Revista da Sociedade Brasileira de Clínica Médica Volume 14 – Nº 1 Janeiro/Março 2016 E-mail para o envio de artigos: [email protected] Sumário Publicação Trimestral Fundada em 1989 Triênio 2014-2017 Presidente Antonio Carlos Lopes Vice-Presidente César Alfredo Pusch Kubiak Secretário Mário da Costa Cardoso Filho 1º Tesoureiro Sergio Emmanuele Graff Diretores Assuntos Internacionais Luis Roberto Ramos Marketing e Publicidade Maria de Fátima Guimarães Couceiro Educação Médica à Distância Milton Glezer Sociedade Brasileira de Clínica Médica Rua Botucatu, 572 - Conj. 112 04023-061 - São Paulo, SP Fone: (11) 5908-8385 Fax: (11) 5908-8381 E-mail: [email protected] Indexada nas Bases de Dados LILACS E LATINDEX QUALIS B5-Medicina I As citações da Revista Brasileira de Clínica Médica devem ser abreviadas para Rev Soc Bras Clin Med EDITORIAL 1 O clínico e a saúde da mulher The physician and women’s health RELATOS DE CASOS 38 Rabdomiólise com altos níveis de creatinofosfoquinase, sem evolução para insuficiência renal Eros Antonio de Almeida Rhabdomyolysis with high levels of creatine kinase, without progression to renal failure ARTIGOS ORIGINAIS 2 Avaliação do protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para o tratamento para hepatite B crônica nas regiões nordeste e norte do Brasil Iara Baldim Rabelo, Caio Pasquali Dias dos Santos, Eduardo Mares Caldeira, Fernando Amaral Junqueira Nóbrega, Flávia Ferreira Martins, Maísa Ribeiro de Souza, Mariana Martins Ferreira, Moara dos Santos Oliveira Rodrigues, Rafaela Dias Machado, Taís Justimiano Analysis of clinical protocol and guidelines therapeutic for treatment for chronic hepatitis B in northeast Brazil and regions north Sidelcina Rugieri Pacheco, Maria Isabel Magalhães Andrade dos Santos, Maria Isabel Schinoni, Raymundo Paraná, Mitermayer Galvão dos Reis, Luciano Kalabric Silva 8 Avaliação dos 12 anos da campanha de acesso público a desfibrilação Evaluation of ten years of the Campaign for public access defibrillation Manoel Fernandes Canesin, Alexsandro Oliveira Dias, Cíntia Magalhães Carvalho Grion, Elza Hiromi Tokushima Anami, Lucienne Tibery Queiroz Cardoso, Vivian Biazon El Redá Feijó 13 Fenilcetonúria: perfil e abandono de tratamento em centro de referência no Pará Phenylketonuria: profile and treatment abandon in reference center in Pará Luigi Ferreira e Silva, Gabriel Roberto Baena Rodrigues, Renata Henriques Cavalcante, José Antônio Cordero da Silva 18 Avaliação do estilo de vida de pacientes com infarto agudo do miocárdio admitidos em uma unidade coronariana Lifestyle assessment of patients with acute myocardial of admitted in a coronary unit Edelvita Fernanda Duarte Cunha, Antônio Marconi Leandro da Silva, Karen Ruggeri Saad, Thiago Araújo de Melo, Bruno Prata Martinez, Vitor Oliveira Carvalho, Gilson Soares Feitosa-Filho 22 Infecção de corrente sanguínea em um hospital terciário Bloodstream infection in a tertiary hospital Thiago Reis de Santana, Arnaldo Alves Lima Jr., Iza Maria Fraga Lobo, Jerônimo Gonçalves de Araújo 27 Distúrbios psiquiátricos menores em mulheres do extremo Sul do Brasil: prevalência e fatores associados Minor psychiatric disorders in women from southern Brazil: prevalence and associated factors Valéri Pereira Camargo, Renato Henrique Silva Nóbrega, Isabela Fonseca da Silva, Raúl Andrés Mendoza-Sassi 33 Perfil dos pacientes com síndromes coronarianas agudas em um hospital da Região Sul do Brasil Profile of patients with acute coronary syndromes in a hospital in Southern of Brazil Rafael Beppler da Silva, Charles Martins de Castro, Betine Pinto Moehlecke Iser, Lucas Jacometo Coelho de Castilho 41 Carcinoma Mucoepidermóide do Pulmão – estado da arte a propósito de um caso clínico Mucoepidermoid carcinoma of the lung – state of art with regard to a case report Cátia Isabel Ferreira da Silva Guimarães, Sandra Afonso André, José Manuel Fernandes Correia, Lucília Cristina de Almeida Martins de Matos, Fernando José Dias Nogueira 45 Pneumonia intersticial aguda (síndrome de Hamman-Rich): relato de caso e revisão de literatura Acute intersticial pneumonia (Hamman-Rich syndrome): a case report and literature review Fernando Vaz Vieira, Fabiano Bichuette Custódio, Antônio Carlos Oliveira Meneses 48 Doença coronariana obstrutiva grave em um adulto jovem com neurofibromatose tipo 1. Existe alguma conexão? Severe obstructive coronary artery disease in a young adult with neurofibromatosis type 1. Is there any connection? Mauro de Deus Passos, Gustavo Carvalho, Karen Anelize Toso Passos, Isabella Godoy Gomes ARTIGOS DE REVISÃO 52 Estado nutricional e qualidade de vida em idosos Nutritional status and quality of life in elderly Cássia de Almeida Merlo Sarzedo Garcia, Maria Clara Moretto, Maria Elena Guariento 57 A importância do diagnóstico precoce de câncer bucal em idosos The importance of early diagnosis of oral cancer in the elderly Stella Vidal de Souza Torres, Alessandra Sbegue, Sandra Cecília Botelho Costa 63 Uso do lítio no tratamento do Alzheimer Use of lithium in Alzheimer’s treatment Márcio Kamada, Anna Gabriella Netto Mattar, Mariana Prado Fontana PONTO DE VISTA 67 Sistemas e protocolos Systems and protocols Tarcisio Triviño A Revista da Sociedade Brasileira de Clínica Médica não assume qualquer responsabilidade pelas opiniões emitidas nos artigos I RBCM 14.1.indb 1 11/04/2016 15:59:59 EDITORIAL O clínico e a saúde da mulher The physician and women’s health O congresso da Sociedade Brasileira de Clínica Médica realizado em outubro de 2015 na cidade de Florianópolis/SC, recebeu aproximadamente 1200 trabalhos científicos, os quais foram apresentados em formato de pôster e apresentações orais. O trabalho da comissão científica foi árduo, mas prazeroso, uma vez que se constatou a excelência de vários estudos, assim como a diversidade do conhecimento proveniente de várias regiões do Brasil. Isto só é possível em eventos de clínica médica, onde todos os tópicos têm receptividade e aplicabilidade prática. Por outro lado, é admissível que os autores queiram publicar os resultados em veículos de comunicação com maior abrangência de público, além do participante do evento. Neste sentido, a revista da Sociedade Brasileira de Clínica Médica tem se prestado a este serviço, se mostrando como opção para este fim. No presente volume está publicado um dos estudos apresentados no congresso em Florianópolis, ao qual foi autorgado prêmio de segundo lugar como o melhor trabalho apresentado, intitulado “Distúrbios psiquiátricos menores em mulheres adultas do extremo sul do Brasil, de Valéri Pereira Camargo e colaboradores, um estudo tipo transversal, de base populacional. O estudo faz parte de outro maior envolvendo mulheres residentes em Rio Grande, município do Rio Grande do Sul, de 96 mil pessoas apenas em região urbana. O projeto se preocupou em verificar dados de educação, conhecimento de fatores de risco e utilização de serviço de saúde por mulheres deste município do extremo sul do país. Em princípio, os autores do presente artigo valorizaram os distúrbios psiquiátricos, uma vez que aqueles orgânicos são prioritariamente identificados pelos serviços de saúde, assim como pelos próprios usuários. No entanto, não há barreiras identificáveis entre os dois polos em saúde, geralmente ocorrendo interferências entre um e outro. Estas situações muitas vezes não são percebidas, mas podem ser modificadas, revertendo em melhora para o indivíduo como um todo. Assim, os autores verificaram a prevalência dos transtornos psiquiátricos menores e a relação com fatores sociais, econômicos e comportamentais, fatores estes perfeitamente passíveis de modificações. O delineamento do projeto foi extremamente cuidadoso, com tamanho amostral planejado estatisticamente, sendo entrevistadas mais de 1500 mulheres adultas que responderam questionário já validado no Brasil (SRQ20)(1). Os autores verificaram que queixas difusas como sintomas depressivos, estados de ansiedades, irritabilidade, insônia, fadiga, dificuldade de concentração, de memória e sensação de inutilidade, considerados como distúrbios psiquiátricos menores, esteve presente em 21,76% das mulheres entrevistadas, sendo esta frequência elevada. Estes transtornos psiquiátricos estiveram associados a fatores modificáveis, principalmente à situação econômica, à falta de suporte social e à morbidades, sendo este último um fator já conhecido como gerador de depressão. Os resultados apontam para a necessidade de rastreamento dos distúrbios psiquiátricos menores nos doentes em geral, mas principalmente em mulheres, as quais estão sempre mais expostas a fatores estressores. A revista da Sociedade Brasileira de Clínica Médica se sente prestigiada por publicar artigos de tal natureza que traz a tona “iniquidades”, nas palavras dos autores, envolvendo as mulheres. Preocupação, também, tem sido da revista em relação à saúde especificamente das mulheres, chamando a atenção para o tema em publicações recentes, como o editorial do último volume de 2016, abordando o câncer de mama, sob o slogan de Outubro Rosa(2). Também, em edição anterior foi publicada revisão da literatura por importantes cardiologistas do Brasil sobre o coração da mulher(3). Embora os autores do artigo do atual volume da revista considerem que o rastreamento dos distúrbios psiquiátricos menores deva ser utilizado na atenção básica, pensamos que o clínico, em qualquer segmento da atenção à saúde, seja o médico que melhor possa identificar, conduzir, tratar ou encaminhar corretamente estas pacientes portadoras de tais eventos. Isto se dá, uma vez que de todos os médicos, o clínico é aquele com a capacidade e dever de abordar a doentes e não a doenças, com visão holística do indivíduo, sem estabelecer barreiras entre o somático e o psicológico. Eros Antonio de Almeida REFERÊNCIAS 1. Mari JJ, Williams P. A validity study of a psychiatric screening questionnaire (SRQ20) in primary care in the city of São Paulo. Br J Psychiatry 1986;148:23-6. 2. Cardoso Filho C, Santos CC, Shinzato JY. “Outubro rosa” – O que há por trás desta iniciativa? Rev Soc Bras Clin Med. 2015;13(4):231-2. 3. Chagas AC, Dourado PM, Dourado LA. Woman’s heart – differences that make a difference. Rev Soc Bras Clin Med. 2014; 12(1):84-92. © Sociedade Brasileira de Clínica Médica Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):1 RBCM 14.1.indb 1 1 11/04/2016 16:00:00 ARTIGO ORIGINAL Avaliação do protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para o tratamento para hepatite B crônica nas regiões nordeste e norte do Brasil Analysis of clinical protocol and guidelines therapeutic for treatment for chronic hepatitis B in northeast Brazil and regions north Sidelcina Rugieri Pacheco1, Maria Isabel Magalhães Andrade dos Santos1, Maria Isabel Schinoni2, Raymundo Paraná2, Mitermayer Galvão dos Reis1, Luciano Kalabric Silva1 Recebido do Centro de Pesquisa Gonçalo Moniz- Fundação Oswaldo Cruz. RESUMO ABSTRACT No Brasil o tratamento para Hepatite B cônica, tem sido disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde há mais de 10 anos. O objetivo foi analisar o tratamento dos pacientes com hepatite B crônica, em dois Centros de Referência em Hepatites Virais na Região Nordeste e Norte do Brasil, comparando com o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Hepatite B do Ministério da Saúde. Foram incluídos no estudo 527 pacientes em atendimento ambulatorial. No algoritmo 4.1 foi observado que existe uma dificuldade em seguir a recomendação do Ministério da Saúde, nos dois serviços de referência, 78,9% e 72% Região Nordeste e Norte respectivamente. O algoritmo 4.2, foi o algoritmo que apresentou no geral mais de 90% de seguimento na recomendação do Protocolo Clínico, devido que os pacientes são na sua grande maioria AgHBe negativo. O algoritmo 4.3 aproximadamente 85% dos pacientes da Região Nordeste estava dentro da recomendação do Protocolo Clínico para Hepatite B crônica, entretanto, nenhum paciente da Região Norte. O Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas para Hepatite B foi um grande passo e avanço. Uma ferramenta importantíssima dentro da realidade do tratamento para Hepatite B e foi possível incorporar novas drogas e indicadores de tratamento embasados na Medicina Baseada em Evidencias e nos Consensos Internacionais pelo Ministério da Saúde. In Brazil the treatment for Hepatitis B conical, has been provided by the National Health System for over 10 years. The aim was to analyze the treatment of patients with chronic hepatitis B in two reference centers in Viral Hepatitis in the Northeast and North of Brazil, compared to the Clinical Protocol and Therapeutic Guidelines Hepatitis B of the Ministry of Health. The study included 527 patients in outpatient care. In algorithm 4.1 it was observed that there is a difficulty in following the recommendation of the Ministry of Health in two reference centers, 78.9% and 72% northeast and north respectively. The 4.2 algorithm, the algorithm was presented in general more than 90% follow-up on the recommendation of the Clinical Protocol because patients are mostly negative HBeAg. The algorithm 4.3 approximately 85% of patients in the Northeast was in the recommendation of the Clinical Protocol for chronic hepatitis B, however, no patients in the Northern Region. The Clinical Protocol Therapeutic Guidelines for Hepatitis B was a big step and advance. An important tool within the reality of treatment for hepatitis B and it was possible to incorporate new drugs and treatment indicators grounded in Evidence-Based Medicine and the International Consensus by the Ministry of Health. Descritores: Hepatite B; Guias como assunto; Antivirais; Brasil Keywords: Hepatitis B; Guidelines as topic; Antiviral agents, Brazil INTRODUÇÃO 1. Centro de Pesquisa Gonçalo Moniz – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 2. Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil. Data de submissão: 21/10/2015 – Data de aceite: 06/11/2015 Conflito de interesse: não há. Endereço para correspondência: Sidelcina Rugieri Pacheco Rua Waldemar Falcão, 121 – Candeal CEP: 40296-710 – Salvador, BA, Brasil Tel.: (71) 3176-2254 – E-mail: [email protected] CEP-HUPES: Protocolo: 31177 /12: CAAE 01315812.0.0000.0049 CEP-FIOCRUZ: Protocolo: 238/2011 CAAE: 04074012.2.0000.5009 CEP-FUNDHACRE: Protocolo: 144.499/12 CAAE: 04074012.2.0000.5009 © Sociedade Brasileira de Clínica Médica 2 RBCM 14.1.indb 2 A hepatite B crônica (HBC) é um problema de saúde pública mundial, foi considerada recentemente pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma pandemia, exisitindo aproximadamente 400 milhões de infectados no mundo, tendo um grande impacto pessoal, social e econômico1. O tratamento da HBC tem como objetivo a supressão sustentada da replicação do vírus, a remissão do estado necroinflamatório hepático e a redução dos estágios avançados de fibrose, prevenindo assim, a insuficiência hepática, cirrose e a evolução para o carcinoma hepatocelular(2,3). No Brasil o tratamento para HBC, tem sido disponibilizado pelo Sistema Único de Sáude (SUS) há mais de 10 anos, com a indicação do interferon-alfa (IFN) como primeira linha de escolha. Diversos medicamentos foram aprovados para tratamento Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):2-7 11/04/2016 16:00:00 Avaliação do protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para o tratamento para hepatite B crônica nas regiões nordeste e norte do Brasil a partir de então, atualmente estão aprovados para o tratamento, os análogos de nucleos(t)ídeos (AN) Lamivudina (LAM), o Adefovir dipivoxil (ADV), Entecavir (ETV), e Tenofovir (TDF), respectivamente(4-6). O AN são administrados via oral, inibem a transcrição reversa, que ocorre durante o ciclo de replicação viral no hepatócito. O tratamento para HBC é baseado na eficácia, segurança, incidência de resistência, via de administração, custo, presença ou ausência de cirrose. Entretanto, o tratamento com AN é a longo prazo, podem favorecer as mutações de resistência no genoma de HBV, tendo um forte impacto na resposta ao tratamento e no curso da doença(4,7). Foram organizados consensos terapêuticos (guidelines), na Europa e nos Estados Unidos que servem como referência para outros países, pautados principalmente nos níveis sericos de aminotransferases (ALT/AST), carga viral (HBV-DNA) (em inglês: Hepatitis B virus), AgHBe positivo ou negativo, e cirrose(8-10). O Ministério da Saúde(5), através do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para o Tratamento da Hepatite Viral Crônica B e Co-infecções (2011), amplia, regulamenta e universaliza a nível nacional os critérios e acesso ao tratamento para hepatite B, categoriza os algoritmos de tratamento, opções de terapia de resgate e as indicações para pacientes co-infectados, embasado nas recomendações da Organização Mundial de Saúde, nas Diretrizes Internacionais para o HBC e na Medicina Baseada em Evidências. A partir de então, a comunidade médica, tem um guia para orientação na conduta clínica. O Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para o Tratamento da Hepatite Viral Crônica B e Co-infecções apresenta basicamente três algoritmos de tratamento. O algoritmo 4.1 engloba os pacientes virgens de tratamento, AgHBe + (positivo) e não cirróticos, o 4.2 os pacientes virgens de tratamento, AgHBe (negativo) e não cirróticos e o algoritmo 4.3 abrange os pacientes virgens de tratamento, cirróticos e AgHBe independente se for positivo ou negativo. No protocolo há abordagens para terapia de resgate, para pacientes que foram tratados, as mutações para resistência, e situações especiais, como tratamento em crianças, co-infectados por HIV (em inglês: Human immunodeficiency vírus), VHC (em inglês: viral hepatitis C) e VHD (em inglês: viral hepatitis Delta). O objetivo deste estudo, foi analisar a condução do tratamento para os pacientes com hepatite B crônica, na Região Nordeste representado pelo Ambulatório de Refêrencia de Hepatologia do Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgard Santos (HUPES-UFBA) em Salvador, Bahia e na região Norte pela Fundação Hospitar do Estado do Acre (FUNDHACRE) do Hospital das Clínicas do Acre, em Rio Branco, comparando a conduta terapêutica, com o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Hepatite Viral Crônica B do Ministério da Saúde. MÉTODOS Trata-se de um estudo exploratório descritivo do tipo corte transversal, que abrange o período de 2011 a 2015. Foram incluídos 527 pacientes com HBC em acompanhamento nos Ambulatórios de Referências de Hepatologia do Complexo HUPES (Região Nordeste) e do FUNDHACRE (Região Norte). Este estudo foi submetido de acordo com a resolução vigente em 2011 (196/96) do Conselho Nacional de Saúde, tendo obtido parecer favorável do comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Centro de Pesquisa Gonçalo Moniz -Fundação Osvaldo Cruz (CEP-CPqGM), CEP-HUPES e do CEP-FUNDHACRE. Todos os participantes com HBC em atendimento ambulatorial foram convidados a participar do estudo mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foi realizada entrevista e revisões de prontuários dos participantes a fim de obtermos os resultados de exames sorológicos (AgHBs, AgHBe, anti-HBs, anti-HBe, anti-VHC, anti-HDV, VDRL (Venereal Disease Research Laboratory), anti-HIV, anti-­ HTLV I/II), bioquímicos (ALT, AST), virológicos (Carga ViralHBV DNA), e esquema terapêutico adotado. Os questionários aplicados durante a entrevista apresentavam codificação, não permitindo a identificação do indivíduo. Os dados foram analisados através do pacote estatístico Software SPSS versão 21.0 para Windows. Os eventos de interesse foram descritos através de frequências e de medidas de tendência central (média, mediana) e dispersão (desvio-padrão). Os pacientes foram categorizados nos algoritmos 4.1, 4.2 e 4.3, conforme suas características clínicas e resultados laboratoriais para o monitoramento ou tratamento contidos no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para o Tratamento da Hepatite Viral Crônica B e Coinfecções (2011). RESULTADOS Foram incluídos no estudo 320 pacientes com HBC em acompanhamento no Ambulatório de Referência do Complexo HUPES. A maioria dos pacientes foi do sexo masculino (59,3%), a faixa etária foi de 18 a 83 anos com uma média de idade e desvio padrão de 44,75±12,4. O tempo médio de acompanhamento ambulatorial são de 8 anos, com uma faixa que se estende de 1 a 20 anos de acompanhamento (Tabela 1). No FUNDHACRE foram incluídos 207 pacientes em acompanha- Tabela 1. Características sócio-demográficas dos pacientes com HBC atendido no HUPES-UFBA e no FUNDHACRE, 2011-2015 Características demográficas Sexo Masculino Idade Mínimo Máximo N*=320 179 18 83 HUPES % Média±DP 59,3 44,75±12,4 N*=207 FUNDHACRE % 87 42 18 72 Média±DP 40,36±13,9 *Resultado varia de acordo com a disponibilidade dos dados. Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):2-7 RBCM 14.1.indb 3 3 11/04/2016 16:00:00 Pacheco SR, Santos MI, Schinoni MI, Paraná R, Reis MG, Silva LK mento no Ambulatório de Referência de Hepatites, a maioria foi do sexo feminino com 57,0%, a faixa etária foi de 18 a 72 anos com uma média de idade de 40,36±13,9. Os pacientes foram todos diagnosticados com HBC, apresentaram AgHBs positivo (100%) por mais de 6 meses. A maior frequência foi dos pacientes AgHBe negativos com 86,1% (390), AgHBe positivo com 13,9% (63). Entretanto, 74 pacientes não tinham no momento da coleta dos dados informações para AgHBe. Os níveis séricos das aminotransferases (ALT e AST) e carga viral detectável (VHB-DNA) foram avaliados no pré-tratamento. Os níveis de aminotransferases ALT/AST dos pacientes do Complexo HUPES 78% estavam com os níveis séricos normais, dentro dos valores de referência, e 22% estavam com os níveis elevados, acima do valor de referência. O VHB-DNA foi detectável em 59,3%. Os níveis de aminotransferases ALT/AST dos pacientes do FUNDACRE 71,4% estavam com os níveis séricos normais, dentro dos valores de referência, e 28,6% estavam com os níveis elevados, acima do valor de referência. O VHB-DNA foi detectável em 99,5% (Tabela 2). Os pacientes do Complexo HUPES que estão em tratamento para HBC correspondem a 41,1% e os não tratados (virgens de tratamento), que são os que nunca utilizaram droga para o tratamento da HBC, correspondem a 58,9%. As drogas mais utilizadas foram entecavir (ETV) 42,1%, tenofovir (TDF) 23,6%, lamivudina (LAM) 20%, inteferon (IFN)14,3%, e adefovir (ADF) 3,6%. Os pacientes do FUNDHACRE que estão em tratamento para HBC correspondem a 27,1% e os não tratados, correspondem a 72,9%. As drogas mais utilizadas foram IFN 38,5%, ETV 32,7%, TDF 30,8% e LAM 3,8% (Tabela 3). Os pacientes do Complexo HUPES que foram avaliados para o seguimento do Protocolo de Diretrizes Terapêuticas para HBC foram 85% (272), sendo que dos 320 pacientes que foram considerados com HBC, devido a presença de AgHBs por mais de 6 meses, 15% (48) não tinham alguns dos critérios descritos no prontuários para que fossem alocados dentro dos algoritmos (4.1, 4.2 e 4.3 ou co-infectados) e 8,4% (24) estão em tratamento, antes das Diretrizes do Ministério da Saúde entrar em vigor (2011). No algoritmo 4.1 que tem como critérios virgem de tratamento, AgHBe +, não cirrótico, 78,9% seguiram o que está preconizado no Protocolo. No algoritmo 4.2 que tem como critérios virgem de tratamento, AgHBe -, não cirrótico, 91,5% seguiram o que está preconizado no Protocolo. No algoritmo 4.3 que tem como critérios virgem de tratamento, AgHBe + ou -, cirrótico, 75% seguiram o que está preconizado no Protocolo. Os co-infectados que são menos de 2% dos pacientes, não poderam ser avaliados, devido que estão ou foram tratados antes da diretriz entrar em vigor. Os pacientes do FUNDHACRE que foram avaliados para o seguimento do Protocolo de Diretrizes Terapêuticas para HBC foram 88,8% (184), sendo que dos 207 pacientes que foram considerados com HBC, devido a presença de AgHBs por mais de 6 meses, 11,1% não tinham alguns dos critérios descritos nos prontuários para que fossem alocados dentro dos algoritmos (4.1, 4.2 e 4.3 ou co-infectados). No algoritmo 4.1 que 72% seguiram o que está preconizado no Protocolo. No algoritmo 4 RBCM 14.1.indb 4 4.2, 85,6% seguiram o que está preconizado no Protocolo. No algoritmo 4.3 nenhum paciente tinha os critérios para ser alocados. Para co-infecções, 25 pacientes apresentaram reativos para o anti-VHD (hepatite delta), e 24% seguiram a recomendação de tratamento (Tabela 4). DISCUSSÃO Os Protocolos Clínico ou Diretrizes Terapêuticas são ferramentas que se configuram como um tipo de tecnologia lógica que visam organizar, uniformizar a conduta dos profissionais da saúde diante das diversas situações que possam enfrentar na rotina dos serviços de saúde(11). Eles se propõem a nortear as tomadas de decisões e manejo terapêutico desses profissionais através do delineamento de diretrizes clínicas embasadas no movimento internacional da Medicina Baseada em Evidências(12). Seguindo essa tendência mundial, o Brasil desde 2002, inicialmente por meio de portarias, estabelecem consensos para tratamento para hepatite B(11,13). Um marco foi alcançado com o lançamento em 2011 do Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas para o manejo da Hepatite B, que tem como objetivo uniformizar a nível nacional, o uso racional do arsenal terapêutico, pautado em algoritmos de tratamento (4.1, 4.2 e 4.3 e co-infecTabela 2. Resultados dos marcadores bioquímicos ALT/AST e HBVDNA na admissão e no pré-tratamento dos pacientes HBC em acompanhamento ambulatorial, atendidos no HUPES-UFBA e no FUNDHACRE, 2011-2015 Marcadores bioquímicos Pré-tratamento Aminotransferases (ALT/AST) Normal Elevada HBV-DNA Detectável HUPES n=295 % FUNDHACRE n=196 % 238 67 78 22 140 56 71,4 28,6 175 59,3 195 99,5 *Total varia conforme a disponibilidade do dado na revisão de prontuário. Tabela 3. Características do tratamento antiviral dos pacientes com HBC atendido no HUPES-UFBA e no FUNDHACRE 2011-2015 HUPES n=307 % Tratamento Histórico de tratamento Não tratados Em curso Droga antiviral IFN LAM ENT ADF TDF FUNDHACRE n=199 % 181 126 58,9 41,1 145 54 72,9 27,1 20 28 59 5 33 14,3 20 42,1 3,6 23,6 20 2 17 38,5 3,8 32,7 16 30,8 *Total varia conforme a disponibilidade do dado na revisão de prontuário. Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):2-7 11/04/2016 16:00:00 Avaliação do protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para o tratamento para hepatite B crônica nas regiões nordeste e norte do Brasil Tabela 4. Comparação do tratamento antiviral indicado para os pacientes com HBC com o Protocolo de Diretrizes Terapêuticas atendido no HUPES-UFBA e no FUNDHACRE, 2011-2015 HUPES Algoritmo de tratamento 4.1 Virgem de tratamento, AgHBe+, não cirrótico 4.2 Virgem de tratamento, AgHBe-, não cirrótico 4.3Virgem de tratamento, AgHBe+ou-, cirrótico Co-infectado HBV-VHD FUNDHACRE Elegíveis n=272 38 Seguiram a recomendação do MS 30 78,9 Elegíveis n=184 25 Seguiram a recomendação do MS 18 72 194 178 91,5 134 119 85,6 16 12 75 - - - - - - 25 6 24 % % *Total varia conforme a disponibilidade do dado na revisão de prontuário. ções) principalmente na presença ou ausência do AgHBe, níveis de ALT e carga viral (DNA-VHB)(5). O ambulatório Magalhães Neto, do Complexo HUPES da Região Nordeste, e o Serviço de Assistência Especializada do FUNDHACRE da Região Norte são considerados como referência para os pacientes com hepatites virais, atuando há mais de 20 anos no acompanhamento, monitoramento e tratamento dos pacientes com hepatite B crônica. Os pacientes em atendimento ambulatorial do Complexo HUPES são na sua grande maioria do sexo masculino, em média 8 anos de acompanhamento ambulatorial e mais de 70% foram AgHBe-. Os pacientes do FUNDHACRE foram na sua grande maioria do sexo feminino, e mais de 80% foram AgHBe-. No geral, 86,1% foram AgHBe-. Os pacientes AgHBe- são os que tendem a evoluir clinicamente para as formas mais grave da doença hepática crônica. E muitos trabalhos vem demonstrando, principalmente no Brasil, essa realidade da maior prevalência dos pacientes HBC com marcador sorológico AgHBe-(14-17). A avaliação do paciente pré-tratamento é fundamental e objetiva selecionar os indivíduos que serão tratados ou que continuarão a ser monitorados. A conduta clínica deve ser pautada, no status clínico, exame físico, histologia hepática, provas de função hepática, mas principalmente nos níveis séricos das aminotransferases (ALT, AST), e sorologias para o VHB (AgHbs, AgHbe/anti-Hbe, anti Hbc (total e IgM), anti-Hbs), HIV, VHC e VHD (co-infecções) e níveis de HBV DNA(4,8). Em relação aos pacientes que tiveram histórico de tratamento, desse universo, os pacientes virgens de tratamento foram 58,9% do Complexo HUPES e 72,9% do FUNDHACRE. Em relação aos pacientes em tratamento, 41,1% do Complexo HUPES e 27,1% do FUNDHACRE. Nos dois serviços as maiores frequências são de pacientes virgens de tratamento, que estão sendo monitorados para ALT/AST e HBV-DNA, como prevê o Protocolo de Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde. Para o primeiro esquema terapêutico, a maior frequência de indicação ao tratamento formam os AN, ETV e TNF, correspondendo a mais de 60% das prescrições. Dois pontos podem ser destacados em relação a maior frequência dessas drogas, primeiro que seguindo a recomendação do Ministério da Saúde, pelo o Protocolo de Diretrizes Terapêuticas, os pacientes AgHBe- devem ser tratados como primeira droga de escolha Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):2-7 RBCM 14.1.indb 5 por ETV e TNF, e segundo são drogas que tem maior barreira genética, diminuindo assim o risco de adquirir a longo prazo resistência antiviral. O algoritmo 4.1 que abrange os pacientes virgens de tratamento AgHBe+ e não cirróticos, quando apresenta ALT normal, o paciente deve ser monitorado a cada 3 meses, entretanto, se o paciente apresentar ALT alterada, o tratamento deve ser iniciado com IFN, independente da carga viral DNA-VHB, isto é explicado porque os pacientes que apresentam AgHBe+, existe uma alta probabilidade da carga viral estar acima de 20.000UI/ml. O IFN foi à primeira droga aprovada para o tratamento para os pacientes com HBC, o tratamento tem em média uma duração de 16 a 24 semanas. Entretanto foi observado que existe uma dificuldade em seguir a recomendação do Ministério da Saúde, nos dois serviços de referência, os que se enquadraram no algoritmo 4.1, apenas 78,9% no Complexo HUPES e 72% no FUNDHACRE, seguiram o que está preconizado no Protocolo Clínico. Todavia, apesar de não estar devidamente documentado no prontuário do paciente, há contraindicações ao uso do IFN descrito no Protocolo Clínico, como descompensação hepática, gestação, neoplasias, infecções ativas, doenças auto-imunes, granulocitopenia ou plaquetopenia críticas, depressão psíquica acentuada, além de concomitâncias mórbidas de maior gravidade pelos eventos adversos associados ao IFN(18). O IFN como qualquer outra droga apresenta vantagens e desvantagens, apesar da administração ser intramuscular, três vezes por semana, entretanto têm como vantagem o período determinado de tratamento, maior taxa de redução de AgHBe e AgHBs, a Resposta Virológica Sustentada (RVS) nos pacientes e a ausência de resistência ao IFN. Contudo, são diversos os efeitos adversos e sua utilização é limitada em pacientes com doença hepática avançada ou descompensada(19). Utilizando os parâmetros adotados no Brasil, no aspecto econômico demonstrou ser a alternativa com a melhor relação custo-efetividade. Ou seja, os efeitos alcançados justificam o valor gasto com a droga(20). Em relação ao algoritmo 4.2 que abrange os pacientes virgens, mas AgHBe-, quando a ALT alterada e carga viral acima de 2000UI/ml, o paciente deve ser tratado com TDF, caso existe contraindicação em pacientes renais crônicos, indica-se o ETV. Os AN como são administrados via oral, os eventos adversos são 5 11/04/2016 16:00:00 Pacheco SR, Santos MI, Schinoni MI, Paraná R, Reis MG, Silva LK praticamente inexistentes, o risco é mínimo ou ausente de resistência, boa tolerabilidade e RVS obtida na grande maioria dos pacientes aderentes ao tratamento(21). Os pacientes atendidos nos dois serviços, são na sua maioria AgHBe negativo, e são os estão dentro dessa recomendação do Ministério da Saúde, e foi o algoritmo que apresentou no geral mais de 90% de seguimento na recomendação do Protocolo Clínico. O algoritmo 4.3 abrange os pacientes cirróticos, independente da positividade do AgHBe, da carga viral DNA-VHB e dos níveis de aminotransferases, o critério central nesse algoritmo é a classificação do Child-Pugh. Resumidamente, os pacientes que foram classificados como Child-Pugh A, AgHbe-, se os níveis de aminotransferases estiverem normais e a carga viral DNA-VHB estiverem <200UI/ml os pacientes devem ser monitorados, agora, se os níveis de aminotransferases estiverem alteradas e o DNA-VHB >200UI/ml o tratamento é indicado, como primeira droga de escolha, o entecavir. Os pacientes classificados como Child- Pugh B e C, encaminhados para o ambulatório de transplante hepático. Nesse algoritmo, aproximadamente 85% dos pacientes do Complexo HUPES estavam dentro da recomendação do Protocolo Clínico para Hepatite B crônica, entretanto, nenhum paciente do FUNDHACRE tinha os critérios para ser alocados dentro desse algoritmo. Uma particularidade dos pacientes do FUNDHACRE, como são pacientes que estão na área endêmica da região da Amazônia ocidental, existe uma alta prevalência de co-infecção com o vírus da Hepatite D (delta), considerada como uma superinfecção podendo evoluir para hepatite fulminante(22-24). Dos pacientes do presente estudo, 12,1%(25) apresentaram co-infecção com VHB-VHD, e destes apenas 24% seguiram a recomendação do Protocolo Clínico para co-infecções, entretanto, como trata-se de um estudo de corte-transversal, isto é a realidade no momento da coleta de dados. Para os pacientes co-infectados com o vírus delta, quando diagnosticado o paciente deve ser tratado com IFN-peg ou se a o VHB-DNA for acima de 2000UI/mL o tratamento deve ser IFN-LAM ambos por 48 semanas. Como trata-se de uma doença grave e poucos são os estudos clínicos controlados efetivos e os AN, como LAM e ADF não apresentaram resultados satisfatórios, apenas o IFN, o Protocolo Clínico recomenda que todos os casos deverão ser seguidos e notificados ao Programa Nacional de Hepatites Virais para que se faça o monitoramento dos resultados. Com base nos resultados discutidos, há alguns pontos que devem ser considerados e apontados para futuras discussões e adaptações do protocolo. Os pacientes virgens de tratamento, por exemplo, podem apresentar mutações de resistência, sendo assim, torna-se importante antes do início do tratamento, realizar o levantamento das mutações antes da decisão da melhor escolha terapêutica, o rastreamento das mutações permite a escolha da melhor droga que pode aumentar as chances de alcançar a RVS(25-27). Outro ponto que deve ser abordado é a quantificação do AgHBs que se destaca como indicador prognóstico e na avaliação de resposta ao tratamento. Foi observado que os pacientes em uso de AN apresentam um padrão de declínio do AgHBs variável, sendo pouco frequente a ocorrência de clareamento do 6 RBCM 14.1.indb 6 AgHBs durante o tratamento com AN(28,29). Entretanto, a perda do AgHBs e a soroconversão para anti-HBs podem ocorrer espontaneamente em 1 a 3% dos casos por ano, geralmente após vários anos com HBV-DNA persistentemente indetectável(30). O rastreamento das mutações de resistência e a quantificação do AgHBs podem ser uma mais uma alternativa para auxiliar na tomada de decisão e no manejo clínico, que no Brasil não está disponibilizado na Rede Pública, apenas em poucos laboratórios particulares ou em protocolos de pesquisa. O Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas para Hepatite B, foi um grande passo e avanço. Uma ferramenta importantíssima dentro da realidade do tratamento para Hepatite B e foi possível incorporar novas drogas e indicadores de tratamento embasados na Medicina Baseada em Evidencias e nos Consensos Internacionais pelo Ministério da Saúde. Entretanto, passados quase 5 anos da sua incorporação, torna-se necessário atualizar com as novas propostas apresentadas nas revisões dos Consensos Internacionais e na produção científica, avaliar as lacunas de classificação dos algoritmos para que todos os pacientes possam ser alocados corretamente e facilitando que os mesmos possam alcançar a RVS no tratamento para Hepatite B. Agradecimentos A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio financeiro através do processo 478322/2012-7. REFERÊNCIAS 1. Trépo C, Chan HL, Lok A. Hepatitis B virus infection. Lancet. 2014;384(9959):2053-63. 2. Chen CJ, Yang HI, Su J, Jen CL, You SL, Lu SN, Huang GT, Ilorjr UH; REVEAL-HBV study group. Risk of hepatocellular carcinoma across a biological gradient of serum hepatitis B virus DNA level. JAMA. 2006;295(1):65-73. 3. Ganem D, Prince AM. 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Serum hepatitis B virus DNA levels and liver histology in inactive HBsAg carriers. J Hepatol. 2002;36(4):543-8. 7 11/04/2016 16:00:01 ARTIGO ORIGINAL Avaliação dos 12 anos da campanha de acesso público a desfibrilação Evaluation of ten years of the Campaign for public access defibrillation Manoel Fernandes Canesin1, Alexsandro Oliveira Dias1, Cíntia Magalhães Carvalho Grion1, Elza Hiromi Tokushima Anami1, Lucienne Tibery Queiroz Cardoso1, Vivian Biazon El Redá Feijó1 Recebido da Universidade Estadual de Londrina, Hospital Universitário de Londrina, Londrina, PR, Brasil. RESUMO ABSTRACT JUSTIFICATIVA: Campanhas públicas e leis que visam desenvolver métodos de esclarecimento e incentivo na busca de informações sobre o tratamento da parada cardiorrespiratória devem ser objetivo de todos e implicam em excelentes resultados em todas as esferas de leigos, gestores e profissionais de saúde. OBJETIVO: Avaliar o impacto de uma Campanha de Acesso Público a Desfibrilação na população leiga, profissionais de saúde e gestores. MÉTODO: A pesquisa quantitativa foi desenvolvida após a avaliação de 12 anos das atividades efetuadas por uma Comissão de Ressuscitação Cardiopulmonar sobre a Campanha de Acesso Público a Desfibrilação voltada para as manobras de ressuscitação cardiopulmonar. RESULTADOS: Como principais resultados diretos e indiretos nos 12 anos de análise, promoveu-se a realização de cursos de suporte básico de vida para profissionais de saúde e leigos, cursos de suporte avançado de vida em cardiologia para profissionais de saúde, treinamento em massa para a população geral, implantação da temática no currículo da Faculdade de Medicina e a primeira lei de Acesso Público a Desfibrilação da América Latina, assim como o modelo para a lei federal que se encontra em tramitação. CONCLUSÕES: É evidente que mesmo com os resultados positivos ainda há necessidade real de maior número de profissionais e leigos treinados, assim como o amplo estabelecimento dos cinco elos atuais da corrente de sobrevivência em nosso terri­tório nacional, podendo outras campanhas, espelhadas nesta, serem implantadas. BACKGROUND: Public campaigns and laws developing methods of enlightenment and encouragement in finding information on the treatment of cardiac arrest should be the objective of all and imply excellent results in all spheres of lay people, government managers and health professionals. OBJECTIVE: To evaluate the impact of a Public Access Defibrillation Campaign implementation in the lay population, health professionals and government managers. METHODS: The quantitative study was conducted after the 12 year review of the activities undertaken by a Hospital Committee of Cardiopulmonary Resuscitation and a Campaign for Public Access Defibrillation geared toward cardiopulmonary resuscitation. RESULTS: The main direct and indirect results in the 12 years of analysis promoted courses in basic life support for health professionals and lay public, courses of advanced cardiac life support for health professionals, mass training for general population, implementation of the thematic curriculum in the School of Medicine and the first law of Public Access Defibrillation in Latin America as well as the model for the federal law that steel in progress. CONCLUSIONS: It is clear that with the direct and indirect experiences of these 12 years of Public Access Defibrillation Campaign we shown positive results. There is real need for more professionals and trained lay people as well as the extensive establishment of five current links in the chain of survival in our Nationwide. Descritores: Ressuscitação; Desfibriladores; Capacitação profissio­ nal; Cardiologia; Avaliação de resultados (Cuidados de saúde) Keywords: Resuscitation; Defibrillators; Professional training; Cardiology; Outcomes assessment (Health care) INTRODUÇÃO 1. Universidade Estadual de Londrina, Hospital Universitário de Londrina, Londrina, PR, Brasil. Data de submissão: 09/07/2015 – Data de aceite: 03/11/2015 Conflito de interesse: não há. Endereço para correspondência: Manoel Fernandes Canesin Hospital Universitário de Londrina Departamento de Medicina Avenida Robert Koch, 60 – Vila Operária CEP: 86038-440 – Londrina, PR, Brasil Tel.: (43) 3371-2395 – E-mail: [email protected] © Sociedade Brasileira de Clínica Médica 8 RBCM 14.1.indb 8 Morte súbita é uma das principais causas de morte em todo mundo(1), sendo dever da sociedade, conscientizar e capacitar profissionais de saúde e leigos para o seu enfretamento(2). Para que isto aconteça, o envolvimento e conscientização da sociedade são fundamentais. Algumas cidades no mundo se empenharam em organizar um serviço médico especializado (SME) voltado para o atendimento da parada cardiorrespiratória (PCR), com adoção da corrente de sobrevivência(3,4). A realização dos elos dessa corrente demonstra-se fundamental para o bom desfecho no que se refere à sobrevida do paciente(5,6). No Brasil, no ano de 2000 nenhuma cidade havia adotado um SME. A cidade de Londrina-PR, possui em sua região metropoRev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):8-12 11/04/2016 16:00:01 Avaliação dos 12 anos da campanha de acesso público a desfibrilação litana aproximadamente 840 mil habitantes(7), quatro hospitais terciários, 55 unidades básicas de saúde e sistema integrado de urgência clínica e traumática (SAMU/SIATE)(7). A cidade que pretende alcançar índice de sobrevida adequado após o atendimento de PCR deve realizar o tempo de atendimento de Suporte Básico de Vida (SBV) e a chegada do suporte avançado de vida (SAV) em até 7 minutos, e manobras de ressuscitação cardiopulmonar em pelo menos 50% dos eventos(8). Em 1999 foi criada a Comissão de Ressuscitação Cardiopulmonar no Hospital Universitário da Universidade de Londrina (CorHU), com objetivo de capacitar profissionais que atuam nas emergências cardiovasculares pré e intra-hospitalar, e ações comunitárias para prevenção de morte súbita. Em 2000, iniciou-se a campanha “Tempo é Vida”, com o objetivo de sensibilizar a população de profissionais de saúde e sociedade para prevenção e tratamento da PCR, por meio de ampla divulgação com pôsteres na cidade (Figura 1). Ainda em 2000, foi realizada abertura da campanha com a presença de autoridades da área da saúde, acadêmica, hospitalar, coordenador do SIATE/SAMU, presidentes de associações de bairros, com conferência sobre o tema proferida por profissional médico de destaque nacional. Após a abertura da campanha, ocorreu evento prático rea­ lizado em shopping da cidade, contendo painéis educativos, aparelhos de TV que transmitiam o atendimento de PCR em local público, manequins para o atendimento de emergência cardiológica, desfibrilador externo automático (DEA) e uma ambulância. Profissionais permaneceram no local em esquema de revezamento no horário de funcionamento do shopping para demons- Figura 1. Material sobre o lançamento da campanha “Tempo é Vida”. Londrina-PR, 2000. Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):8-12 RBCM 14.1.indb 9 trarem o atendimento de SBV e uso do DEA para interessados (Figura 2). Outros profissionais ficavam à disposição para responder perguntas e estimular a população para participar das demonstrações. Este estudo tem como objetivo avaliar o impacto dos 12 anos da campanha de acesso público a desfibrilação na população leiga, profissionais de saúde e gestores, na cidade de Londrina-PR. MÉTODO Pesquisa descritiva que avaliou a participação da população nos três dias do evento de lançamento da campanha, bem como o impacto da mesma sobre a comunidade médica e população leiga após as capacitações oferecidas. Para a análise estatística da ação de treinamento de pessoas legais sobre a temática, foi considerado o nível de significância p<0,05. Depois de selecionados os dados da pesquisa, os mesmo foram compilados em uma planilha específica do programa Excel® 2007 para posterior tratamento dos dados e discussão dos resultados embasados na revisão da literatura científica. Esta pes­quisa foi aprovada pelo CEP/UEL no. 213/2011. RESULTADOS Durante os três dias da fase inicial da campanha circularam pelo shopping, segundo sua gerência administrativa, 86.700 pessoas, e destas, 1.900 assinaram a lista de presença e obtiveram orientações diretas sobre as manobras de SBV e DEA. O impacto da fase de lançamento da campanha suscitou maior interesse da população no assunto em virtude da metodo­ logia utilizada (manequins, DEA, instrutores e simulações). A participação das autoridades convidadas na abertura da campanha “Tempo é Vida” foi expressiva, pois todos os convocados participaram e se demonstraram sensibilizados com a importância da questão abordada. Figura 2. Simulação em manequins sobre o atendimento de emer­ gência cardiovascular e desfibrilador externo automático, no lan­ çamento da Campanha “Tempo é Vida” no ano 2000. 9 11/04/2016 16:00:01 Canesin MF, Dias AO, Grion CM, Anami EH, Cardoso LT, Feijó VB Comparou-se o número de médicos que realizaram o curso de suporte avançado de vida em cardiologia (SAVC) antes da campanha “Tempo é Vida” (1999) e após um ano do evento, em 2000. Foi constatado que o número de médicos atuantes na cidade, antes da campanha (1998) era composto por 1231 profissionais, dos quais cinco (0,4%) realizaram o curso de SAVC. Após um ano da campanha realizada em 1999, dos 1276 médicos, 308 (24,1%) realizaram o curso. Infere-se que após a ampla divulgação da campanha o curso de SAVC, realizado nos diversos âmbitos de saúde na cidade e para docentes do curso de medicina da Universidade Estadual de Londrina-PR (UEL), propiciou o aumento do número de profissionais que realizaram a capacitação. No mesmo ano do início da campanha, uma parceria com o governo do estado do Paraná foi estabelecida para a realização de uma série de treinamentos padronizados sobre SBV, sob normas da Sociedade Brasileira de Cardiologia e do International Liaison Committee on Resuscitation, para a população geral e para agentes comunitários de saúde nas quatro maiores cidades do Estado. O treinamento citado foi denominado “Amigos da Vida” e realizado entre 2000 a 2003, contando com a participação de 4.500 pessoas leigas, sendo convidados de forma não aleatória a participação na pesquisa de 687 indivíduos. Foi aplicado questionário do tipo pré e pós-teste, com questões de múltipla escolha, com alteração da disposição das perguntas, em cada fase da avaliação. Após seis meses decorridos do primeiro treinamento, os autores convidaram, via telefone e endereço eletrônico, uma amostra de 15% do total de participantes das atividades do pré e pós-teste, tendo adesão de 91 pessoas (13%) que foram submetidas a um novo treinamento sobre o conteúdo de emergências cardiovasculares e uso do DEA, e novamente avaliadas. Foram comparadas as assertivas das questões, utilizando o teste de Fisher (Tabela 1). No ano de 2001, a CorHU apoiada pela campanha “Tempo é Vida” elaborou, em conjunto com o colegiado de medicina da UEL, um programa de aprimoramento do ensino prático baseado em metodologia ativa de ensino em emergências cardiovasculares. As diretrizes internacionais afirmam que o treinamento em habilidades em emergências cardiovasculares para médicos deve começar na faculdade e, recapacitados ao longo da carreira médica(9). Em 2002, após o trabalho de sensibilização da classe de profissionais de saúde e da população geral, assim como de treinamentos realizados de SBV/SAVC, a CorHU apresentou projeto de lei junto à câmara de vereadores do município, que versava sobre a criação de lei que regulamentasse a necessidade de pes­soas treinadas em SBV e DEA em locais públicos da cidade. Foi aprovada a primeira lei da América Latina (no 8845/12)(10) que garante brigada treinada em SBV e pelo menos um aparelho DEA em locais públicos, com circulação diária maior que 1.000 pessoas. Ocorreu neste local o primeiro treinamento depois de decretada a lei conforme a exigência legal (Figura 3). Após promulgação desta lei, outras cidades e estados do país criaram suas próprias legislações a respeito de SBV e DEA. Em 2004, o trabalho foi ampliado com lançamento nacional da campanha “Tempo é Vida”. Após este lançamento, em 2005 houveram duas grandes ações realizadas no Rio Grande do Sul e no Ceará para treinamento em massa de SBV e uso do DEA. No ano de 2006 até o presente momento, uma organização da sociedade civil, sem fins econômicos, com intenção de favorecer educação no tratamento das urgências cardiovasculares fundou associação “Tempo é Vida”, na cidade de Londrina-PR. Na análise de 12 anos da Campanha de Acesso Público a Desfibrilação, foram considerados resultados positivos diretos: cursos SBV para profissionais de saúde e leigos, cursos de SAVC para profissionais de saúde, treinamentos em massa para a população geral em SBV (Amigos da Vida) e a primeira Lei de Acesso Público a Desfibrilação da América Latina. Outros resultados positivos: implantação de treinamento de SBV e SAVC no currículo do curso de Medicina da UEL, lançamento nacional da campanha, realização de treinamentos em SBV em outros Estados, formação de um centro de treinamento em emergências cardiovasculares, assim como a criação de uma associação civil não governamental “Tempo é Vida” que se empenha pela causa. Como resultados positivos indiretos: implantação de outras leis de acesso público a desfibrilação em municípios e estados no Brasil, assim como a lei federal que ainda encontra-se em tramitação. Experiência adquirida pelos membros da campanha para edição da I Diretriz Brasileira de PCR e Emergência Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e publicação de livro e curso nacional da SBC de treinamento básico e avançado em emergências cardiovasculares (TECA A e B)(11), no ano de 2013. Tabela 1. Número de acertos e comparação entre as avaliações de 687 alunos do treinamento (pré e pós-teste) e 91 alunos após re-treinamento (pré e pós após 6 meses) em suporte básico de vida. Londrina-PR, 2003 Questões Quais os sintomas do ataque cardíaco? (Insuficiência coronariana aguda) Que atitude tomar em evento de ataque cardíaco? Quais os sintomas do derrame? (AVC) Qual o sinal de engasgamento? Qual a sequência de atendimento primário da parada cardiorrespiratória? Qual a frequência compressão/ventilação na parada cardiorrespiratória? Pré-curso (pré-teste) n=687 499 603 205 285 95 249 Pós-curso (pós-teste) n=687 596* 621 439 * 617 * 276 * 660* Re-treinamento n=91 65* 83 49 69 * 44 64 * Pós Re-treinamento n=91 87* 85 72 * 76 61 * 81 * * Teste de Fisher: p<0,05. 10 RBCM 14.1.indb 10 Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):8-12 11/04/2016 16:00:01 Avaliação dos 12 anos da campanha de acesso público a desfibrilação a preocupação da comunidade médica e leiga assim como o governo em tornar a padronização do atendimento à PCR mais popular, são metas para se melhorar a sobrevida destes pacientes. CONCLUSÃO Figura 3. Treinamento realizado aos servidores da câmara municipal da cidade de Londrina-PR (foto à esquerda), após decretada a Primeira Lei de Acesso Público a Desfibrilação da América Latina (foto à direita). Londrina-PR, 2002. DISCUSSÃO Entre as causas mais comuns de morte estão as doenças car­ diovasculares, a maior parte destas mortes acontece por fibrilação ventricular (FV), que é potencialmente tratada com compressão torácica e desfibrilação imediatas(12,13). O desenvolvimento da tecnologia para DEA possibilitou a desfibrilação precoce na PCR fora do ambiente hospitalar, porém grande parte de nossa população ainda não tem conhecimento que é possível tratá-la com melhores resultados. Assim, depois de um treinamento, o leigo é capaz de realizar atendimento adequado(14,15). Alguns programas de acesso público a desfibrilação já são realizados em outros países. Programas de conscientização de SBV nos moldes do programa “Tempo é Vida” ainda eram inexistentes no Brasil no ano 2000. Pesquisa realizada na cidade de Chicago após implantação do programa de acesso público a desfibrilação, que ofertava capacitação aos funcionários do aeroporto, policiais, seguranças, pessoas do setor público ou privado que transitavam pelo local, constatou que a maioria dos pacientes com FV foram ressuscitados em poucos minutos. Após um ano, o resultado neu­ rológico dos casos atendidos era satisfatório(16). Ao contrário do que acontecia no atendimento tradicional, em que o paciente já chegava comatoso ao hospital e mais da metade não recobrava a consciência(17-18). O sucesso na ressuscitação cardiopulmonar não depende apenas da disponibilização de equipamento, mas também de pessoas capacitadas para a abordagem e compressão torácica adequada, contribuindo para diminuição da mortalidade(19). A importância da correta realização das compressões torácicas também se confirma, com demonstração de bons resultados inclusive quando somente compressões torácicas são realizadas no atendimento da PCR no ambiente pré-hospitalar(4-6). A Campanha “Tempo é Vida”, estabelece que se mais pessoas são capacitadas e equipadas para o atendimento de emergências cardiovasculares, melhores são os resultados em relação a ações que poderão aumentar a sobrevida de pessoas que sofrem PCR. A formação profissional com treinamento adequado e contínuo, o planejamento do setor hospitalar e pré-hospitalar para que a emergência possa ser atendida com rapidez e eficiência, Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):8-12 RBCM 14.1.indb 11 As campanhas que visem orientar a população sobre manobras de SBV e DEA precoces podem estimular as populações na busca de informações e exigir da sociedade medidas eficazes para resultados mais satisfatórios no atendimento de eventos de PCR. Na análise desta experiência pioneira de 12 anos da promulgação da primeira Lei de Acesso Público a Desfibrilação da América Latina e Campanha Pública em Ressuscitação Cardiopulmonar no Brasil, pode-se concluir que, apesar da real necessidade de aprimoramento, os resultados positivos diretos e indiretos geraram interesse da população e governo, sensibilizando médicos e outros profissionais de saúde. Algumas limitações como registros para avaliação do impacto direto das ações na sobrevida e mais parcerias com o setor pú­ blico são necessárias. REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. Iwami T, Kawamura T, Hiraide A, Berg RA, Hayashi Y, Nishiuchi T, et al. Effectiveness of bystander-initiated cardiac-only resuscitation for patients with out-of-hospital cardiac arrest. Circulation. 2007; 116(25):2900-7. Comment in: Circulation. 2008;117(25):e508; Circulation, 2007; 116(25):2894-6. Canesin MF, Timermam S, Marques FR, Ferreira D, Moura IR. Time is life-A duty of awareness on sudden death. 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Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):8-12 11/04/2016 16:00:01 ARTIGO ORIGINAL Fenilcetonúria: perfil e abandono de tratamento em centro de referência no Pará Phenylketonuria: profile and treatment abandon in reference center in Pará Luigi Ferreira e Silva1, Gabriel Roberto Baena Rodrigues1, Renata Henriques Cavalcante1, José Antônio Cordero da Silva1 Recebido da Universidade do Estado do Pará, Belém, PA, Brasil. RESUMO OBJETIVO: Verificar o perfil sociodemográfico e a frequência de abandono de tratamento dos portadores de fenilcetonúria atendidos em um serviço de referência. MÉTODOS: Estudo retrospectivo, transverso, descritivo, com abordagem quantitativa, envolvendo todos os prontuários de pacientes fenilcetonúricos, atendidos no Serviço de Referência de Triagem Neonatal do Centro de Saúde-Escola Marco da Universidade do Estado do Pará, até novembro de 2013, com protocolo de autoria própria. RESULTADOS: No total, 36 pacientes compuseram a amostra; 52,77% eram do sexo feminino e 47,23% do sexo masculino. Três quartos não residiam em Belém (75%). Apenas um caso de abandono do tratamento (2,77%) foi confirmado, ou seja, um número ínfimo. Quanto ao diagnóstico da doença, 80,55% foram precoces. CONCLUSÃO: O perfil sociodemográfico traçado no atendimento do Centro de Saúde-Escola da Universidade do Estado do Pará foi: uma criança entre zero a 4 anos, do sexo feminino, diagnosticada precocemente, não residente em Belém, com tratamento efetivo, sem intercorrências que a fizessem abandonar o tratamento. Descritores: Fenilcetonúria; Perfil de saúde; Triagem neonatal; Pacientes desistentes do tratamento ABSTRACT OBJECTIVE: To check the sociodemographic profile and the frequency of treatment abandon of phenylketonuria patients treated at a reference service. METHODS: Retrospective, cross-sectional, descriptive, quantitative approach study, 1. Universidade do Estado do Pará, Belém, PA, Brasil. Data de submissão: 06/11/2015 – Data de aceite: 16/11/2015 Conflito de interesses: não há. Endereço para correspondência: José Antônio Cordero da Silva Universidade do Estado do Pará Travessa Perebebuí, 2623 – Marco CEP: 66095-450 – Belém, PA, Brasil Tel.: (91) 98121-8869 E-mail: [email protected] © Sociedade Brasileira de Clínica Médica Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):13-7 RBCM 14.1.indb 13 involving all records of phenylketonuria patients treated at the neonatal screening reference center of the Marco School Health Center of State University of Pará until November 2013, with own protocol. RESULTS: It was counted 36 pacients, 52.77 % were female and 47.23% male. 3/4 doesn’t live in Belém (75%). Only one confirmed case of noncompliance (2.77%), small number, however should be eradicated. Regarding the diagnosis of this disease, 80.55% were early. RESULTS: The sample was composed of 36 patients; 52.77 % were female and 47,23% male. Three of each four patients did not live in Belém (75%). We observed only one confirmed case of noncompliance (2.77%), that is a small number. Regarding the diagnosis of this disease, 80.55% were early. CONCLUSION: The sociodemographic profile in stroke care Centro de Saúde-Escola Marco was a child between zero to 4 years old female diagnosed early, non-resident of Belém, with sporadic and effective treatment without complications that made them to abandon treatment. Keywords: Phenylketonuria; Health profile; Neonatal screening; Patient dropouts INTRODUÇÃO Caracterizada como uma desordem genética autossômica recessiva, a fenilcetonúria é originada de mutações genéticas que alteram a produção da enzima hepática fenilalanina-hidro­ xilase, culminando com o acúmulo de fenilalanina no sangue e em outros tecidos, devido à deficiência ou à ausência de fenilalanina-hidroxilase.(1-3) A prevalência média global é de 1:10 mil recém-nascidos, sendo uma doença rara e cuja variação se dá pelo número de novos casos em diferentes nações e grupos étnicos pelo mundo.(4) O Programa Nacional de Triagem Neonatal realizou, no Brasil, um estudo em 2001 expondo uma prevalência de fenilcetonúria de 1:15.839.(5) Outro levantamento, este de 2002, evidenciou prevalência de 1:24.780, incluindo na pesquisa 18 Estados brasileiros.(6) Quando comparada a todos os erros inatos do metabolismo de aminoácidos, é a de maior prevalência, tendo grande implicação clínica. Como consequência do defeito/ausência da enzima, os níveis de fenilalanina encontram-se altíssimos nos organismo, enquanto que os de tirosina são praticamente normais ou baixos.(1,7) Não há sintomatologia precoce nos recém-nascidos portadores até iniciarem alimentação com fenilalanina. Deve-se, por meio de rastreamento, diagnosticar a doença, pois, caso contrário, esta só se manifestará clinicamente entre o terceiro ou quarto 13 11/04/2016 16:00:01 Silva LF, Rodrigues GR, Cavalcante RH, Silva JA mês de vida,(1,8) como presença de retardo neuropsicomotor global, irritabilidade, síndromes convulsivas, odor característico de pele, urina e cabelos e outros achados.(1,2,8) Distúrbios do comportamento, hiperatividade, comprometimento cognitivo e intelectual,(1,2) depressão, sinais piramidais e extrapiramidais, e epilepsia podem surgir na infância e tornam-se mais exacerbados na adolescência.(9) Porém, é possível que um portador não desenvolva qualquer sintoma e tenha uma vida normal, se este for diagnosticado durante o período pós-natal e mantiver restrição à fenilalanina.(2,3) Uma amostra de sangue do segundo ao quinto dia de vida após a exposição à dieta proteica é o procedimento diagnóstico padrão para rastreamento, trata-se do chamado “teste do Pezinho”.(8,10) O programa Nacional de Triagem Neonatal do Ministério da Saúde preconiza que, por meio da análise dessa amostra, os recém-nacidos que apresentarem níveis elevados de fenilalanina devem ser encaminhados para acompanhamento multiprofissional. Atualmente, o teste é rotina, pois, com o diagnóstico e o tratamento precoces da fenilcetonúria, o prognóstico torna-se favorável para prevenir danos neurológicos irreversíveis que aconteceriam com a ausência de tratamento.(10,11) O Estatuto da Criança e do Adolescente confirma a necessidade da realização do teste, regulamentando pela portaria que estabeleceu o Programa Nacional de Triagem Neonatal para diagnóstico precoce de fenilcetonúria.(8-10) O Centro de Saúde-Escola Marco da Universidade do Estado do Pará é o centro de referência para o tratamento controlado e acompanhamento dos pacientes portadores de fenilcetonúria do Estado do Pará, sendo o mais adequado ponto de estudo da doença no Pará. OBJETIVO Verificar o perfil sociodemográfico e a frequência de abandono de tratamento dos portadores de fenilcetonúria atendidos em um serviço de referência MÉTODOS Os prontuários gerados pelo no Serviço de Referência de Triagem Neonatal do Centro de Saúde Escola Marco foram revisados após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Pará, protocolo 579.738, datado de 21 de março de 2014. O estudo realizado foi retrospectivo, transverso, descritivo e com abordagem quantitativa. Foram incluídos todos os prontuá­ rios de pacientes diagnosticados com fenilcetonúria, atendidos no Serviço de Referência de Triagem Neonatal do Centro de Saúde Escola Marco até novembro de 2013. Para a realização do estudo, foi aplicado um protocolo, de autoria própria, com a pesquisa dos seguintes dados registrados em prontuário: idade, município de naturalidade, sexo, qual o tratamento realizado no Centro de Saúde Escola Marco, data da primeira consulta, presença de casos consanguíneos relatados, diagnóstico em período neonatal ou tardio. 14 RBCM 14.1.indb 14 Para a confecção das tabelas e análise de dados, utilizou-se o Microsoft Office Excel 2011. RESULTADOS No período de pesquisa, foram analisados 36 prontuários de pacientes com diagnóstico de fenilcetonúria confirmado pelo teste do Pezinho. Quanto ao sexo (Tabela 1), 52,77% dos pacientes da amostra eram do sexo feminino. Em torno de 75% dos pacientes não residiam em Belém (Tabela 2), e uma fração de 8,33% concentrou-se no município de São Miguel do Guamá. Apenas um caso de abandono do tratamento (2,77%) foi confirmado (Tabela 3), tendo também um caso (2,77%) que permaneceu em busca ativa. Registrou-se que 80,55% foram diagnosticados precocemente (Tabela 1), apresentando-se assintomáticos, e 16,66% não foram referidos se houve diagnóstico precoce ou tardio – casos sintomáticos. A faixa etária de zero a 4 anos foi predominante (44,44%), seguida da faixa de 5 a 9 anos (30,55%). A presença de casos consanguíneos foi majoritariamente não referida (44,44%), compreendendo como perigo de subnotificação de casos se não for realizado rastreamento minucioso nas famílias cadastradas, já que 13,88% apresentaram casos consanguíneos confirmados, mesmo contrastando com ausência de casos em 41,66%. DISCUSSÃO No Pará, havia apenas 36 casos de fenilcetonúria registrados em prontuário até o final do ano de 2013. É possível que tenha havido subnotificação de casos, pela pouca densidade demográfica do Estado em detrimento de sua territorialidade ou mesmo por falha técnica dos profissionais envolvidos no rastreamento Tabela 1. Distribuição de faixa etária, sexo, tempo diagnóstico da doença e casos consanguíneos dos pacientes registrados Característica Idade, anos 0-4 5-9 >9 Sexo Masculino Feminino Tempo de diagnóstico da fenilcetonúria Precoce Tardio Não referido Casos consanguíneos Sim Não Não referido Total n (%) 16 (44,44) 11 (30,55) 9 (25) 17 (47,22) 19 (52,77) 29 (80,55) 1 (2,77) 6 (16,66) 5 (13,88) 15 (41,66) 16 (44,44) 36 (100) Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):13-7 11/04/2016 16:00:01 Fenilcetonúria: perfil e abandono de tratamento em centro de referência no Pará da fenilcetonúria. Um sistema de saúde efetivo é aquele organizado por uma gestão esclarecida das reais necessidades da população, sobretudo em suas particularidades e magnitudes, e no contexto da fenilcetonúria, mesmo epidemiologicamente representando uma baixa frequência, exige grande responsabilidade clínica e estrutural e imediata intervenção, devendo oferecer suporte incluindo os casos distantes do centro de referência, locais diretamente afetados pela carência de cobertura diagnóstica e suporte interdisciplinar. Dos 36 pacientes registrados no Serviço de Referência de Triagem Neonatal do Centro de Saúde Escola Marco, a maioria (44,44%) se encontrava na faixa etária de zero a 4 anos de idade, com predominância no primeiro ano (13,88%). A idade baixa pode refletir a realidade da menor expectativa de vida de fenil- Tabela 2. Distribuição dos municípios de nascimento dos pacientes registrados Município de nascimento Belém São Miguel do Guamá Eldorado dos Carajás Santarém Tucuruí Abaetetuba Almerim Ananindeua Capanema Castanhal Curralinho Floresta do Araguaia Igarapé Mirim Juruti Marabá Monte Alegre Oriximiná Ourilândia Ponta de Pedras Salvaterra Santa Bárbara Tailândia Tomé-Açu Total n (%) 9 (25) 3 (8,33) 2 (5,55) 2 (5,55) 2 (5,55) 1 (2,77) 1 (2,77) 1 (2,77) 1 (2,77) 1 (2,77) 1 (2,77) 1 (2,77) 1 (2,77) 1 (2,77) 1 (2,77) 1 (2,77) 1 (2,77) 1 (2,77) 1 (2,77) 1 (2,77) 1 (2,77) 1 (2,77) 1 (2,77) 36 (100) Tabela 3. Situação dos pacientes quanto à presença de abandono de tratamento notificado Abandono Sim Busca ativa Não Total Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):13-7 RBCM 14.1.indb 15 n (%) 1 (2,77) 1 (2,77) 34 (94,44) 36 (100) cetonúricos, porém, além disso, faz perceber que o Teste do Pezinho vem sendo realizado em faixas etárias cada vez menores, o que é uma vantagem, assim como é preconizado pelo Ministério da Saúde através do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da fenilcetonúria.(12) No Estado do Pará, houve grande distribuição do local de residência registrado em prontuário, com concentração na capital Belém (25%) e em São Miguel do Guamá (8,33%), contemplando quase todas as mesorregiões do Pará, excetuando apenas a sudoeste. A explicação para tal pode ser devido a fatores genéticos próprios das populações de cada mesorregião, podendo ser alguma menos predisposta geneticamente à fenilcetonúria do que as outras. Houve diferença na proporção dos sexos, com maior prevalência de pacientes do sexo feminino. Tal qual como demonstrado em um estudo realizado em Alagoas(13), e na Bahia,(14) foram encontrados 52,77% dos casos em meninas no presente estudo. Santos et al.,(13) e Amorim et al.,(14) ressaltam a não relação direta do sexo com a frequência da doença, além de sugerirem também que o número amostral reduzido não gera relevância estatística entre sexo e frequência da doença, além do fato da fenilcetonúria apresentar padrão de herança autossômica recessiva. No entanto, o número de casos de irmandade aumenta principalmente pelo número de pais consanguíneos, aumentando, por conseguinte, o número de casos de fenilcetonúria.(14) É necessário orientar as famílias, desde o período de pré-concepção, sobre os riscos inerentes de relações consanguíneas no que diz respeito às condições genéticas predisponentes e ao histórico de doenças genéticas na família, além de rastrear, nas famílias, casos de casais consanguíneos e filhos portadores, devendo ocorrer uma investigação maior, que aborde também irmãos. Neste estudo, verificou-se que 44,44% (16 pacientes) dos casos não tinham registro de pesquisa de casos familiares de irmandade ou pesquisa por pais consanguíneos, o que pode acarretar menores coberturas, rastreamento e notificação da doença, além de prejuízo clínico dos portadores não pesquisados. O diagnóstico pela triagem neonatal foi realizado em 80,55% deles. O restante confirmou-se tardiamente, por meio da existência de deficiência mental de etiologia não esclarecida.(15) Em concordância com os achados de Amorim et al,(14) o rastreio dos neonatos diagnosticou três quartos dos casos; o restante teve confirmação por desenvolvimento clínico da fenilcetonúria pela presença de retardo mental, dentre os graus leve a grave. Similarmente aos achados de Amorim et al(14) e Gomes e Sampaio,(15) nesta pesquisa realizada no Centro de Saúde Escola Marco foram confirmados números maiores de pacientes com diagnóstico neonatal do que em período infantil, ou seja, a triagem neonatal detectou a doença em período precoce na maioria dos pacientes. É de suma importância a descoberta precoce da doença, dada a possibilidade de melhor prognóstico e evolução desta. Além do mais, percebe-se uma melhoria na saúde pública, salientada pela maior parte dos diagnósticos realizados por meio da triagem neonatal. A intervenção precoce impede o desenvolvimento do quadro clínico. O autismo é uma condição que, em muitos aspectos, assemelha-se com a fenilcetonúria, o que, aliado à falta de conhecimen15 11/04/2016 16:00:01 Silva LF, Rodrigues GR, Cavalcante RH, Silva JA tos dos médicos atendentes, torna a fenilcetonúria uma doença de difícil suspeição clínica. O diagnóstico, seja tardio ou precoce depende do conhecimento do profissional de saúde quanto à patologia e do acesso da população a exames diagnósticos.(14) Como no presente estudo a maioria dos pacientes morava no interior do Estado do Pará, que é uma área, na maioria das vezes, de difícil acesso a exames diagnósticos, ainda se observou uma pequena fração (2,77%) da população com diagnóstico tardio. O tempo para diagnóstico e tratamento mostra-se ainda elevado, uma vez que a recomendação é de que o tratamento se inicie no primeiro mês de vida. A justificativa para tal deve-se a maior parte dos pacientes serem provenientes do interior do Estado, tendo, então, pouco acesso a exames diagnósticos e com dificuldades em receber adequado atendimento médico, além de não saberem e nem compreenderem a importância do Teste do Pezinho. Não obstante, é possível que haja um acompanhamento pós-natal deficitário, devido às condições técnicas estruturais e dos profissionais envolvidos nesses municípios de longa distância e difícil acesso. A apresentação clínica da fenilcetonúria variou com a mudança de fatores ambientais e genéticos, pois, em pacientes com mesma mutação e com abordagem diagnóstica e adesão terapêutica diferentes, ocorrem evoluções distintas. No entanto, mesmo aquele com assistência mais adequada, não foi isento de sintomatologia.(14) Um dos fatores ambientais relatado é, por exemplo, o abandono ao tratamento ou, então, a influência familiar sobre diversos fatores da vida do paciente. Todos os fenilcetonúricos pesquisados são menores de idade, dependendo, de seus responsáveis tanto para a continuação do tratamento, quanto para alimentação e outros fatores. Assim, a influência de familiares sobre um paciente pode fazê-lo não seguir as recomendações médicas, variar seu fenótipo e influenciar negativamente no prognóstico da doença. A não adesão ao tratamento repercutirá negativamente na evolução clínica dos portadores da fenilcetonúria, entre os fatores para não aderirem, encontram-se: influências sociais e culturais pelos hábitos alimentares, desconhecimento das implicações dieta-doença e da quantidade de fenilalanina da alimentação, elevado custo da dieta, além da qualidade da terapêutica determinada pelos profissionais e pela instituição envolvidos.(16) Em todos os prontuários, foi registrada assistência multiprofissional por médicos, enfermeiros, nutricionistas e psicólogos, trazendo, desta forma, abrangência terapêutica e acompanhamento efetivo de longa data, conferindo ao Serviço de Referência de Triagem Neonatal do Centro de Saúde Escola Marco uma eficaz cobertura multiprofissional, referente aos pacientes assistidos, apesar das dificuldades enfrentadas pelos locais vinculados ao Programa Nacional de Triagem Neonatal. Dentre as dificuldades, há relatos que se repetem, em estudos como fragmentação do serviço de atendimento, e ausência de informatização e de comprometimento dos gestores estaduais e municipais.(16) Também, consta-se como dificuldades: burocratização dos processos e dificuldades na gestão financeira.(17) O manejo dos casos deve ser forma adequada e em tempo hábil. Para isso, é mandatório um sistema integrado, complexo e multidisciplinar em bom funcionamento. 16 RBCM 14.1.indb 16 Em Alagoas, de 20 pacientes acompanhados, foram encontrados três casos diagnosticados tardiamente. Em dois pacientes, houve interrupção temporária do tratamento e um paciente não aderiu ao tratamento.(13) No presente estudo, foi registrado um caso de abandono de tratamento e um caso de abandono não concluído, apesar de que, em ambos, houve a prática da busca ativa. A questão do abandono possui grande relevância de discussão pela sua contemporaneidade – o abandono do tratamento achado, por mais que seja um número relativamente pequeno, é preocupante. As consequências desse abandono podem ser no âmbito jurídico para os responsáveis pelos pacientes (já que todos os pesquisados são menores de idade e pela doença representar um risco de debilitação irreversível), mas, primordialmente, para os pacientes. Estes terão pior prognóstico, avanço mais rápido e descontrolado da doença e piores consequências quanto à sua saúde, necessitando de maiores gastos futuramente com a evolução da doença. Existem fatores(13) que levam a não adesão ao tratamento, como o custo social e financeiro da manutenção da dieta restrita de fenilalanina, e tais fatores precisam de atenção da equipe envolvida no atendimento, envolvendo também o poder público – tanto no sentido de provedor de financiamento de recursos para a saúde, quanto no caráter educador em investimentos na divulgação de informações a respeito da patologia, no intuito de atingir a intervenção necessária para proteger o organismo dos pacientes, levando em consideração a relação custo-benefício. Neste estudo, o preenchimento dos prontuários indicou que a atuação da equipe multiprofissional executava seu papel satisfatoriamente, exercendo seguimento clínico dos pacientes e atendimento integral, sendo estes fatores protetores da permanência em tratamento ininterrupto dos pacientes. Um programa eficiente de rastreio em massa deve cumprir suas metas diagnósticas, atingindo diretamente grandes populações, intervindo precocemente nestas patologias, principalmente se envolver neurodegeneração, e indução lenta e progressiva de retardo mental grave.(18) O portador de fenilcetonúria sem tratamento apresenta perda de aproximadamente cinco unidade de Quociente de Inteligência em torno de 2 meses.(6) O Estatuto da Criança e do Adolescente(19) objetiva traçar o que é fundamental para a plenitude do gozo do desenvolvimento infanto-juvenil e, no contexto da saúde, o art. 7º ressalta o dever de políticas públicas em prol da existência sadia da criança, incluindo a participação do Sistema Único de Saúde, em seu art. 11, como prestador de serviços. Neste estudo, não foram encontradas, durante a revisão de prontuários, possíveis justificativas para o único relato de abandono do tratamento e, apesar de sua baixa frequência, é necessário que existam posteriores estudos que possam esclare­ cer à comunidade científica tais razões, especialmente na infância pré-escolar. Portanto, este estudo permite inferir a alta relevância do Centro de Saúde Escola Marco em seu papel cuidador e prestador de assistência integral e multiprofissional para com os pacientes registrados neste serviço, mesmo com a presença de dificuldades estruturais e de cobertura da imensidão do Estado do Pará, cumprindo efetivamente sua função na triagem neonatal. Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):13-7 11/04/2016 16:00:01 Fenilcetonúria: perfil e abandono de tratamento em centro de referência no Pará CONCLUSÃO O perfil sociodemográfico traçado no atendimento do Centro de Saúde Escola Marco foi de uma criança entre zero e 4 anos, do sexo feminino, diagnosticada precocemente, não residente de Belém, com tratamento multiprofissional efetivo, sem intercorrências significantes que a fizessem abandonar, com baixíssima frequência de abandono. Os autores deste artigo compreendem a relevância de ressaltar que um atendimento multidisciplinar no Sistema Único de Saúde é essencial para todos os cidadãos, sobretudo no que diz respeito àqueles grupos de usuários de maior relevância clínica, pelas possíveis intercorrências da evolução das doenças. É fato que a fenilcetonúria tende a reduzir a qualidade de vida dos pacientes, pela debilidade consequente de sua natureza. No en­tanto, a atenção adequada aos pacientes de forma efetiva e precoce possibilita seu desenvolvimento sadio, com menores sequelas e direito à saúde de qualidade. REFERÊNCIAS 1. Bodamer OA. Overview of phenylketonuria. UpToDate [Internet]. 2010. [cited 2016 Jan 2]. Available from: http://www.uptodate. com/contents/overview-of-phenylketonuria 2. Burgard P, Luo X, Hoffmann GF. Phenylketonuria. In: Sarafoglou K, Hoffman G, Roth K. Pediatric Endocrinology and Inborn Errors of Metabolism. New York: McGraw-Hill; 2009.p.163-8. 3. Vallian S, Barahimi E, Moeini H. Phenylketonuria in Iranian population: a study in institutions for mentally retarded in Isfahan. Mutat Res. 2003;526(1-2):45-52. 4. Albrecht A, Garbade SF, Burgard P. Neuropsychological speed tests and blood phenylalanine levels in patients with phenylketonuria: a meta-analysis. Neurosci Biobehav Rev. 2009;33(3):414-21. 5. Carvalho TM. Resultados do Levantamento Epidemiológico da Sociedade Brasileira de Triagem Neonatal (SBTN). 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MÉTODOS: Estudo de corte transversal, observacional, realizado entre março e junho de 2012, em um hospital da cidade de Juazeiro (BA). O questionário utilizado foi o FANTASTIC, que é uma ferramenta validada internacionalmente, inclusive no Brasil. O questionário foi aplicado aos pacientes durante os primeiros dias de internação na unidade fechada, e os dados secundários foram coletados nos prontuários. RESULTADOS: Responderam ao questionário 57 pacientes, sendo 63,2% do sexo masculino, com idade média 61,3±10,9 anos e índice de massa corporal médio de 27,0±4,4kg/m2. A média de pontuação pelo questionário foi de 57,2±7,2, e 63,2% apresentaram um “bom” estilo de vida pela classificação previamente padronizada. As mulheres apresentaram um escore de estilo de vida melhor do que os homens (61,1±5,1 pontos versus 55,0±7,3 pontos; p=0,001). Houve menor pontuação nos domínios nutrição, atividade física e tabagismo. Conclusão: Os pacientes com infarto agudo do miocárdio apresentaram um escore “bom” pelo questionário FANTASTIC. Alguns domínios, no entanto, mostram valores baixos, como atividade física, nutrição e tabagismo. OBJECTIVE: To describe the lifestyle of patients admitted to a coronary care unit with acute myocardial infarction. METHODS: Observational cohort study, conducted between March and June, 2012, in a hospital of Juazeiro (BA), Brazil. The questionnaire used was FANTASTIC, that is an internationally validated tool, including Brazil. This was administered to patients during the first days in the coronary care unit and the secondary data were collected from the medical records. RESULTS: Fifty-seven patients answered the questionnaire, 63.2% male, mean age 61.3±10.9 years and mean body mass index of 27.0±4.4kg/m2. Mean score of the questionnaire was 57.2±7.2; and 63.2% had a “good” lifestyle by previously standardized classification. Women had a better lifestyle score than men (61.1±5.1 points versus 55.0±7.3 points; p=0.001) There were lower scores in the areas nutrition, physical activity and smoking questionnaire. CONCLUSION: Acute myocardial infarction patients had a “good” score in the FANTASTIC questionnaire. Some domains, however, were undesirably low: physical activity, nutrition and smoking. Descritores: Infarto do miocárdio; Unidades de terapia intensiva; Estilo de vida; Questionários 1. Hospital Promatre, São Paulo, SP, Brasil. 2. Universidade Federal do Vale do São Francisco, Petrolina, PE, Brasil. 3. Hospital Aliança, Salvador, BA, Brasil. 4. Universidade do Estado da Bahia, Salvador, BA, Brasil. 5. Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE, Brasil. 6. Hospital Santa Izabel, Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador, BA, Brasil. Data de submissão: 16/01/2015 – Data de aceite: 09/04/2015 Conflito de interesses: não há. Fontes de financiamento: não há. Endereço para correspondência: Gilson Soares Feitosa-Filho Comissão de Ensino do Hospital Santa Izabel Santa Casa de Misericórdia da Bahia Praça Conselheiro Almeida Couto, 500 – Nazaré CEP: 40050-410 – Salvador, BA, Brasil Tel.: (071) 2203-8214 – E-mail: [email protected] © Sociedade Brasileira de Clínica Médica 18 RBCM 14.1.indb 18 Keywords: Myocardial infarction; Intensive care units; Life style; Questionnaires INTRODUÇÃO A Organização Mundial da Saúde define “estilo de vida” como a maneira geral de viver, que se baseia na interação entre as condições de vida e padrões individuais de conduta.(1) Especialmente nas duas últimas décadas, a influência do estilo de vida na saúde tem sido investigada, assim como sua relação com o tratamento e o prognóstico de diversas doenças, como as cardiovasculares.(2-5) A adoção de medidas de promoção a hábitos de vida saudáveis para prevenção das doenças cardiovasculares é de fundamental importância. Muitos fatores de risco são modificáveis e estão ligados ao estilo de vida, como atividade física, hábitos alimentares, sono, estresse e relacionamento com amigos e familiares.(6,7) O controle desses fatores de risco pode impactar signi­ ficativamente na incidência de doenças cardiovasculares, que encontram-se entre os maiores gastos em internações nos leitos de terapia intensiva do sistema público.(8,9) Entre os questionários que visam avaliar o estilo de vida, um já validado na população brasileira é o FANTASTIC.(10) Nele, Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):18-21 11/04/2016 16:00:02 Estilo de vida de pacientes infartados aspectos físicos, psicológicos e sociais do estilo de vida são explorados e constituem ferramentas importantes para avaliação do estilo de vida. Apesar de sua importância, esse instrumento nunca foi aplicado para avaliar o estilo de vida de pacientes com infarto agudo do miocárdio (IAM). OBJETIVO Quantificar o estilo de vida de pacientes com infarto agudo do miocárdio em uma unidade coronariana. MÉTODOS Este foi um estudo de corte transversal realizado em uma unidade coronariana de um hospital público de referência em cardiologia, o Hospital Promatre, na cidade de Juazeiro (BA). Foram incluídos pacientes com diagnóstico de IAM com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCST) ou IAM sem supradesnivelamento do segmento ST (IAMSST), definidos por meio de elevação de marcadores séricos de necrose miocárdica e classificados pelo eletrocardiograma, conforme a definição universal de IAM.(11) Foi também aplicada a classificação clínica de Killip para cada paciente. Foram critérios de exclusão: rebaixamento de nível de consciência e dificuldade de compreensão. Todos os participantes concordaram em assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Tecnologia e Ciências, sob o protocolo 3.538. A coleta de dados foi realizada entre março e junho de 2012, com entrevista realizada na própria unidade em momento confortável para o paciente, por meio da aplicação do questionário FANTASTIC, desenvolvido na Universidade de McMaster, no Canadá,(12) e traduzido e validado para português por Rodriguez-Anes et al.(10) O questionário consiste em 25 perguntas objetivas com gradação nas respostas, que exploram 9 domínios sobre os componentes físicos, psicológicos e sociais do estilo de vida dos indivíduos no último mês. Cada letra do acrônimo “FANTASTIC” representa um domínio: F é family and friends (família e amigos); A é activity (atividade física); N é nutrition (nutrição); T é tobacco and toxics (tabagismo e drogas); A é alcohol (álcool); S é sleep, seatbelts, stress, safe sex (sono, cinto de segurança, estresse e sexo seguro); T é type of behavior (tipo de comportamento); I é insight (introspecção); C é career (satisfação com a profissão). Uma pontuação de zero a 4 é atribuída a cada resposta de um total de 25 questões. Após somatória total, conforme questionário validado para língua portuguesa, o intervalo entre zero a 34 pontos representa “necessita melhorar”; de 35 a 54, “regular”; 55 a 69, “bom”; 70 a 84, ”muito bom”; e 85 a 100, “excelente”.(10) Vinte e três questões possuem cinco alternativas e duas são dicotômicas. Trata-se de um questionário autoadministrado, lido na presença do pesquisador, com possíveis dúvidas em relação às questões esclarecidas quando necessário. Dados epidemiológicos e clínicos foram obtidos de consulta de prontuário. Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):18-21 RBCM 14.1.indb 19 Análise estatística O cálculo do tamanho amostral foi realizado por meio de um nível de significância de 5%, um valor de estilo de vida assumido de 85 e um erro máximo estimado de 10, sendo, para tanto, necessária uma amostra de 49 pacientes. Esse valor de 85 foi adotado, já que a amostra estudada é uma população de risco, e o valor do estilo de vida deve ser elevado, já que essa variável tem relação com benefícios para saúde. Foi realizada uma análise descritiva dos resultados com cálculos de frequências e porcentuais, para as variáveis categóricas, e de médias e desvios padrão, para as variáveis numéricas. A análise intergrupo foi feita por meio do teste t não pareado entre as variáveis categóricas e o escore obtido pelo questionário. Para análise intergrupos da escolaridade e do estilo de vida, foi utilizada a Análise Variância (ANOVA). Para as variáveis de distribuição não normal dos domínios do questionário estilo de vida, foi utilizado o teste Mann-Whitney. Todas as análises foram realizadas por meio do programa Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 14.0. RESULTADOS No período descrito, foram admitidos na unidade coronariana analisada 65 indivíduos com diagnóstico de IAM. Não responderam ao questionário oito pacientes: três por dificuldade de compreensão e cinco por instabilidade clínica. Assim, 57 pacientes responderam ao questionário, existindo predomínio do sexo masculino (63,2%). A média de idade foi 61,3±10,9 anos. O índice de massa corporal (IMC) médio foi 27,0±4,4kg/m2, sendo que 15 (26,3%) indivíduos eram obesos. Outras variáveis como classificação Killip, presença de comorbidades e escolaridade estão descritas na tabela 1. A média do escore do questionário FANTASTIC foi 57,2±7,2 pontos. Houve predomínio do escore caracterizado como “bom estilo de vida” (Tabela 2). Entre os nove domínios do questionário, destacou-se a baixa atividade física da maioria dos entrevistados, no qual 30 pacientes (53%) obtiveram escore mínimo (zero) nesse item, conforme apresentado na tabela 3. As mulheres apresentaram um maior escore (61,1±5,1 pontos versus 55,0±7,3 pontos; p=0,001), mesmo sem ter diferenças entre os sexos em outros parâmetros, como idade (sexo feminino: 64,0±11,6 anos versus sexo masculino: 59,8±10,5 anos; p=0,17) ou IMC (sexo feminino: 27,1±4,6kg/m2 versus sexo masculino: 27,0±4,3 kg/m2; p=0,97). Na comparação entre obesos e não obesos, não houve diferença em relação ao escore (54,9±8,7 pontos versus 58,1±6,5 pontos; p=0,15). Também não foram notadas diferenças quanto ao mesmo escore entre idosos e não idosos (57,9±6,7 pontos versus 56,4±7,8 pontos; p=0,44), nos diferentes tipos de infarto (IAMCST: 57,5±6,7 pontos versus IAMSST: 56,9±7,8 pontos; p=0,73), bem como naqueles com até uma comorbidade e duas ou mais comorbidades (55,8±7,3 pontos versus 59,8±6,3 pontos; p=0,42). A análise de variância utilizada para avaliação do estilo de vida nos diferentes níveis de escolaridade não encontrou diferença significativa (p=0,44). Também a pontuação do questionário entre os diferentes níveis de escolaridade não mostrou diferenças significativas. 19 11/04/2016 16:00:02 Cunha EF, Silva AM, Saad KR, Melo TA, Martinez BP, Carvalho VO, Feitosa-Filho GS Tabela 1. Características dos pacientes internados com infarto agudo do miocárdio Variaveis Escolaridade Analfabeto (a) 1o grau completo 2o grau completo Superior completo Tipo de infarto Com supra ST Sem supra ST Classificação Killip I II III IV Comorbidades Nenhuma HAS DM HAS e DM Outros n (%) 7 (12,3) 35 (61,3) 13 (22,8) 2(3,5) 31 (54,4) 26 (45,6) 34 (59,6) 18 (31,6) 4 (7,0) 1 (1,8) 7 (12,3) 29 (50,9) 3 (5,3) 16 (28,1) 2 (3,5) HAS: hipertensão arterial sistêmica; DM: diabetes mellitus. Tabela 2. Pontuação do questionário Estilo de Vida FANTÁSTICO, em pacientes com infarto agudo do miocárdio Classificação Necessita melhorar Regular Bom Muito bom Excelente n (%) 1 (1,8) 17 (29,8) 36 (63,2) 3 (5,3) 0 Tabela 3. Descrição dos valores em mediana (percentil) dos domínios do questionário Estilo de vida FANTÁSTICO Domínio Família e amigos Atividade física Nutrição Tabaco e tóxicos Álcool Sono, cinto de segurança, stress e sexo seguro Tipo de comportamento Introspecção Trabalho Mediana 6,0 0,0 4,0 10,0 9,0 13,0 Percentil (25-75) 4,5 - 7,0 0,0 - 2,0 3,0 - 5,5 7,5 - 12,0 5,0 - 11,0 11,0 - 14,0 4,0 8,0 4,0 3,0 - 5,0 7,0 - 9,0 3,0 - 4,0 A classificação Killip foi dicotomizada em I ou maior que I, não sendo observada também diferença significativa na pon­ tuação entre os grupos no estilo de vida (56,1±7,4 versus 59±6,6; p=0,18). 20 RBCM 14.1.indb 20 DISCUSSÃO A avaliação do estilo de vida de uma pessoa é algo complexo e subjetivo. O questionário FANTASTIC constitui um excelente método, validado em vários países, inclusive no Brasil. Testado e validado em diferentes perfis de pacientes, o questionário ainda não tinha sido usado para avaliar uma população em sua fase aguda de um evento potencialmente fatal, como o IAM. Este estudo foi o primeiro a avaliar o estilo de vida por meio do questionário FANTASTIC em pacientes infartados internados em uma unidade coronariana. A avaliação do estilo de vida é importante, já que refere-se a fatores modificáveis pelo paciente e que estão diretamente relacionados a ocorrência de doenças, bem como ao seu tratamento. A equipe de saúde deve permanentemente incentivar a adoção de hábitos saudáveis. A classificação do estilo de vida como “bom”, a partir da pontuação média encontrada neste trabalho, assemelha-se à de outro estudo que avaliou pacientes com dia­betes melliutus tipo 2.(13) Por outro lado, um grande levantamento de 6.729 pacientes diabéticos nas Ilhas Canárias identificou que a adoção desses hábitos saudáveis é muito infrequente, principalmente em homens.(14) Em relação ao sexo, foi observado um melhor estilo de vida entre as mulheres. Esse dado está em acordo com um estudo com 685 universitários brasileiros, que identificou que o sexo masculino necessita de medidas de orientação para um estilo de vida mais saudável, principalmente para redução de peso corporal.(15) Na análise da idade, não houve diferença no estilo de vida entre indivíduos idosos ou não idosos, o que difere de outro estudo com indivíduos hipertensos, que identificou associação positiva entre idade e maior pontuação total deste mesmo questionário.(4) Na análise de cada um dos nove domínios, houve menor pontuação nos itens relacionados às atitudes pessoais que geram impacto direto à saúde dos indivíduos, como nutrição, atividade física, tabaco e tóxicos. Estes itens têm relação direta com desenvolvimento de eventos isquêmicos. A pontuação do item nutrição foi particularmente muito baixa na população avaliada, na qual a maioria dos participantes declarou não fazer uma dieta balanceada. A inatividade física foi mais perceptível na média geral da população idosa da amostra, o que pode ser explicado pelos efeitos do envelhecimento nos diferentes sistemas do organismo que, de certa forma, diminuem a aptidão e o desempenho físico.(16) O estudo de Matsudo e Matsudo, que avaliou a prevalência de inatividade física em idosos, concluiu que 78,7% das mulheres e 75,1% dos homens responderam “não” quanto à prática de exercício regular no último ano. Em ambos os sexos, a proporção de inativos foi maior nos grupos etários mais avançados, com diferenças estatisticamente significativas.(17) De modo semelhante a outros estudos, identificou-se uma frequência elevada de indivíduos tabagistas (26,3%), contribuindo para uma menor média no escore deste item. Destes, 14,3% relataram fumar mais de 10 cigarros por dia, o que pode ser considerado um dado preocupante, já que há uma clara associação entre tabagismo e morte por causas cardiovasculares, particularmente por doenças isquêmicas.(18,19) Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):18-21 11/04/2016 16:00:02 Estilo de vida de pacientes infartados No presente estudo, não foi avaliado o efeito das mudanças de estilo de vida posteriormente à internação. Por outro lado, foi metodologicamente importante a padronização da avaliação dos pacientes neste momento de internação em unidade coronariana. Ademais, as longas horas de internação podem permitir uma mais profunda reflexão, diante da condição potencialmente fatal que se instalou, sobre como são e como podem mudar seus hábitos de vida. Este estudo certamente tem algumas limitações. Trata-se de estudo descritivo e intervenções que visem a melhorias na qualidade de vida não foram testadas. Além disso, embora o número de pacientes esteja compatível com os erros máximos e desvios padrão estimados para avaliação dos escores pelo questionário, um tamanho amostral maior permitiria uma mais profunda análise de subgrupos. Por ser um estudo unicêntrico há uma redução da validade externa dos dados. Outra limitação que pode ser apontada no estudo é que o número absoluto de pacientes com classificação Killip maior que I foi pequeno, não permitindo uma melhor avaliação da correlação do referido escore com a gravidade clínica. Outro ponto a ser considerado, é que o estilo de vida apresenta vários domínios, porém alguns domínios têm um impacto negativo maior sobre os desfechos clínicos dos pacientes, como nutrição, atividade física, álcool, cigarro e drogas, sono e estresse. Estudos multicêntricos são necessários para avaliação da validade externa desses dados, bem como com a associação com desfechos clínicos a médio e longo prazo. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. CONCLUSÃO Os pacientes com IAM avaliados nesta população apresentaram um estilo de vida classificado como “bom” de acordo com o questionário FANTASTIC. Apesar do pequeno tamanho amostral, alguns domínios do questionário mostraram-se com valores baixos, como nutrição, atividade física e o quesito tabagismo, e podem ser alvo de melhor atuação das equipes de saúde, com vistas à promoção de saúde. 13. 14. 15. REFERÊNCIAS 1. World Health Organization (WHO). Health Promotion Glossary [Internet]. Geneva: WHO; 1998. [cited 2015 Nov 10]. Available from: http://www.who.int/healthpromotion/about/HPR%20 Glossary% 201998.pdf 2. Sharrat JK, Sharrat MT, Smith DM, Howell MJ, Davenport L. FANTASTIC Lifestyle survey of University of Waterloo Employees. Can Fam Physician. 1984;30:1869-72. 3. Kason Y, Ylanco VJ. FANTASTIC Lifestyle Assessment: Part 5. Measuring Lifestyle in Family Practice. Can Fam Physician. 1984; 30:2379-83. 4. 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RESULTADOS: Das 111 hemoculturas obtidas, os microrganismos mais isolados foram Staphylococcus epidermidis (27,4%), outros Staphylococcus coagulase-negativos (32,7%) e Staphylococcus aureus (13,3%). Aproximadamente metade das hemoculturas representou pseudobacteriemia, e Staphylococcus coagulase-negativo foi o contaminante em 89,1% dos casos. A maioria das cepas de S. aureus apresentou suscetibilidade para oxacilina (66,7%), enquanto as de Staphylococcus coagulase-negativo exibiram resistência. Nenhum Gram-positivo apresentou resistência à vancomicina. Escherichia coli, demais enterobactérias (exceto Klebsiella pneumoniae) e bacilos Gram-negativos não fermentadores apresentaram resistência para ampicilina + sulbactam, gentamicina e cefepime, respectivamente. CONCLUSÃO: Gram-positivos representaram a maior parte das bactérias isoladas, e todos foram sensíveis à vancomicina. O elevado número de contaminantes pôde ser atribuído à antissepsia inadequada na coleta, pois Staphylococcus coagulase-negativo, o contaminante mais frequente, está presente na microbiota da pele. OBJECTIVE: To determine the most frequent microorganisms, the clinical significance and the susceptibility profile to antimicrobial agents obtained in blood cultures at a teaching hospital. METHODS: This was a retrospective study through the analysis of positive blood cultures at an university hospital in the period 2012 to 2014. RESULTS: Of the 111 blood cultures obtained, the most isolated microorganisms were Staphylococcus epidermidis (27.4%), other coagulase-negative Staphylococcus (32.7%) and Staphylococcus aureus (13.3%). Approximately half of blood cultures represented pseudobacteremia, and coagulasenegative Staphylococcus was the contaminant in 89.1% of cases. Most S. aureus strains showed susceptibility to oxacillin (66.7%), while coagulase-negative Staphylococcus showed resistance. No Gram-positive was resistant to vancomycin. Escherichia coli, other members of the Enterobacteriaceae (except Klebsiella pneumoniae) and Gram-negative bacilli non-fermenters were resistant to ampicillin + sulbactam, gentamicin and cefepime, respectively. CONCLUSION: Gram-positive bacteria accounted for most of the bacteria isolated and all were susceptible to vancomycin. The high number of contaminants can be attributed to inadequate antisepsis in the collection, as coagulase-negative Staphylococcus, the most frequent contaminant, is present in the skin microbiota. Descritores: Bacteriemia; Infecção hospitalar; Epidemiologia; Resistência microbiana a medicamentos; Farmacorresistência bac­teriana; Hospitais especializados 1. Universidade Federal de Sergipe, Aracaju, SE, Brasil. Data de submissão: 24/11/2015 – Data de aceite: 04/01/2016 Conflito de interesse: não há. Fontes de financiamento: não há. Endereço para correspondência: Thiago Reis de Santana Avenida Engenheiro Gentil Tavares, 1.507 – Getúlio Vargas CEP: 49055-260 – Aracaju, SE, Brasil Tel.: (79) 99910-3792 − E-mail: [email protected] © Sociedade Brasileira de Clínica Médica 22 RBCM 14.1.indb 22 Keywords: Bacteremia; Cross infection; Epidemiology; Drug resistance, microbial; Drug resistance, bacterial; Hospitals, special INTRODUÇÃO Bacteriemia e fungemia podem ser conceituadas como o aparecimento no sangue de bactérias ou fungos, respectivamente, capazes de causar doença. A cultura de sangue periférico constitui importante instrumento para o diagnóstico e o tratamento dos casos de infecção de corrente sanguínea, por meio do isolamento do patógeno responsável e guiando o uso de anti­ bióticos com o antibiograma, respectivamente. A obtenção do sangue para cultura requer alguns cuidados. A antissepsia adequada do local de coleta é fundamental para evitar contaminação da amostra com germes que colonizam a pele. Deve-se solicitar de duas a quatro hemoculturas, com amostras coletadas em punções venosas de locais diferentes. Cada hemocultura pode ser entendida como um conjunto de culturas, pois compreende todos os frascos de cultura obtidos pela distribuição do sangue de apenas uma punção venosa. Em adultos, recomendam-se coletar 20 a 30mL de sangue para cada hemocultura e distribui-los em um frasco de cultura para aeróbio e um para anaeróbio de forma igual. A coleta deve ocorrer Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):22-6 11/04/2016 16:00:02 Infecção na corrente sanguínea em hospital terciário preferencialmente antes da utilização de antibióticos ou, caso já tenha iniciado uso, no período que antecede a próxima dose do antimicrobiano.(1-5) Diante de uma hemocultura positiva, pode-se questionar a possiblidade de contaminação da amostra ou considerá-la como infecção de corrente sanguínea verdadeira.(1) Para tal distinção, os seguintes elementos podem ser utilizados: a identificação do microrganismo encontrado, o número de hemoculturas positivas em relação ao número de hemoculturas obtidas; e os dados clínicos do paciente (temperatura, contagem de leucócitos, exames de imagem, entre outros). Em contrapartida, o número de frascos positivos de um mesmo conjunto de cultura e o tempo para a positivação da hemocultura não devem ser usados, pois patógenos e contaminantes podem apresentar semelhanças nesses aspectos. Resultados falso-positivos acarretam gastos desnecessários e transtornos para o paciente.(6,7) verdadeira ou contaminação, segundo critérios do National Healthcare Safety Network (NHSN). Posteriormente, por meio dos prontuários de internação, obtiveram-se a idade, o sexo e o setor de internação de cada paciente. As informações coletadas foram codificadas em uma planilha do Microsoft Excel®, versão 2010. As variáveis quantitativas foram expressas por medidas de tendência central e de dispersão, e as variáveis categóricas, por números absolutos e porcen­ tuais. Utilizou-se o teste qui quadrado para analisar a associação entre as variáveis de interesse. Quando não foi possível usar o qui quadrado, empregou-se o teste exato de Fisher. O programa OpenEpi, versão 3.03a, foi utilizado na realização dos cálculos estatísticos, sendo considerado como significância estatística quando p<0,05. OBJETIVO Dos 111 pacientes do estudo, 63 (56,8%) eram do sexo masculino, com média de idade de 46,6 anos (desvio padrão de 25,7) e mediana de 48 (variação de 3 meses a 90 anos). Entre 40 a 49 anos e 70 a 79 anos registraram-se as maiores porcentagens de hemoculturas positivas, 14,4% e 15,3%, respectivamente. O porcentual de pacientes acima de 60 anos foi de 36,0%. Em duas hemoculturas ocorreu o isolamento de duas bactérias, enquanto nas demais apenas um agente foi isolado. Das 113 bactérias isoladas, 84 (74,3%) eram cocos Gram-positivos e 29 (25,7%) bacilos Gram-negativos. A tabela 1 apresenta as frequências dos microrganismos isolados. Dos 68 Staphylococcus coagulase-negativo, o mais frequente foi o Staphylococcus epidermidis (45,6%), seguido pelo Staphylococcus haemolyticus (11,8%) e Staphylococcus hominis (8,8%). A distribuição dos agentes patogênicos nas enfermarias do hospital ocorreu da seguinte forma: 70 (61,9%) foram provenientes de pacientes da clínica médica, 16 (14,2%) da UTI; 16 (14,2%) da clínica pediátrica; e 11 (9,7%) da clínica cirúrgica. Determinar os microrganismos mais frequentes, o significado clínico e o perfil de sensibilidade aos antimicrobianos dos agentes isolados nas hemoculturas de um hospital universitário. MÉTODOS Estudo retrospectivo e transversal realizado por meio de levantamento de todas as hemoculturas positivas realizadas no Laboratório de Análises Clínicas do Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe (HU-UFS), no período de janeiro de 2012 a dezembro de 2014. O presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do hospital, sob o registro 44389115.6.0000.5546, parecer número 1058906. O HU-UFS possuía 105 leitos, distribuídos nas seguintes enfermarias: clínica médica, unidade de terapia intensiva, clínica pediátrica, clínica cirúrgica e psiquiatria. O sangue para cultura foi coletado por punção venosa periférica, após antissepsia da pele com álcool 70%, e distribuído em frascos contendo meio de cultura para aeróbios e frascos com meio para anaeróbios. Em seguida, as amostras foram incubadas durante 5 dias, a 37°C, no instrumento automatizado BACTEC® FX (Becton Dickinson and Company, Sparks, MD, Estados Unidos), versão MAR_11_001. Os testes bioquímicos/ enzimáticos, para o isolamento dos microrganismos, e o teste de suscetibilidade antimicrobiana (TSA) foram realizados no aparelho MicroScan WalkAway® 40 (Siemens Healthcare Diagnostics Inc., West Sacramento, CA, Estados Unidos). Realizou-se o TSA conforme as normas do Clinical and Laboratory Standards Institute (CLSI). Os resultados das hemoculturas positivas foram obtidos do arquivo da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) do HU-UFS. Após a exclusão de quatro hemoculturas, que apresentaram dados insuficientes, foram avaliadas 111 hemoculturas positivas, equivalentes a 111 pacientes. Por meio dos laudos das hemoculturas, obtiveram-se o organismo isolado e o antibiograma de cada cultura. Além disso, profissionais treinados da CCIH classificaram tais resultados em bacteriemia Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):22-6 RBCM 14.1.indb 23 RESULTADOS Tabela 1. Frequência dos microrganismos isolados nas hemoculturas do Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe, de 2012 a 2014 Bactérias isoladas Staphylococcus coagulase-negativo* Staphylococcus epidermidis Staphylococcus aureus Escherichia coli Klebsiella pneumoniae Outras enterobactérias† Bacilos Gram-negativos não fermentadores‡ Streptococcus agalactiae Total N (%) 37 (32,7) 31 (27,4) 15 (13,3) 10 (8,8) 8 (7,1) 7 (6,2) 4 (3,5) 1 (0,9) 113 (100,0) *Outras espécies de Staphylococcus coagulase-negativo que não o Staphylococcus epidermidis; †Citrobacter spp., Enterobacter spp., Klebsiella oxytoca, Proteus spp., Salmonella spp. e Serratia spp.; ‡Acinetobacter baumannii, Burkholderia cepacia e Pseudomonas aeruginosa. Fonte: Protocolo de pesquisa, 2015. 23 11/04/2016 16:00:02 Santana TR, Lima Jr. AA, Lobo IM, Araújo JG Conforme avaliação da CCIH, 56 (49,6%) bactérias foram classificadas como bacteriemia verdadeira, 55 (48,7%) contaminantes e 2 (1,8%) como de significado clínico indeterminado. As tabelas 2 e 3 dispõem a classificação dos microrganismos isolados. O contaminante mais comum foi o Staphylococcus coagulase-negativo (todas as espécies, inclusive o S. epidermidis) em 89,1% dos casos. O único Streptococcus agalactiae isolado foi considerado contaminante. O setor hospitalar que apresentou maior número de contaminantes foi a clínica médica (67,3%), Tabela 2. Classificação das hemoculturas do Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe, de 2012 a 2014, de acordo com os microrganismos Gram-positivos isolados* Staphylococcus coagulase-negativo n (%) Staphylococcus aureus n (%) Bacteriemia verdadeira 19 (27,9) 12 (80,0) Contaminação 49 (72,1) 3 (20,0) Total 68 (100,0) 15 (100,0) Classificação *O nível de significância foi p<0,05 (qui quadrado de 14,23; valor de p=0,0001615). Fonte: Protocolo de pesquisa, 2015. seguida pela UTI e clínica pediátrica, ambas com porcentual de 12,7%, e clínica cirúrgica (7,3%). Os perfis de sensibilidade dos microrganismos aos antimicrobianos estão representados nas tabelas 4 e 5. Observou-se que a taxa de agentes produtores de betalactamase de espectro ampliado (ESBL) foi de 30,0% para a Escherichia coli, 12,5% para a Klebsiella pneumoniae e 14,3% para as demais enterobactérias. DISCUSSÃO Devido às alterações próprias da senilidade, processos infecciosos causam maior morbimortalidade em idosos, e complicações como bacteriemia são mais frequentes.(8) Assim, 36,0% dos pacientes do presente trabalho possuíam idade acima de 60 anos. Estafilococos são causa importante de infecções hospitalares e adquiridas na comunidade.(9) Os microrganismos mais isolados no HU-UFS foram Staphylococcus coagulase-negativo (32,7%), S. epidermidis (27,4%) e Staphylococcus aureus (13,3%). Os Gram-positivos representaram 74,3% dos germes encontrados. Estudo em um hospital terciário evidenciou taxa semelhante de Gram-positivos (79,7%), porém o agente mais isolado foi o S. epidermidis (40,6%), seguido pelo S. aureus (17,2%), e os demais Staphylococcus coagulase-negativo tiveram prevalência de 4,7%(10). O porcentual total de Staphylococcus coagulase-negati- Tabela 3. Classificação das hemoculturas do Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe, de 2012 a 2014, de acordo com os microrganismos Gram-negativos isolados Classificação Bacteriemia verdadeira Contaminação Significado indeterminado Total Escherichia coli n (%) 9 (90,0) 0 1 (10,0) 10 (100,0) Klebsiella pneumoniae n (%) 6 (75,0) 1 (12,5) 1 (12,5) 8 (100,0) Outras enterobactérias n (%) 7 (100,0) 0 0 7 (100,0) Bacilos não fermentadores n (%) 3 (75,0) 1 (25,0) 0 4 (100,0) Fonte: Protocolo de pesquisa, 2015. Tabela 4. Perfil de sensibilidade dos cocos Gram-positivos isolados nas hemoculturas do Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe de 2012 a 2014, segundo o número de cepas testadas Antibióticos Ampicilina + sulbactam Ciprofloxacino Clindamicina Eritromicina Levofloxacina Oxacilina Rifampicina Tetraciclina Sulfazotrim† Vancomicina Staphylococcus coagulase-negativo n (%)* 15 (40,5) 22 (59,5) 14 (37,8) 12 (32,4) 23 (62,2) 15 (40,5) 30 (81,1) 24 (64,9) 24 (64,9) 37 (100,0) Staphylococcus epidermidis n (%) 14 (45,2) 18 (58,1) 18 (58,1) 10 (32,3) 19 (61,3) 14 (45,2) 29 (93,5) 29 (93,5) 15 (48,4) 31 (100,0) Staphylococcus aureus n (%) 9 (60,0) 11 (73,3) 7 (46,7) 6 (40,0) 11 (73,3) 10 (66,7) 14 (93,3) 11 (73,3) 12 (80,0) 15 (100,0) *Outras espécies de Staphylococcus coagulase-negativo que não o Staphylococcus epidermidis; †sulfametoxazol + trimetoprim. Fonte: Protocolo de pesquisa, 2015. 24 RBCM 14.1.indb 24 Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):22-6 11/04/2016 16:00:02 Infecção na corrente sanguínea em hospital terciário Tabela 5. Perfil de sensibilidade dos bacilos Gram-negativos isolados nas hemoculturas do Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe de 2012 a 2014, segundo o número de cepas testadas Antibióticos Amicacina Ampicilina + sulbactam Cefepime Ceftriaxona Ciprofloxacino Gentamicina Imipenem Levofloxacina Meropenem Piperacilina + tazobactam Tigeciclina Escherichia coli n (%) 10 (100,0) 4 (40,0) 7 (70,0) 6 (75,0) 7 (70,0) 9 (90,0) 10 (100,0) 7 (70,0) 10 (100,0) 10 (100,0) 9 (90,0) Klebsiella pneumoniae Outras enterobactérias n (%) n (%) 8 (100,0) 4 (80,0) 7 (87,5) 1 (25,0) 7 (87,5) 4 (57,1) 6 (85,7) 3 (60,0) 5 (62,5) 4 (57,1) 8 (100,0) 2 (40,0) 8 (100,0) 5 (100,0) 6 (75,0) 3 (60,0) 8 (100,0) 5 (100,0) 7 (87,5) 3 (100,0) 8 (100,0) 6 (100,0) Bacilos não fermentadores n (%) 2 (66,7) 1 (50,0) 1 (33,3) NT 2 (66,7) 2 (66,7) 0* NT 3 (75,0) NT NT * Apenas uma cepa testada; NT: não testado. Fonte: Protocolo de pesquisa, 2015. vo nas hemoculturas do HU-UFS (60,1%) também foi superior ao encontrado em outro estudo, 22,0%.(11) Metodologias diversificadas podem ter contribuído para tal diferença na taxa de Staphylococcus coagulase-negativo, considerado frequentemente como contaminante.(12) A contaminação elevada das amostras do HU-UFS também pode explicar a alta taxa de Staphylococcus coagulase-negativo. Os Staphylococcus coagulase-negativo mais comuns foram o S. epidermidis e o S. haemolyticus. Igualmente, estudo realizado com linhagens de Staphylococcus coagulase-negativo isoladas de recém-nascidos teve como agentes mais frequentes o S. epidermidis e, em seguida, o S. haemolyticus.(13) A prevalência elevada de bactérias isoladas (61,9%) e de contaminantes (67,3%) na enfermaria de clínica médica pode ter ocorrido devido ao maior número de leitos desse setor, em relação aos demais. Outra hipótese que poderia explicar tal fato é a menor solicitação de hemoculturas em setores como a clínica cirúrgica, por exemplo. Em um hospital de Minas Gerais constatou-se que 56,3% das bacteriemias eram provenientes da clínica médica.(10) Alguns microrganismos, quando isolados nas hemoculturas, sugerem fortemente infecção verdadeira. São eles: S. aureus, Streptococcus pneumoniae, E. coli e demais integrantes da Enterobacteriaceae, Pseudomonas aeruginosa, Candida albicans, entre outros. Entretanto, Corynebacterium spp., Bacillus spp. e Propionibacterium acnes raramente correspondem a bacteriemia verdadeira. Streptococcus viridans, Enterococcus spp. e Staphylococcus coagulase-negativo exigem melhor compreensão, devido taxas intermediárias de infecção verdadeira.(14-16) Os resultados deste estudo corroboram o que foi descrito anteriormente, pois, nas hemoculturas analisadas, S. aureus, E. coli, K. pneumoniae e demais enterobactérias foram considerados predominantemente como bacteriemia verdadeira. Staphylococcus coagulase-negativo apresenta crescente relevância clínica, devido à associação com bacteriemia secundária a cateteres e próteses vasculares.(14) Estudo prévio evidenciou que Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):22-6 RBCM 14.1.indb 25 o Staphylococcus coagulase-negativo foi o agente mais comum das hemoculturas falso-positivas e que apresentou taxa de infecção verdadeira de 24,7%.(12) No HU-UFS, o contaminante mais prevalente também foi o Staphylococcus coagulase-negativo, e o porcentual de infecção verdadeira do Staphylococcus coagulase-negativo foi de 27,9%. Houve diferença estatisticamente significativa entre a classificação do Staphylococcus coagulase-negativo, contaminante frequente, e do S. aureus, verdadeiro patógeno na maioria das vezes. Preconiza-se que a taxa de contaminação de hemoculturas seja no máximo 3%.(3) No entanto, no presente estudo, 48,7% das bacteriemias corresponderam a contaminantes. Obteve-se resultado semelhante em estudo que analisou 1.585 hemoculturas positivas, sendo que 41,5% delas representaram pseudobacteriemia.(15) O elevado número de contaminantes nas hemoculturas do HU-UFS pode ser atribuído à antissepsia inadequada do local de coleta do sangue, pois o Staphylococcus coagulase-negativo, contaminante mais frequente, abrange espécies presentes na microbiota da pele.(12) No entanto, nas outras fases do processamento das hemoculturas, também pode ter ocorrido contaminação. O S. aureus apresentou taxas de sensibilidade para eritromicina, oxacilina e sulfametoxazol + trimetoprim de 40,0%, 66,7% e 80,0%, respectivamente − porcentuais estes maiores que os obtidos em um estudo que analisou dados de infecções hospitalares, a saber: 34,0%, 22,7% e 56,7%, nessa ordem.(17) A suscetibilidade para clindamicina (46,7%) também foi superior a de estudo prévio, 27,3%. S. epidermidis mostrou baixa sensibilidade para oxacilina (45,2%) e sulfametoxazol + trimetoprim (48,4%), mas as taxas foram superiores às da literatura, 15,4% e 27%, respectivamente; eritromicina e ampicilina + sulbactam também tiveram suscetibilidade menor que 50%; clindamicina teve sensibilidade de 58,1%, ou seja, maior que a obtida em outro trabalho (27%). Outros Staphylococcus coagulase-negativo exibiram resistência superior a 50% para eritromicina, clindamicina, oxacilina e ampicilina + sulbactam; 25 11/04/2016 16:00:02 Santana TR, Lima Jr. AA, Lobo IM, Araújo JG sulfametoxazol+trimetoprim (64,9%) teve suscetibilidade superior ao valor da literatura (33,3%).(10) Nenhuma cepa Gram-positiva apresentou resistência à vancomicina. A utilização de antimicrobianos de forma indiscriminada está implicada no aparecimento de cepas bacterianas multirresistentes. Enterobactérias (E. coli e Klebsiella spp., principalmente) produtoras de ESBL são capaz de hidrolisar penicilinas, cefalosporinas e monobactans. No presente trabalho, a prevalência de produção de ESBL pela E. coli (30,0%) foi maior que a encontrada em cepas de hospitais brasileiros (10%),(18) enquanto a taxa de ESBL da K. pneumoniae (12,5%) foi menor em relação a estudo anterior (53,8%).(19) A K. pneumoniae apresentou suscetibilidade à ceftriaxona (85,7%) maior que a obtida em trabalho prévio (53,3%).(17) A E. coli manifestou sensibilidade reduzida para ampicilina + sulbactam. Demais enterobactérias mostraram resistência para gentamicina e ampicilina + sulbactam, e bacilos não fermentadores exibiram resistência ao cefepime. CONCLUSÃO As espécies mais prevalentes nas hemoculturas do hospital universitário estudado foram Staphylococcus epidermidis, demais Staphylococcus coagulase-negativo e Staphylococcus aureus. Comumente, classificou-se Staphylococcus aureus e Gram-negativos como bacteriemia verdadeira. O elevado número de contaminantes pode ser atribuído à antissepsia inadequada na coleta, pois Staphylococcus coagulase-negativo, contaminante mais frequente, está presente na microbiota da pele. A maioria das cepas de Staphylococcus aureus foi oxacilicina-sensível, mas apresentou resistência acima de 50% à eritromicina e à clindamicina. Staphylococcus epidermidis e outros Staphylococcus coagulase-negativo exibiram resistência à oxacilina, eritromicina e ampicilina + sulbactam. Nenhum Gram-positivo apresentou resistência à vancomicina. Escherichia coli, demais enterobactérias (exceto Klebsiella pneumoniae) e bacilos não fermentadores exibiram resistência à ampicilina + sulbactam, gentamicina e cefepime, respectivamente. REFERÊNCIAS 1. Reimer LG, Wilson ML, Weinstein MP. Update on detection of bacteremia and fungemia. Clin Microbiol Rev. 1997;10(3):444-65.2. Araujo MRE. Hemocultura: recomendações de coleta, processamento e interpretação dos resultados. 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Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):22-6 11/04/2016 16:00:02 ARTIGO ORIGINAL Distúrbios psiquiátricos menores em mulheres do extremo Sul do Brasil: prevalência e fatores associados Minor psychiatric disorders in women from southern Brazil: prevalence and associated factors Valéri Pereira Camargo1, Renato Henrique Silva Nóbrega1, Isabela Fonseca da Silva1, Raúl Andrés Mendoza-Sassi1 Recebido da Universidade Federal do Rio Grande (FURG); Faculdade de Medicina (FAMED), Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brasil. RESUMO JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A prevalência de distúrbios psiquiátricos menores (DPM) pode variar ao longo do tempo, ser mais frequente entre mulheres e estar influenciada por diversos fatores, alguns deles modificáveis. Este estudo, portanto, objetivou identificar essa prevalência e os fatores associados em um grupo de mulheres residentes no sul do Brasil. MÉTODOS: Estudo transversal, realizado em município de porte médio do Extremo Sul do Brasil em 2011. Foram entrevistadas mulheres com 18 anos ou mais nos domicílios selecionados. O desfecho foi distúrbios psiquiátricos menores, avaliado com a aplicação do instrumento Self-Report Questionnaire (SRQ20) e utilizando um ponto de corte 7/8. Foram analisadas variáveis sócio demográficas, comportamentais e de saúde. Na análise estatística calculou-se a prevalência de distúrbios psiquiátricos menores e as razões de prevalência dos fatores associados, mediante uso da regressão de Poisson com variância robusta. RESULTADOS: A prevalência de distúrbios psiquiátricos menores entre as 1595 mulheres participantes foi 21,76%. Entre os fatores associados encontrados, destaca-se o aumento linear da prevalência de distúrbios psiquiátricos menores com a idade, e também se observa uma relação inversa com a escolaridade e a renda. Há forte associação entre o desfecho e falta de suporte social, auto percepção 1. Universidade Federal do Rio Grande (FURG); Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brasil. Data de submissão: 15/03/2016 – Data de aceite: 16/03/2016 Conflitos de interesse: não há. Endereço para correspondência: Valéri Pereira Camargo FURG Campus Saúde Rua Gen. Osório, s/n – Centro Área Acadêmica do Hospital Universitário CEP: 96201-900 – Rio Grande, RS, Brasil Tel.: (53) 8124-5856 – E-mail: [email protected] Fontes de auxilio à pesquisa: EDITAL MCT/CNPq 14/2010 – UniversalPROCESSO 470362/2010-3 Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa: Comissão de Ética e Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande (processo 129/2010). Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE): Todos os pacientes que participaram do estudo leram e assinaram o TCLE. © Sociedade Brasileira de Clínica Médica Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):27-32 RBCM 14.1.indb 27 de saúde ruim e doença crônica referida. CONCLUSÕES: A prevalência de distúrbios psiquiátricos menores foi elevada e afeta mais aos grupos com menores condições socioeconômicas, mostrando uma iniquidade que merece atenção. Outros fatores associados, também modificáveis foram o suporte social e a carga de morbidade referida, indicando a necessidade de ações de apoio nesses grupos de mulheres. Descritores: Depressão; Transtornos de ansiedade; Transtornos somatoformes; Classe social; Saúde mental; Mulheres ABSTRACT BACKGROUND AND OBJECTIVE: The prevalence of minor psychiatric disorders (MPD) changes along time, is more frequent in women and can be influenced by several factors, most of them modifiable. The aim of this study was to analyze the prevalence of minor psychiatric disorders and its associated factors in a sample of women living in southern Brazil. METHODS: Cross-sectional study carried on in a municipality from extreme southern Brazil in 2011. Women 18 years or older were interviewed in their homes. The outcome was minor psychiatric disorders which was identified by the Self-Report Questionnaire (SRQ-20) using a 7/8 cut-off point. Demographic, socioeconomic, behavioral, and health variables were also collected. Prevalence of minor psychiatric disorders with its 95% confidence interval was calculated. Prevalence Ratios of risk factors were obtained by the Poisson regression with robust variance. RESULTS: Prevalence of minor psychiatric disorders among the 1595 studied women was 21.76%. Amongst the associated factors we highlight the linear trend between the outcome and age. Also we remark the inverse relationship between minor psychiatric disorders with education and income. A strong association was also found with lack of social support, self perception of poor health and self referred chronic disease. CONCLUSION: The prevalence of minor psychiatric disorders among women was high and more related to those worst off, pointing a situation of inequity that has to be addressed. Other modifiable factors where lack of social support and poor perceived health status, suggesting the need of supportive actions to these groups of women. Keywords: Depression; Anxiety disorders; Somatoform disorder; Social class; Mental health; Women 27 11/04/2016 16:00:03 Camargo VP, Nóbrega RH, Silva IF, Mendoza-Sassi RA INTRODUÇÃO Os transtornos mentais por si só e pelo uso de substancias aditivas, como álcool e fumo, são responsáveis por uma importante carga de doença. Em 2010 responderam diretamente por 7,4% do total da carga mundial e desse total os transtornos depressivos corresponderam a 40,5%.(1) Além disso existem evidências de que indivíduos com esse grupo de doenças tem uma redução significativa da esperança de vida ao nascer.(2) Por tanto a identificação, diagnóstico e tratamento desses indivíduos é um assunto prioritário em termos de saúde pública e na organização da atenção nos serviços de saúde. Diversos fatores de risco tem sido associados com os transtornos mentais, entre os quais se encontram os demográficos, como idade, sexo e etnia, os socioeconômicos, como a escolaridade, a renda e o baixo suporte social, e fatores ambientais como moradia, violência e desastres naturais.(3) Dentro de essa categoria de doença se situam os distúrbios psiquiátricos menores, definidos como um quadro clínico com queixas difusas, expressas por sintomatologias somáticas, depressivas, estados de ansiedade, irritabilidade, insônia, fadiga, dificuldade de concentração e de memoria e sensação de inutilidade.(4) Apesar dos transtornos psiquiátricos menores atingirem ambos os sexos, as mulheres são mais acometidas e desenvolvem um número maior de comorbidades. A maior frequência deste tipo de transtorno nas mulheres se explica pela maior exposição a fatores estressores como violências, abusos sexuais.(5,6) Além disso passam a maior parte da vida por alterações hormonais, que iniciam na menarca e continuam após a menopausa e que podem produzir estados depressivos, como o a depressão perinatal e a psicose puerperal entre outros7,8. A identificação de fatores de risco removíveis e o rastreamento de indivíduos suscetíveis, são medidas que podem contribuir para a redução e controle dos transtornos psiquiátricos menores não psicóticos, colaborando com a redução da carga de morbidade. Assim sendo, e considerando a importância de conhecer como as enfermidades mentais afetam o população feminina e os fatores associados, este estudo tem como objetivo verificar a prevalência dos transtornos psiquiátricos menores e sua relação com fatores sociais, econômicos e comportamentais. MÉTODOS Local do estudo e tipo de delineamento Realizou-se um estudo de tipo transversal e de base populacional, na cidade de Rio Grande – RS, no extremo sul do Brasil entre abril e novembro de 2011. De acordo com o IBGE(9) o município tem 197.228 habitantes, sendo 96.000 residentes em região urbana. O PIB per capita em 2011 era de R$ 41.376,0 e o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) era de 0,744 em 2010. A economia da cidade se baseia na atividade do porto marítimo (segundo maior porto do Brasil), a indústria de fertilizantes e o polo naval. Esse trabalho é parte de um projeto maior denominado “Educação, conhecimento sobre fatores de risco e utilização de serviços de saúde em mulheres residentes em uma cidade do Sul do Brasil: estudo de base populacional”. A população de estudo foi 28 RBCM 14.1.indb 28 formada por mulheres com idade igual ou superior a 18 anos residentes na cidade de Rio Grande. Tamanho e tipo da amostra O cálculo do tamanho da amostra foi realizado no programa Epi Info 6.04 (Centers for Disease Control and Prevention - CDC). Para essa finalidade, se estimou uma prevalência esperada entre não expostos de ao menos 10%, um risco relativo de 2, um nível de confiança de 95% e um poder de 80%, com uma relação de não expostos para expostos de até 8:1. Ao tamanho da amostra inicialmente calculado se acrescentou 10% para perdas, 20% para fatores de confusão e 20% para possível efeito de delineamento, chegando a um tamanho de amostra de 1.582 mulheres. Considerando que existiam 1,13 mulheres maiores de 18 anos por domicílio, estimou-se que deveriam ser visitados 1400 domicílios para obter o tamanho da amostra desejada. A amostragem foi por múltiplos estágios. Primeiro, utilizou-se uma amostragem por conglomerados, sorteando-se 50 setores censitários entre os 246 existentes na zona urbana do município do Rio Grande.(9) Posteriormente, em cada um dos setores sorteados, e mediante amostragem aleatória simples, se sorteou uma quadra e dessa quadra uma esquina. A seguir, e mediante amostragem sistemática, foi visitada a partir da esquina sortea­ da, uma de cada duas residências, até completar 28 em cada setor. Participavam do estudo todas as mulheres com idade igual ou superior a 18 anos que residissem nos domicílios sorteados e que tivessem condições mentais para responder. Definição do desfecho e variáveis independentes O desfecho, distúrbios psiquiátricos menores (DPM) foi avaliado com a aplicação do instrumento Self-Report Questionnaire (SRQ20) Esse questionário, elaborado por Harding et al.,(10) foi desenvolvido para essa finalidade e validado por uma série de estudos internacionais conduzidos pela OMS. No Brasil foi validado por Mari e Williams(11) e tem sido aplicado em diversos estudos de base populacional. Neste estudo foi utilizando o ponto de corte 7/8, adequado para mulheres(11). As variáveis independentes estudadas incluíram a idade (categorizada em grupos de 10 anos), a cor da pele (classificada em branca e pretas e outras), a escolaridade (categorizada em segundo grau incompleto ou segundo grau completo), a renda per capita familiar, transformada em quartis, (sendo o 1o quartil o mais baixo), presença de companheiro, situação de emprego (empregado ou desempregado), suporte social (avaliado mediante escala de Likert e depois dicotomizado), religião (referência a ter uma religião, classificado como sim/não); o uso abusivo de álcool (medido pelo AUDIT utilizando ponto de corte 5/6(12), doença crônica auto referida e diagnosticada pelo médico e auto percepção do estado de saúde (avaliada por uma escala tipo Likert e depois categorizada em dois grupos). Coleta, digitação e análise dos dados A coleta de dados ocorreu mediante um questionário pré-codificado e testado. Foi realizado um estudo piloto para avaliar Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):27-32 11/04/2016 16:00:03 Distúrbios psiquiátricos menores em mulheres do extremo Sul do Brasil: prevalência e fatores associados o instrumento e a logística do estudo em um dos setores censitários que não foi sorteado. Seis entrevistadoras, treinadas para essa tarefa aplicaram o questionário nos domicílios selecionados. Todas as mulheres residentes no domicilio sorteado respondiam o questionário. Se a pessoa não se encontrava no domicílio no momento da entrevista, se retornava posteriormente. No caso de pessoas que recusavam realizar a entrevista, eram realizadas duas novas tentativas, utilizando diferentes estratégias. Havendo uma terceira recusa se contabilizava como perda. Da mesma forma, após uma terceira tentativa sem sucesso para localizar a pessoa, a mesma era considerada como perda. As perdas não tiveram reposição. Como forma de avaliar a qualidade da informação obtida e a confiabilidade do instrumento, se reaplicaram algumas das questões do questionário no decorrer do mês da entrevista em 10% das entrevistadas. Antes de realizar a entrevista, as pessoas liam um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), e se concordavam assinavam autorizando sua participação no estudo. Os dados dos questionários foram digitados duplamente e de forma independente, utilizando o programa EpiData 3.1 (EpiData Association). Após verificação de erros de amplitude e consistência, os dados foram transferidos para o programa de estatística Stata, versão 11 (Stata Corp., College Station). Foi rea­ lizada uma análise descritiva, com cálculo de médias e desvios padrões, para variáveis numéricas, e com cálculo de proporções para o caso de variáveis categóricas. A seguir foi realizada uma análise bivariada para estudar a associação entre o desfecho com as variáveis de interesse, sendo calculadas as Razões brutas de Prevalências (RPb) e seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95). Na etapa multivariada foi aplicada a técnica da regressão de Poisson com variância robusta, de tipo para trás e considerando a opção para amostra por conglomerados do Stata (opção “cluster”). As RP ajustadas e seus IC95 foram calculados seguindo um modelo hierárquico de análise(13) que compreendeu 2 níveis de determinação, sendo o mais distal formado pelas variáveis sociodemográficas e o segundo mais proximal pelo tabagismo, uso de álcool e convênio de saúde. As variáveis de cada nível que tivessem um p menor a 0,05 eram mantidos no modelo para ajuste como o nível seguinte. Nos testes de significância foi considerado um valor de p menor a 0,05 de um teste bicaudal. O projeto de pesquisa foi aprovado pela Comissão de Ética e Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande (processo 129/2010). Tabela 1. Descrição da amostra estudada. 2011. N=1596 Variável N % 44,58 17,76 Até 39 676 42,36 40-59 575 36,03 60 ou mais 345 21,62 Branca 1131 70,86 Preta e outras 465 29,14 Não 869 54,45 Sim 727 45,55 1-3 206 12,91 4-7 477 29,89 8-10 290 39,04 11 ou mais 623 18,17 1o quartil 213,48 71,48 2 quartil 440,76 67,83 3o quartil 745,33 134,90 4o quartil 2421,43 1506,94 Não 1016 63,70 Sim 579 36,30 Não 1.160 72,68 Sim 436 27,32 Não 316 19,80 Sim 1.280 80,20 Não 658 41,23 Sim 938 58,77 1.238 77,57 358 22,43 Não 338 21,18 Sim 1258 78,82 Não 927 58,08 Sim 669 41,92 Não 1.248 78,24 Sim 347 21,76 Idade (anos) média (DP) Idade (categorizada) Cor da pele Com companheiro Escolaridade (anos) Renda per capita familiar o Idade (anos) Trabalha atualmente Fuma? Recebe ajuda quando precisa Participa eventos sociais Audit <5 pontos RESULTADOS No total, 1595 mulheres responderam ao questionário, tendo ocorrido 1,91% de perdas. Na tabela 1 se apresenta a descrição da amostra. As entrevistadas tinham média de idade de 44,58 anos (DP17, min/max 18-96), 71% eram brancas, 54% não tinham companheiro, e mais de 63% não estavam trabalhando no momento. Mais de 57% tinha o 1o grau completo e a relação da renda familiar per capita entre o 4o e o 1o quartil foi maior a 10. A prevalência de Distúrbios Psiquiátricos Menores (DPM) foi 21,76% (IC95 19,73-23,78) (Tabela 1). Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):27-32 RBCM 14.1.indb 29 >6 Tem religião Doença crônica diagnosticada por médico DPM (Srq20 >7 29 11/04/2016 16:00:03 Camargo VP, Nóbrega RH, Silva IF, Mendoza-Sassi RA Na tabela 2 podem ser vistas as RP brutas e ajustadas. No modelo ajustado observou-se que os distúrbios psiquiátricos menores aumentaram de forma linear com a idade (atingindo 39% no grupo de maior idade) e entre as mulheres de cor de pele branca (46% a mais). Diminuíram de forma linear na me- dida em que aumentou a escolaridade (42% de redução entre as mulheres com 2o grau completo) e a renda das entrevistadas (43% de redução no quartil superior). O menor suporte social foi uma situação que aumentou a prevalência do desfecho (60% entre aquelas que não recebiam ou recebiam pouca aju- Tabela 2. Prevalências e Razões de Prevalência para depressão e fatores associados. 2011. N=1595 Variável Idade categorizadab Até 39 anos 40-59 60 ou mais Cor Preta e outras Branca Com companheirob Não Sim Trabalhob Não Sim Escolaridade Até 3 anos 4-7 anos 8-10 anos 11 anos ou mais Quartil de rendab 1o quartil 2o quartil 3o quartil 4o quartil Recebe ajudac Quase sempre/sempre Quase nunca/nunca Participa eventos sociaisc Quase sempre/sempre Quase nunca/nunca Tem religião Não Sim Auditd Até 5 pontos 6 pontos ou mais Autopercepção saúde último mêse Boa/excelente Ruim/regular Doença crônicae Não Sim Prevalência (N) RP bruta IC 95 P RP ajustada 17,01 (115) 24,56 (141) 26,38 (91) 1 1,44 1,55 1,16-1,80 1,22-1,98 16,63 (82) 23,45 (265) 1 1,33 1,06-1.66 21,66 (188) 21,87 (159) 1 1,01 24,80 (252) 16,26 (94) 0,001a 1 1,36 1.39 1,09-1,70 1,06-1,82 0,01 1 1,46 1,16-1,83 0,84-1,22 0,9 1 0,95 0,79-1,15 1 0,66 0,53-0,81 0,001 1 0,80 0,64-1,00 30,58 (63) 27,25 (130) 23,79 (69) 13,67 (85) 1 0,89 0,78 0,45 0,69-1,14 0,58-1,04 0,33-0,59 0,001 31 (124) 21,74 (85) 18,25 (77) 15,57 (57) 1 0,70 0,59 0,50 17,34 (222) 39,68 (125) a 0,001a 1 0,89 0,85 0,58 IC 95 0,001a 0,001 0,6 0,5 0,001a 0,69-1,14 0,63-1,15 0,43-0,79 0,55-0,89 0,46-0,75 0,38-0,66 1 0,73 0,66 0,57 0,57-0,94 0,50-0,87 0,42-0,78 1 2,29 1,91-2,74 1 1,62 1,35-1,95 11,42 (107) 36,47 (240) 1 3,19 2,60-3,92 1 2,35 1,87-2,96 18,34 (62) 22,67 (285) 1 1,01 1,003-1,05 0,001 1 1,30 1,02-1,66 21,42 (328) 29,69 (19) 1 1,15 0,81-1,62 0,4 1 1,61 1,14-2,27 12,76 (151) 47,57 (196) 1 3,73 3,11-4,46 1 2,64 2,14-3,26 14,00 (128) 32,16 (129) 1 2,29 1,89-2,79 1 1,28 1,02-1,61 0,001 0,001 0,001 p 0,001a 0,001 0,001 0,03 0,007 0,001 0,03 : teste de tendência linear; b: 1o nível; c: 2o nível; d: 3o nível; e: 4o nível. a 30 RBCM 14.1.indb 30 Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):27-32 11/04/2016 16:00:03 Distúrbios psiquiátricos menores em mulheres do extremo Sul do Brasil: prevalência e fatores associados da e 130% entre as que não participavam de eventos sociais). Quem expressou ter uma religião teve aumentada em 30% a probabilidade do desfecho. O uso abusivo de álcool incrementou a probabilidade de distúrbios em 60%. Entre aquelas com auto-percepção de saúde ruim a probabilidade de ter distúrbios psiquiátricos menores aumentou em mais de duas vezes e meia, enquanto que nas mulheres com doença crônica a probabilidade do desfecho passou a ser 28% maior. DISCUSSÃO A prevalência encontrada de DPM de 21,76% é menor do que a encontrada em município vizinho no ano de 2002 (34%). Infere-se que a diferença se explica porque o ponto de corte adotado para mulheres nessa outra pesquisa foi de 6/7, ou seja, menor do que o ponto de corte 7/8 estabelecido no presente estudo(14). Ao eleger um ponto de corte menor certamente se aumenta a prevalência do desfecho. Em outro estudo(15) realizado em 2000, com o mesmo instrumento e ponto de corte, com amostra similar e também no mesmo município, revelou uma prevalência de DPM de 22%. Esse valor é bem próximo ao encontrado no ano de 2011, assim, os achados sugerem que entre esses dois períodos a prevalência de DPM manteve-se estável, ao contrário do que poderia se supor. Observamos também que essa afecção foi mais frequente entre mulheres com 40 anos ou mais. Esse achado tem consistência com outros estudos realizados e que analisaram esse tópico. A idade foi um fator que se associou ao desfecho na análise ajustada, e esse achado foi também demonstrado por outro trabalho(16). Uma parte desse efeito deve ser explicado pela maior probabilidade de doença crônica e condições de saúde ao longo da vida. De fato, ao ajustar a idade com a carga de morbidade o efeito desapareceu. Entre os fatores socioeconômicos diversos estudos tem mostrado a associação entre esse tipos de fatores e a presença de depressão(17,18). Nosso estudo também encontrou essa relação, tanto no que se refere à cor, escolaridade e renda, e os resultados apontam para uma importante iniquidade entre as mulheres com menores condições socioeconômicas. O uso abusivo de álcool foi um fator associado à DPM em nosso estudo. Essa relação entre álcool e depressão já foi demonstrada por outros estudos(19). O interessante de nosso achado é que confirmou a relação entre as mulheres. As situações que facilitam a interação social e/ou o suporte social estiveram associadas à DPM neste estudo. Tanto a religião quanto a falta de suporte social e de rede social foram fatores que geraram uma prevalência maior de DPM entre as mulheres. Com respeito a religião, observou-se que aquelas mulheres que manifestaram ter uma religião tiveram uma maior probabilidade do desfecho. Esse achado é contrário ao que pode ser encontrado na literatura(20). Uma explicação para isso seria que neste estudo não diferenciamos qual religião manifestada, podendo ocorrer um erro de classificação. Outra explicação seria, uma vez que o estudo é transversal, a existência de causalidade reversa e dessa forma, as mulheres com DPM estariam procurando mais a religião. Sobre Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):27-32 RBCM 14.1.indb 31 o suporte social nossos achados são consistentes com a literatura(21), e mostra a importância que tem para a saúde mental a presença de esse tipo de ajuda. A carga de morbidade sempre foi um fator associado à depressão. Diversos estudos tem mostrado isso(22-24). Nosso estudo não foi uma exceção, tanto uma auto percepção da saúde baixa, como a presença de doença crônica associaram-se a o desfecho. Esta relação pode ocorrer nos dois sentidos, tanto a carga de morbidade por produzir incapacidade funcional, dor e sofrimento levando à depressão, quanto a depressão mediante alterações fisiológicas e hormonais pode aumentar a probabilidade de desenvolvimento de doença crônica.(22) Como limitação do nosso estudo devemos assinalar o tipo de delineamento transversal, que como mencionado antes pode ser causa de uma causalidade reversa. Esse fenômeno pode ter acontecido na associação com a religião e carga de morbidade, conforme citado antes. O tamanho da amostra foi adequada para encontra a maior parte das associações, contudo não podemos descartar a possibilidade de uma falta de poder estatístico em algumas associações que não foram significativas. Finalmente, devemos recordar que o instrumento utilizado não faz diagnóstico de depressão e sim é um instrumento de rastreamento dessa afecção. Como aspectos positivos devemos indicar a baixa proporção de perdas. Também o fato do estudo ter sido de base populacional, de forma seus resultados são extrapoláveis a esse grupo estudado. CONCLUSÕES Nosso estudo deixou em evidência que a prevalência de DPM entre mulheres é elevada e apresenta diversos fatores modificáveis. A relação inversa entre o desfecho e situação sócio econômica aponta para uma importante situação de iniquidade que deveria ser considerada no planejamento de ações para melhorar a situação. Por outro, o estudo mostrou a importância das redes sociais nesse tipo de doença, indicando a necessidade de promover esses suportes entre as mulheres que apresentam esses distúrbios. Obviamente que os fatores de morbidade estiveram associados, uma vez que a relação entre doença e depressão é um achado já consolidado. A utilização desse tipo de rastreamento na atenção básica pode ser útil para reduzir esses distúrbios, mediante a identificação de mulheres com fatores de risco modificáveis e a implementação de medidas assistências que minimizem a carga dos DPM e suas consequências, REFERÊNCIAS 1. Whiteford HA, Degenhardt L, Rehm J, Baxter AJ, Ferrari AJ, Erskine HE, et al. Global burden of disease attributable to mental and substance use disorders: findings from the Global Burden of Disease Study 2010. Lancet. 2013;382(9904):1575-86. Comment in: Lancet. 2013;382(9904):1540-2. Evid Based Ment Health. 2014;17(4):105. 2. Chang CK, Hayes RD, Perera G, Broadbent MT, Fernandes AC, Lee WE, et al. Life expectancy at birth for people with serious 31 11/04/2016 16:00:03 Camargo VP, Nóbrega RH, Silva IF, Mendoza-Sassi RA 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. mental illness and other major disorders from a secondary mental health care case register in London. PLoS One. 2011;6(5):e19590. Goldberg D, Huxley P. 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Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):27-32 11/04/2016 16:00:03 ARTIGO ORIGINAL Perfil dos pacientes com síndromes coronarianas agudas em um hospital da Região Sul do Brasil Profile of patients with acute coronary syndromes in a hospital in Southern of Brazil Rafael Beppler da Silva1, Charles Martins de Castro1, Betine Pinto Moehlecke Iser2, Lucas Jacometo Coelho de Castilho1 Recebido da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. RESUMO ABSTRACT OBJETIVO: Descrever o perfil demográfico e laboratorial de pacientes com síndromes coronarianas agudas, identificando as principais variáveis e se elas são fatores prognósticos, com relação ao tempo de internação e à mortalidade hospitalar. MÉTODOS: Estudo transversal com análise de prontuários dos pacientes portadores de síndromes coronarianas agudas atendidos no período de julho de 2011 a julho de 2012. Na análise estatística, foram utilizados o teste t, Kruskal-Wallis e Mann-Whitney, conforme a adequação do teste. Considerou-se significativo p<0,05 e utilizou-se intervalo de confiança de 95%. RESULTADOS: Foram avaliados 261 pacientes com síndromes coronarianas agudas, sendo 42,1% do sexo feminino e média de idade de 59±10,2 anos. O diagnóstico de angina instável ocorreu em 48,3% da amostra, infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento do ST em 32,6% e infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do ST em 19,2%, com tempo de internação média de 6,5 dias, 7,8 dias e 8,3 dias, respectivamente. A mortalidade nos pacientes com angina instável foi de 0,8%, infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento do ST de 10,6% e infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do ST de 20%. CONCLUSÃO: O perfil do paciente com síndromes coronarianas agudas teve como diagnóstico mais frequente angina instável e a maior mortalidade por infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do ST. Nos pacientes com infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do ST, o pico de creatina quinase e creatina quinase MB foi menor nos pacientes que foram a óbito do que nos sobreviveram. OBJECTIVE: To describe the demographic and laboratorial profile of patients with acute coronary syndromes identifying key variables and if there are prognostic factors with respect to length of stay, and hospital mortality. METHODS: Crosssectional analysis of medical records of patients with acute coronary syndromes treated between July 2011 and July 2012. In the statistical analysis, we used the t test, Kruskal-Wallis and Mann-Whitney. We set p<0.05 as significant and 95% confidence interval. RESULTS: There were 261 patients with acute coronary syndromes, 42.1% of them were female and the mean age of 59±10.2 years. Of the sample, the diagnosis of unstable angina was 48.3%, acute myocardial infarction without ST segment elevation was 32.6% and acute myocardial infarction with ST segment elevation in 19.2%; the average hospital stay was respectively 6.5 days, 7.8 days and 8.3 days. The mortality in patients with unstable angina was 0.8%, 10.6% for acute myocardial infarction without ST segment elevation and 20% for acute myocardial infarction with ST segment elevation. CONCLUSION: The profile of the patient was male with an average age of 59±10.2 years. Unstable angina was the most frequent diagnosis and the mortality higher in patients with acute myocardial infarction with ST segment elevation. Of those, the peak of creatine kinase and creatine kinase MB was lower in patients who died than in survivors. Descritores: Síndrome coronariana aguda/mortalidade; Creatina quinase; Mortalidade; Tempo de internação 1. Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, SC, Brasil. 2. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. Data de submissão: 01/04/2014 – Data de aceite:14/07/2014 Conflito de interesse: não há. Endereço para correspondência: Rafael Beppler da Silva Rua Humberto de Campos, 213 − Coral CEP: 88508-190 − Lages, SC, Brasil Tel.: (48) 9974-0780 − E-mail: [email protected] Fonte de financiamento: próprios autores. © Sociedade Brasileira de Clínica Médica Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):33-7 RBCM 14.1.indb 33 Keywords: Acute coronary syndrome/mortality; Creatine kinase; Mortality; Length of stay. INTRODUÇÃO A síndrome coronariana aguda (SCA) abrange um grupo de doenças que incluem a angina instável (AI), o infarto agudo do miocárdio (IA) com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCST) e sem supradesnivelamento (IAMSST). Essas entidades são causas comuns de atendimentos e admissões nos setores de emergência dos hospitais, assim como importante causa de mortalidade e morbidade.(1,2) As SCA foram responsáveis pelo maior gasto com internações, totalizando cerca de R$1,9 bilhão ou 19% do custo total com hospitalizações no Brasil no ano de 2009.(3) Dados de 2007 da Organização Mundial da Saúde (OMS) revelaram que as doen­ças cardiovasculares, particularmente o IAM, representam a principal causa de mortalidade e incapacidade no Brasil e 33 11/04/2016 16:00:03 Silva RB, Castro CM, Iser BP, Castilho LJ no mundo. No Brasil, a doença arterial coronariana (DAC) foi responsável por mais de 100 mil óbitos em 2011.(4,5) No ano de 2010, no Brasil, as doenças do aparelho circulatório, foram a terceira causa de internação hospitalar, sendo que 210.046 internações foram por doenças isquêmicas do coração. O número total de óbitos por doenças isquêmicas do coração naquele ano foi de 99.408 óbitos ou 52 óbitos/100 mil habitantes.(3) A prevalência da DAC na população adulta está estimada em 5 a 8%.(6) Cerca de 52% dos indivíduos com IAMCST possuem acometimento de parede anterior, o que confere um pior prognóstico se comparado com o acometimento das outras paredes cardíacas. Esses pacientes estão mais propensos a apresentarem complicações como insuficiência cardíaca, formação de aneurisma de ventrículo esquerdo e ruptura cardíaca.(7,8) O conhecimento dos diversos sintomas que se apresentam na SCA e a correta interpretação dos exames que podem ser realizados nestes pacientes são de suma importância para o diagnóstico correto, implicando diretamente no sucesso do tratamento. A análise de marcadores hospitalares dos pacientes com SCA é fundamental para a estratificação do risco hospitalar, além de mostrar como esses pacientes são tratados em nosso meio. Os marcadores de necrose tecidual miocárdica tendem a ter uma relação estreita com a extensão de músculo lesado, sendo comumente utilizado com marcador de risco para eventos desfavoráveis, como óbito e insuficiência cardíaca. No entanto, esses marcadores, como a creatina quinase (CK) e a isoenzima MB da cretinina quinase (CKMB, mais utilizada no nosso meio) apresentam uma curva de elevação. O pico dessa curva tende a ser mais precoce quando há reperfusão da artéria comprometida. Também está demonstrado que lesões não muito extensas (enzimas não muito elevadas), quando associadas a lesões preexistentes, podem a levar a um pior prognóstico.(9) A CK, embora seja um sensível marcador de lesão muscular, não é específica para o diagnóstico de lesão miocárdica. O marcador específico e mais utilizado é a CKMB, que possui uma sensibilidade diagnóstica de 93% após 12 horas do início dos sintomas, porém, é pouco sensível para o diagnóstico nas primeiras 6 horas de evolução.(9) O objetivo deste artigo foi descrever o perfil demográfico e laboratorial de pacientes com SCA, identificando as principais variáveis e se elas são fatores prognósticos, com relação ao tempo de internação e à mortalidade hospitalar MÉTODOS O presente estudo foi do tipo transversal com análise de prontuários dos pacientes com SCA atendidos em um hospital no município de Tubarão (SC), no período de julho de 2011 a julho de 2012, e recebeu a aprovação do Comitê de Ética (CEP) em Pesquisa da Universidade do Sul de Santa Catarina (registro 12.528.4.01.III). Os dados foram coletados por meio de um protocolo de coleta elaborado pelos pesquisadores e, por se tratar de um estudo retrospectivo não intervencionista, não houve necessidade do uso do Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE). A amostra foi composta por 273 pacientes atendidos no período do estu34 RBCM 14.1.indb 34 do, sendo que 12 pacientes foram excluídos, por falta de registros adequados, totalizando 261 pacientes avaliados com SCA. As variáveis estudadas foram sexo, faixa etária (em anos), valor de CKMB, valor de CK, bloqueio intraventricular, localização do bloqueio intraventricular, supradesnivelmaneto do ST, parede cardíaca acometida, uso de fibrinolítico (estreptoquinase), IAMCST, IAMSST, AI, dias de internação e óbito. Para a criação do banco de dados e a análise estatística, foi utilizado o programa Epi Info™ 3.5.4. As variáveis contínuas foram avaliadas por medidas de tendência central e dispersão dos dados; as variáveis categóricas, apresentadas em porcentuais simples. Para as diferenças dos desfechos, foram utilizados o teste t, Kruskal-Wallis e Mann-Whitney, conforme a adequação do teste. Fixaram-se valor de p<0,05 como significante e intervalo de confiança de 95% para as diferenças e associações. RESULTADOS Durante o período de julho de 2011 a julho de 2012, foram incluídos 261 pacientes com diagnóstico de SCA, sendo 110 (42,1%) mulheres. A média de idade foi de 59 anos (desvio padrão − DP ±10,28; mínimo de 32 e máximo de 84). O diagnóstico final mais frequente foi de AI para 126 (48,3%) pacientes (Tabela 1). Tabela 1. Perfil demográfico e fatores associados em pacientes atendidos em um hospital na Região Sul do Brasil Variável Sexo masculino Idade, anos Diagnóstico AI IAMSST IAMCST 151 (57,9) 59 (±10,2) 126 (48,3) 85 (32,6) 50 (19,2) Resultados expressos em frequência absoluta (porcentagem), ou média ± desvio padrão. AI: angina instável; IAMSST: infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento do ST; IAMCST: infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do ST. Ao eletrocardiograma, 51 (19,5%) pacientes apresentaram bloqueio de ramo, dos quais 26 (51%) no ramo direito. Entre os pacientes com IAMSST, 29 (58%) tiveram acometimento de parede anterior, 18 (36%) da parede inferior, 2 (4%) da parede lateral e 1 (2%) da parede septal. Quanto ao tempo de internação, os pacientes com AI permaneceram, em média, 6,5 dias internados; aqueles com IAMSST, 7,8 dias; e os pacientes com IAMCST, 8,3 dias internados. Não foi encontrada diferença estatisticamente significativa entre eles (p=0,13). Da amostra total, 219 (83,9%) pacientes tiveram alta, 20 (7,7%) foram a óbito e 22 (8,4%) foram transferidos para outra unidade de tratamento. A taxa de óbito entre os pacientes com IAMSST foi de 20%, sendo que todos os pacientes portadores de IAMSST que foram a óbito tiveram acometimento de parede anterior; o óbito nos pacientes com IAMCST ocorreu em 10,6%, e 9,4% foram transferidos; a taxa de óbito dos pacientes com AI Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):33-7 11/04/2016 16:00:03 Perfil dos pacientes com síndromes coronarianas foi 0,8%, e 11,1% também foram encaminhados a outro centro de tratamento. Realizada a comparação entre os valores de CK para os pacientes vivos e os que foram a óbito, encontrou-se média de 693U/L para os que foram a óbito e 232,5U/L para os que permaneceram vivos, tendo significância estatística (p=0,003). Ao avaliar os valores de CKMB, encontrou-se média de 64U/L para os que foram a óbito e 25U/L para os que permaneceram vivos (p<0,01). Entre os pacientes com diagnóstico de SCA, que considerou apenas os pacientes com IAMCST, foi encontrada média de 1.513U/L para CK e 165 para CKMB. A média de CK foi de 692,5U/L para os pacientes que foram a óbito e de 1.686U/L para os que permaneceram vivos (p=0,28). A média de CKMB foi de 70,5 para os pacientes que foram a óbito e 177,5 para os que permaneceram vivos, também não sendo estatisticamente significativo (p=0,49). Referindo-se ao grupo de SCA (80,8%), que consideram os pacientes com IAMSST e os pacientes com AI, aqueles que foram a óbito apresentaram média de CK de 693U/L e os que permaneceram vivos, 182,5U/L (p<0,01). Com relação aos valores de CKMB, os pacientes que foram a óbito demonstraram média de 64U/L e os que permaneceram vivos, de 22U/L (p=0,0026) (Tabela 2). Tabela 2. Média do valor de creatina quinase (CK) e CKMB para síndrome coronariana aguda (SCA) com e sem supradesnivelamento do ST, de acordo com o desfecho óbito ou não Variável SCA com ST (média CK) SCA com ST (média CKMB) SCA sem ST (média CK) SCA sem ST (média CKMB) Óbito Não óbito Valor de p 692,5 1.686 0,28 70,5 177,5 0,49 693 182,5 <0,01 64 37,5 0,0026 Nível de significância adotado: 5%. Com relação ao tempo de internação, os pacientes com SCA com supradesnivelamento do ST que permaneceram por mais de 10 dias internados (longa permanência) apresentaram média de CK de 2.738U/L e aqueles que permaneceram até 5 dias apresentaram 843U/L (p=0,04). Referindo-se à CKMB, não houve diferença no valor médio apresentado pelos pacientes, de acordo com o tempo de internação. Não foram verificadas diferenças nas médias de CK e CKMB entre os pacientes com SCA sem de acordo com o tempo de internação (Tabela 3). Tabela 3. Média do valor de creatinina quinase (CK) e CKMB para síndrome coronariana aguda (SCA) com e sem supradesnivelamento do ST, de acordo com o tempo de internação Variável SCA com ST (média CK) SCA com ST (média CKMB) SCA sem ST (média CK) SCA sem ST (média CKMB) >10 dias Até 5 dias Valor de p 2738 843 0,04 241,5 79 0,13 141 203,5 0,44 19,5 22 0,42 Nível de significância adotado: 5%. Valor de p obtido pelo teste t de Student. Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):33-7 RBCM 14.1.indb 35 Entre os pacientes com IAMCST, 91,80% fizeram o uso de trombólise química, sendo que, no período do estudo, não estava disponível no Serviço Único de Saúde (SUS) desta instituição a terapia de reperfusão mecânica (intervenção coronária percutânea). Ao avaliar o tempo de internação e os valores enzimáticos na amostra total (n=261), os pacientes que tiveram longa permanência apresentaram média de CK de 178,5U/L, e os que permaneceram até 5 dias tiveram média de 228U/L. Com relação aos valores de CKMB, também não foram verificadas diferenças significativas (Tabela 3). Com relação ao tempo de internação e ao desfecho óbito ou não, os pacientes que permaneceram vivos tiveram como média 6 dias de internação e os que foram a óbito tiveram 1,5 dia de internação (p=0,056). Quando comparado SCA com supradesnivelamento de ST com SCA sem supradesnivelamento de ST em relação aos dias de internação, encontraram-se médias de 6 e 5 dias, respectivamente, não sendo significativo estatisticamente (p=0,53). DISCUSSÃO Registros clínicos contribuem de forma significativa para avaliar a apresentação clínica, o comportamento, o tratamento e a evolução dos pacientes afetados por determinadas doenças.(10) Os estudos que se baseiam em registros refletem mais o mundo real, pelo fato de que os pacientes não são selecionados, o que confere aproximação maior com a realidade e a vivência dos médicos, mesmo sendo mais sujeitos a viesses.(7) Este registro resultou da análise de prontuários e foram analisados os aspectos da SCA, individualizando os três quadros clínicos clássicos (AI, IAMCST e IAMSST). Num total de 261 prontuários, analisaram-se as principais variáveis demográficas e laboratoriais, e se elas eram fatores prognósticos com relação ao tempo de internação e à mortalidade hospitalar. Encontrou-se que, nos pacientes admitidos com SCA no Serviço de Emergência, 42,1% eram do sexo feminino e a idade média foi de 59 anos (DP=10,2865). De forma semelhante, aproximadamente um terço dos pacientes do registro BRACE(10) era do sexo feminino, todavia a idade média encontrada foi de 63 anos. Neste estudo, dos 261 pacientes admitidos por SCA, o diagnóstico na alta hospitalar mais frequente foi AI (48,3%), seguido de IAMSST (32,6%) e de IAMCST (19,2%), sendo que, neste último, a maior incidência foi em parede anterior (58%). Entre as modalidades de SCA, os pesquisadores do estudo RBSCA(7) relataram que a AI foi a causa mais frequente de internação (60%), seguida por IAMSST (27,7%) e IAMCST (9,1%). Dentre os pacientes portadores de IAMSST, a maior parte apresentou também acometimento de parede anterior (52,6%). Os resultados do estudo GRACE(11) mostraram os achados encontrados para 11.543 pacientes, definindo que, na alta hospitalar, 38% dos pacientes possuíam AI, 30% IAM e 25% IAMSST. Evidenciou-se que 9,5% dos pacientes apresentaram bloqueio de ramo esquerdo, o que se distinguiu de estudo sobre gestão de SCA na África do Sul(12) e de um registro nacional de 35 11/04/2016 16:00:03 Silva RB, Castro CM, Iser BP, Castilho LJ SCA em Portugal,(13) nos quais apenas 2,9% e 6%, respectivamente, do total de pacientes, apresentaram esse mesmo dado eletrocardiográfico. Analisando os picos enzimáticos na população total dentre os pacientes com IAMSST e AI, notou-se que aqueles que possuíam picos maiores de CK e CKMB morreram mais, mas o mesmo não ocorreu com os pacientes com IAMCST, para quem o pico enzimático foi maior nos pacientes que sobreviveram. Tal comportamento pode ser devido ao fato de a mortalidade precoce ter ocorrido ainda na fase de elevação enzimática, o que não permitiu atingir sua dosagem máxima. Alguns registros prévios mostraram alinhamento dos resultados com o presente estudo, que totalizou 0,8% de mortalidade para AI, 10,6% para IAMSST, 20% para IAMCST. Dados do registro GRACE(11) mostraram mortalidade hospitalar de 3% na AI, 5% no IAMSST e 7% no IAMCST. Seguindo o mesmo modelo de resultados, o registro espanhol Mascara(14), que incluiu 7.923 pacientes, encontrou mortalidade hospitalar de 3,9% para SCA sem supradesnivelamento do ST e de 7,6% na SCA com supradesnivelamento do ST. Observou-se também, no estudo BRACE,(10) que a mortalidade dos pacientes com SCA acompanhou os modelos anteriores, e 4,8% dos pacientes com IAMSST e 6,4% no IAMCST foram a óbito. Neste estudo, 9,4% dos pacientes com IAMSST e 11,1% dos pacientes com AI foram transferidos para outros serviços de cardiologia, o que se assemelha ao estudo GRACE,(11) no qual 9% dos pacientes com AI e 11% dos com IAMSST foram transferidos para outros serviços. Na presente pesquisa, os pacientes com IAMCST tiveram, em média, 8,3 dias de hospitalização; IAMSST, 7,8 dias, e os pacientes com AI permaneceram 6,5 dias internados, com média total de 7,2 dias. O estudo TARGET,(15) que avaliou as características epidemiológicas de pacientes portadores de SCA na Grécia, mostrou que estes pacientes tiveram tempo médio de internação de 4,6 dias. Quando analisados o tempo de internação e a modalidade da SCA, Registro Nacional de Síndromas Coronárias Agudas(16) evidenciou tempo médio de 8,6 dias para os pacientes com IAMCST, 8,7 dias para IAMSST e 8,7 dias para AI, seguindo os achados anteriores. Em cerca de 91,8% dos pacientes com IAMCST desta análise, utilizou-se a trombólise química, pelo fato de que, no período analisado, não estava disponível a terapia de reperfusão mecânica (intervenção coronária percutânea) para os indivíduos atendidos pelo SUS dessa instituição. Este resultado destoou do Registro Nacional de Síndromas Coronárias Agudas,(16) segundo o qual 99% dos pacientes com IAMCST receberam este tipo de tratamento. A diferença no resultado pode se dever ao fato de que houve demora na procura pelo atendimento médico especializado e na condução do paciente até o serviço hospitalar, já que se sabe que o trombolítico é especialmente efetivo nas primeiras 12 horas do início dos sintomas.(8) CONCLUSÃO Durante o período de 12 meses, este registro reuniu pacientes portadores do diagnóstico de síndrome coronariana aguda, 36 RBCM 14.1.indb 36 no qual existiu uma prevalência de AI, se comparada às outras modalidades. Evidenciou-se também maior mortalidade nos pacientes portadores de IAMSST sendo o acometimento maior o de parede anterior. Nos pacientes com IAMCST que sobreviveram, observou-se um pico maior de e MB, mas o mesmo não ocorreu com os pacientes que apresentaram IAMSST e AI, já que os picos enzimáticos foram observados nos pacientes que não sobreviveram. Com este registro, passamos a conhecer o perfil da nossa população de pacientes com síndrome coronariana aguda. Seus resultados, mesmo com as habituais limitações de comparações, não diferiram de dados coletados em outros registros, de dentro e fora do país, sendo consistentes como estes. O conhecimento da nossa realidade e o correto entendimento de seus achados podem ajudar no mapeamento de nossas inconsistências e na melhoria do planejamento do atendimento público e privado da síndrome coronariana aguda. REFERÊNCIAS 1. Fox KA, Goodman SG, Klein W, Brieger D, Steg PG, Dabbous O, et al. Management of acute coronary syndromes. Variations in practice and outcome; findings form the Global Registry of Acute Coronary Events (GRACE). Eur Heart J. 2002;23(15):1177-89. 2. Topol EJ. Targeted approaches to thrombosis inhibition – an end to the shotgun approach. Clin Cardiol. 1997;20(Suppl I):I22-6. 3. (DATASUS). Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde Sistema de informações hospitalares. Internações e valor total de internações segundo capítulo CID - 10. 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RESUMO Rabdomiólise é uma condição aguda com lesão muscular esquelética e liberação de toxinas produzidas pelos miócitos. A apresentação clínica é variada (desde elevações assintomáticas de marcadores de injúria muscular, com a creatina fosfoquinase (CPK), até distúrbios hidroeletrolíticos graves com ou sem insuficiência renal aguda. As etiologias envolvem desde medicamentos como atividades físicas extenuantes. O diagnóstico é clínico-laboratorial, chamando a atenção para níveis aumentados de enzimas musculares, especialmente a reatinofosfoquinase. A principal complicação clínica é a insuficiência renal aguda e o diagnóstico precoce é fundamental para a instituição de medidas terapêuticas eficazes. Relatamos o caso de um paciente jovem, com rabdomiólisepós exercício físico (musculação), com altos índices de reatinofosfoquinase (239.000U/L), sem evolução para insuficiência renal aguda (IRA), contrariamente ao esperado pelos valores isolados de reatinofosfoquinase. Descritores: Rabdomiólise; Creatina quinase; Lesão renal aguda; Relatos de casos ABSTRACT Rhabdomyolysis is a acute condition with muscle injury and liberation of toxins produced by myocytes. The clinical presentation is wide (from asymptomatic elevations in laboratorial 1. Universidade José do Rosário Vellano (UNIFENAS), Alfenas, MG, Brasil. Data de submissão: 30/11/2015 – Data de aceite: 06/03/2016 Conflito de interesse: não há. Endereço para correspondência: Dra. Iara Baldim Rabelo Rod. MG 179, Km 0 – Campus Universitário CEP: 37130-000 – Alfenas, MG, Brasil Tel.: 55 (35) 3299-3000 E-mail: [email protected] Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa Plataforma Brasil Número CAAE: 36503414.6.0000.5143 © Sociedade Brasileira de Clínica Médica 38 RBCM 14.1.indb 38 markers of muscle injury, like creatine kinase (CK), to severe electrolyte disturbances with or without acute renal failure). The etiologies involve from medications to strenuous physical activity. The diagnosis is clinical and laboratorial, which have attention to the increased levels of muscle enzymes, especially the CPK. The main clinical complication is acute renal failure and early diagnosis is critical for the establishment of effective therapeutic measures. We report the case of a young patient with rhabdomyolysis after exercise (weightlifting), with high levels of CPK (239.000U/L) without denvelopment to acute renal failure (ARF), contrary to the expected with isolated values of CPK only. Keywords: Rhabdomyolysis; Creatine kinase; Acute kidney injury; Case reports INTRODUÇÃO A rabdomiólise é uma condição aguda onde há uma lesão da fibra muscular esquelética, com liberação maciça de toxinas, produzidas pelos miócitos, no sistema circulatório(1,2). Sua apresentação varia desde elevações assintomáticas da creatina fosfoquinase (CPK), até distúrbios hidroeletrolíticos letais com ou sem insuficiência renal aguda (IRA) (ocorre em 10-50% dos casos(3-5), com média de mortalidade de 20%(4)) e coagulação intravascular disseminada(4). Outros sintomas são mialgia, fraqueza, mal estar generalizado, febre, taquicardia, hipovolemia e acidúria(4). Arritmias pela hipercalemia também podem ocorrer(6,7). Possui diversas etiologias, como síndrome compartimental, doenças hereditárias, medicamentos (propofol, quetiapina, aripiprazol, ciclosporina, warfarina, amiodarona, antifúngicos, derivados azólicos, bloqueadores de canal de cálcio(7), clozapina, olanzapina, haloperidol e outros antipsicóticos típicos)(8), toxinas, álcool e algumas drogas ilícitas. Compressão muscular, esforço excessivo, convulsões, endocrinopatias, infecções(1-4,6,7), oclusão arterial aguda(2), compressão pneumática intermitente(4) são outras causas. Pode estar associada a climas quentes e úmidos(1,6). Hipóteses de predisposição genética foram descritas(6), relacionadas à deficiência de adenosina trifosfato sintetase, que resulta em prejuízo no uso e consumo do trifosfato de adenosina (ATP) (em inglês: Adenosine Triphosphate), o que causa um acúmulo intracelular de cálcio devido a interrupção no funcionamento das bombas de sódio/potássio e sódio/cálcio(1). Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):38-40 11/04/2016 16:00:04 Rabdomiólise com altos níveis de creatinofosfoquinase O diagnóstico consiste nos achados clínicos e laboratoriais de mioglobinúria e CPK elevadas (mais que 5 vezes o limite su­ perior da normalidade). Os níveis de CPK se elevam a partir de 12 a 24 horas da injúria, com picos entre 1 e 3 dias, e declínio após 3 a 5 dias da cessação da lesão muscular(2,4). A dosagem de mioglobina ou mioglobinúria é menos sensível que a dosagem de CPK para diagnosticar a rabdomiólise(2), no entanto, é a primeira substância muscular a se elevar e a primeira que contribui para o dano renal(2,3,7). O cálcio inicialmente encontra-se em quantidade reduzida(1,3,4) e aumenta progressivamente pós lesão muscular intensa. A anidrase carbônica 3, aldolase e ácido úrico estarão elevados, assim como o dehidrogenase láctica (DHL), aspartato aminotransferase (AST), fósforo, potássio(4). Edema muscular associada à história de abuso de álcool, overdose de drogas, lesões musculares traumáticas, imobilizações prolongadas ou perda de consciência corroboram com o diagnóstico(7). Um importante diagnostico diferencial é a síndrome neuroléptica maligna ou hipertermia maligna, relacionada a anestésicos voláteis, num contexto relacionado a drogas, especialmente antipsicóticos e succinilcolina(6,8). O tratamento deve ser instituído imediatamente. A principal medida é iniciar uma reposição volêmica vigorosa para prevenção de IRA. Níveis de CPK acima de 5.000U/L estão altamente associados à IRA. O bicarbonato pode ser utilizado para fazer a alcalinização da urina, e desta forma reduzir os riscos de obstrução tubular pela mioglobina. Manitol e diuréticos podem ser utilizados, porém apresentam poucas evidências científicas(3,4). RELATO DE CASO Paciente masculino, 21 anos e 11 meses, natural e residente de Alfenas-MG, foi admitido no Hospital Universitário Alzira Vellano (HUAV) com queixa de mialgia generalizada, de forte intensidade, iniciada após esforço físico – sessão de musculação, com duração de 1h, por dois dias consecutivos anteriores ao da admissão. Notou urina de coloração acastanhada, com noctúria na noite anterior. Na manhã do dia de admissão no HUAV, o paciente colheu por iniciativa própria amostra da sua urina e levou ao laboratório. Após análise do material, foi orientado procurar um hospital devido à mioglobinúria. Afirmava não ter usado qualquer suplemento. Referia que essa foi a primeira vez que fez exercícios anaeróbicos. Usou relaxante muscular com analgésico comum para alívio da mialgia, em dose única, mas negava o uso de qualquer outra medicação previamente, de forma contínua ou esporádica. Negava trauma. Não havia antecedentes pessoais patológicos relevantes. Ao exame físico, apresentava-se em bom estado geral, corado, hidratado, eupneico, anictérico, afebril. PA: 140x90mmHg, estável hemodinamicamente. Musculatura normotrófica e normotônica, dolorosa à palpação difusamente. Sem outras alterações detectadas. Os exames laboratoriais solicitados e seus respectivos valores estão representados na tabela 1. As dosagens de CPK foram realizadas inicialmente no laboratório de análises clínicas do HUAV, no aparelho de bioquímica HumaStar 300, Human, série A520527, lote 13008, com dupla checagem e confirmação em laboratório de referência em Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):38-40 RBCM 14.1.indb 39 Belo Horizonte-MG. Os controles de CPK do dia, bem como as dosagens em outros pacientes, foram normais. O esquema terapêutico introduzido foi de alcalinização da urina (manutenção do pH urinário >7,5) e hidratação rigorosa (30mL/Kg/dia). Não houve alteração da função renal apesar do aumento da CPK. O paciente evoluiu muito bem, sem intercorrências, com melhora da mialgia e normalização do aspecto e dos exames urinários. Após duas semanas da alta hospitalar, o paciente foi reavaliado, sem alterações clínicas ou laboratoriais, e já havia retomado atividades físicas similares às iniciais, com a frequência de 3 vezes na semana, em menor intensidade. DISCUSSÃO O caso supracitado destaca-se primeiramente pela discre­ pância entre o esforço físico e os níveis elevados de CPK, já que não há medicações ousubstâncias ilícitas envolvidas no caso. Curioso, também, o fato de que níveis tão altos de CPK não afetaram a função renal do paciente. Os valores de CPK relacionados à insuficiência renal variam de 5.000U/L(4) (sepse, desidratação e acidose associadas)a 20.000U/L(5). A CPK do paciente chegou a 239.000U/L enquanto a creatinina plasmática basal sofreu acréscimo de apenas 0,2mg/dL. O quadro de IRA associado à rabdomiólise cursa com oligúria, anúria, redução da fração de excreção de sódio (<1%) talvez pela vasoconstrição preglomerular e oclusão tubular antes da necrose(5). As alterações hidroeletrolíticas parecem preceder a lesão renal e estão diretamente relacionadas à IRA já instalada, devendo, portanto, ser monitorizadas durante toda a internação(5). As alterações hidroele­trolíticas mais descritas foram encontradas em nosso paciente sem, no entanto, terem evoluído com IRA. É importante destacar que os resultados dos exames de CPK e concentração sérica da isoenzima MB (CKMB) realizados no laboratório do Hospital Universitário Alzira Velano devem ser acreditados de forma que exames realizados para outras hipóteses diagnósticas como infarto agudo do miocárdio (IAM) em outros pacientes na mesma época, com o mesmo kit e pelos mesmos profissionais não apresentaram exacerbações exageradas dessas enzimas e foram compatíveis com a clínica para que foram pedidos. As dosagens também foram repetidas na mesma amostra para confirmação. Além disso, amostra do sangue do paciente com a data de internação foi enviada para um laboratório de renome em Belo Horizonte – MG ainda com viabilidade, com confirmação dos valores elevados de CPK, bem como a variação pequena de creatinina plasmática. Ensaios clínicos randomizados (base de dados Medline/ Pubmed) que elucidem a melhor terapia para a rabdomiólise e sua principal complicação, a IRA, ainda são escassos. Um estudo multicêntrico demonstrou em 2007 que, apesar de amplamente utilizados na IRA, os diuréticos de alça ainda necessitam de evidências e critérios mais claros para seu uso, independente da etiologia da IRA, o que inclui rabdomiólise(9). Peltonematal concluíram que a combinação de hemofiltração intermitente com diurese alcalina forçada é superior à última isoladamente no tocante à redução da mioglobina plasmática na rabdomiólise(10). 39 11/04/2016 16:00:04 Rabelo IB, Santos CP, Caldeira EM, Nóbrega FA, Martins FM, Souza MR, Ferreira MM, Rodrigues MS, Machado RD, Justimiano T Tabela 1. Evolução dos exames laboratoriais Admissão Hemácias Hemoglobina Hematócrito Leucócitos Segmentados Linfócitos Plaquetas Sódio Potássio Fósforo Cálcio Uréia Creatinina Urina I CPK CKMB TGO TGP 5,54 16,2 48,7 10100 75% 21% 327.000 140 4,2 1,32 35 0,94 Sem alterações 129000 - D2 internação 5,69 16,2 50,6 8.100 71% 22% 412.000 138 4,2 16,4 0,73 239000 159 470 D4 internação 32 0,75 9600 1300 - D5 internação 42400 370 - D6 internação 11790 142 - D7 internação 4,23 3,1 36 0,93/1,02* 5660/5074* 73 - Alta hospitalar 4,74 4,2 36 0,9/1,07* 2000/2593* 36 96 211 30 dias pós alta hospitalar 0.77 172 19 - *Valor da mesma amostra em segundo laboratório. Em trabalho randomizado sobre o manejo da rabdomiólise secundária ao uso de Doxilamina, foi demonstrado que o grupo tratado com Ringer lactato obteve maior pH sérico e urinário com menos menos distúrbios dos íons sódio e cloreto, quando comparado ao grupo tratado com solução salina 0,9%(11). O paciente recebeu hidratação vigorosa com solução salina fisiológica isotônica e a alcalinização da urina foi mantida durante toda a internação. Embora seus níveis séricos de CPK tenham chegado a valores acima de 200.000U/L, não houve evolução para IRA, o que ainda não está descrito na literatura específica. A instituição da terapêutica eficaz e de forma rápida pode ter sido o fator decisivo para o sucesso da condução do caso, especialmente pela não evolução para IRA. Apesar de os valores de CPK terem sido duplamente checados e conferidos em outro laboratório, não podemos descartar que os valores mais elevados tenham sido superestimados por algum viés analítico, já que níveis de CPK acima de 20.000U/L têm altíssima relação com IRA. REFERÊNCIAS 1. BanasikM, KuzniarJ, Kusztal M, Porazko T, Weyde W, Klingler M. Myoglobinuria caused by exertional rhabdomyolysismis diagnosed as psychiatric ilness. Med Sci Monit. 2008;14(1):CS1-4. 2. HPS2-THRIVE Collaborative Group. 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Os autores apresentam um caso clínico de um Carcinoma Mucoepidermóide do Pulmão de alto grau, a que se associa, habitual­ mente, metastização à distância, recorrência do tumor e mau prognóstico. Destaca-se a exuberante metastização (pleural, pericárdica, ganglionar e cerebral), que contrasta com o curso da doença, relativamente indolente, volvidos 12 meses do diagnóstico. Dado não ter indicação cirúrgica, a doente foi tratada com radioterapia e quimioterapia, apesar de ainda não estar definido um tratamento standard para este tipo histológico. A raridade do diagnóstico e os escassos estudos da literatura condicionam a abordagem terapêutica sistémica destes doentes, constituindo um desafio para a comunidade médica. O possível papel da terapêutica dirigida, como os inibidores da tirosina cinase do receptor do fator de crescimento epidérmico (EGFR) ou a terapêutica contra o oncogene de fusão CRTC1-MAML2, tem sido investigado, em doentes com Carcinoma Mucoepidermóide do Pulmão de alto grau. Mucoepidermoid Carcinoma of the Lung (MECL) is a tumor of low malignant potential; we believe it is indolent, but little is known about its clinical features because of the low incidence rate (incidence of 0.2% of all lung cancers). We present a clinical case of a high degree Mucoepidermoid carcinoma of the lung, which frequently have distant metastasis, tumor recurrence and a bad prognosis. It is highlighted in this case the exuberant metastases (pleural, pericardial, cerebral, lymph nodes), contrasting with the relatively indolent course of the disease since the diagnosis (10 months ago). Our patient was treated with radiotherapy and chemotherapy, although effective treatment measures for high-grade tumors have not been established. The rarity of the diagnosis and the rare studies in the literature affect the systemic approach to these patients, becoming a challenge for the scientific community. The role of targeted therapy directed against the epidermal growth factor receptor (EGFR) and the novel fusion oncogene CRTC1-MAML2, is being investigated in high-grade tumors. Descritores: Carcinoma mucoepidermóide/diagnóstico; Carcinoma mucoepidermóide/quimioterapia; Carboplatina/uso te­­rapêutico; Vimblastina/uso terapêutico; Carcinoma mucoepi­ dermóide/radioterapia; Neoplasias pulmonares; Diagnóstico diferencial; Biópsia; Humanos; Relatos de casos 1. Serviço de Pneumologia. Hospital de Egas Moniz. Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, Lisboa, Portugal. Data de submissão: 10/06/2015 – Data de aceite: 17/06/2015 Conflito de interesse: não há. Endereço para correspondência: Cátia Isabel Ferreira da Silva Guimarães Urbanização da Codeceira – casa 20 4835-038 – Creixomil, Guimarães Telefone: (+351) 96769-7225 E-mail: [email protected] © Sociedade Brasileira de Clínica Médica Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):41-4 RBCM 14.1.indb 41 Keyword: Carcinoma, mucoepidermoid/diagnosis; Carcinoma, mucoepidermoid/drug therapy; Carboplatin/therapeutic use; Viblastine/therapeutic use; Carcinoma, mucoepidermoid/ radiotherapy; Lung neoplasms; Diagnosis, differential; Biopsy; Humans; Case reports INTRODUÇÃO: Os Carcinomas Mucoepidermóides desenvolvem-se, habitualmente, a partir das glândulas salivares, parótidas e submaxilares(1). Os Carcinomas Mucoepidermóides do Pulmão (CMP) são raros (0,1% a 0,2% de todos os tumores pulmonares) e desenvolvem-se tipicamente a partir da traqueia ou dos brônquios principais(1,2). A apresentação clínica correlaciona-se com o grau histológico (alto ou baixo grau) do tumor. Estes tumores são mais frequentes nos jovens e caracterizam-se pela combinação de diferentes tipos de células: células glandulares secretoras de muco, células escamosas e células intermediárias(1,3). Os CMP de baixo grau apresentam taxas favoráveis de sobrevida aos 5 e 10 anos; os de alto grau apresentam pior prognóstico, sendo que a maioria dos doentes sucumbe à doença(1). Os autores apresentam um caso clínico de CMP de alto grau, com exuberante metastização (pleural, pericárdica, ganglionar e cerebral), contrastando com o curso da doença relativamente 41 11/04/2016 16:00:04 Guimarães CI, André SA, Correia JM, Matos LC, Nogueira FJ indolente. A raridade do diagnóstico e os escassos estudos da literatura mundial condicionam a abordagem terapêutica sistémica destes doentes, constituindo um desafio para a comunidade médica. RELATO DE CASO Apresenta-se o caso clínico de uma mulher, de 67 anos, caucasiana, não fumadora, com antecedentes pessoais de epilepsia, hipertensão arterial e síndrome depressivo, que recorre ao Serviço de Urgência por um quadro de dispneia, tosse irritativa, toracalgia anterior, direita, e anorexia não seletiva, com 6 meses de evolução. O exame físico geral era normal, à excepção da diminuição do murmúrio vesicular nas bases pulmonares. Analiticamente destacava-se: anemia normocítica normocrómica, D-dímero de 10,4mcg/mL, desidrogenase do lactato (LDH) 245U/L, Proteína C Reativa 1,43mg/dL. A gasometria arterial apresentava hipoxemia (PaO2 63). A radiografia de tórax (Figu­ra 1) mostrava uma hipotransparência, heterogénea, para-cardíaca direita, com sinal de silhueta com o coração. A tomografia computorizada (TC) de tórax (Figura 2) mostrava “derrame pleural bilateral; volumoso derrame pericárdico; espessamento peribrônquico do brônquio principal direito, do lobo médio e lobo inferior direito (LID) e obliteração do brônquio do segmento apical do LID; volumosa massa no lobo superior direito, 30mm, com contacto pleural; alguns micronódulos bilaterais; adenomegalias hilares e mediastínicas; sinais de tromboembolismo pulmonar (TEP) envolvendo artérias segmentares e subsegmentares do LID. O ecocardiograma transtorácico confirmou a presença de derrame pericárdico tendo sido realizada pericardiocentese (citologia do líquido pericárdico positivo para células neoplásicas, correspondentes a metástases de carcinoma). A doente recusou a realização de broncofibroscopia. Foi realizada biópsia transtorácica da massa pulmonar cuja histologia foi compatível com um carcinoma mucoepidermóide, de loca­ lização primitiva pulmonar, com pleomorfismos nucleares, mitoses celulares e expressão de CK7, CK5, TTF1 e P63. Dos mar­ cadores tumorais, destaca-se elevação do CEA 66,9ng/mL, CA 125 1550U/mL, CA 19,9 >100,00U/mL e Cyfra-21 4,3ng/mL. Para estadiamento, a doente realizou TC Cerebral que mostrou formações nodulares múltiplas compatíveis com depósitos secundários. A doente encontrava-se, então, medicada com varfarina, sob oxigenioterapia a 2L/min, tendo iniciado terapêutica com dexametasona. Nesta sequência, a doente realizou uma TC por Emissão de Positrões (PET-TC) que confirmou a evidência de malignidade da massa torácica e dos gânglios supraclaviculares, mediastínicos e hilares, bilaterais. Foi realizada a pesquisa de mutações do EGFR (sigla em inglês: epidermal growth factor receptor) que foi negativa. Por apresentar um bom status performance (0/1), iniciou radioterapia (RT) holocraneana e quimioterapia (QT) com carboplatina e vinorelbina. No total, a doente completou 3 ciclos de QT. Como intercorrências há a destacar anemia, trombo­citopenia e vómitos, com progressiva intolerância aos efeitos secundários da QT e deterioração do status performance. Pelo exposto anteriormente, decidiu realizar-se um reestadiamento no final dos 3 ciclos de QT, de que se destaca: regres42 RBCM 14.1.indb 42 são tumoral mas com elevação de marcadores tumorais - CEA 109ng/mL, CA 125 1770U/mL, CA 19,9 >15000U/mL, CA 15,3 45,2U/mL, NSE 16,8ng/mL, Cyfra-21 3,6ng/mL; TC Tórax - “diminuição ligeira das dimensões da lesão proliferativa primitiva; sem alterações do envolvimento ganglionar”; TC Cerebral - “ausência de lesões ocupando espaço”; Ecocardiograma transtorácico - “pequena lâmina de derrame pericárdico”. Em face da aparente estabilidade da doença e do status performance da doente, a mesma iniciou QT de manutenção com vinorelbina oral, com boa tolerância, que mantém até à data. DISCUSSÃO O CMP é um tumor com um baixo potencial de malignidade, descrito pela primeira vez por Smetana et al., em 1952(4) com uma incidência de 0.1% a 0.2% de todos os tumores pulmonares(3,5). Dada a localização predominantemente brônquica, Figura 1. Radiografia de tórax: hipotransparência para-cardíaca direita. Figura 2. Tomografia computorizada de tórax: derrame pleural bilateral; volumoso derrame pericárdico; massa no LSD, 30mm, com contacto pleural. Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):41-4 11/04/2016 16:00:04 Carcinoma Mucoepidermóide do Pulmão a forma de apresentação habitual da doença correlaciona-se com a obstrução brônquica e atelectasia, apresentando sintomas como tosse, expectoração, hemoptises, pieira e toracalgia; opressão torácica e febre associadas a pneumonia obstrutiva(1,3). O tabagismo não é considerado um fator de risco major(6). A avaliação radiológica por TC de Tórax apresenta um importante papel no diagnóstico dos CMP; a imagem radiológica é, habitualmente, uma massa endobrônquica, oval ou lobulada, com calcificações ocasionais, com ou sem pneumonia ou atelectasia pós-obstrutivas(7,8). A PET-TC com fluorodesoxiglicose (F-FDG PET-TC) pode ser um método útil para a avaliação dos doentes com CMP; podendo ter relevância prognóstica ao predizer a diferenciação histológica do tumor(7,8). Dada a sua localização, os CMP são frequentemente diagnosticados por broncofibroscopia(9). Tanto a disseminação linfática como a hematogénea já foram descritas na literatura(9). Os locais frequentes de metastização são: gânglios linfáticos regionais (48%), outras localizações pulmonares (25%), medula óssea (25%), gânglios linfáticos distan­ tes (18%), glândulas supra-renais (14%), cérebro (14%) e pele (14%)(9). A metastização pleural, renal, pericárdica, mediastínica, gastrointestinal e para o músculo esquelético foi descrita, mas é pouco frequente(9,10). Os CMP caracterizam-se pela mistura de células produtoras de muco, com células epiteliais escamosas, glandulares e células intermediárias(7). São classificados como de baixo ou alto grau de acordo com a diferenciação histológica, nomeadamente a atipia celular, atividade mitótica, invasão local e necrose(5,11). Estes tumores podem também ser classificados em três graus: bem diferenciado, moderadamente diferenciado e pouco diferenciado(12). Os CMP de baixo grau apresentam, maioritariamente, células secretoras de muco e elementos glandulares, sendo que os de alto grau consistem em conjuntos de células escamosas e intermediárias, com escassas populações de células secretoras de muco(1). Os CMP de baixo grau distinguem-se dos de alto grau pela ausência de atipia celular, incluindo pleomorfismos nucleares e pela ausência de mitoses celulares significativas e necrose celular(1). A invasão microscópica para o parênquima pulmonar e a metastização ganglionar hilar regional são raras nos tumores de baixo grau(6). Estes tumores apresentam um curso relativamente benigno, permitindo que a resseção cirúrgica conservadora seja a opção terapêutica(11,13). O tipo histológico é um indicador prognóstico importante, sendo que os CMP de alto grau apresentam um risco aumentado de metastização, recorrência do tumor e morte(1). Um dos processos iniciais da carcinogénese e metastização envolve a degradação dos componentes da matriz extracelular pelas enzimas proteolíticas das células tumorais, das quais as metaloproteinases da matriz (MMPs) são cruciais(11). Está estabelecida uma correlação entre a destruição da membrana basal pelas MMPs e o potencial metastático das células tumorais(11). Os CMP de alto grau apresentam expressão de MMPs, o que pode explicar o seu comportamento mais agressivo e a sua capacidade de metastizar à distância(1,11). Cerca de 25% dos doentes com CMP de alto grau apresentam recidiva e sucumbem à doença; Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):41-4 RBCM 14.1.indb 43 metastizam frequentemente para os gânglios hilares regionais e cerca de 50% apresentam invasão do parênquima pulmonar(6,11). Por vezes é difícil distinguir os CMP de alto grau, dos adenocarcinomas(5). A resseção cirúrgica é a terapêutica de eleição para os doentes com CMP(1,5,14). Existem várias técnicas cirúrgicas, como: toracotomia com lobectomia, lobectomia com sleeve brônquico, lobectomia com broncoplastia, segmentectomia, excisão endoscópica, sendo que, atualmente, a abordagem mais frequentemente utilizada é a cirurgia por toracoscopia vídeo-assitida(1,6,15). O objectivo da cirurgia é obter a resseção completa, com margens cirúrgicas negativas(1). Os doentes com CMP de baixo grau apresentam um prognóstico favorável, com uma taxa de sobrevida aos 5 anos de cerca de 95%. Nestes doentes a terapêutica adjuvante não está indicada(3). Em contraste, os doentes com CMP de alto grau apresentam pior prognóstico, não estando estabelecido um tratamento eficaz para este tipo histológico(1,3). A QT ou a RT adjuvantes podem ser consideradas em doentes com resseção incompleta ou doença avançada, mas ainda não há uma forte evidência do seu papel(13,15). A QT combinada de carboplatina e paclitaxel pode ser uma opção terapêutica em doentes com CMP em estadio avançado(16). A sobrevida dos doentes sob tratamento de suporte é habitualmente muito limitada(14). A idade avançada, o alto grau histológico e a presença de metastização ganglionar hilar são fatores associados a pior prognóstico(5). O Estadiamento TNM (sigla em inglês: tumor-node-metastasis) (tumor primário, gânglios regionais, metástases à distância) é um preditor independente de prognóstico dos doentes com CMP(13,15). Dada a frequente expressão do EGFR nos carcinomas mucoepidermóides com origem nas glândulas salivares, tem sido testada a mutação deste gene em doentes com CMP(1). A presença desta mutação abriria portas à introdução de novas terapêuticas, como os inibidores da tirosina cinase do EGFR(1,5,16). Têm sido descritos na literatura casos de doentes tratados com gefitinib, com evidência radiológica de resposta parcial pulmonar, regressão de metástases e estabilização da doença pulmonar(1). Novos rearranjos de genes, que podem servir como potenciais alvos terapêuticos estão em investigação, como a translocação t (11;19) com aparecimento de um oncogene de fusão (CRTC1-MAML2)(1). Os autores apresentam um caso clínico de um CMP de alto grau, associado a um TEP, com exuberante metastização (pleural, pericárdica, ganglionar e cerebral), tratado com RT e QT e apresentando um curso de doença relativamente indolente, volvidos 12 meses do diagnóstico. O tratamento sistémico dos doentes com CMP de alto grau, constitui um desafio para a comunidade científica, assim como o possível papel da terapêutica dirigida, de acordo com o perfil molecular do tumor. REFERÊNCIAS 1. Alsidawi S, Morris JC, Wikenheiser-Brokamp KA, Starnes SL, Karim NA. Mucoepidermoid carcinoma of the lung: a case report and literature review. Case Rep Oncol Med. 2013;2013:625243. 43 11/04/2016 16:00:04 Guimarães CI, André SA, Correia JM, Matos LC, Nogueira FJ 2. Green LK, Gallion TL, Gyorkey F. Peripheral mucoepidermoid tumour of the lung. Thorax. 1991;46(1):65-6. 3. Kitada M, Matsuda Y, Sato K, Hayashi S, Ishibashi K, Miyokawa N, et al. Mucoepidermoid carcinoma of the lung: a case report. 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Cavitary mucoepidermoid carcinoma 44 RBCM 14.1.indb 44 of the lung with metastases in skeletal muscles as presenting features: a case report and review of the literature. J Cancer Res Ther. 2010; 6(3):350-2. 11. Fan J, Wu F, Wang L, Jiang G, Gao W. Comparative expression of matrix metalloproteinases in low-grade mucoepidermoid carcinoma and typical lung cancer. Oncology Lett. 2011;2(6):1269-73. 12. Gaissert HA, Mark EJ. Tracheobronchial gland tumors. Cancer Control. 2006;13(4):286-294. 13. Song Z, Liu Z, Wang J, Zhu H, Zhang Y. Primary tracheobronchial mucoepidermoid carcinoma - a retrospective study of 32 patients. World J Surg Oncol. 2013;11:62. 14. Pan Z, Yang G, Qu L, Yuang T, Du Z, Dong L. Bone marrow metastasis in primary bronchial mucoepidermoid carcinoma: a case report. World J Surg Oncol. 2014;12:158. 15. Jiang L, Li P, Xiao Z, Qiu H, Zhang X, Xiao Y, et al. Prognostic factors of primary pulmonary mucoepidermoid carcinoma: a clinical and pathological analysis of 34 cases. 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Apresenta-se clinicamente de forma similar a Síndrome da Angústia Respiratória Aguda (SARA), e representa provavelmente uma parte dos casos de síndrome da Angústia Respiratória Aguda idiopática. O caso relatado é de uma paciente de 55 anos, portadora de Obesidade e Esquizofrenia, que apresentou Insuficiência Respiratória Aguda e síndrome da Angústia Respiratória Aguda grave, com piora clínica rápida e evolução para óbito com menos de 3 dias de internação hospitalar. O diagnóstico de Pneumonia Intersticial Aguda foi feito na necropsia. O objetivo deste trabalho é fazer uma breve revisão sobre a Pneumonia Intersticial Aguda e relatar um caso clínico desta doença, que é rara e com pouca descrição na literatura, devendo ser lembrada como diagnóstico diferencial nos casos de Síndrome da Angústia Respiratória Aguda. Descritores: Fibrose pulmonar; Síndrome do desconforto respiratório do adulto; Autópsia; Obesidade; Esquizofrenia; Síndrome; Humanos; Relatos de casos ABSTRACT Acute Interstitial Pneumonia (AIP) is a rare and fulminant diffuse lung disease described by Hamman and Rich in 1935. Acute Interstitial Pneumonia is classified as idiopathic interstitial pneumonia, and is the most aggressive and acute in its course. It 1. Hospital de Clínicas. Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG, Brasil. Data de submissão: 24/02/2015 – Data de aceite: 17/03/2015 Conflito de interesse: não há. Endereço para correspondência: Fernando Vaz Vieira Rua Teixeira de Freitas, 252 – Apto. 201 – Abadia Tel.: (34) 8825-1012 E-mail: [email protected] © Sociedade Brasileira de Clínica Médica Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):45-7 RBCM 14.1.indb 45 is presented as Adult Respiratory Distress Syndrome (ARDS), and it is one of the cases of idiopathic as Adult Respiratory Distress Syndrome. This is a case of a 55 years-old patient, with obesity and schizophrenia who presented with acute respiratory insufficiency and severe as Adult Respiratory Distress Syndrome, with rapid clinical deterioration and progression to death in less than three days of hospitalization. The diagnosis of Acute Interstitial Pneumonia was made at necropsy. The objective of this paper is to briefly review the Acute Interstitial Pneumonia and to report a case of this disease, which is rare with limited description in the literature. It should be included as a differential diagnosis in cases of Adult Respiratory Distress Syndrome. Keywords: Pulmonary Fibrosis; Respiratory distress syndrome, adult; Autopsy; Obesity; Schizophrenia; Syndrome; Humans; Case reports INTRODUÇÃO A Pneumonia Intersticial Aguda (PIA) é uma rara e fulminante forma de doença pulmonar difusa descrita por Hamman e Rich em 1935(1,2). PIA é classificada como Pneumonia Intersticial Idiopática, e é a mais aguda e agressiva em seu curso(1,3). Apresenta-se clinicamente de forma similar a síndrome da Angústia Respiratória Aguda, e representa provavelmente uma parte dos casos de síndrome da Angústia Respiratória Aguda (SARA) idiopática(4). Afeta geralmente indivíduos saudáveis, sem história prévia de doença pulmonar e não é associada ao tabagismo. Não há diferença na incidência dos casos em relação ao gênero. A maioria dos pacientes possui idade maior que 40 anos(3,5-7). A PIA apresenta-se com início rápido, período prodrômico de 7 a 14 dias. Os sintomas incluem febre (75%), tosse seca (79%), e dispneia (90%)(3,5,6). A maioria dos pacientes apresenta hipoxemia e necessita de suporte ventilatório invasivo após poucos dias de evolução. Em alguns casos, podem apresentar sintomas como mialgia, artralgia, calafrios e mal estar. O exame físico apresenta taquipneia, e crepitações pulmonares difusas. Devem ser procurados sinais que possam ajudar no diagnóstico diferencial, como o baqueteamento digital, que não está presente nesses casos, mas é encontrado em outras doenças pulmonares de curso indolente(3). A evolução é semelhante aos de outras causas de SARA. Devendo-se sempre descartar os diagnósticos diferenciais, utilizando os diversos métodos de auxílio diagnóstico. 45 11/04/2016 16:00:04 Vieira FV, Custódio FB, Meneses AC Os exames laboratoriais são inespecíficos, sendo comum en­­ contrar leucocitose. A gasometria frequentemente apresenta hipoxemia com a relação PaO2 ∕ FiO2 menor que 200mmHg. O raio-x de tórax apresenta opacidade alveolar bilateral(3,7) e a tomografia de tórax de alta resolução mostra áreas em vidro fosco, consolidação dos alvéolos, espessamento dos septos e bronquiectasias por tração, de forma assimétrica e bilateral(7). O diagnóstico é dado pelo quadro clínico compatível com SARA e confirmação histológica de dano alveolar difuso, através de biópsia transbrônquica, videotoracoscopia ou toracotomia(8). Devido à gravidade do quadro, não sendo possível a realização de biópsia, deve ser iniciado o tratamento empírico, quando forem descartadas outras causas mais comuns, através de análise do material colhido por lavado bronquioalveolar. Os principais diagnósticos diferenciais são: infecção pulmonar, insuficiência cardíaca, Pneumonia Eosinofílica Aguda, Pneumonia por Hipersensibilidade e doenças do tecido conjuntivo(9). O tratamento é baseado no suporte ventilatório e hemodinâmico adequado, pois é frequente a evolução com grave hipoxemia e choque distributivo. O uso de antibiótico deve ser realizado empiricamente, já que descartar uma causa infecciosa não é possível, principalmente em vigência de um quadro grave. O uso de glicocorticoides é controverso, já que os trabalhos publicados relatam um número de pacientes pequeno e resultados variáveis(3,6). Em geral, é recomendado realizar pulsoterapia com Metilprednisolona(5). O prognóstico é ruim, com mortalidade dos pacientes na primeira internação em torno de 50%, e os que sobrevivem podem recuperar completamente a função pulmonar ou podem desenvolver uma doença pulmonar intersticial crônica(3,5). da função hepática, do DHL e as sorologias para vírus foram negativas. O caso foi inicialmente conduzido como sepse grave de foco pulmonar por provável pneumonia da comunidade, sendo administrados empiricamente Ceftriaxona e Clindamicina. Permaneceu sedada, em ventilação mecânica, sempre à custa de altos parâmetros (FiO2 de 100% e PEEP (em inglês: positive end-expiratory pressure) acima de 14cmH2O), mantendo critérios gasométricos compatíveis com SARA grave (Tabela 1). Nas primeiras 48 horas de internação, a paciente apresentou piora progressiva do quadro, com manutenção de platô febril e necessidade de iniciar drogas vasoativas. Foi optado por ampliação do esquema de antibiótico para Imipeném e Vancomicina. Solicitados lavado bronquioalveolar e tomografia computadorizada de tórax. Contudo, a paciente evoluiu com choque refratário e instabilidade clínica, impossibilitando a realização dos exames acima citados. Apresentou parada cardiorrespiratória em assistolia, sem reversão. Óbito 60 horas após a internação. Para elucidação diagnóstica foi solicitada necropsia. O exame macroscópico evidenciou aumento do peso e da consistência pulmonar. Na avaliação microscópica, foi detectado espessamento generalizado das paredes alveolares, com intenso espessamento do epitélio dos alvéolos. Muito frequentemente os alvéolos estavam obliterados por tecido conjuntivo frouxo e estavam limitados por membrana hialina (Figura 2). RELATO DO CASO Paciente de 55 anos, parda, procedente de Frutal-MG. Portadora de obesidade, com diagnóstico prévio de esquizofrenia, e fazia uso de Levomepromazina. Não havia antecedentes de pneumopatias ou de infecções de vias aéreas recentes. Sem histórico de etilismo, tabagismo ou uso de drogas. Apresentava quadro de tosse seca há um mês da internação, com piora há 2 dias, com surgimento de febre alta (39-40ºC) e dispneia. Procurou atendimento na cidade de origem em franca insuficiência respiratória, sendo necessária intubação oro-traqueal imediata e ventilação mecânica, sendo então transferida ao Hospital de Clínicas da UFTM. Ao exame físico inicial foram observados à ausculta pulmonar estertores crepitantes difusos, mais intensos em base pulmonar direita. Apresentava ainda, taquicardia (frequência cardíaca entre 140-160bpm) e febre (39ºC). A pressão arterial estava normal, sem necessidade de drogas vasoativas. Ao raio-x de tórax, foi evidenciada opacidade interstício-alveo­ lar heterogênea bilateral (Figura 1). Os exames de sangue mostraram discreta leucocitose (sem desvio à esquerda), e elevação de PCR (em inglês: Polymerase chain reaction). Não havia alterações de função renal, de eletrólitos, 46 RBCM 14.1.indb 46 Figura 1. Raio-X tórax (incidência AP) evidenciando opacidade interstício-alveolar heterogênea bilateral. Tabela 1. Gasometrias Arteriais durante a internação hospitalar Gasometria arterial 1o dia 2o dia 3o dia Ph 7,41 7,33 7,3 pCO2 47,1 53,9 47,1 pO2 60,9 81 104,8 HCO3 29,4 28,4 22,9 BE 3,9 1,4 -3,7 rel PaO2/FiO2 60,9 81 104,8 Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):45-7 11/04/2016 16:00:04 Pneumonia intersticial aguda (síndrome de Hamman-Rich) Figura 2. Pneumonia intersticial aguda. Esta imagem mostra espessamento generalizado das paredes alveolares, com intenso espessamento do epitélio dos alvéolos. Muito frequentemente os alvéolos estão obliterados por tecido conjuntivo frouxo e estão limitados por membrana hialina. (Hematoxilina e Eosina; aumento x40). Ocasionalmente encontrou-se depósito de fibrina na superfície pleural visceral. Não foram encontrados corpos estranhos pesquisados com luz polarizada. Além disso, não foram detectados bactérias, micobactérias, fungos, e inclusões de adenovírus, vírus herpes simples, e citomegalovírus. Estes achados tornaram a hipótese de Pneumonia Intersticial Aguda a mais provável. Este é diagnóstico de exclusão para o quadro clínico de SARA e para os achados histológicos de Dano Alveolar Difuso. DISCUSSÃO O caso relatado é compatível com Pneumonia Intersticial Aguda (Síndrome de Hamman-Rich), diagnóstico de exclusão frente às possibilidades de SARA, sendo confirmado apenas em exame histológico. A apresentação clínica do caso foi de SARA grave, com rápida evolução para o óbito, sendo o diagnóstico confirmado através da necropsia. A aparência histopatológica da PIA é de Dano Alveolar Difuso (DAD)(3). Geralmente a fase exsudativa do DAD não é Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):45-7 RBCM 14.1.indb 47 encontrada, sendo a fase proliferativa em organização o achado mais frequente, como descrito abaixo(3,4,8): • Espessamento dos septos alveolares por edema intersticial, infiltração de células inflamatórias, proliferação de fibroblastos (no interstício e espaço aéreos), e hiperplasia dos pneumócitos tipo 2; • Colapso e aposição de septo alveolar adjacente; • Membranas hialinas em áreas focais ao longo dos septos alveolares; • Trombos em pequenas artérias. Outra importante característica da PIA é a uniformidade temporal das lesões, sugerindo que um episódio agudo possa ser o responsável pelo desencadeamento de todo o processo inflamatório. Portanto, concluímos que o diagnóstico de PIA deve ser lembrado em todos os casos de SARA grave de etiologia indeterminada, apesar do prognóstico sombrio com alta mortalidade e pouca efetividade terapêutica. REFERÊNCIAS 1. Hamman L, Rich AR. Fulminating diffuse interstitial fibrosis of the lungs. Trans Am Clin Climatol Assoc. 1935;51:154-63. 2. Hamman L, Rich AR. Acute diffuse interstitial fibrosis of the lungs. Bull Johns Hopkins Hosp. 1944;74:177. 3. Olson J, Colby TV, Elliott CG. Hamman-Rich syndrome revisited. Mayo Clin Proc. 1990;65(12):1538-48. 4. Fulmer JD, Katzenstein AL. The interstitial lung diseases. In: Bone RC (Ed), Pulmonary and critical care medicine. St. Louis: Mosby Year Book; 1993. p.M1. 5. Vourlekis JS. Acute interstitial pneumonia. Clin Chest Med. 2004;25(4):739-47. 6. Vourlekis JS, Brown KK, Cool CD, Young DA, Cherniack RM, King TE, et al. Acute interstitial pneumonitis. Case series and review of the literature. Medicine (Baltimore). 2000;79(6):369-78. 7. 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Mauro de Deus Passos1,2,5, Gustavo Carvalho3, Karen Anelize Toso Passos4,5, Isabella Godoy Gomes6 Recebido da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília. RESUMO Paciente de 37 anos, portador de neurofibromatose tipo 1 que se apresentou com quadro de dor torácica típica. Exceto pelo sexo mas­culino, não apresentava outros fatores de risco pessoais ou familiares para doença arterial coronária. Com o eletrocardiograma de repouso normal e um ecocardiograma transtorácico mostrando apenas hipertrofia ventricular esquerda de grau discreto, realizou teste de esforço que foi fortemente positivo para doença arterial coronariana. Com esse resultado e considerando a baixa faixa etária e a escassez de fatores de risco, o paciente foi encaminhado para a ecocardiografia com estresse farmacológico, que deflagrou dor torácica típica e alterações segmentares da contratilidade com baixas doses de dobutamina. Encaminhado para a cineangiocoronografia, detectou-se lesão mulitvascular grave, com indicação para tratamento cirúrgico (revascularização do miocárdio). Questiona-se, após breve revisão da literatura, eventual associação entre a presença e gravidade da doença arterial coronariana e a neurofibromatose tipo 1. Descritores: Neurofibromatose tipo 1; Doença da artéria coronariana; Dor no peito ABSTRACT Male patient, 37 years old, affected by neurofibromatosis type 1 who presented with typical chest pain. Except for being male, he had no other risk factors, personal or family history of coronary 1. Hospital Universitário de Brasília, Brasília, DF, Brasil. 2. Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (FMUnB), Brasília, DF, Brasil. 3. Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil. 4. Hospital Regional de Sobradinho, Sobradinho, DF, Brasil. 5. DIAGNOSIS – Diagnóstico por Imagem, Formosa, GO, Brasil. 6. Faculdade Atenas, Paracatu, MG, Brasil. Data de submissão: 10/08/2015 – Data de aceite: 13/08/2015 Conflito de interesses: não há. Fontes de financiamento: não há. Endereço para correspondência: DIAGNOSIS – Diagnóstico por Imagem Avenida Brasília, 1.100, Sala 105 − Formosinha 73813-010 – Formosa, GO, Brasil E-mail: [email protected] © Sociedade Brasileira de Clínica Médica 48 RBCM 14.1.indb 48 artery disease. With normal resting electrocardiography and a transthoracic echocardiogram showing mild left ventricular hypertrophy, we performed stress test, which was strongly positive for coronary artery disease. With this result and considering the young age and lack of risk factors, the patient was referred for pharmacologic stress echocardiography, which triggered typical chest pain and electrocardiographic changes with low doses of dobutamine. The patient was referred to cineangiocoronariography, which showed mulitvascular serious injury, with an indication for surgery (myocardial revascularization). After a brief literature review, we wonder if there is a possible association between the presence and severity of coronary artery disease and neurofibromatosis type 1. Keywords: Neurofibromatosis 1; Coronary artery disease; Chest pain RELATO DO CASO Paciente, 37 anos, sexo masculino, admitido para investigação de precordialgia. Referia que a dor torácica iniciara há aproximadamente seis meses e era de característica típica. Referia ser portador de neurofibromatose tipo 1 (NF1). Negava antecedentes de hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus e tabagismo. Não apresentava histórico familiar de doença arterial coronariana, doença cerebrovascular, morte súbita ou NF1. Apresentava índice de massa corporal na faixa normal. No exame físico, apresentava neurofibromas faciais, com distribuição predominantemente periorbital bilateralmente (Figura 1). O eletrocardiograma de repouso era normal. No ecocardiograma transtorácico, o ventrículo esquerdo apresentava-se discretamente hipertrófico, porém com função contrátil global e segmentar preservada. Realizou teste de esforço, que foi fortemente positivo para isquemia miocárdica induzida pelo esforço físico (dor torácica típica com alteração eletrocardiográfica). Submetido à cineangiocoronariografia (Figura 2), que mostrou: (1) circulação coronária: tipo coronária direita (CD) dominante; (2) CD: apresentando irregularidades parietais difusas e lesão segmentar de 90% no terço médio, além de ramo descendente posterior de fino calibre, com lesão segmentar de 95% no terço médio; (3) coronária esquerda: tronco com lesão de 60% no terço médio; descendente anterior (DA) apresentando irregularidades parietais difusas e lesão segmentar de 90% nos terços proximal e médio; diagonalis com irregularidades parietais difusas; circunflexa apresentando irregularidades parietais difusas Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):48-51 11/04/2016 16:00:05 Doença coronariana obstrutiva grave em um adulto jovem com neurofibromatose tipo 1. Existe alguma conexão? Figura 1. Neurofibromas faciais. A B C D Figura 2. Cineangicoronariografia. (A) Angiografia da coronária esquerda na projeção oblíqua anterior direita axial caudal, evidenciando tronco com lesão grave no terço distal. Ramo circunflexo com lesão grave no terço proximal e fino ramo marginal com lesão proximal. Ramo descendente anterior com lesão grave extensa no terço proximal e médio, envolvendo a origem e o terço proximal do primeiro ramo diagonal. (B) Angiografia da coronária esquerda na projeção oblíqua anterior direita axial cranial, evidenciando tronco com lesão grave no terço distal. Ramo descendente anterior com lesão grave extensa no terço proximal e médio, envolvendo a origem e o terço proximal do primeiro ramo diagonal. (C) Angiografia da coronária esquerda na projeção oblíqua anterior esquerda axial caudal, evidenciando tronco bifurcado com lesão grave no terço distal. Ramo circunflexo com lesão grave no terço proximal e fino ramo marginal com lesão proximal. Ramo descendente anterior com lesão grave extensa no terço proximal; e (D) Angiografia da coronária direita na projeção oblíqua anterior direita, dominante, demonstrando lesão grave no terço proximal. Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):48-51 RBCM 14.1.indb 49 49 11/04/2016 16:00:05 Passos MD, Carvalho G, Passos KA, Gomes IG e lesão de 70% no terço proximal; segundo ramo marginal de fino calibre, com lesão de 99% no terço proximal. Foi encaminhado para cirurgia de revascularização do miocárdio, com a realização de anastomose da artéria torácica interna esquerda (mamária) para a DA e “ponte de safena” para a CD e primeira marginal esquerda. DISCUSSÃO Trata-se de um paciente jovem portador de NF1, sem ante­ cedentes pessoais de hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, obesidade, tabagismo e, ainda, sem histórico familiar de coronariopatia, que se apresentou em no Serviço de Cardiologia com quadro de torácica típica. A investigação pré-cateterismo foi fortemente sugestiva de DAC, A cineangiocornariografia mostrou lesões coronárias obstrutivas graves, que foram tratadas por meio de revascularização cirúrgica do miocárdio. A NF-1, também conhecida como doença de Von Recklinghausen, é uma condição autossômica dominante causada por mutação do gene NF-1, que está localizado no lócus gênico 17q11.2. O gene NF1 sintetiza uma proteína denominada neurofibromina, que atua como um supressor tumoral. A NF1 representa 95% dos casos de neurofibromatose, com uma prevalência de um para cada cinco mil nascidos, sendo considerada uma das doenças hereditárias mais comuns(1). Estima-se que 50% dos casos de NF1 resultem de mutação de novo. Apresenta expressividade variável, entre diferentes famílias, entre diferentes indivíduos de uma mesma família e entre diferentes segmentos corporais de um mesmo indivíduo. Os achados clínicos mais comuns são as “manchas café com leite”, os neurofibromas cutâneos e os nódulos de Lisch da íris. As manifestações cardiovasculares da NF1 incluem hipertensão arterial sistêmica, cardiomiopatia hipertrófica, várias cardiopatias congênitas, alterações vasculares e arritmias. A NF1 parece estar associada com várias malformações do sistema cardiovascular(2). No entanto, em pacientes adultos com NF1, o envolvimento cardíaco é raro. Parece existir uma correlação entre a NF1 e a cardiomiopatia hipertrófica(3,4). As alterações coronárias são pouco encontradas. A hipertensão pode ser um fenômeno isolado, ou ocorrer devido à estenose da artéria renal, coarctação da aorta e, menos frequentemente, por feocromocitoma. Vários casos de doença cardíaca congênita foram associados com a NF1. Na casuística de Neiman et al., usando como método diagnóstico a cateterização cardíaca, foram encontradas evidências de cardiopatia congênita em 6 (7,7%) de 78 pacientes, sendo a estenose valvar pulmonar a lesão mais frequente (2,6%).(5) A estenose pulmonar, valvar ou dos ramos arteriais parece ser a lesão congênita mais associada com a NF1(6). Tedesco et al., usando a ecocardiografia transtorácica, encontrou anormalidades cardíacas em 13 de 48 pacientes jovens com NF1, com a comunicação interatrial do tipo ostium secundun encontrada em dois pacientes(4). Nessa mesma casuística, estenose do ramo esquerdo da artéria pulmonar foi observada em apenas um paciente e outras estenoses envolvendo a via de saí­ da do ventrículo direito não foram observadas(4). Em resumo, não é consenso que a NF1 esteja associada com um aumento de risco para a ocorrên­cia de defeitos cardíacos congênitos ou 50 RBCM 14.1.indb 50 que esteja relacionada a um tipo particular de malformação. A adição do Doppler Tecidual na avaliação ecocardiográfica básica permitiu observar, nos indivíduos com NF1, alterações morfológicas e funcionais ainda mais precoces, que incluíam aumento das dimensões do átrio esquerdo, prolongamento dos tempos de desaceleração e de relaxamento isovolumétrico, entre os outros parâmetros(7). Além dos defeitos cardíacos congênitos e da cardiomiopatia hipertrófica, tumores cardíacos e lesões coronárias têm sido descritas em associação com a NF1. As alterações vasculares incluem aneurismas das artérias coronárias e da aorta abdominal e a doença arterial coronariana (formação de fibromas intravasculares). Vários casos de pacientes jovens com NF1 e aneurismas coronários, que evoluíram com infarto do miocárdio ou morte súbita, já foram descritos(8,9). Estima-se que 13,2 milhões de norte-americanos apresentam DAC, 6,5 milhões dos quais têm angina pectoris e 7,2 milhões tiveram um infarto do miocárdio(10). Com base no Framinghan Heart Study, o risco durante toda a vida de desenvolvimento de uma DAC sintomática após a idade de 40 anos é de 49% para os homens e 32% para as mulheres(11). Apesar de seu elevado risco de ocorrência e prevalência, dados do Center for Disease Control and Prevention (CDC) mostraram que sua incidência na população norte-americana, no período de 2006 a 2010, sofreu um declínio global de 6,7 para 6,0%, justificado pelos programas de prevenção(12). Trata-se de uma doença que afeta predominantemente os indivíduos mais velhos, sendo baixa sua incidência em indivíduos jovens. Estudos têm demonstrado que somente 3% de todos os casos de DAC e de 2 a 6% de todos os casos de infarto ocorrem em indivíduos menos de 45 anos(13). A literatura brasileira sobre prevalência e incidência de DAC, principalmente em indivíduos jovens, é pobre, restringindo-se, na ampla maioria das vezes, aos dados de internação e aos procedimentos do Sistema Única de Saúde (SUS). Na população de Pelotas (RS), Alves et al. encontraram prevalência de angina entre os 1.680 indivíduos estudados, todos acima dos 40 anos de idade, de 8,2%(14). É mais comumente causada por uma placa ateromatosa, mas a DAC obstrutiva também possui muitas outras causas não ateroscleróticas, como as anomalias congênita da coronária, a ponte miocárdica, a arterite coronariana associada às vasculites sistêmica e a doença coronariana induzida pela radiação(11). Questiona-se, no presente, relato, se a NF1 poderia também ser causa de DAC obstrutiva. A demonstração da ausência de placas ateromatosas como causa das obstruções poderia reforçar essa hipótese. O ultrassom intracononariano, ao permitir o estudo in vivo da parede vascular, dos componentes da placa aterosclerótica, das mudanças quantitativas e qualitativas que ocorrem no ateroma em várias circunstâncias poderia contribuir na sua definição diagnóstica(15). Após o exposto, parece apenas provável a hipótese de que NF1 tenha contribuído para o desenvolvimento da doença arte­ rial coronária no paciente em estudo. No entanto, a gravidade com que a DAC se expressou no mesmo justifica investigar eventuais sinais e sintomas cardiovasculares nos portadores de NF1 com maior detalhamento. Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):48-51 11/04/2016 16:00:05 Doença coronariana obstrutiva grave em um adulto jovem com neurofibromatose tipo 1. Existe alguma conexão? REFERÊNCIAS 1. Huson SM, Compston DA, Clark P, Harper PS. A genetic study of von Recklinghausen neurofibromatosis in south east Wales. I. Prevalence, fitness, mutation rate, and effect of parental transmission on severity. J Med Genet. 1989;26(11):704-11. 2. Lin AE, Birch PH, Korf BR, Tenconi R, Niimura M, Poyhonen M, et al. Cardiovascular malformations and other cardiovascular abnormalities in neurofibromatosis 1. Am J Med Genet. 2000;(95): 108-17. 3. 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A case of neurofibromatosis associated with a coronary artery aneurysm and myocardial infaction. Clin Cardiol. 1992;15(8):616-8. 8. Tedesco MA, Di Salvo G, Natale F, Graziano L, Grassia C, Calabrò R, et al. Early cardiac morphologic and functional changes in neurofibromatosis type 1 hypertensives: an echocardiographic and tissue Doppler study. Int J Cardiol. 2005;101(2):243-7. 9. Kandarpa K, Stoll JF, Reiss C, Rutherford JD, Cohn LM. A case of neurofibromatosis associated with a coronary artery aneurysm and myocardial infarction. Cardiovasc Intervent Radiol. 1988;11(3): 143-5. 10. American Heart Association (AHA). Heart disease and stroke statistics - 2006 Update. Dallas: AHA; 2006. 11. Center for Disease Control and Prevention (CDC). Prevelence of coronary heart disease - United States, 2006-2010. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2011;(60):1377-412. 12. Morrow DA, Gersh BJ. Doença arterial coronariana crônica. In: Peter Libby, et al (ed.). Tradado de Medicina Cardiovascular. Trad.: Alexandre Marceli Midão, et al. Elsevier; 2010. p. 1353-417. 13. Jalowiec DA, Hill JA. Myocardial infaction in the young and in woman. Cardiovasc Clin. 1989;20(1):197-206. 14. Alves L, Cesar JA, Horta BL. Prevalence of angina pectoris in Pelotas, south of Brazil. Arq Bras Cardiol. 2010; 95(2):179-85. 15. Abizaid A, Mintz GS, Abizaid AS, Satler LF, Popma JJ, Pichard AD, et al. Aplicação clínica do ultra-som intracoronário. Arq Bras Cardiol. 1997(69):263-5. 51 11/04/2016 16:00:05 ARTIGO DE REVISÃO Estado nutricional e qualidade de vida em idosos Nutritional status and quality of life in elderly Cássia de Almeida Merlo Sarzedo Garcia1, Maria Clara Moretto1, Maria Elena Guariento1 Recebido da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil. RESUMO OBJETIVO: Realizar uma revisão referente à relação entre estado nutricional e qualidade de vida em idosos. MÉTODOS: Procedeu-se a uma busca dos principais termos que definissem estado nutricional e qualidade de vida no envelhecimento, passando-se, a seguir, a apresentar estudos recentes que relacionavam tais variáveis. Para tanto, realizou-se uma revisão da literatura científica em livros-textos, dissertações, páginas da internet e artigos, nas bases de dados PubMed, SciELO e Lilacs. Foram incluídos trabalhos originais ou de revisão, em português, inglês e espanhol, publicados no período de 1990 a 2014. RESULTADOS: Instrumentos genéricos desenvolvidos para a avaliação da qualidade de vida foram frequentemente utilizados para o planejamento e avaliação em saúde. Estados nutricionais alterados (desnutrição e obesidade) contribuíram para maior morbimortalidade, redução da funcionalidade e da qualidade de vida, ao longo da vida e durante o processo de envelhecimento, além de serem condições que interferiram na forma como o indivíduo avaliava sua saúde e seu bem-estar subjetivo. Conclusão: A literatura evidenciou associações entre desnutrição, obesidade e pior qualidade de vida em amostras de idosos de diversas localidades. Descritores: Idoso; Estado nutricional; Obesidade; Desnutrição; Qualidade de vida ABSTRACT OBJECTIVE: To conduct a review on the relationship between nutritional status and quality of life in elderly. METHODS: A search for key terms defining nutritional status and quality 1. Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil. Data de submissão: 11/01/2016 – Data de aceite: 13/01/2016 Conflito de interesses: não há. Fontes de financiamento: não há. Endereço para correspondência: Cássia de Almeida Merlo Sarzedo Garcia Rua Tessália Vieira de Camargo, 126 Cidade Universitária Zeferino Vaz CEP:13083-887 – Campinas, SP, Brasil Tel.: (19) 98147-2841 – E-mail: [email protected]; © Sociedade Brasileira de Clínica Médica 52 RBCM 14.1.indb 52 of life in aging was carried out. Then recent studies linking these variables were presented. The research of the scientific literature was based on textbooks, dissertations, web pages and papers published on PubMed, SciELO and Lilacs databases. Portuguese, English or Spanish original articles and reviews, published from 1990 to 2014, were included. RESULTS: Generic instruments developed for quality of life’s assessment were often used for planning and evaluation in health. Altered nutritional status (malnutrition and obesity) contributed to increased morbidity and mortality, to reduction of functioning and quality of life during lifetime and aging process, and were conditions that interfered in how individuals assessed their health and subjective well-being. CONCLUSION: The literature has shown associations between malnutrition, obesity and poor quality of life in older samples from different locations. Keywords: Aged; Nutritional status; Obesity; Malnutrition; Quality of life INTRODUÇÃO O envelhecimento populacional tem se caracterizado pela transição demográfica. Tal processo também é acompanhado por mudanças no perfil nutricional e epidemiológico da popu­ lação, devido, em grande parte, a modificações no padrão alimentar, ocorrendo aumento das prevalências de sobrepeso e obesidade,(1) bem como das taxas de morbidade e mortalidade, associadas às doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) e de suas complicações, que geram incapacidades e dependência.(2,3) Diante desse contexto, o objetivo dos gestores das áreas sociais e de saúde deixou de ser apenas prolongar a vida, mas também buscar estratégias que possibilitem um envelhecimento mais saudável e ativo, caracterizado pela interação multidimensional entre saúde física e mental, independência nas atividades de vida diária, integração social, suporte familiar e independência econômica,(4) além de melhor qualidade de vida e satisfação pessoal.(5) A alimentação e o estado nutricional são aspectos que refletem parte das condições de saúde do indivíduo, associando-se à promoção da saúde, além de prevenção e reabilitação de agravos.(1) Por isso, sua avaliação é fundamental na identificação da satisfação e no bem-estar do idoso. A relação entre qualidade de vida e saúde passou a ser, hoje, de grande importância(6) e, em vista disto, a literatura tem evidenciado associações entre pior qualidade de vida e desnutrição e obesidade em amostras idosas de diversas localidades. Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):52-6 11/04/2016 16:00:05 Estado nutricional e qualidade de vida em idosos OBJETIVO Proceder a uma revisão sobre a relação entre estado nutricional e qualidade de vida em idosos. MÉTODOS Procedeu-se a uma busca dos principais termos que definissem estado nutricional e qualidade de vida no envelhecimento, passando-se, a seguir, a apresentar estudos recentes que relacionavam tais variáveis. Para tanto, realizou-se uma revisão da literatura científica em livros-textos, dissertações, páginas da internet e artigos utilizando-se as bases de dados PubMed, Scientific Electronic Library Online (SciELO) e LILACS. Foram incluídos trabalhos originais ou de revisão, em português, inglês e espanhol, publicados no período de 1990 a 2014. Estado nutricional e envelhecimento As alterações fisiológicas do envelhecimento relacionadas à composição corporal e à ingestão alimentar devem ser consideradas. Os idosos apresentam diminuição progressiva da altura (1 a 2cm/década); aumento do peso e do índice de massa corporal (IMC) até os 65 a 70 anos, com redução progressiva após essa faixa etária; alterações da composição corporal, com redistribuição da gordura corporal (redução em regiões periféricas e aumento no interior do abdômen), e diminuição da massa magra e da água corporal, refletindo em redução da taxa de metabolismo basal, além de alterações no sistema digestivo e na percepção sensorial, que incluem menor palatabilidade e menor sensibilidade à sede.(7) Outros aspectos, somados aos fatores já citados, contribuem para um maior risco de distúrbios nutricionais em idosos: presença de doenças crônicas e de multimorbidades, polifarmácia, comprometimento da ingestão alimentar (dificuldades de mas­ ti­gação, digestão, disfagia e xerostomia), depressão, alterações da mobilidade com dependência funcional e comprometimento da capacidade cognitiva, além da interferência de fatores sociais, culturais e econômicos.(7,8) O estado nutricional, importante elemento entre os determi­ nantes de saúde e doença, pode ser avaliado por métodos objetivos e subjetivos, dentre os quais a antropometria, a bioimpedância, os testes bioquímicos, o exame clínico e a avaliação da ingestão alimentar.(9) O uso e a interpretação desses parâmetros apresentam limitações em idosos, sendo importante realizar a avaliação nutricional por meio da associação de vários indicadores, utilizando-se critérios de diagnóstico e valores de referência específicos para essa faixa etária, quando existirem.(10) Para a população idosa, foi desenvolvida uma avaliação específica, a Miniavaliação Nutricional (MAN), que é reconhecida como ferramenta completa de triagem nutricional de idosos, considerada apropriada para aplicação em diversos ambientes, como hospitais, instituições de longa permanência e comunidade.(11,12) Quanto ao IMC, os valores de corte estabelecidos para a população idosa consideram as propostas sugeridas pela Organização Mundial da Saúde (OMS),(13) estabelecidas por Lipschitz,(14) e as definidas pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).(15) Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):52-6 RBCM 14.1.indb 53 As duas últimas sugerem valores de corte mais elevados, considerando as alterações na composição corporal e a ingestão alimentar dos idosos, que refletem maiores riscos para desnutrição. Estados nutricionais alterados contribuem para maior morbimortalidade, redução da funcionalidade e da qualidade de vida, ao longo da vida e durante o processo de envelhecimento.(16-18) Destacam-se entre idosos, em decorrência das alterações fisiológicas, elevadas prevalências de desnutrição, mas, por outro lado, há também crescentes proporções de sobrepeso e obesidade,(1) condições que interferem na forma como o indivíduo avalia sua saúde e seu bem-estar subjetivo.(18-20) Paz et al., observaram frequência de 37,5% de desnutrição (classificação do IMC de Lipschitz) em avaliação realizada pela MAN, em idosos residentes em uma instituição de longa permanência.(21) Em outra investigação, 58,8% dos idosos institucionalizados apresentaram baixo peso pelo IMC, com maior proporção de risco para dependência funcional. Pela MAN, 41,6% deles apresentaram risco nutricional e 26,2% eram desnutridos.(22) O estudo FIBRA (Fragilidade em Idosos Brasileiros), que avaliou 3.075 idosos (com 65 anos ou mais), residentes de comunidades de sete cidades brasileiras, evidenciou proporções de 18% dos participantes com baixo peso, 14,8% com sobrepeso e 24% de obesos (IMC classificado pelo critério OPAS).(23) No estudo Saúde, Bem-estar e Envelhecimento (SABE) (n=1.773), que utilizou os mesmos valores de referência do IMC, as frequên­ cias de baixo peso, sobrepeso e obesidade em idosos com 60 anos ou mais, foram de 24,1, 12,1 e 20,8%, respectivamente.(24) Em investigação realizada com dados do Estudo Nacional de Despesa Familiar (1974-1975), da Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (1989) e das Pesquisas de Orçamento Familiar de 2002-2003 e 2008-2009, observou-se que a prevalência de déficit de peso no Brasil declinou ao longo dos quatro inquéritos, apesar de a desnutrição ainda prevalecer em estratos de menor renda, principalmente entre as mulheres. Enquanto isso, os índices de sobrepeso e obesidade de adultos e idosos apresentaram aumento, com maiores prevalências em classes intermediárias de renda. O de peso tendeu a aumentar a partir dos 65 anos, porém não ultrapassou 2 a 3% em todas as regiões do país.(25) Qualidade de vida em idosos A qualidade de vida é um conceito complexo, cuja definição ainda não é consensual.(26) Por outro lado, teorias biomédicas e psicossociais do envelhecimento bem-sucedido embasaram os primeiros conceitos de qualidade de vida na velhice. Lawton, um renomado estudioso sobre o tema, definiu qualidade de vida no idoso como uma avaliação multidimensional, referenciada por critérios intrapessoais e socionormativos,(27) destacando-se como importante indicador de saúde.(28) Previamente, a mensuração da saúde era realizada exclusivamente por parâmetros objetivos. No entanto, observando-se como os aspectos subjetivos da saúde influenciavam nos indivíduos, passou-se a valorizar a percepção subjetiva de saúde e, assim, surgiu o conceito de qualidade de vida, com suas diferentes definições e utilizações.(29) O construto qualidade de vida pode interferir de maneira positiva nas práticas assistenciais e na concepção do processo 53 11/04/2016 16:00:05 Garcia CA, Moretto MC, Guariento ME saúde-doença, com mudanças nos modelos de atendimento estritamente biomédicos.(6) Os instrumentos genéricos desenvolvidos para a avaliação da qualidade de vida são frequentemente utilizados para o planejamento e a avaliação em saúde, e referem-se à qualidade de vida geral. Dentre eles, destacam-se: World Health Organization Quality of Life Assessment (WHOQoL-100, incluindo também a versão abreviada WHOQoL-BREF, além da versão para idosos WHOQoL-OLD); Medical Outcome Study Health Survey (SF-36, e a versão abreviada SF-12); o EuroQol (EQ-5D); e o Sickness Impact Profile (SIP) (30-34). Estudos quantitativos realizados em diferentes populações, utilizando os instrumentos SF-36(35) e EQ-5D, constataram que os principais fatores que influenciam de forma negativa na percepção sobre qualidade de vida em idosos foram: idade superior a 80 anos,(36) sexo feminino,(35,36) baixo nível de escolaridade,(35) insatisfação com a situação econômica, problemas de saúde e sintomas depressivos.(37) Quanto aos aspectos que influenciam positivamente na qualidade e na satisfação de vida na velhice, destacam-se: sensação de conforto e bem-estar;(5) saúde;(5,37-39) independência;(5,37) equilíbrio emocional;(38) sentimentos positivos;(39) relações interpessoais(37-39) e com a família;(37) recursos financeiros(37,39) e posse de outros bens materiais.(38) Um estudo que utilizou o WHOQoL-BREF evidenciou que o domínio físico apresentou-se como o mais significativo na avaliação da qualidade de vida global de idosos, seguido dos domínios ambiental e psicológico. Tais dados demonstram a in­ fluência do domínio físico e o consequente impacto da capacidade funcional para o bem-estar subjetivo desse grupo etário.(40) Estado nutricional e qualidade de vida em idosos A literatura tem evidenciado associações entre qualidade de vida (avaliada usualmente por instrumentos genéricos) e estados nutricionais correspondentes à desnutrição(18,41-43) e à obesidade em idosos,(44-46) embora investigações que relacionam tais variá­ veis sejam ainda escassas − particularmente nesse grupo etário.(18,47) Uma revisão sistemática recente demonstrou que idosos desnutridos apresentaram maior chance de uma qualidade de vida ruim (odds ratio − OR: 2,85; intervalo de confiança de 95% − IC95%: 2,20-3,70; p<0,001). Os autores observaram também que, ao considerar o efeito do suporte nutricional em investigações de intervenção, registrou-se melhora significativa na qualidade de vida desses indivíduos, tanto em aspectos físicos como mentais.(18) Em outro estudo, realizado com 20 idosos espanhóis nona­ genários não institucionalizados, avaliou-se a relação entre estado nutricional e qualidade de vida utilizando-se a MAN, o recordatório de ingestão alimentar de 24 horas e o EQ-5D. O risco para a desnutrição foi verificado em 40% da amostra, e tal condição nutricional associou-se à pior qualidade de vida (p=0,012). Além disso, o aumento da ingestão de energia e nutrientes asso­ ciou-se ao aumento dos escores em todas as dimensões, com exceção da mobilidade, que foi o domínio mais prejudicado na maioria dos idosos (80%).(43) 54 RBCM 14.1.indb 54 Kostka et al., em investigação realizada com idosos poloneses de comunidades urbanas (n=1.003), rurais (n=890) e institucio­ nalizados (n=879), utilizaram a MAN e a circunferência da panturrilha (CP) para avaliação nutricional, e o EQ-5D, além da escala visual analógica VAS (sigla do inglês Visual Analogue Scale), referente ao mesmo instrumento, para avaliação da qualidade de vida. Por meio da escala VAS, os indivíduos avaliam seu estado geral de saúde, considerando-se uma pontuação que varia de zero (pior imaginável) a 100 (melhor imaginável). As frequências de mobilidade, atividade habitual, dor/desconforto e ansiedade/depressão foram mais elevadas, e o VAS, mais baixo, conforme o aumento do IMC e da CP entre os idosos de comunidades urbanas e rurais. Por outro lado, nos institucionalizados, os problemas relacionados aos cuidados próprios e a atividades cotidianas foram maiores, e a pontuação da VAS, mais baixa, com valores menores para as medidas antropométricas. Quanto à avaliação feita pela MAN, os três grupos apresentaram associações similares: elevados valores da MAN, indicativos de melhor estado nutricional, foram associados à melhor qualidade de vida.(47) Keller et al., evidenciaram que o risco nutricional é um preditor independente de pior qualidade de vida em idosos canadenses.(41) De forma similar, idosos noruegueses (65 a 87 anos) em risco para desnutrição e com menores valores de IMC, apresentaram pior pontuação no EQ-5D. Além disso, os indivíduos com IMC entre 25,0 e 27,5kg/m2 foram os que apresentaram melhor qualidade de vida.(42) De acordo com estudo brasileiro realizado com dados do sistema Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para as Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL), referentes a 54.213 indivíduos adultos e idosos, a saúde autoavaliada como ruim foi mais prevalente entre as mulheres, em indivíduos mais velhos, naqueles com menor nível de escolaridade, sem atividade ocupacional e naqueles que residiam nas Regiões Norte e Nordeste do país. Além disso, em análise ajustada para variáveis sociodemográficas e de saúde, o baixo peso e a obesidade estiveram entre os fatores associados à pior autoavaliação de saúde, tanto para homens como para mulheres.(19) Em amostra de alemães (idade média de 61 anos), verificou-se que a medida do IMC foi inversamente relacionada com os escores dos domínios físico e mental do instrumento genérico para avaliação de qualidade de vida SF-12. Durante um período de seguimento, a pior qualidade de vida desses indivíduos manteve-se associada ao aumento do IMC, quanto ao aspecto físico em mulheres e obesos, enquanto que o domínio mental apresentou associação direta com o parâmetro antropométrico.(44) So et al., avaliaram a relação entre adiposidade abdominal, indicada pela circunferência da cintura (CC) e qualidade de vida (EQ-5D) em idosos coreanos (n=4.122; 65 a 74 anos).(45) Observaram, assim, que o aumento da CC piorou a mobilidade e que a presença de comorbidades associadas à obesidade abdominal piorou a qualidade de vida, somente no sexo feminino. Rouch et al., também demonstraram, em amostra de 1.011 idosos, associação entre a obesidade abdominal e satisfação com a vida percebida (OR: 1,9; p=0,02), somente em mulheres.(20) Em amostra de 3.184 chineses, entre 18 a 80 anos, a adipo­ sidade abdominal, avaliada pela CC e pela relação cintura-quaRev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):52-6 11/04/2016 16:00:05 Estado nutricional e qualidade de vida em idosos dril, foi associada à pior qualidade de vida (com base no instrumento SF-36), particularmente referente ao componente físico, principalmente nas mulheres.(46) CONCLUSÃO Os estudos aqui citados parecem concordar com o fato de que tanto o baixo peso (e o risco para a desnutrição) como a obesidade (destacando-se a adiposidade abdominal) apresentam associação com pior qualidade e satisfação com a vida em amostras de idosos de diversas localidades. Já é estabelecido, pela literatura, que tais condições nutricionais apresentam forte relação com morbidades e outros desfechos negativos em saúde, fatores que podem afetar diretamente a qualidade de vida dos indivíduos. No entanto, observa-se que, diante da diversidade de escalas utilizadas para a avaliação da qualidade de vida em saúde, a maioria delas não inclui itens relativos aos aspectos nutricionais, sendo recomendada a utilização dos instrumentos genéricos relacionados à saúde para a avaliação do impacto do estado nutricional na qualidade de vida dos indivíduos. Considerando, ainda, a escassez de achados sobre o tema, principalmente em amostras de idosos brasileiros, destaca-se a necessidade de se realizar mais estudos que, inclusive, podem colaborar com estratégias específicas de promoção à saúde, prevenção e reabilitação de agravos. REFERÊNCIAS 1. Santos AC Machado MM, Leite EM. Envelhecimento e alterações do estado nutricional. Geriatr Gerontol. 2010;4(3):168-75. 2. 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Grande parte dos casos diagnosticados da doença é detectada em sua fase avançada, em indivíduos de baixa renda, com pouca escolaridade e com limitado acesso aos serviços de saúde. No entanto, essa neoplasia pode ser prevenida por meio de ações que facilitem a identificação dos principais fatores de risco, que são, em sua maioria, de ordem socioambiental. Práticas de prevenção e promoção de saúde, que busquem o diagnóstico precoce de lesões suspeitas, possibilitam maiores chances de cura e de aumento da sobrevida dos pacientes, especialmente entre os idosos. Descritores: Carcinoma de células escamosas/diagnóstico; Detecção precoce de câncer; Envelhecimento; Promoção da saúde; Saúde do idoso ABSTRACT Even with the advance of therapeutic modalities for the treatment of cancer, the oral squamous cell carcinoma has high rates of mortality. This article aimed to review and discuss about this issue. A large part of diagnosed cases of the disease is detected in the advanced stage, in individuals of low income, with little education and limited access to health services. However, this neoplasm can be prevented through actions that facilitate the identification of the main risk factors, which are, in its majority, 1. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil. 2. Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, SP, Brasil. Data de submissão: 25/11/2015 – Data de aceite: 18/01/2016 Conflito de interesses: não há. Fontes de Financiamento: não há. Endereço para correspondência: Stella Vidal de Souza Torres Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas Rua Tessália Vieira de Camargo, 126 Cidade Universitária Zeferino Vaz CEP: 13083-887 – Campinas, SP, Brasil E-mail: [email protected] © Sociedade Brasileira de Clínica Médica Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):57-62 RBCM 14.1.indb 57 of socio-environmental causes. Practices of prevention and health promotion that seek the early diagnosis of suspicious lesions allow greater chances of cure and increased survival of the patients, especially among the elderly. Keywords: Carcinoma, squamous cell/diagnosis; Early detection of cancer; Aging; Health promotion; Health of the elderly INTRODUÇÃO O câncer é considerado um problema de saúde pública mundial. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que, no ano de 2030, ocorram 27 milhões de casos novos de câncer, 17 milhões de mortes por câncer e 75 milhões de pessoas conviverão com a doença.(1) O câncer bucal responde por quase 3% dos casos de câncer no mundo, e o carcinoma de células escamosas (CCE) é a neoplasia maligna mais comum, correspondendo a aproximadamente 90 a 95% de todas as neoplasias malignas encontradas nesta região.(2) No Brasil, o câncer oral é preocupante, com alta incidência e mortalidade na população. De acordo com estimativa do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA),(3,4) o câncer de cavidade oral representa quase 4% de todas as neoplasias malignas, sendo o quinto mais incidente entre os homens e o 12o entre as mulheres; é mais prevalente nas Regiões Sudeste, Nordeste e Sul do país. Grande parte dos casos diagnosticados da doença é detectada em sua fase avançada, em indivíduos de baixa renda, com pouca escolaridade e com limitado acesso aos serviços de saúde. No entanto, essa neoplasia pode ser prevenida por meio de ações que facilitem a identificação dos principais fatores de risco, que são, em sua maioria, de ordem socioambiental, e pela realização de práticas que busquem o diagnóstico precoce de lesões suspeitas, possibilitando, assim, maiores chances de cura e um aumento da sobrevida dos pacientes, especialmente entre os idosos. O câncer da cavidade oral é mais comum em homens caucasianos na quinta década de vida. Tabagismo, etilismo e algumas infecções virais, como por papilomavírus humano (HPV) ou Epstein-Barr vírus (EBV), também são fatores de risco para o desenvolvimento do câncer oral, tendo sido demonstrados por vários autores na literatura.(5,6) Esse tipo de câncer pode ser detectado simplesmente com visualização da cavidade oral em busca de lesões, sendo um método de baixo custo e que pode ser feito pelo próprio indivíduo. Apesar disso, a maior parte dessas neoplasias é diagnosticada nas fases mais avançadas da doença (estágios III e IV).(7) Costa et al.,(8) realizaram um estudo em Piracicaba (SP) e concluíram que, apesar de a maioria dos idosos já ter ouvido 57 11/04/2016 16:00:06 Torres SV, Sbegue A, Costa SC falar em câncer oral, menos da metade deles sabe como se prevenir. A falta de informação da população geral e dos profissionais de saúde sobre a prevenção dessa neoplasia, principalmente em indivíduos expostos a fatores de risco, atrasa o diagnóstico dessa neoplasia. Isso diminui a eficácia do tratamento e aumenta a gravidade das sequelas secundárias a ele, principalmente relacionadas à deglutição e à fonação, além de elevar os índices de mortalidade.(9) CÂNCER ORAL EM IDOSOS Uma das mais altas incidências de câncer de boca e orofaringe do mundo é a encontrada no Brasil.(10) Ainda, a incidência de casos de câncer de boca em indivíduos idosos tem crescido significativamente. Em parte, isso decorre do aumento da longevidade da população brasileira. Por apresentar um tratamento muitas vezes agressivo, o estado de saúde geral do paciente é sempre levado em consideração. O fato de ser idoso e possuir um diagnóstico de câncer requer uma atenção com relação ao tratamento. Por vezes, ele foi executado de forma paliativa, baseado na crença de que o paciente não suportaria a terapia e morreria em sua decorrência, acreditando que o tratamento seria mais agressivo do que a própria lesão.(10-12) No entanto, estudos recentes vêm mostrando o contrário. Estudo realizado por Perussi et al.,(13) mostraram que não houve diferença entre os grupos de idade, quando analisados alguns parâmetros de evolução da gravidade da doença, como indivíduos que morreram antes do início do tratamento e o tempo de sobrevida dos mesmos. No entanto, por ser o câncer um processo marcado pela falta de controle da proliferação celular, existe a indicação de que a evolução da doença pode variar em conformidade com algumas características clínicas ou patológicas. Desta forma, existe a possibilidade de que a evolução nos indivíduos que desenvolvem câncer em idade mais avançada seja diferente daqueles acometidos pela doença quando mais jovens. A ausência de complicações associadas ao processo de envelhecimento, além de uma menor prevalência de doenças debilitantes, pode significar uma melhora na evolução da doença nos pacientes mais velhos.(9) Estudo conduzido por pesquisadores do Rabin Medical Center, de Tel Aviv, em Israel, mostrou que o comportamento do câncer de boca em pacientes com mais de 75 anos não é diferente do de outras faixas etárias, além de o tratamento ter, estatisticamente, o mesmo efeito nesse grupo. Os pesquisadores perceberam que a taxa de sobrevida de 5 anos observada nos pacientes com mais de 75 anos de idade foi maior do que no grupo com menor idade, sendo 65% vs. 58% no grupo dos mais jovens.(10) A maior dificuldade no tratamento do câncer de boca nos pacientes idosos tem sido o diagnóstico tardio da doença − assim como acontece em qualquer faixa etária de pessoas acometidas por essa patologia. As investigações do perfil e da sobrevivência dos pacientes, de acordo com as regiões anatômicas específicas, fornecem bases científicas para orientar campanhas de prevenção educativas para o diagnóstico precoce e o tratamento dessa doença, que quase sempre começa num local de fácil visualização e inspeção para o próprio paciente.(11) Uma lesão que 58 RBCM 14.1.indb 58 apresenta mais de 3cm já é considerada em fase avançada e, devido ao seu perfil biológico, o carcinoma epidermoide pode, em pouco tempo, atingir esse tamanho. Por esse fato, é importante alertar os pacientes para a realização de exames periódicos, feitos por profissionais, bem como para o autoexame da cavidade oral, com o intuito de observar a presença de sinais que possam ser indicativos de câncer, como aumentos no tecido mucoso, presença de caroços, úlceras ou manchas brancas, vermelhas ou escuras, podendo causar sangramento e dor para que, assim, em casos de suspeita da doença, possam ser realizados exames complementares, como a citologia esfoliativa ou a biópsia da lesão, no intuito de ser realizado um diagnóstico precoce da doença. Apesar de os estudos associando o perfil dos pacientes conforme o tempo de evolução das lesões serem escassos, é consenso na literatura que pacientes diagnosticados em estágio tardio da doença têm maiores índices de mortalidade.(12) De acordo com Kowalski e Souza,(14) as causas mais importantes no atraso do diagnóstico são a evolução inicial sem sintomatologia, o reduzido conhecimento sobre a doença entre pacientes e profissionais, o medo do diagnóstico e as dificuldades ao acesso médico. O tempo médio que os pacientes demoram a procurar cuidados profissionais varia de 3 a 5 meses para o câncer bucal.(15) FATORES DE RISCO A literatura científica reconhece que os dois principais fatores de risco relacionados ao câncer bucal são o hábito de fumar e o consumo excessivo de bebidas alcoólicas. No entanto, outros fatores têm sido associados ao desenvolvimento do câncer de boca e orofaringe, que incluem agentes biológicos, como o HPV, higiene oral precária, história pregressa de neoplasia do trato aerodigestório e exposição à luz ultravioleta em excesso (câncer de lábio).(1,3,4,7) Tabaco O ato de fumar, durante anos, foi interpretado como um estilo de vida. Atualmente, esse equívoco foi elucidado pelo entendimento de que o tabagismo é uma doença resultante da dependência da nicotina, sendo classificado no Código Internacional de Doenças (CID-10) no grupo de transtornos mentais e de comportamentos decorrentes do uso de substâncias psicoativas. Além disso, as inúmeras substâncias presentes na composição dos produtos do tabaco são fatores causais para cerca de 50 doenças tabaco-relacionadas ao grupo de doenças crônicas, como câncer, as cardíacas, as cerebrovasculares e as respiratórias.(16,17) De acordo com a OMS, cerca de 90% dos pacientes diagnosticados com câncer de boca são tabagistas. O cigarro representa o maior risco para o desenvolvimento dessa doença, sendo que seu risco varia de acordo com o consumo, ou seja, quanto mais frequente for o ato de fumar, maiores as chances de desenvolver câncer de boca.(17) Para definir a intensidade de tabagismo dos fumantes, emprega-se a unidade maço/ano (UMA = número de maços por dia x anos que fumou). Ela determina a quantidade de maços fumados por um determinado tempo, tendo como base a unidade Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):57-62 11/04/2016 16:00:06 Diagnóstico precoce de câncer bucal em idosos maço/ano, ou seja, o número de maços de cigarros fumados por dia por 1 ano. De modo que, se um indivíduo fumou 1 maço ao dia por 10 anos ou 2 maços ao dia por 5 anos, ele terá fumado 10 anos/maço. Por outro lado, quando se deseja investigar a exposição do indivíduo ao tabagismo, levando-se em conta o número de cigarros consumidos por dia, utiliza-se o cálculo da carga tabágica em anos/maço, que é calculada de acordo com o número de cigarros consumidos por dia, dividido por 20 (1 maço = 20 cigarros) e multiplicado pelo número de anos que o paciente fumou. Assim, o paciente que fez uso de 30 cigarros por dia durante 15 anos (30/20 x 15) tem carga tabágica de 22,5 anos-maço.(18) Vale salientar que uma pessoa que possui uma carga tabágica maior do que 20 anos/maço já possui grandes chances de apresentar qualquer patologia associada ao tabaco e que o risco diminui após 15 a 20 anos de cessação. O risco de câncer aumenta de acordo com o início precoce do tabagismo, a quantidade de cigarros fumados e o número de anos que a pessoa fuma. Assim, o tabaco, além de ser um fator de risco para o câncer, é também um importante fator que di­ ficulta o tratamento e o controle das neoplasias em geral.(19) Dados da literatura científica demonstram que o tabagismo após o diagnóstico de câncer ainda não é rotineiramente abordado como uma doença que necessite de tratamento, de modo que a continuidade do hábito contribui para um maior risco de complicações durante o tratamento e a diminuição das respostas à radio e quimioterapia, além de possibilitar o agravamento de doenças tabaco-relacionadas. Com isso, pode haver um aumento no risco de recidiva e o surgimento de um segundo tumor primário, ocasionando a diminuição da qualidade de vida do indivíduo e, consequentemente, de sua sobrevida global.(18) Em uma esfera maior, além dos riscos e danos causados à saúde, o tabagismo compromete o desenvolvimento social e econômico, bem como afeta a sustentabilidade ambiental. Em virtude da carga das doenças tabaco-relacionadas terem um grande impacto no sistema de saúde é que a cessação do hábito deve ser estimulada.(17) No entanto, mesmo informados a respeito de ser o tabagismo um fator de risco e de aumento da morbidade durante o tratamento, muitos pacientes permanecem fumando. Dados da literatura explicam que o tabagismo após o diagnóstico de câncer ainda não é rotineiramente abordado como uma doença que necessita de tratamento, uma vez que a dependência nicotínica caracteriza-se pelo uso e necessidade tanto física como psicológica, apesar do conhecimento de seus efeitos prejudiciais.(16,17,19) Etilismo O risco de desenvolver câncer de boca também está associado ao consumo regular de bebidas alcoólicas. No Brasil, Leite e Koifman(20) encontraram que 59,3% dos pacientes ingeriam bebidas alcóolicas e, destes, 69,1% usavam bebidas destiladas. O sítio anatômico esteve relacionado com a ingestão de álcool em consumidores diários, localizando-se principalmente na língua, nos lábios e no assoalho bucal. O álcool está associado com o aumento da proliferação celular. O consumo de álcool, especialmente o etanol, interfere no reparo do DNA e pode ter um efeito imunossupressor.(21) Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):57-62 RBCM 14.1.indb 59 Por um mecanismo ainda desconhecido, o álcool é capaz de impossibilitar que as células epiteliais organizem a barreira de permeabilidade, que é fundamentalmente composta por lipídios e que possui a função de impedir a desidratação e a penetração de agentes externos.(22,23) Evidências epidemiológicas têm demonstrado que um maior acúmulo microbiano decorrente de uma má higiene oral seria capaz de promover uma maior produção de acetaldeído por meio da metabolização do etanol da saliva, especialmente entre os consumidores de grandes quantidades de álcool. O processo se dá pela conversão do álcool pela enzima álcool desidrogenase (ADH) em acetaldeído, e este em acetato, pela enzima aldeído desidrogenase (ALDH). O acetato alcança diferentes partes do organismo, podendo ser utilizado na produção de energia ou de outras moléculas, pela rota de degradação semelhante à da glicose. No entanto, como a atividade da ALDH é baixa na cavidade oral, pode haver acúmulo de acetaldeído no epitélio bucal.(24) Entre as principais espécies envolvidas nesse processo, estão a Candida albicans e a Neisseria, por possuírem alta atividade de ADH e por estarem presentes na mucosa oral de indivíduos alcoolistas.(25-27) Assim, a produção de acetaldeído e a presença de micro-organismos bucais em indivíduos com higiene bucal precária pode explicar a relação entre status bucal e risco de desenvolvimento de câncer de boca.(25,28) Radiação solar A luz ultravioleta representa um importante fator de risco para o desenvolvimento de câncer de lábio, já que a incidência aumenta principalmente nas pessoas de pele clara, com ocupações externas e que residam ou trabalhem em áreas rurais.(17) Papilomavírus humano Foi no início da década de 1980 que um estudo conduzido por Syrjänen et al.(29) sugeriu o envolvimento do HPV com o câncer bucal, quando os autores associaram as alterações celulares encontradas em lesões malignas e pré-malignas da boca às mesmas que ocorriam no câncer de cérvice uterino. Estas conclusões continuam válidas após anos de investigação sobre o assunto, apontando que o HPV parece estar associado a uma proporção de carcinomas orais. Além disso, estudos rea­ lizados entre grupos de faixas etárias distintas não mostraram nenhuma diferença significativa na incidência de HPV entre pacientes mais novos e mais velhos, sugerindo um papel semelhante para o HPV em todos os grupos etários.(30,31) Lábios, palato, língua, gengiva, úvula, tonsilas e assoalho da boca têm sido os locais de maior predileção do vírus dentro da cavidade oral. O assoalho de boca, por ser uma região inundada por saliva, propicia a presença de agentes cancerígenos, como o fumo e o álcool, e permite maior oportunidade para a ação deletéria viral.(32,33) O diagnóstico do HPV na mucosa oral pode ser realizado pelo exame clínico da lesão, citologia e biópsia, sendo que o aspecto citológico da infecção por HPV caracteriza-se por critérios 59 11/04/2016 16:00:06 Torres SV, Sbegue A, Costa SC maiores e menores. O primeiro baseia-se na presença de coilócitos clássicos, halos citoplasmáticos perinucleares e displasias nucleares, enquanto que os critérios menores têm como característica a presença de disceratócitos, metaplasia imatura atípica, macrócitos e binucleação.(34) Os métodos usados para a detecção do DNA do HPV nas lesões variam de acordo com a sensibilidade e a especificidade dos mesmos. São divididos em três categorias: (1) baixa sensibilidade, compreendendo a imuno-histoquímica e a hibridização in situ; são capazes de detectar o vírus quando presente em mais de dez cópias do DNA viral por célula; (2) moderada sensibi­ lidade, a hibridização Southern blot, o dot blot e a hibridização dot reversa; o vírus é detectado somente quando houver de uma a dez cópias do DNA viral por célula; (3) alta sensibilidade, que engloba a reação em cadeia da polimerase (PCR), método pelo qual é possível detectar o vírus em menos de uma cópia do DNA viral por célula. Na literatura científica, a presença de HPV em mucosa normal apresenta dados bastante conflitantes, em virtude da variabilidade de escolhas de métodos, bem como dos grupos de pacientes pesquisados. No entanto, a PCR tem sido a técnica de biologia molecular mais utilizada para a detecção do DNA do HPV em boca. Quanto à prevalência do HPV em mucosa oral, a média encontrada tem sido descrita entre 20 a 30%, sendo os tipos 6, 11, 16 e 18 os mais prevalentes. Sua detecção ocorre em cerca de duas a três vezes mais nas lesões pré-cancerosas da mucosa oral e quase cinco vezes mais nos carcinomas orais.(35) O potencial oncogênico do HPV de alto risco se deve à sua capacidade de inserir fragmentos específicos de DNA (genes E5, E6 e E7) no genoma celular do hospedeiro. Como resultado dessa integração, essas proteínas virais desregularam algumas das principais funções dos fatores de supressão tumoral, como p21, p53 e pRb, resultando em defeitos nos mecanismos celulares de apoptose, de reparação do DNA e de controle do ciclo celular, tornando-se capaz de se perpetuar dentro da célula.(36) Há ainda que se destacar que a infecção pelo HPV se diferencia das clássicas enfermidades de transmissão sexual. Pelo fato de o vírus possuir a capacidade de se manter latente, as lesões podem aparecer muitos anos depois da aquisição, como uma consequência da diminuição da defesa imunológica e um sinal de reativação viral. Outros fatores Pacientes com câncer de boca apresentam higiene bucal deficiente, e dieta pobre em proteínas, vitaminas e minerais, e rica em gorduras. IMUNOSSENESCÊNCIA O sistema imune tem um papel fundamental no desenvolvimento das neoplasias. Os tumores são formados por meio mutações no DNA, principalmente devido aos fatores oncogênicos já citados, que impedem o processo de apoptose celular, levando as células a se dividirem sem controle. Em um organismo com 60 RBCM 14.1.indb 60 sistema imunológico totalmente funcionante, as células que participam da imunidade, como células natural killer (NK), macrófagos, células dendríticas e linfócitos T e B, causam a destruição das células que sofreram mutação, impedindo o desenvolvimento de um tumor. Essa identificação pelas células imunes se dá pela identificação de antígenos de superfície presentes nas células tumorais, que são antígenos próprios modificados, e que passam, então, a ser reconhecidos como estranhos ao organismo. Além da destruição, o sistema imune também é capaz de gerar memória imunológica contra o antígeno de superfície identificado, impedindo a recorrência desse tumor.(37) No entanto, no caso de um indivíduo com imunocompetência diminuída ou um tumor com células pouco imunogênicas, as células neoplásicas conseguem contornar a vigilância que o sistema imune realiza. Assim, não há eliminação da totalidade dessas células, e o tumor consegue se desenvolver.(37,38) SOBREVIDA Tanto o envelhecer como o morrer são fenômenos inerentes à vida em todas as suas formas. Dentre as muitas definições de envelhecimento, uma é muito utilizada na área de saúde. A Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) o define como um processo sequencial, individual, acumulativo, irreversível, universal, não patológico, de deterioração de um organismo maduro, próprio a todos os membros de uma espécie, de maneira que o tempo o torne menos capaz de fazer frente ao estresse do meio-ambiente e, portanto, aumente sua possibilidade de morte. Desta forma, o envelhecimento pode ser compreendido como um processo natural, de diminuição progressiva da reserva funcional dos indivíduos, conhecido como senescência e que, em condições normais, não costuma causar doenças. Já o envelhecimento patológico (senilidade) predispõe o indiví­ duo à patologias ao longo de sua vida, acarretando uma menor sobrevida. Em estudo brasileiro que teve como fonte de dados a Base Onco, realizado com pacientes atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), foi encontrado que a taxa de sobrevida específica em 5 anos foi de 60%. Os fatores associados à menor sobrevida específica foram ter idade >40 anos; apresentar estádio III ou IV; localização em língua, assoalho de língua e base de língua; não realizar tratamento cirúrgico; realizar somente quimioterapia, ou radioterapia e quimioterapia; e residir em determinados Estados do Brasil.(39) De acordo com o INCA, nos últimos anos, a taxa global de novos casos de câncer de boca e orofaringe tem se mantido estável para homens e com pouco de decréscimo para as mulheres. No entanto, o número de casos relacionados à infecção pelo vírus do HPV vem aumentando tanto em homens como em mulheres brancas. O diagnóstico precoce é o meio mais eficaz de que se dispõe para melhorar o prognóstico do câncer e, consequentemente, aumentar a taxa de sobrevida. Vale ressaltar que quando os pacientes com diagnósticos recentes de câncer de boca e orofarinRev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):57-62 11/04/2016 16:00:06 Diagnóstico precoce de câncer bucal em idosos ge são minuciosamente examinados, uma pequena porcentagem pode desenvolver outro câncer em região próxima, como laringe, esôfago ou pulmão. Entre aqueles que foram curados do câncer de boca e orofaringe, alguns desenvolverão mais tarde outro câncer em áreas como pulmão, boca, faringe e laringe. Por esse motivo, os pacientes com diagnósticos de câncer de boca e orofaringe devem fazer exames de acompanhamento para o resto de suas vidas. Haverá, também, necessidade de evitar o consumo de tabaco e álcool, pois são fatores de risco de desenvolver um segundo câncer. CONCLUSÃO O carcinoma epidermoide oral exibe elevadas taxas de mortalidade, mesmo com o avanço das modalidades terapêuticas, o que se atribui, principalmente, à resposta variada ao tratamento e à falha no diagnóstico precoce. Grande parte dos casos diagnosticados da doença é detectada em sua fase avançada, em indivíduos de baixa renda, com pouca escolaridade e com limitado acesso aos serviços de saúde. No entanto, essa neoplasia pode ser prevenida por meio de ações que facilitem a identificação dos principais fatores de risco, que são, em sua maioria, de ordem socioambiental, e pela realização de práticas que busquem o diagnóstico precoce de lesões suspeitas, possibilitando maiores chances de cura e um aumento da sobrevida dos pacientes. Uma vez que essa patologia predispõe à perda da funcionalidade com consequente diminuição de sua qualidade de vida e de sobrevida, investimentos científicos na área do envelhecimento, especialmente com idosos portadores de câncer, são necessários, para que ocorra melhoria das politicas públicas, com o intuito de promoção e prevenção de saúde. REFERÊNCIAS 1. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). 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Apesar de todo o conhecimento de sua fisiopatogenia, ainda não foram descritas terapias completamente eficazes para seu tratamento, sendo que o tratamento de primeira escolha é feito com fármacos inibidores da colinesterase. Estudos sugerem que o tratamento crônico com lítio potencializa a sobrevivência de novas células induzida por enriquecimento ambiental no hipocampo, proporcionando um ambiente favorável para os estímulos ambientais exercerem um efeito protetor mais forte. Deste modo, o tratamento combinado com lítio e enriquecimento ambiental poderia constituir uma estratégia para promover a sobrevivência de novos neurônios e, assim, melhorar a função cognitiva na doença de Alzheimer, especialmente em estágio inicial. Descritores: Doença de Alzheimer/fisiopatologia; Doença de Alzheimer/terapia; Lítio/uso terapêutico; Fármacos neuroprotetores ABSTRACT Alzheimer’s disease (AD) is the most common cause of dementia in the elderly. The two major brain lesions found in patients with Alzheimer’s disease are neuritic plaques, which contain 1. Faculdade de Medicina de Santo Amaro (UNISA), São Paulo, SP, Brasil. Data de submissão: 20/10/2015 – Data de aceite: 03/11/2015 Conflito de interesse: não há. Endereço para correspondência: Márcio Kamada Rua Prof. Enéas de Siqueira Neto, 340 – Jardim das Imbuias CEP: 04829-900 – São Paulo, SP, Brasil Cel.: (11) 98518-1000 – E-mail: [email protected] © Sociedade Brasileira de Clínica Médica Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):63-6 RBCM 14.1.indb 63 extracellular deposits of amyloid β-protein and neurofibrillary tangle typically located in the perinuclear cytoplasm and composed of hyperphosphorylated Tau protein. In the early stages, the patient has a deficiency of recent memory, tends to commit lapses and to blur easily, besides presenting drop in its functional performance in complex tasks. Despite all the knowledge about the pathogenesis of Alzheimer’s disease, have not yet been described completely effective therapies for the treatment of disease and the first choice of treatment is done with cholinesterase inhibitor drugs. Studies suggest that chronic treatment with lithium enhances the survival of new cells induced by environmental enrichment in the hippocampus, providing an environment conducive to environmental stimuli exert a stronger protective effect. Thus, combined treatment with lithium and environmental enrichment could be a strategy to promote the survival of new neurons and thus improve cognitive function in Alzheimer’s disease, particularly in the initial stage. Keywords: Alzheimer disease/physiopathology; Alzheimer disease/therapy; Lithium/therapeutic use; Neuroprotective agents INTRODUÇÃO O envelhecimento populacional notado nas últimas décadas no Brasil, assim como a longevidade, aumentam a prevalência de doenças relacionadas à senescência como coronariopatias, neo­plasias, osteoporose e demências.(1) A demência é uma síndrome caracterizada pelo declínio progressivo e global das funções cognitivas, na ausência de um comprometimento agudo do estado de consciência, interferindo em atividades sociais e ocupacionais do indivíduo. Ocasiona grande sofrimento para os pacientes, produzindo incapacidade e dependência, e para familiares, gerando ansiedade, depressão e grande tempo gasto com cuidados. Está entre as maiores causas de morbidade entre idosos e sua prevalência está entre 2% e 25% dos pacientes com 65 anos ou mais.(1,2) A causa mais comum de demência em idosos é a doença de Alzheimer (DA), principal doença neurodegenerativa da atualidade. Entre 17 e 25 milhões de pessoas no mundo possuem DA, que afeta aproximadamente 10% da população com mais de 65 anos. Dados indicam que 1 em cada 10 pessoas maiores de 80 anos deverá ser portadora da doença. Nos países desenvolvidos, já é a terceira causa de morte, perdendo apenas para as doenças cardiovasculares e para o câncer.(2,3) As duas principais lesões cerebrais encontradas nos pacientes com DA são placas neuríticas, que contêm depósitos extracelula63 11/04/2016 16:00:06 Kamada M, Mattar AG, Fontana MP res de proteína β-amiloide (βA) e um emaranhado neurofibrilar localizado normalmente no citoplasma perinuclear e composto de proteínas Tau hiperfosforiladas. É uma doença altamente heterogênea, envolvendo diversas alterações diversas.(3) Com relação à idade de início, a DA pode ser precoce (idade inferior a 60-65 anos) ou tardia (idade superior a 60-65 anos). Segundo a história familiar, os casos de Alzheimer podem ser classificados em autossômicos dominantes, familiares ou esporádicos.(4) Nos estágios iniciais da doença, o paciente apresenta deficiência da memória recente, tende a cometer lapsos e a se confundir facilmente, além de apresentar queda em seu rendimento funcional em tarefas complexas. Além das dificuldades de atenção e fluência verbal, outras funções cognitivas deterioram, como a capacidade de fazer cálculos, as habilidades vísuo-espaciais e a capacidade de usar objetos comuns. Na fase mais avançada, o indivíduo torna-se dependente de um cuidador. Os sintomas são frequentemente acompanhados por distúrbios comportamentais, como agressividade, alucinações, hiperatividade, irritabilidade e depressão. Outros sintomas, como a apatia, a lentificação, a dificuldade de concentração, a perda de peso, a insônia e a agitação podem ocorrer como parte da síndrome.(2,5) O óbito geralmente ocorre após 10 a 15 anos de evolução, como complicação de comorbidades clínicas ou quadros infecciosos, em indivíduos que se tornaram progressivamente fragilizados pela doença crônica.(2) O presente artigo tem como objetivo relatar as perspectivas sobre a utilização do lítio no tratamento da DA, enfatizando seu mecanismo de ação no que diz respeito à neuroproteção. MÉTODOS O trabalho é baseado em uma revisão da literatura utilizando as bases de dados Scielo, LILACS e PubMed. Os artigos foram buscados utilizando-se as palavras-chave: doença de Alzheimer, fisiopatologia, tratamento, lítio, neuroproteção. O levantamento foi efetivado de forma sistemática, incluindo estudos publicados entre os anos de 2002 e 2015, em língua portuguesa e inglesa, totalizando 29 artigos para a presente revisão. DISCUSSÃO A Doença de Alzheimer (DA) é distinguida patologicamente de outras formas de demência por deposição de placas amiloides extracelulares constituídas de β-amiloide insolúvel (βA), derivada da proteína precursora de amiloide, e emaranhados neurofibrilares intracelulares que contêm proteína Tau hiperfosforilada. Na DA há, também, alteração de conexões neuronais e perda em massa de neurônios em todo o cérebro, o que ocasiona diversos distúrbios comportamentais que podem, em última instância, resultar em morte. O déficit de memória está intimamente ligado à perda de sinapse e estudos recentes sugerem que o declínio cognitivo pode estar associado à desregulação da neurotransmissão glutamatérgica excitatória por βA solúvel, levando a alterações sinápticas e Tau fosforilação.(6-8) 64 RBCM 14.1.indb 64 O tratamento farmacológico de primeira escolha no Alzheimer são fármacos inibidores da colinesterase, como donepezila, rivastigmina e galantamina, que alteram a função colinérgica central ao inibir as enzimas que degradam a acetilcolina, aumentando a capacidade da acetilcolina de estimular os receptores nicotínicos e muscarínicos cerebrais, melhorando a transmissão neuronal colinérgica, comprometida na DA.(5,9,10) A rivastigmina é um dos medicamentos mais utilizados, capaz de inibir tanto a enzima acetilcolinesterase quanto a buti­ rilcolinesterase, apresentando maior eficácia quanto ao aumento dos níveis cerebrais de acetilcolina. Tem efeito significativo na cognição, na memória e na praxis. Porem, apresenta vários efeitos adversos.(5,9) A donepezila é rapidamente absorvida após administração oral e causa menores reações adversas, principalmente náuseas, tonturas, diarreia e anorexia. Melhora a função cognitiva e estabiliza a capacidade funcional dos pacientes. Foi associado a uma redução de 38% no declínio funcional dos pacientes portadores da doença de Alzheimer.(5,9) A galantamina possui um duplo mecanismo de ação, além de inibir a acetilcolinesterase, também modula os receptores nicotínicos. Os receptores nicotínicos pré-sinápticos controlam a liberação de neurotransmissores, os quais são importantes para a memória e para o humor. Assim, a ligação da galanta­ mina com os subtipos de receptores nicotínicos melhorou a função cognitiva e a memória. Perspectivas de tratamento neuronal ao prevenir a citotoxicidade causada pela agregação de βA. Também é possível que a Galantamina amplie a neurotransmissão central.(5,9) Outra droga utilizada é a memantina, antagonista de baixa afinidade dos receptores NMDA (N-metil daspartato). Ela inibe a toxicidade excitatória glutamatérgica e age nos neurônios do hipocampo. Há melhora na impressão clinica global, na cognição, na funcionalidade e comportamento. Bem tolerada, o evento adverso mais significativo e a agitação.(10) Apesar de todo o conhecimento a respeito da fisiopatogenia da DA, ainda não foram descritas terapias completamente eficazes para o tratamento da doença. Os tratamentos farmacológicos utilizados hoje em dia demonstram efeitos sutis sobre as funções cognitivas e produzem pequeno atraso em sua progressão. Essas drogas permanecem sendo as principais nos cuidados da demência, apesar de a terapia atual ainda estando longe de ser satisfatória.(5,11) Assim, enumeras pesquisas que dizem respeito a novos tipos de drogas ou tratamentos da DA vem sendo realizadas. O principal alvo de estudos é a cascata βA e os compostos que reduzem a produção de βA (inibidores de β-secretase), como pioglitazone e 30 rosiglitazone, que estão em fase de testes clínicos. Entre outros compostos relacionados com a cascata βA, encontra-se o lítio, que ainda está sendo investigado.(5,12) O lítio é um cátion monovalente, cuja absorção se dá no trato gastrointestinal e depende essencialmente do equilíbrio hidroeletrolítico, não sofre metabolização em nenhum nível, tendo sua excreção nos rins. A meia vida do lítio é inicialmente de 12 horas, mas acaba aumentando com o aumento da litemia. Dentre alguns efeitos colaterais se encontram; aumento do peso, Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):63-6 11/04/2016 16:00:06 Uso do lítio no tratamento do Alzheimer hipotireoidismo, psoríase, acne, polidipsia, poliúria, diarreia, diminuição da libido e tremores.(13,14) Sua eficácia na estabilização do humor foi descoberta há mais de 50 anos, sendo o fármaco de escolha no tratamento do transtorno afetivo bipolar. O principal mecanismo que leva aos efeitos terapêuticos do lítio é a inibição da inositol monofosfatase e da glicogênio sintase quinase-3. A GSK-3β regula diversos processos celulares, entre eles a função de fosforilar enzimas que participam de vias que levam a neuroinflamação, apoptose e formação de placas amiloides.(13) Estudos recentes mostraram que a suplementação alimentar com lítio preveniu o aumento de mediadores inflamatórios no cérebro de ratos, levando a aparentes efeitos neuroprotetores terapêuticos do lítio. Leva também a um aumento de neurogênese no giro denteado do hipocampo e parece aumentar a massa cinzenta. Apesar de tais efeitos benéficos, o lítio possui estreita faixa terapêutica e duração de ação longa, o que pode levar a intoxicação, se em dose elevada ou se não houver monitorização da litemia.(13,15-17) Em modelos animais, existem evidências de efeitos neuroprotetores no tratamento de sintomas associados a derrames, às Doenças de Alzheimer, Parkinson e Huntington e a danos medulares e degeneração da retina, entre outros. Em roedores o lítio reforça a estabilidade das moléculas responsáveis pela consolidação da memória, como a β-catenina. Além disso, os seus efeitos sobre o ciclo celular, onde inibe a expressão do fator de transcrição E2F-1 em neurônios, indica a potencial aplicação de lítio em todas estas doenças neurodegenerativas.(12,18,19) Resultados de estudo em camundongos sugerem que o tratamento crônico com lítio potencializa a sobrevivência de novas células induzida por enriquecimento ambiental no hipocampo, proporcionando um ambiente favorável para os estímulos ambientais exercerem um efeito protetor mais forte. Deste modo, o tratamento combinado com lítio e enriquecimento ambiental poderia constituir uma estratégia para promover a sobrevivência de novos neurônios e assim melhorar a função cognitiva na DA, especialmente em estágio inicial. Outro estudo em camundongos demonstrou que o tratamento crônico precoce com lítio melhora significativamente a progressão patológica da DA. O lítio pode reduzir a degeneração neuronal/axonal através do aumento da compactação de βA e, em consequência, a produção de placas de βA menores com halo tóxico inferior.(14,20) Estudos relacionaram alterações tanto da capacidade cognitiva quanto das memórias de longa duração, ocasionadas pela presença de βA juntamente com a fosforilação de resíduos específicos da GSK- 3β na proteína Tau. O tratamento com lítio ocasiona uma diminuição da atividade da GSK-3β e consequentemente uma diminuição da fosforilação da proteína Tau.(12, 21,22) No âmbito clínico, foram produzidas por pesquisadores do Laboratório de Neurociências, no Instituto de Psiquiatria da FMUSP. Utilizou-se uma amostra de 118 bipolares idosos, observando-se elevada prevalência de demência (21,4%). A prevalência de DA foi significantemente menor entre os pacientes tratados cronicamente com lítio (4,5%) em comparação com aqueles tratados com outros estabilizadores do humor (33%).(15) Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):63-6 RBCM 14.1.indb 65 Outro estudo clínico recente verificou que o tratamento com mi­crodoses de lítio foi eficiente em impedir a progressão do declínio cognitivo de pacientes com diagnóstico clínico para DA.(13,23,24) O lítio pode inibir processos cruciais para doença de Alzheimer como a superprodução de βA e hiperfosforilação da Tau, levando à formação dos emaranhados neurofibrilares, talvez prevenindo apoptose e estimulando a neurogênese no hipocampo. Ainda impede o enfraquecimento da memória induzido pelo βA em modelos experimentais. Estes efeitos são, em geral, acompanhados por uma melhoria significativa dos prejuízos da memória.(15, 25-27) O lítio promove a estabilização de atividades neurais, dá suporte à plasticidade neural e confere neuroproteção. Tem o potencial de proteger neurônios da morte celular quando o neurônio é agredido por agentes químicos neurotóxicos, radiação ou anóxia por oclusão da artéria cerebral média. Além disso, as evidências de aumento de substância cinzenta em diversas áreas cerebrais, como a região pré-frontal e hipocampo, sugerem que o lítio aumenta a capacidade do cérebro de fazer conexões neurais, aumentando a plasticidade cerebral, ou seja, a capacidade do cérebro de adaptar o sistema neuronal às demandas ambientais.(25,28) O lítio atua em praticamente todos os neurotransmissores. O ajuste do equilíbrio entre neurotransmissores excitatórios e inibitórios e a diminuição da atividade glutamatérgica conferem neuroproteção. Por meio da GSK-3β, quinases dependentes de AMP cíclico e proteína quinase C, modula sinais que têm impacto no citoesqueleto, um sistema dinâmico que contribui para a neuroplasticidade. O lítio ajusta atividades que regulam mensageiros secundários, fatores de transcrição e expressão gênica. Promove a sobrevivência de neurônios recém-formados de cérebro adulto.(28) O uso crônico aumenta a expressão da Bcl-2, proteína citoprotetora no sistema nervoso central, tanto em córtex de rato (em concentrações de 0,3 mM/l) quanto em células humanas de origem neuronal. O lítio protege neurônios do sistema nervoso central de excitotoxicidade induzida por glutamato. Essa neuroproteção é, pelo menos em parte, devida à supressão do influxo de cálcio mediado pelo receptor N-metil-D-aspartato e aumento da Bcl-2 (enzima antiapoptótica, cuja forma mutante não-funcional foi identificada inicialmente em células de linfoma) com simultânea diminuição da p53 (pró-apoptótica). O lítio protege neurônios da apoptose também por sua inibição da GSK-3β. Outros exemplos de estímulos pró-apoptóticos aos quais o lítio dá proteção são a radiação e a isquemia.(28) O decréscimo de energia nas células associado ao envelheci­ mento poderia predispor alterações da homeostase do cálcio intracelular pelos neurônios. A terapia com lítio pode ter o potencial de forma segura e eficaz de modificar a progressão da doença através da estabilização intracelular de cálcio.(29) O lítio pode ser seguro e bem tolerado mesmo na população acima de 80 anos. Deve-se tomar o cuidado de realizar litemias a cada três meses e monitoramento de função renal e tireoideana a cada seis meses.(28) Evidências consistentes sugerem um aumento da densidade da substância cinzenta cortical em pacientes tratados com lítio, inclusive em relação a controles normais. Tratamento precoce pode ser uma condição que otimizaria a eficácia e os efeitos neuroprotetores do lítio.(27) 65 11/04/2016 16:00:06 Kamada M, Mattar AG, Fontana MP CONCLUSÃO A demência já é reconhecida como um dos problemas médicos mais importantes nos idosos. O tratamento atualmente disponível para a Doença de Alzheimer (donepezila, rivastigmina, galantamina e memantina) é sintomático e não desacelera ou previne a progressão da doença. Assim, a procura de abordagens modificadoras da doença foca-se em compostos que têm como alvo as vias de Aβ e Tau, a neuroinflamação e o dano oxidativo. Alguns dos resultados de estudos recentemente concluídos constituem uma esperança para o futuro do tratamento curativo da Doença de Alzheimer, todavia ainda são as primeiras etapas de um longo percurso que se adivinha bastante promissor. O uso do lítio com a finalidade de modificar a evolução da doença de Alzheimer ainda não é recomendado para a prática clínica, são necessárias evidências mais robustas a fim de que se possa ter um melhor entendimento das ações do lítio e também proporcionar novos métodos para diminuir a perda neuronal associada com patologias neurodegenerativas. REFERÊNCIAS 1. BAprahamian I, Martinelli JE, Yassuda MS. Doença de Alzheimer: revisão da epidemiologia e diagnóstico. Rev Bras Clin Med 2009; 7(1):27-35. 2. Abreu ID, Forlenza OV, Barros HL. Demência de Alzheimer: correlação entre memória e autonomia. Rev Psiquiatr Clín. 2005; 32(3):131-136. 3. Fridman C, Gregorio SP, Dias Neto E, Ojopi EP. Alterações genéticas na doença de Alzheimer. Rev Psiquiatr Clín 2004;31(1): 19-25. 4. Goldman JS, Hahn SE, Catania JW, LaRusse-Eckert S, Butson MB, Rumbaugh M, Strecker MN, Roberts JS, Burke W, Mayeux R, Bird T; American College of Medical Genetics and the National Society of Genetic Counselors. 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O doente é da responsabilidade de uma instituição pública ou privada, que se autodenomina “sistema”. Temos, então, o chamado paciente institucional. É característica maior desse modelo, a impessoalidade. Embora o profissional que o atende, vestido de branco ou trajando um jaleco, não se envolva com o paciente, isto é compreensível, mesmo porque, horas depois e nos dias subsequentes, ele será visto por diferentes e incontáveis profissionais que, como já disse, não tem nenhum envolvimento pessoal ou profissional, pois são “peças”, “elementos”dessa instituição chamada “sistema”. E como é possível cuidar de um paciente se a cada hora, período ou mesmo dias, é um profissional, um “elemento” diferente que o avalia e trata? Aí temos a participação infeliz de outra instituição denominada “Protocolo”. O que é um “Protocolo”? É um modelo a ser seguido por todos os membros do “Sistema”, considerando não o doente mas algumas de suas características mais evidentes como: idade, sexo, origem, profissão, sintomas e mais raramente sinais clínicos. Exemplo típico desse modelo é a utilização disseminada de anticoagulante em pacientes internados com mais de 50 ou 60 anos de idade. Ou o uso generalizado de bloqueadores da secreção gástrica (inibidores de bomba) por pacientes, pelo simples fato de estarem internados num hospital. Existem “Protocolos” para todos os eventos e seria desnecessário aqui referi-los pois são do conhecimento de todos os médicos e principalmente das instituições. Assim sendo, o paciente que procura um hospital – muitos poderiam ir a consultórios mas nos Pronto Atendimentos são atendidos pelo ”convênio”, não pagam consultas e já são submetidos a exames, muitas vezes desnecessários, mas lucrativos – onde é recebido por um profissional da saúde, via de regra uma enfermeira e depois encaminhado ao médico “de plantão”, tornando-se cliente de um “sistema”, e o profissional que o atende, muitas vezes sem examiná-lo, solicita uma “bateria” de exames seguindo rigorosamente o “protocolo” elaborado para aquele evento (AVC, dor precordial, mal súbito – perda dos sentidos, – dor abdominal, etc). Não raro são solicitados 30, 40 e até 50 exames laboratoriais cujos resultados, num percentual muito elevado, não revelam nenhuma alteração, e às vezes até geram iatrogenias, assim como exames de imagens como Ultrassom, quando não Tomografia Computadorizada, Ressonância Magnética e radioisótopos, além de inúmeros métodos gráficos. Seguindo esta rotina absolutamente impessoal, o “Sistema” analisa os resultados do “Protocolo” e, orientado por este, estabelece um tratamento, também impessoal. É como se disséssemos que todos os pacientes são iguais, as doenças se manifestam sempre da mesma maneira e o tratamento deve ser o mesmo para todos com as características clínicas semelhantes. Anula-se, aqui, o tão consolidado “raciocínio clínico”. © Sociedade Brasileira de Clínica Médica Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):67-8 RBCM 14.1.indb 67 67 11/04/2016 16:00:06 Triviño T De fato, este procedimento preenche os anseios da famigerada “estatística”, principal avalista das “metas”. O que importa é que os dados por ela fornecidos tenham “significância “ e satisfaçam uma maioria, notadamente empresários, instituições públicas ou privadas, pesquisadores e, por que não dizer, os políticos. A mim esse processo sugere uma linha de montagem ou de produção, onde os “robôs” executam exatamente todo o “Protocolo” estabelecido pelo “Sistema”, tendo como produto final exemplares com até 95% de boa qualidade, sendo os restantes 5% descartados do lote. Na “Empresa Médica”, com suas “ferramentas”, o “Sistema” tem que seguir rigorosamente o “Protocolo”, obtendo, por vezes, 5% ou mais de maus resultados que são contabilizados como “mortalidade dentro da estatística”. Este simples insucesso é denominado “óbito” e ai, para constatá-lo e por ele se responsabilizar juridicamente, solicita-se não mais o “Protocolo” ou o “Sistema”, mas sim aquele jovem de branco ou de jaleco, bem definido por um dos magnatas das empresas médicas – milionário ostentado na capa da revista Época, – que o definiu como “uma mão de obra barata”. Convenhamos, o ser humano, particularmente o doente, não é uma máquina quebrada ou em processo de revisão, não precisa de uma indústria, de um “Sistema” ou de um “Protocolo” para sua restauração. O ser humano é uma criatura racional, com particularidades absolutamente individuais, com sentimentos, reações próprias e, portanto, únicas. O ser humano doente, precisa de um outro ser humano conhecedor da arte hipocrática, que o ouça, o examine, o toque, o palpe, o ausculte, solicite exames subsidiários pertinentes e não a granel, e que o trate não apenas com medicamentos e procedimentos – todos sempre invasivos – mas com compreensão, com parceria, com cumplicidade. Embora não se tenham ainda conscientizado, nossos empresários da medicina, nossos gestores responsáveis pela saúde, nem o “Sistema” e muito menos o “Protocolo”, não dispõem desses ingredientes fundamentais para a recuperação da saúde e do estado de equilíbrio social do ser humano. Destinem-se às indústrias os “Sistemas” e “Protocolos”. Reservem-se para os doentes a propedêutica, o raciocínio clínico e a terapêutica personalizada, sob medida e com carinho, envolvimento e a cumplicidade que nosso exercício exige. Tarcisio Triviño 01.10.2015 68 RBCM 14.1.indb 68 Rev Soc Bras Clin Med. 2016 jan-mar;14(1):67-8 11/04/2016 16:00:07