de acordo com o consumo, ou seja, quanto
mais frequente for o ato de fumar, maiores as chances de desenvolver câncer de boca.(17)
Para definir a intensidade de tabagismo dos fumantes, emprega-se a unidade maço/ano (UMA = número de maços por
dia x anos que fumou). Ela determina a quantidade de maços
fumados por um determinado tempo, tendo como base a unidade
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Diagnóstico precoce de câncer bucal em idosos
maço/ano, ou seja, o número de maços de cigarros fumados por
dia por 1 ano. De modo que, se um indivíduo fumou 1 maço ao
dia por 10 anos ou 2 maços ao dia por 5 anos, ele terá fumado
10 anos/maço.
Por outro lado, quando se deseja investigar a exposição do
indivíduo ao tabagismo, levando-se em conta o número de cigarros consumidos por dia, utiliza-se o cálculo da carga tabágica
em anos/maço, que é calculada de acordo com o número de cigarros consumidos por dia, dividido por 20 (1 maço = 20 cigarros) e multiplicado pelo número de anos que o paciente fumou.
Assim, o paciente que fez uso de 30 cigarros por dia durante
15 anos (30/20 x 15) tem carga tabágica de 22,5 anos-maço.(18)
Vale salientar que uma pessoa que possui uma carga tabágica maior do que 20 anos/maço já possui grandes chances de
apresentar qualquer patologia associada ao tabaco e que o risco
diminui após 15 a 20 anos de cessação.
O risco de câncer aumenta de acordo com o início precoce
do tabagismo, a quantidade de cigarros fumados e o número de
anos que a pessoa fuma. Assim, o tabaco, além de ser um fator
de risco para o câncer, é também um importante fator que di­
ficulta o tratamento e o controle das neoplasias em geral.(19)
Dados da literatura científica demonstram que o tabagismo
após o diagnóstico de câncer ainda não é rotineiramente abordado como uma doença que necessite de tratamento, de modo
que a continuidade do hábito contribui para um maior risco de
complicações durante o tratamento e a diminuição das respostas
à radio e quimioterapia, além de possibilitar o agravamento de
doenças tabaco-relacionadas. Com isso, pode haver um aumento no risco de recidiva e o surgimento de um segundo tumor
primário, ocasionando a diminuição da qualidade de vida do
indivíduo e, consequentemente, de sua sobrevida global.(18)
Em uma esfera maior, além dos riscos e danos causados à
saúde, o tabagismo compromete o desenvolvimento social e econômico, bem como afeta a sustentabilidade ambiental. Em virtude da carga das doenças tabaco-relacionadas terem um grande
impacto no sistema de saúde é que a cessação do hábito deve ser
estimulada.(17)
No entanto, mesmo informados a respeito de ser o tabagismo um fator de risco e de aumento da morbidade durante o
tratamento, muitos pacientes permanecem fumando. Dados da
literatura explicam que o tabagismo após o diagnóstico de câncer ainda não é rotineiramente abordado como uma doença que
necessita de tratamento, uma vez que a dependência nicotínica
caracteriza-se pelo uso e necessidade tanto física como psicológica, apesar do conhecimento de seus efeitos prejudiciais.(16,17,19)
Etilismo
O risco de desenvolver câncer de boca também está associado ao consumo regular de bebidas alcoólicas.
No Brasil, Leite e Koifman(20) encontraram que 59,3% dos
pacientes ingeriam bebidas alcóolicas e, destes, 69,1% usavam
bebidas destiladas. O sítio anatômico esteve relacionado com a
ingestão de álcool em consumidores diários, localizando-se principalmente na língua, nos lábios e no assoalho bucal.
O álcool está associado com o aumento da proliferação celular. O consumo de álcool, especialmente o etanol, interfere no
reparo do DNA e pode ter um efeito imunossupressor.(21)
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Por um mecanismo ainda desconhecido, o álcool é capaz de
impossibilitar que as células epiteliais organizem a barreira de
permeabilidade, que é fundamentalmente composta por lipídios
e que possui a função de impedir a desidratação e a penetração
de agentes externos.(22,23)
Evidências epidemiológicas têm demonstrado que um maior
acúmulo microbiano decorrente de uma má higiene oral seria
capaz de promover uma maior produção de acetaldeído por
meio da metabolização do etanol da saliva, especialmente entre
os consumidores de grandes quantidades de álcool.
O processo se dá pela conversão do álcool pela enzima álcool
desidrogenase (ADH) em acetaldeído, e este em acetato, pela
enzima aldeído desidrogenase (ALDH). O acetato alcança diferentes partes do organismo, podendo ser utilizado na produção
de energia ou de outras moléculas, pela rota de degradação semelhante à da glicose. No entanto, como a atividade da ALDH
é baixa na cavidade oral, pode haver acúmulo de acetaldeído no
epitélio bucal.(24)
Entre as principais espécies envolvidas nesse processo, estão
a Candida albicans e a Neisseria, por possuírem alta atividade
de ADH e por estarem presentes na mucosa oral de indivíduos
alcoolistas.(25-27)
Assim, a produção de acetaldeído e a presença de micro-organismos bucais em indivíduos com higiene bucal precária pode
explicar a relação entre status bucal e risco de desenvolvimento
de câncer de boca.(25,28)
Radiação solar
A luz ultravioleta representa um importante fator de risco
para o desenvolvimento de câncer de lábio, já que a incidência
aumenta principalmente nas pessoas de pele clara, com ocupações externas e que residam ou trabalhem em áreas rurais.(17)
Papilomavírus humano
Foi no início da década de 1980 que um estudo conduzido
por Syrjänen et al.(29) sugeriu o envolvimento do HPV com o
câncer bucal, quando os autores associaram as alterações celulares encontradas em lesões malignas e pré-malignas da boca às
mesmas que ocorriam no câncer de cérvice uterino.
Estas conclusões continuam válidas após anos de investigação sobre o assunto, apontando que o HPV parece estar associado
a uma proporção de carcinomas orais. Além disso, estudos rea­
lizados entre grupos de faixas etárias distintas não mostraram
nenhuma diferença significativa na incidência de HPV entre
pacientes mais novos e mais velhos, sugerindo um papel semelhante para o HPV em todos os grupos etários.(30,31)
Lábios, palato, língua, gengiva, úvula, tonsilas e assoalho da
boca têm sido os locais de maior predileção do vírus dentro da
cavidade oral. O assoalho de boca, por ser uma região inundada
por saliva, propicia a presença de agentes cancerígenos, como
o fumo e o álcool, e permite maior oportunidade para a ação
deletéria viral.(32,33)
O diagnóstico do HPV na mucosa oral pode ser realizado
pelo exame clínico da lesão, citologia e biópsia, sendo que o aspecto citológico da infecção por HPV caracteriza-se por critérios
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Torres SV, Sbegue A, Costa SC
maiores e menores. O primeiro baseia-se na presença de coilócitos clássicos, halos citoplasmáticos perinucleares e displasias
nucleares, enquanto que os critérios menores têm como característica a presença de disceratócitos, metaplasia imatura atípica,
macrócitos e binucleação.(34)
Os métodos usados para a detecção do DNA do HPV nas
lesões variam de acordo com a sensibilidade e a especificidade
dos mesmos. São divididos em três categorias: (1) baixa sensibilidade, compreendendo a imuno-histoquímica e a hibridização
in situ; são capazes de detectar o vírus quando presente em mais
de dez cópias do DNA viral por célula; (2) moderada sensibi­
lidade, a hibridização Southern blot, o dot blot e a hibridização
dot reversa; o vírus é detectado somente quando houver de uma
a dez cópias do DNA viral por célula; (3) alta sensibilidade, que
engloba a reação em cadeia da polimerase (PCR), método pelo
qual é possível detectar o vírus em menos de uma cópia do DNA
viral por célula.
Na literatura científica, a presença de HPV em mucosa normal apresenta dados bastante conflitantes, em virtude da variabilidade de escolhas de métodos, bem como dos grupos de
pacientes pesquisados. No entanto, a PCR tem sido a técnica de
biologia molecular mais utilizada para a detecção do DNA do
HPV em boca.
Quanto à prevalência do HPV em mucosa oral, a média encontrada tem sido descrita entre 20 a 30%, sendo os tipos 6, 11,
16 e 18 os mais prevalentes. Sua detecção ocorre em cerca de
duas a três vezes mais nas lesões pré-cancerosas da mucosa oral e
quase cinco vezes mais nos carcinomas orais.(35)
O potencial oncogênico do HPV de alto risco se deve à sua
capacidade de inserir fragmentos específicos de DNA (genes E5,
E6 e E7) no genoma celular do hospedeiro. Como resultado
dessa integração, essas proteínas virais desregularam algumas das
principais funções dos fatores de supressão tumoral, como p21,
p53 e pRb, resultando em defeitos nos mecanismos celulares de
apoptose, de reparação do DNA e de controle do ciclo celular,
tornando-se capaz de se perpetuar dentro da célula.(36)
Há ainda que se destacar que a infecção pelo HPV se diferencia das clássicas enfermidades de transmissão sexual. Pelo
fato de o vírus possuir a capacidade de se manter latente, as
lesões podem aparecer muitos anos depois da aquisição, como
uma consequência da diminuição da defesa imunológica e um
sinal de reativação viral.
Outros fatores
Pacientes com câncer de boca apresentam higiene bucal deficiente, e dieta pobre em proteínas, vitaminas e minerais, e rica
em gorduras.
IMUNOSSENESCÊNCIA
O sistema imune tem um papel fundamental no desenvolvimento das neoplasias. Os tumores são formados por meio mutações no DNA, principalmente devido aos fatores oncogênicos
já citados, que impedem o processo de apoptose celular, levando
as células a se dividirem sem controle. Em um organismo com
60
RBCM 14.1.indb 60
sistema imunológico totalmente funcionante, as células que participam da imunidade, como células natural killer (NK), macrófagos, células dendríticas e linfócitos T e B, causam a destruição
das células que sofreram mutação, impedindo o desenvolvimento de um tumor. Essa identificação pelas células imunes se dá
pela identificação de antígenos de superfície presentes nas células tumorais, que são antígenos próprios modificados, e que
passam, então, a ser reconhecidos como estranhos ao organismo.
Além da destruição, o sistema imune também é capaz de gerar
memória imunológica contra o antígeno de superfície identificado, impedindo a recorrência desse tumor.(37)
No entanto, no caso de um indivíduo com imunocompetência diminuída ou um tumor com células pouco imunogênicas, as células neoplásicas conseguem contornar a vigilância que
o sistema imune realiza. Assim, não há eliminação da totalidade
dessas células, e o tumor consegue se desenvolver.(37,38)
SOBREVIDA
Tanto o envelhecer como o morrer são fenômenos inerentes à vida em todas as suas formas. Dentre as muitas definições
de envelhecimento, uma é muito utilizada na área de saúde. A
Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) o define como
um processo sequencial, individual, acumulativo, irreversível, universal, não patológico, de deterioração de um organismo maduro, próprio a todos os membros de uma espécie,
de maneira que o tempo o torne menos capaz de fazer frente ao estresse do meio-ambiente e, portanto, aumente sua
possibilidade de morte.
Desta forma, o envelhecimento pode ser compreendido
como um processo natural, de diminuição progressiva da reserva funcional dos indivíduos, conhecido como senescência
e que, em condições normais, não costuma causar doenças. Já
o envelhecimento patológico (senilidade) predispõe o indiví­
duo à patologias ao longo de sua vida, acarretando uma menor
sobrevida.
Em estudo brasileiro que teve como fonte de dados a Base
Onco, realizado com pacientes atendidos pelo Sistema Único de
Saúde (SUS), foi encontrado que a taxa de sobrevida específica
em 5 anos foi de 60%. Os fatores associados à menor sobrevida
específica foram ter idade >40 anos; apresentar estádio III ou
IV; localização em língua, assoalho de língua e base de língua;
não realizar tratamento cirúrgico; realizar somente quimioterapia, ou radioterapia e quimioterapia; e residir em determinados
Estados do Brasil.(39)
De acordo com o INCA, nos últimos anos, a taxa global
de novos casos de câncer de boca e orofaringe tem se mantido
estável para homens e com pouco de decréscimo para as mulheres. No entanto, o número de casos relacionados à infecção pelo
vírus do HPV vem aumentando tanto em homens como em
mulheres brancas.
O diagnóstico precoce é o meio mais eficaz de que se dispõe
para melhorar o prognóstico do câncer e, consequentemente,
aumentar a taxa de sobrevida. Vale ressaltar que quando os pacientes com diagnósticos recentes de câncer de boca e orofarinRev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):57-62
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Diagnóstico precoce de câncer bucal em idosos
ge são minuciosamente examinados, uma pequena porcentagem
pode desenvolver outro câncer em região próxima, como laringe,
esôfago ou pulmão. Entre aqueles que foram curados do câncer
de boca e orofaringe, alguns desenvolverão mais tarde outro câncer
em áreas como pulmão, boca, faringe e laringe.
Por esse motivo, os pacientes com diagnósticos de câncer de
boca e orofaringe devem fazer exames de acompanhamento para
o resto de suas vidas. Haverá, também, necessidade de evitar o
consumo de tabaco e álcool, pois são fatores de risco de desenvolver um segundo câncer.
CONCLUSÃO
O carcinoma epidermoide oral exibe elevadas taxas de mortalidade, mesmo com o avanço das modalidades terapêuticas, o
que se atribui, principalmente, à resposta variada ao tratamento
e à falha no diagnóstico precoce. Grande parte dos casos diagnosticados da doença é detectada em sua fase avançada, em indivíduos de baixa renda, com pouca escolaridade e com limitado
acesso aos serviços de saúde. No entanto, essa neoplasia pode
ser prevenida por meio de ações que facilitem a identificação
dos principais fatores de risco, que são, em sua maioria, de ordem socioambiental, e pela realização de práticas que busquem
o diagnóstico precoce de lesões suspeitas, possibilitando maiores
chances de cura e um aumento da sobrevida dos pacientes.
Uma vez que essa patologia predispõe à perda da funcionalidade com consequente diminuição de sua qualidade de vida e de
sobrevida, investimentos científicos na área do envelhecimento,
especialmente com idosos portadores de câncer, são necessários,
para que ocorra melhoria das politicas públicas, com o intuito
de promoção e prevenção de saúde.
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ARTIGO DE REVISÃO
Uso do lítio no tratamento do Alzheimer
Use of lithium in Alzheimer’s treatment
Márcio Kamada1, Anna Gabriella Netto Mattar1, Mariana Prado Fontana1
Recebido da Faculdade de Medicina de Santo Amaro.
RESUMO
A doença de Alzheimer (DA) é a causa mais comum de demência em idosos. As principais lesões cerebrais encontradas nesses
pacientes são placas neuríticas com depósitos extracelulares de
proteína β-amiloide e um emaranhado neurofibrilar localizado
normalmente no citoplasma perinuclear e composto de proteínas Tau hiperfosforiladas. Nos estágios iniciais, nota-se deficiência da memória recente, lapsos de memória, confusão e queda
no rendimento funcional em tarefas complexas. Apesar de todo
o conhecimento de sua fisiopatogenia, ainda não foram descritas
terapias completamente eficazes para seu tratamento, sendo que
o tratamento de primeira escolha é feito com fármacos inibidores da colinesterase. Estudos sugerem que o tratamento crônico
com lítio potencializa a sobrevivência de novas células induzida
por enriquecimento ambiental no hipocampo, proporcionando
um ambiente favorável para os estímulos ambientais exercerem um efeito protetor mais forte. Deste modo, o tratamento
combinado com lítio e enriquecimento ambiental poderia constituir uma estratégia para promover a sobrevivência de novos
neurônios e, assim, melhorar a função cognitiva na doença de
Alzheimer, especialmente em estágio inicial.
Descritores: Doença de Alzheimer/fisiopatologia; Doença de
Alzheimer/terapia; Lítio/uso terapêutico; Fármacos neuroprotetores
ABSTRACT
Alzheimer’s disease (AD) is the most common cause of dementia
in the elderly. The two major brain lesions found in patients
with Alzheimer’s disease are neuritic plaques, which contain
1. Faculdade de Medicina de Santo Amaro (UNISA), São Paulo, SP, Brasil.
Data de submissão: 20/10/2015 – Data de aceite: 03/11/2015
Conflito de interesse: não há.
Endereço para correspondência:
Márcio Kamada
Rua Prof. Enéas de Siqueira Neto, 340 – Jardim das Imbuias
CEP: 04829-900 – São Paulo, SP, Brasil
Cel.: (11) 98518-1000 – E-mail: [email protected]
© Sociedade Brasileira de Clínica Médica
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extracellular deposits of amyloid β-protein and neurofibrillary
tangle typically located in the perinuclear cytoplasm and
composed of hyperphosphorylated Tau protein. In the early
stages, the patient has a deficiency of recent memory, tends
to commit lapses and to blur easily, besides presenting drop
in its functional performance in complex tasks. Despite
all the knowledge about the pathogenesis of Alzheimer’s
disease, have not yet been described completely effective
therapies for the treatment of disease and the first choice of
treatment is done with cholinesterase inhibitor drugs. Studies
suggest that chronic treatment with lithium enhances the
survival of new cells induced by environmental enrichment
in the hippocampus, providing an environment conducive
to environmental stimuli exert a stronger protective effect.
Thus, combined treatment with lithium and environmental
enrichment could be a strategy to promote the survival of new
neurons and thus improve cognitive function in Alzheimer’s
disease, particularly in the initial stage.
Keywords: Alzheimer disease/physiopathology; Alzheimer
disease/therapy; Lithium/therapeutic use; Neuroprotective agents
INTRODUÇÃO
O envelhecimento populacional notado nas últimas décadas
no Brasil, assim como a longevidade, aumentam a prevalência
de doenças relacionadas à senescência como coronariopatias,
neo­plasias, osteoporose e demências.(1)
A demência é uma síndrome caracterizada pelo declínio
progressivo e global das funções cognitivas, na ausência de um
comprometimento agudo do estado de consciência, interferindo em atividades sociais e ocupacionais do indivíduo. Ocasiona
grande sofrimento para os pacientes, produzindo incapacidade
e dependência, e para familiares, gerando ansiedade, depressão e
grande tempo gasto com cuidados. Está entre as maiores causas
de morbidade entre idosos e sua prevalência está entre 2% e
25% dos pacientes com 65 anos ou mais.(1,2)
A causa mais comum de demência em idosos é a doença de
Alzheimer (DA), principal doença neurodegenerativa da atualidade. Entre 17 e 25 milhões de pessoas no mundo possuem DA,
que afeta aproximadamente 10% da população com mais de 65
anos. Dados indicam que 1 em cada 10 pessoas maiores de 80
anos deverá ser portadora da doença. Nos países desenvolvidos,
já é a terceira causa de morte, perdendo apenas para as doenças
cardiovasculares e para o câncer.(2,3)
As duas principais lesões cerebrais encontradas nos pacientes
com DA são placas neuríticas, que contêm depósitos extracelula63
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Kamada M, Mattar AG, Fontana MP
res de proteína β-amiloide (βA) e um emaranhado neurofibrilar
localizado normalmente no citoplasma perinuclear e composto
de proteínas Tau hiperfosforiladas. É uma doença altamente
heterogênea, envolvendo diversas alterações diversas.(3)
Com relação à idade de início, a DA pode ser precoce (idade inferior a 60-65 anos) ou tardia (idade superior a 60-65
anos). Segundo a história familiar, os casos de Alzheimer podem ser classificados em autossômicos dominantes, familiares
ou esporádicos.(4)
Nos estágios iniciais da doença, o paciente apresenta deficiência da memória recente, tende a cometer lapsos e a se confundir
facilmente, além de apresentar queda em seu rendimento funcional em tarefas complexas. Além das dificuldades de atenção
e fluência verbal, outras funções cognitivas deterioram, como a
capacidade de fazer cálculos, as habilidades vísuo-espaciais e a
capacidade de usar objetos comuns. Na fase mais avançada, o
indivíduo torna-se dependente de um cuidador. Os sintomas
são frequentemente acompanhados por distúrbios comportamentais, como agressividade, alucinações, hiperatividade, irritabilidade e depressão. Outros sintomas, como a apatia, a lentificação, a dificuldade de concentração, a perda de peso, a insônia
e a agitação podem ocorrer como parte da síndrome.(2,5)
O óbito geralmente ocorre após 10 a 15 anos de evolução,
como complicação de comorbidades clínicas ou quadros infecciosos, em indivíduos que se tornaram progressivamente fragilizados pela doença crônica.(2)
O presente artigo tem como objetivo relatar as perspectivas
sobre a utilização do lítio no tratamento da DA, enfatizando seu
mecanismo de ação no que diz respeito à neuroproteção.
MÉTODOS
O trabalho é baseado em uma revisão da literatura utilizando
as bases de dados Scielo, LILACS e PubMed. Os artigos foram
buscados utilizando-se as palavras-chave: doença de Alzheimer,
fisiopatologia, tratamento, lítio, neuroproteção.
O levantamento foi efetivado de forma sistemática, incluindo estudos publicados entre os anos de 2002 e 2015, em língua portuguesa e inglesa, totalizando 29 artigos para a presente
revisão.
DISCUSSÃO
A Doença de Alzheimer (DA) é distinguida patologicamente de outras formas de demência por deposição de placas amiloides extracelulares constituídas de β-amiloide insolúvel (βA),
derivada da proteína precursora de amiloide, e emaranhados
neurofibrilares intracelulares que contêm proteína Tau hiperfosforilada. Na DA há, também, alteração de conexões neuronais e perda em massa de neurônios em todo o cérebro, o
que ocasiona diversos distúrbios comportamentais que podem,
em última instância, resultar em morte. O déficit de memória
está intimamente ligado à perda de sinapse e estudos recentes
sugerem que o declínio cognitivo pode estar associado à desregulação da neurotransmissão glutamatérgica excitatória por βA
solúvel, levando a alterações sinápticas e Tau fosforilação.(6-8)
64
RBCM 14.1.indb 64
O tratamento farmacológico de primeira escolha no Alzheimer são fármacos inibidores da colinesterase, como donepezila,
rivastigmina e galantamina, que alteram a função colinérgica
central ao inibir as enzimas que degradam a acetilcolina, aumentando a capacidade da acetilcolina de estimular os receptores
nicotínicos e muscarínicos cerebrais, melhorando a transmissão
neuronal colinérgica, comprometida na DA.(5,9,10)
A rivastigmina é um dos medicamentos mais utilizados, capaz de inibir tanto a enzima acetilcolinesterase quanto a buti­
rilcolinesterase, apresentando maior eficácia quanto ao aumento dos níveis cerebrais de acetilcolina. Tem efeito significativo
na cognição, na memória e na praxis. Porem, apresenta vários
efeitos adversos.(5,9)
A donepezila é rapidamente absorvida após administração
oral e causa menores reações adversas, principalmente náuseas,
tonturas, diarreia e anorexia. Melhora a função cognitiva e estabiliza a capacidade funcional dos pacientes. Foi associado a uma
redução de 38% no declínio funcional dos pacientes portadores
da doença de Alzheimer.(5,9)
A galantamina possui um duplo mecanismo de ação, além
de inibir a acetilcolinesterase, também modula os receptores
nicotínicos. Os receptores nicotínicos pré-sinápticos controlam
a liberação de neurotransmissores, os quais são importantes
para a memória e para o humor. Assim, a ligação da galanta­
mina com os subtipos de receptores nicotínicos melhorou a
função cognitiva e a memória. Perspectivas de tratamento neuronal ao prevenir a citotoxicidade causada pela agregação de
βA. Também é possível que a Galantamina amplie a neurotransmissão central.(5,9)
Outra droga utilizada é a memantina, antagonista de baixa
afinidade dos receptores NMDA (N-metil daspartato). Ela inibe
a toxicidade excitatória glutamatérgica e age nos neurônios do
hipocampo. Há melhora na impressão clinica global, na cognição, na funcionalidade e comportamento. Bem tolerada, o evento adverso mais significativo e a agitação.(10)
Apesar de todo o conhecimento a respeito da fisiopatogenia da DA, ainda não foram descritas terapias completamente
eficazes para o tratamento da doença. Os tratamentos farmacológicos utilizados hoje em dia demonstram efeitos sutis sobre as
funções cognitivas e produzem pequeno atraso em sua progressão. Essas drogas permanecem sendo as principais nos cuidados
da demência, apesar de a terapia atual ainda estando longe de
ser satisfatória.(5,11)
Assim, enumeras pesquisas que dizem respeito a novos tipos
de drogas ou tratamentos da DA vem sendo realizadas. O principal alvo de estudos é a cascata βA e os compostos que reduzem
a produção de βA (inibidores de β-secretase), como pioglitazone
e 30 rosiglitazone, que estão em fase de testes clínicos. Entre
outros compostos relacionados com a cascata βA, encontra-se o
lítio, que ainda está sendo investigado.(5,12)
O lítio é um cátion monovalente, cuja absorção se dá no
trato gastrointestinal e depende essencialmente do equilíbrio
hidroeletrolítico, não sofre metabolização em nenhum nível,
tendo sua excreção nos rins. A meia vida do lítio é inicialmente
de 12 horas, mas acaba aumentando com o aumento da litemia.
Dentre alguns efeitos colaterais se encontram; aumento do peso,
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Uso do lítio no tratamento do Alzheimer
hipotireoidismo, psoríase, acne, polidipsia, poliúria, diarreia,
diminuição da libido e tremores.(13,14)
Sua eficácia na estabilização do humor foi descoberta há
mais de 50 anos, sendo o fármaco de escolha no tratamento do
transtorno afetivo bipolar. O principal mecanismo que leva aos
efeitos terapêuticos do lítio é a inibição da inositol monofosfatase e da glicogênio sintase quinase-3. A GSK-3β regula diversos
processos celulares, entre eles a função de fosforilar enzimas que
participam de vias que levam a neuroinflamação, apoptose e formação de placas amiloides.(13)
Estudos recentes mostraram que a suplementação alimentar com lítio preveniu o aumento de mediadores inflamatórios
no cérebro de ratos, levando a aparentes efeitos neuroprotetores
terapêuticos do lítio. Leva também a um aumento de neurogênese no giro denteado do hipocampo e parece aumentar a massa
cinzenta. Apesar de tais efeitos benéficos, o lítio possui estreita
faixa terapêutica e duração de ação longa, o que pode levar a
intoxicação, se em dose elevada ou se não houver monitorização
da litemia.(13,15-17)
Em modelos animais, existem evidências de efeitos neuroprotetores no tratamento de sintomas associados a derrames,
às Doenças de Alzheimer, Parkinson e Huntington e a danos
medulares e degeneração da retina, entre outros. Em roedores o
lítio reforça a estabilidade das moléculas responsáveis pela consolidação da memória, como a β-catenina. Além disso, os seus
efeitos sobre o ciclo celular, onde inibe a expressão do fator de
transcrição E2F-1 em neurônios, indica a potencial aplicação de
lítio em todas estas doenças neurodegenerativas.(12,18,19)
Resultados de estudo em camundongos sugerem que o tratamento crônico com lítio potencializa a sobrevivência de novas
células induzida por enriquecimento ambiental no hipocampo,
proporcionando um ambiente favorável para os estímulos ambientais exercerem um efeito protetor mais forte. Deste modo,
o tratamento combinado com lítio e enriquecimento ambiental
poderia constituir uma estratégia para promover a sobrevivência
de novos neurônios e assim melhorar a função cognitiva na DA,
especialmente em estágio inicial. Outro estudo em camundongos demonstrou que o tratamento crônico precoce com lítio melhora significativamente a progressão patológica da DA. O lítio
pode reduzir a degeneração neuronal/axonal através do aumento
da compactação de βA e, em consequência, a produção de placas de βA menores com halo tóxico inferior.(14,20)
Estudos relacionaram alterações tanto da capacidade cognitiva quanto das memórias de longa duração, ocasionadas pela
presença de βA juntamente com a fosforilação de resíduos específicos da GSK- 3β na proteína Tau. O tratamento com lítio
ocasiona uma diminuição da atividade da GSK-3β e consequentemente uma diminuição da fosforilação da proteína Tau.(12, 21,22)
No âmbito clínico, foram produzidas por pesquisadores
do Laboratório de Neurociências, no Instituto de Psiquiatria
da FMUSP. Utilizou-se uma amostra de 118 bipolares idosos,
observando-se elevada prevalência de demência (21,4%). A prevalência de DA foi significantemente menor entre os pacientes
tratados cronicamente com lítio (4,5%) em comparação com
aqueles tratados com outros estabilizadores do humor (33%).(15)
Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):63-6
RBCM 14.1.indb 65
Outro estudo clínico recente verificou que o tratamento com
mi­crodoses de lítio foi eficiente em impedir a progressão do declínio cognitivo de pacientes com diagnóstico clínico para DA.(13,23,24)
O lítio pode inibir processos cruciais para doença de Alzheimer como a superprodução de βA e hiperfosforilação da Tau,
levando à formação dos emaranhados neurofibrilares, talvez
prevenindo apoptose e estimulando a neurogênese no hipocampo. Ainda impede o enfraquecimento da memória induzido pelo βA em modelos experimentais. Estes efeitos são, em
geral, acompanhados por uma melhoria significativa dos prejuízos da memória.(15, 25-27)
O lítio promove a estabilização de atividades neurais, dá suporte à plasticidade neural e confere neuroproteção. Tem o potencial de proteger neurônios da morte celular quando o neurônio é
agredido por agentes químicos neurotóxicos, radiação ou anóxia
por oclusão da artéria cerebral média. Além disso, as evidências de
aumento de substância cinzenta em diversas áreas cerebrais, como
a região pré-frontal e hipocampo, sugerem que o lítio aumenta a
capacidade do cérebro de fazer conexões neurais, aumentando a
plasticidade cerebral, ou seja, a capacidade do cérebro de adaptar
o sistema neuronal às demandas ambientais.(25,28)
O lítio atua em praticamente todos os neurotransmissores. O
ajuste do equilíbrio entre neurotransmissores excitatórios e inibitórios e a diminuição da atividade glutamatérgica conferem neuroproteção. Por meio da GSK-3β, quinases dependentes de AMP
cíclico e proteína quinase C, modula sinais que têm impacto no
citoesqueleto, um sistema dinâmico que contribui para a neuroplasticidade. O lítio ajusta atividades que regulam mensageiros
secundários, fatores de transcrição e expressão gênica. Promove a
sobrevivência de neurônios recém-formados de cérebro adulto.(28)
O uso crônico aumenta a expressão da Bcl-2, proteína citoprotetora no sistema nervoso central, tanto em córtex de rato
(em concentrações de 0,3 mM/l) quanto em células humanas
de origem neuronal. O lítio protege neurônios do sistema nervoso central de excitotoxicidade induzida por glutamato. Essa
neuroproteção é, pelo menos em parte, devida à supressão do
influxo de cálcio mediado pelo receptor N-metil-D-aspartato e
aumento da Bcl-2 (enzima antiapoptótica, cuja forma mutante
não-funcional foi identificada inicialmente em células de linfoma) com simultânea diminuição da p53 (pró-apoptótica). O
lítio protege neurônios da apoptose também por sua inibição
da GSK-3β. Outros exemplos de estímulos pró-apoptóticos aos
quais o lítio dá proteção são a radiação e a isquemia.(28)
O decréscimo de energia nas células associado ao envelheci­
mento poderia predispor alterações da homeostase do cálcio intracelular pelos neurônios. A terapia com lítio pode ter o potencial de forma segura e eficaz de modificar a progressão da doença
através da estabilização intracelular de cálcio.(29)
O lítio pode ser seguro e bem tolerado mesmo na população
acima de 80 anos. Deve-se tomar o cuidado de realizar litemias
a cada três meses e monitoramento de função renal e tireoideana
a cada seis meses.(28)
Evidências consistentes sugerem um aumento da densidade
da substância cinzenta cortical em pacientes tratados com lítio,
inclusive em relação a controles normais. Tratamento precoce
pode ser uma condição que otimizaria a eficácia e os efeitos neuroprotetores do lítio.(27)
65
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Kamada M, Mattar AG, Fontana MP
CONCLUSÃO
A demência já é reconhecida como um dos problemas médicos mais importantes nos idosos. O tratamento atualmente
disponível para a Doença de Alzheimer (donepezila, rivastigmina,
galantamina e memantina) é sintomático e não desacelera ou
previne a progressão da doença.
Assim, a procura de abordagens modificadoras da doença
foca-se em compostos que têm como alvo as vias de Aβ e Tau,
a neuroinflamação e o dano oxidativo. Alguns dos resultados
de estudos recentemente concluídos constituem uma esperança
para o futuro do tratamento curativo da Doença de Alzheimer,
todavia ainda são as primeiras etapas de um longo percurso que
se adivinha bastante promissor.
O uso do lítio com a finalidade de modificar a evolução da
doença de Alzheimer ainda não é recomendado para a prática
clínica, são necessárias evidências mais robustas a fim de que se
possa ter um melhor entendimento das ações do lítio e também
proporcionar novos métodos para diminuir a perda neuronal
associada com patologias neurodegenerativas.
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Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):63-6
11/04/2016 16:00:06
PONTO DE VISTA
Sistemas e protocolos
Systems and protocols
Sou médico formado há quase meio século.
Segundo alguns um poeta, um romântico; segundo os mais radicais, um arcaico, um obsoleto!
Bem, vamos ao tema em epìgrafe!
Sou do tempo em que os doentes eram atendidos por um médico, que após examiná-los cuidadosamente, elaborava um diagnósti­
co provável, solicitava exames subsidiários ou complementares e, tendo feito um diagnóstico definitivo, assumia a responsabilidade de
propor um tratamento.
Paciente e médico tinham nomes, conversavam, se conheciam e este se tornava responsável por aquele.
Tudo isso, se não acabou, está agonizando, como já tive oportunidade de escrever em texto publicado há cerca de 3 anos.
Bem, atenhamo-nos aos dias de hoje!
O doente é da responsabilidade de uma instituição pública ou privada, que se autodenomina “sistema”.
Temos, então, o chamado paciente institucional.
É característica maior desse modelo, a impessoalidade.
Embora o profissional que o atende, vestido de branco ou trajando um jaleco, não se envolva com o paciente, isto é compreensível,
mesmo porque, horas depois e nos dias subsequentes, ele será visto por diferentes e incontáveis profissionais que, como já disse, não
tem nenhum envolvimento pessoal ou profissional, pois são “peças”, “elementos”dessa instituição chamada “sistema”.
E como é possível cuidar de um paciente se a cada hora, período ou mesmo dias, é um profissional, um “elemento” diferente que
o avalia e trata?
Aí temos a participação infeliz de outra instituição denominada “Protocolo”.
O que é um “Protocolo”?
É um modelo a ser seguido por todos os membros do “Sistema”, considerando não o doente mas algumas de suas características
mais evidentes como: idade, sexo, origem, profissão, sintomas e mais raramente sinais clínicos.
Exemplo típico desse modelo é a utilização disseminada de anticoagulante em pacientes internados com mais de 50 ou 60 anos
de idade.
Ou o uso generalizado de bloqueadores da secreção gástrica (inibidores de bomba) por pacientes, pelo simples fato de estarem
internados num hospital.
Existem “Protocolos” para todos os eventos e seria desnecessário aqui referi-los pois são do conhecimento de todos os médicos e
principalmente das instituições.
Assim sendo, o paciente que procura um hospital – muitos poderiam ir a consultórios mas nos Pronto Atendimentos são atendidos
pelo ”convênio”, não pagam consultas e já são submetidos a exames, muitas vezes desnecessários, mas lucrativos – onde é recebido
por um profissional da saúde, via de regra uma enfermeira e depois encaminhado ao médico “de plantão”, tornando-se cliente de um
“sistema”, e o profissional que o atende, muitas vezes sem examiná-lo, solicita uma “bateria” de exames seguindo rigorosamente o
“protocolo” elaborado para aquele evento (AVC, dor precordial, mal súbito – perda dos sentidos, – dor abdominal, etc).
Não raro são solicitados 30, 40 e até 50 exames laboratoriais cujos resultados, num percentual muito elevado, não revelam
nenhuma alteração, e às vezes até geram iatrogenias, assim como exames de imagens como Ultrassom, quando não Tomografia
Computadorizada, Ressonância Magnética e radioisótopos, além de inúmeros métodos gráficos.
Seguindo esta rotina absolutamente impessoal, o “Sistema” analisa os resultados do “Protocolo” e, orientado por este, estabelece
um tratamento, também impessoal.
É como se disséssemos que todos os pacientes são iguais, as doenças se manifestam sempre da mesma maneira e o tratamento deve
ser o mesmo para todos com as características clínicas semelhantes.
Anula-se, aqui, o tão consolidado “raciocínio clínico”.
© Sociedade Brasileira de Clínica Médica
Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):67-8
RBCM 14.1.indb 67
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11/04/2016 16:00:06
Triviño T
De fato, este procedimento preenche os anseios da famigerada “estatística”, principal avalista das “metas”.
O que importa é que os dados por ela fornecidos tenham “significância “ e satisfaçam uma maioria, notadamente empresários,
instituições públicas ou privadas, pesquisadores e, por que não dizer, os políticos.
A mim esse processo sugere uma linha de montagem ou de produção, onde os “robôs” executam exatamente todo o “Protocolo”
estabelecido pelo “Sistema”, tendo como produto final exemplares com até 95% de boa qualidade, sendo os restantes 5% descartados do lote.
Na “Empresa Médica”, com suas “ferramentas”, o “Sistema” tem que seguir rigorosamente o “Protocolo”, obtendo, por vezes, 5%
ou mais de maus resultados que são contabilizados como “mortalidade dentro da estatística”.
Este simples insucesso é denominado “óbito” e ai, para constatá-lo e por ele se responsabilizar juridicamente, solicita-se não mais o
“Protocolo” ou o “Sistema”, mas sim aquele jovem de branco ou de jaleco, bem definido por um dos magnatas das empresas médicas
– milionário ostentado na capa da revista Época, – que o definiu como “uma mão de obra barata”.
Convenhamos, o ser humano, particularmente o doente, não é uma máquina quebrada ou em processo de revisão, não precisa de
uma indústria, de um “Sistema” ou de um “Protocolo” para sua restauração.
O ser humano é uma criatura racional, com particularidades absolutamente individuais, com sentimentos, reações próprias e,
portanto, únicas.
O ser humano doente, precisa de um outro ser humano conhecedor da arte hipocrática, que o ouça, o examine, o toque, o palpe, o
ausculte, solicite exames subsidiários pertinentes e não a granel, e que o trate não apenas com medicamentos e procedimentos – todos
sempre invasivos – mas com compreensão, com parceria, com cumplicidade.
Embora não se tenham ainda conscientizado, nossos empresários da medicina, nossos gestores responsáveis pela saúde, nem o
“Sistema” e muito menos o “Protocolo”, não dispõem desses ingredientes fundamentais para a recuperação da saúde e do estado de
equilíbrio social do ser humano.
Destinem-se às indústrias os “Sistemas” e “Protocolos”.
Reservem-se para os doentes a propedêutica, o raciocínio clínico e a terapêutica personalizada, sob medida e com carinho, envolvimento e a cumplicidade que nosso exercício exige.
Tarcisio Triviño
01.10.2015
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RBCM 14.1.indb 68
Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):67-8
11/04/2016 16:00:07
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