Interpretação de clíticos e de pronomes fortes complemento na

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Interpretação de clíticos e de pronomes fortes complemento
na aquisição do português europeu1
Carolina Silva
Universidade Nova de Lisboa
Abstract
The aim of this research is to investigate the behaviour of Portuguese children towards the
interpretation of clitics and strong pronouns in object position. Consequently, a set of picture verification
tasks were used in order to check if the categorical status of the pronominal form (clitic or strong) is relevant
intra-linguistically in EP, particularly in contexts of variation between reflexives and non-reflexives.
According to the results, clitics do not cause major difficulties to children, while there are problems
in the interpretation of non-reflexive strong pronouns. Therefore, one can say that there are difficulties of
acquisition at the interfaces, namely, in the establishment of post-syntactic coreference relations.
Keywords: acquisition, interpretation, clitics, strong pronouns, interfaces.
Palavras-chave: aquisição, interpretação, clíticos, pronomes fortes, interfaces.
1. Introdução
A partir da década de 90, várias investigações têm apresentado como objecto de
estudo a aquisição de pronomes em contextos de compreensão e de produção. Estas
pesquisas são particularmente interessantes, uma vez que os pronomes são um domínio
por excelência para o estudo das interfaces linguísticas.
O objectivo da presente investigação consiste em verificar o comportamento das
crianças portuguesas relativamente à interpretação de pronomes:
a) em posição de complemento;
b) em função do seu estatuto categorial (clíticos e fortes) e do seu tipo
(não-reflexos e reflexos).
Em português europeu (PE), há a possibilidade de clíticos e de pronomes fortes
ocuparem a posição de objecto, embora as formas fortes ocorram apenas em sintagmas
preposicionais (SPs).
Com este estudo, procura-se saber que aspectos da aquisição dos pronomes podem
ser atribuídos a propriedades sintácticas, semânticas ou pragmáticas, contribuindo para
uma compreensão mais fina do papel desempenhado pelas várias interfaces e pelo
processamento nos estádios iniciais do desenvolvimento linguístico.
Textos Seleccionados, XXVI Encontro da Associação Portuguesa de Linguística, Lisboa, APL, 2011,
pp. 534-548
1
Este estudo insere-se no âmbito da bolsa de doutoramento SFRH/BD/48311/2008, financiada pela Fundação para a
Ciência e a Tecnologia (FCT), e está integrado no Projecto “Dependências Sintácticas dos 3 aos 10”, que conta
também com o apoio financeiro da FCT (PTDC/CLE-LIN/099802/2008).
INTERPRETAÇÃO DE CLÍTICOS E DE PRONOMES FORTES COMPLEMENTO
NA AQUISIÇÃO DO PORTUGUÊS EUROPEU
2. A Teoria da Ligação
A interpretação de pronomes envolve fenómenos de ligação. De acordo com a
Teoria da Ligação clássica, proposta por Chomsky (1981), a interpretação de anáforas,
pronomes e expressões referenciais é explicitada por um conjunto de princípios
gramaticais:
Princípio A: Uma anáfora está ligada no seu domínio sintáctico local.
(1) A avó i penteou-se i/*j . / Grandma i combed herself i/*j .
Princípio B: Um pronome é livre no seu domínio sintáctico local.
(2) A avó i penteou-a *i/j . / Grandma i combed her *i/j .
Princípio C: Uma expressão-R é livre.
(3) A avó i penteou a neta *i/j . / Grandma i combed the granddaughter *i/j .
Nos exemplos (1) e (2) acima apresentados, é possível verificar que a posição de
complemento é ocupada por um pronome clítico em PE, enquanto um pronome forte
ocorre nessa posição em inglês.
No âmbito do modelo de Princípios e Parâmetros da Gramática Generativa, o termo
anáfora é utilizado num sentido restrito, designando apenas pronomes reflexos e
recíprocos. Por sua vez, o termo pronome é usado para indicar formas pronominais
não-reflexas.
Entende-se por domínio sintáctico local (ou categoria de regência) o domínio em
que todas as funções sintácticas compatíveis com um núcleo (os complementos
subcategorizados pelo núcleo e o sujeito) estão preenchidas, ao qual Chomsky (1986) dá
o nome de Complexo Funcional Completo (CFC).
3. Ligação em sintagmas preposicionais
A interpretação de pronomes em SPs não decorre dos princípios da Teoria da
Ligação clássica, tendo levado à sua revisão.
Menuzzi (1999), por exemplo, mostrou que em português brasileiro (PB) há a
possibilidade de ocorrerem pronomes localmente ligados em SPs. Tal obedece a
restrições diferentes das descritas na Teoria da Ligação de Chomsky (1981), que não dá
conta da ligação nestes contextos.
Tomemos como exemplo as frases (4a) e (4b) em PB e em inglês, respectivamente:
(4) a. A Maria só fala {dela/?dela mesma}.
b. Mary speaks only about {*her/herself}.
(Menuzzi 1999: 129)
Estes exemplos indicam que há casos em que os pronomes localmente ligados são
permitidos dentro de SPs em PB, mas não no SP correspondente em inglês. Assim, na
frase (1a), o pronome ela pode ser co-referente com o SD A Maria.
Menuzzi (1999) afirma que a ligação em SPs está associada ao “grau de
reflexividade inerente” do predicado. Há verbos que, pelo seu conteúdo semântico,
permitem mais naturalmente uma leitura co-referente do que outros.
535
XXVI ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LINGUÍSTICA
Este fenómeno também ocorre em PE, tendo Estrela (2006) comprovado que as
semelhanças entre PE e PB são claras. Assim, pode-se afirmar que as interpretações de
pronomes em SPs estão condicionadas por factores de ordem semântica e pragmática.
No entanto, a proposta de Menuzzi aplica-se apenas aos pronomes fortes ele/ela.
Menuzzi (1999) não estuda a anáfora si, uma vez que não é frequente em PB.
4. A forma si em PE
Além do facto de os pronomes fortes não-reflexos ele/ela em SPs poderem ser
ligados, a forma si também levanta problemas para a Teoria da Ligação.
Como Brito, Duarte & Matos (2003: 813) nos revelam, si pode funcionar não só
como anáfora mas também como pronome (apresentando valor deíctico), paralelo a
você:
(5) Esta carta chegou para si.
No exemplo que se segue, si pode ter valor anafórico ou pronominal:
(6) A Teresa i comprou um perfume para si i/j .
Si tem igualmente o valor de anáfora de longa distância, ou seja, de anáfora não
localmente ligada, orientada para o sujeito:
(7) A Joana i foi avisada pelo Hugo j que na turma ninguém gosta de si i/*j .
Neste caso, si não pode remeter para o SN o Hugo, indo buscar a sua referência ao
SN a Joana na oração subordinante. O antecedente do pronome forte reflexo si
encontra-se fora da oração que contém a anáfora.
A possibilidade de si funcionar não só como anáfora mas também como pronome
em PE provoca dificuldades à Teoria da Ligação, uma vez que esta prevê a distribuição
complementar entre anáforas e pronomes.
5. Estudos sobre aquisição de Princípios de Ligação
Estudos desenvolvidos inter-linguisticamente descreveram a existência de uma
assimetria no que diz respeito à aquisição de referência pronominal.
Há línguas em que as crianças, ao contrário dos adultos, atribuem uma interpretação
co-referente a pronomes não-reflexos em frases como Grandma combed her. Tal
regista-se em inglês (Chien & Wexler, 1990), russo (Avrutin & Wexler, 1992), islandês
(Sigurjónsdóttir, 1992), holandês (Philip & Coopmans, 1996), PB (Grolla, 2006).
Em contraste, não se registam problemas de co-referência nas seguintes línguas:
italiano (McKee, 1992), francês (Hamman, Kowalski & Philip, 1997), espanhol
(Baauw, Coopmans & Philip, 1999), catalão (Escobar & Gavarró, 1999), PE (Cristóvão,
2006). Na sua contribuição para esta análise, Cristóvão (2006) estudou a co-referência
em clíticos acusativos de 3ª pessoa do género feminino na aquisição do PE.
Alguns autores (McKee, 1992; Baauw, Coopmans & Philip, 1999; Cristóvão, 2006)
levantaram a hipótese de que a diferença entre estes dois grupos de línguas reside no
estatuto categorial da forma pronominal envolvida: pronome forte ou clítico. O
desempenho das crianças parece ser influenciado pelo estatuto categorial do pronome.
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INTERPRETAÇÃO DE CLÍTICOS E DE PRONOMES FORTES COMPLEMENTO
NA AQUISIÇÃO DO PORTUGUÊS EUROPEU
Enquanto há problemas de co-referência em línguas em que a posição de objecto é
ocupada por pronomes fortes, não se observam dificuldades em línguas em que essa
posição é ocupada por clíticos.
Varlokosta (1999/2000, 2002) pesquisou se uma assimetria entre clíticos e
pronomes fortes é observada na aquisição do grego padrão, uma língua que permite
estes dois tipos de formas pronominais em posição de objecto.
Os resultados nesta língua não mostraram problemas na interpretação de clíticos
pelas crianças. Quanto aos pronomes fortes, estas formas também não causaram
dificuldades de compreensão, ao contrário do que foi registado inter-linguisticamente.
Todavia, o pronome forte (afton) usado nesta pesquisa tem uma natureza
demonstrativa, o que introduz uma variável extra. Varlokosta (1999/2000, 2002) atribui
a ausência de problemas de co-referência em contextos de pronomes fortes em grego à
natureza demonstrativa destas formas.
Seria apropriado averiguar se uma distinção entre clíticos e pronomes fortes é
pertinente intra-linguisticamente em PE, nomeadamente em contextos de variação entre
anáforas e pronomes, à semelhança do que foi feito em grego.
A vantagem que se tem ao estudar estes contextos em PE é que os pronomes fortes
não funcionam como demonstrativos (ao contrário do grego), o que garante melhor
comparabilidade.
6. Estudo experimental: metodologia
Para identificar a interpretação que as crianças portuguesas atribuem a pronomes
com diferentes propriedades (clíticos, pronomes fortes, não-reflexos e reflexos), foi
cuidadosamente planificado um estudo experimental (composto por dois testes) através
de uma metodologia de avaliação de imagens, denominada tarefa de juízo de valor de
verdade (cf. Crain & Thornton, 1998). Deste modo, recorreu-se a interrogativas totais
(sim/não) para aceder à resposta da criança.
O primeiro teste refere-se à compreensão de clíticos (contextos categóricos). O
segundo diz respeito à interpretação de pronomes fortes (contextos não categóricos).
Os clíticos estão no caso acusativo e as formas fortes no caso oblíquo.
Todas as formas pronominais testadas se encontram:
a) na 3ª pessoa do singular;
b) em frases simples com sujeitos referenciais;
c) em construções progressivas (estar a + infinitivo).
A utilização da construção progressiva para expressar o tempo verbal prende-se
com o facto de esta estrutura ser a forma mais comum de expressar o tempo presente na
oralidade, o que poderá ter influência na compreensão da criança, pois esta apenas tem
contacto com a língua falada.
Para minimizar o efeito “yes bias”, tendência que as crianças têm em responder
afirmativamente por não quererem contrariar o investigador, introduziu-se no teste itens
de controlo com sintagmas nominais.
537
XXVI ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LINGUÍSTICA
A ordem de aplicação dos diferentes itens de cada teste foi aleatoriamente sorteada.
No sentido de verificar a consistência dos testes e para confrontação com as
respostas das crianças, os mesmos foram aplicados a um grupo de controlo constituído
por adultos. Os adultos têm frequência do ensino superior ou são licenciados,
trabalhando em diversos domínios: Administração Pública; Arqueologia; Banca;
Ciências da Linguagem; Comunicação Social; Enfermagem; Engenharia Electrotécnica
e de Computadores; Engenharia Informática; Ensino; História de Arte; Línguas,
Literaturas e Culturas; Línguas e Literaturas Modernas; Linguística; Matemática;
Mediação Imobiliária; Medicina Dentária; Tradução.
Para cada um destes adultos, a aplicação do teste de compreensão de clíticos
demorou cerca de meia hora, enquanto o teste de interpretação de pronomes fortes
demorou cerca de uma hora. Nenhum deles sabia, antecipadamente, nem qual era o
conteúdo nem qual era a finalidade dos testes.
As crianças testadas, em idade pré-escolar, frequentavam cinco infantários da área
metropolitana de Lisboa: três localizam-se na cidade do Barreiro, um na Quinta do Anjo
(concelho de Palmela) e outro em Lisboa.
As diferentes tarefas foram aplicadas individualmente às crianças inquiridas, não
lhes tendo sido imposto tempo limite. As respostas foram registadas durante a aplicação
dos testes. Para o teste de compreensão de clíticos (composto por 48 itens), uma única
sessão foi suficiente. Por sua vez, foram necessárias várias sessões de modo a serem
aplicados todos os 144 itens experimentais do teste de interpretação de pronomes fortes.
Tanto o grupo de controlo como o das crianças eram compostos por falantes da
variedade padrão do PE.
Note-se que os contextos testados pressupõem que as crianças têm capacidade
semântica e pragmática para lidar com transitividade, o que é corroborado pelos
resultados de Costa & Lobo (2008), que concluíram que as crianças portuguesas
compreendem objectos nulos em contextos não-reflexivos.
7. Análise Estatística
Foram preparadas estatísticas descritivas para características demográficas. As
variáveis categóricas foram sumariadas através de frequências absolutas e de
percentagens e as variáveis contínuas sintetizadas por média aritmética. As
comparações entre grupos e dentro de cada grupo foram baseadas em distribuições de
qui-quadrado (χ2) para as variáveis categóricas. Num teste de qui-quadrado, a
hipótese nula (H 0 ) é um termo estatístico que representa o modelo padrão ou teórico
contra o qual os dados observados serão comparados.
Na presente investigação, definiu-se que, na comparação entre grupos etários, H 0 é
estabelecer que os grupos são homogéneos, ou seja, que a proporção de respostas de
cada tipo não varia de grupo para grupo. Rejeitar H 0 significa que os resultados
encontrados são suficientemente significativos para afirmar que há uma diferença entre
538
INTERPRETAÇÃO DE CLÍTICOS E DE PRONOMES FORTES COMPLEMENTO
NA AQUISIÇÃO DO PORTUGUÊS EUROPEU
os grupos. Por sua vez, dentro de cada grupo etário, H 0 é estabelecer que há
homogeneidade entre tipos de respostas em comparação.
Neste tipo de testes, o valor de prova p (p-value) corresponde à probabilidade de
os dados observados serem obtidos por acaso. Assim, o valor p representa a
probabilidade de erro que está envolvido na aceitação de um resultado observado como
válido em relação à hipótese nula. Os resultados com um valor p baixo são considerados
estatisticamente significativos. O nível de significância é o grau de admissão que se usa
para expressar o que é significativo. Neste estudo, uma diferença é considerada
significativa quando p < 0.05. Portanto, o nível de significância é de 5%.
8. Teste de compreensão de clíticos
Apresentam-se de seguida duas tabelas que resumem as condições de aplicação do
teste com clíticos e a estruturação dos itens de controlo:
40 itens de PRONOMES CLÍTICOS
20 não-reflexos (o, a)
20 reflexos (se)
10 respostas afirmativas
10 respostas negativas
10 respostas
10 respostas
5
5
5
5
afirmativas
negativas
masculinos
femininos
masculinos femininos
8 CONTROLOS (SDs)
4 respostas afirmativas
4 respostas negativas
2
2
2
2
masculinos
femininos
masculinos
femininos
Com os clíticos, os verbos utilizados foram: abraçar, desenhar, lamber, lavar,
limpar, molhar, pentear, pintar, sujar, secar, tapar.
Seguem-se quatro exemplos de itens de teste: dois com clíticos não-reflexos e dois
com clíticos reflexos.
Investigador:
Uma fada e
uma menina.
Investigador:
Um rei e um
feiticeiro.
Fantoche
(Pinóquio):
A fada está
a sujá-la?
(sim)
Fantoche
(Pinóquio):
O rei está
a lavá-lo?
(não)
Investigador:
Uma princesa
e uma bruxa.
Investigador:
Um cão e um
elefante.
Fantoche
(Pinóquio):
A princesa está
a pintar-se?
(sim)
Fantoche
(Pinóquio):
O cão está a
lamber-se?
(não)
539
XXVI ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LINGUÍSTICA
Na tabela seguinte, a amostra testada na compreensão de clíticos está caracterizada
do seguinte modo:
Grupo etário
3
4
5
6
adultos
Total
Teste de compreensão de clíticos
Média de Idades
Sexo feminino
Sexo masculino
3 anos e 8 meses
16
12
4 anos e 6 meses
17
22
5 anos e 5 meses
23
11
6 anos e 2 meses
13
8
32 anos
24
16
——
93
69
Total
28
39
34
21
40
162
8.1. Resultados
Segue-se o gráfico referente aos resultados obtidos na compreensão dos clíticos
não-reflexos, podendo-se observar não só as taxas de acerto totais (CNR), como as taxas
respeitantes quer aos contextos de resposta verdadeira (CNR_V) quer aos contextos de
resposta falsa (CNR_F).
Gráfico 1: Compreensão de clíticos não-reflexos (o, a)
A leitura do gráfico permite concluir que, tendencialmente, se regista um ligeiro
efeito de desenvolvimento. Isto é confirmado com os referidos testes de qui-quadrado
(p < 0.05). A excepção é na comparação entre o grupo dos 4 anos e o dos 5 anos, em
que a diferença não é significativa (p = 0.673).
Os clíticos não-reflexos não são muito problemáticos para as crianças portuguesas,
registando-se melhores resultados do que em línguas como o inglês (tomando como
referência os dados apresentados por Chien & Wexler, 1990).
Apresenta-se seguidamente um gráfico indicativo da distribuição, por género
gramatical, dos dados relativos a clíticos não-reflexos.
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INTERPRETAÇÃO DE CLÍTICOS E DE PRONOMES FORTES COMPLEMENTO
NA AQUISIÇÃO DO PORTUGUÊS EUROPEU
Gráfico 2: Clíticos não-reflexos (o, a) distribuídos por género
Nos clíticos não-reflexos, conclui-se que, em cada faixa etária, não há diferenças de
compreensão entre formas masculinas e femininas (p > 0.05).
O gráfico 3 diz respeito aos dados recolhidos na compreensão de clíticos reflexos,
mostrando as taxas de acerto totais (Cref), bem como as percentagens referentes aos
contextos de resposta verdadeira (Cref_V) e aos contextos de resposta falsa (Cref_F).
Gráfico 3: Compreensão de clíticos reflexos (se)
De acordo com os resultados, verifica-se um ligeiro efeito de desenvolvimento em
todas as faixas etárias (p < 0.05), excepto entre o grupo dos 3 anos e o dos 4 anos
(p = 0.845).
Observa-se um melhor desempenho com clíticos reflexos do que com não-reflexos
para as faixas etárias dos 3, 4 e 5 anos (p < 0.05).
Os dados obtidos para os clíticos (contextos categóricos) servirão como controlo
para os recolhidos para os pronomes fortes (contextos não categóricos), funcionando
como fonte de comparação.
541
XXVI ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LINGUÍSTICA
9. Teste de interpretação de pronomes fortes
Tendo em consideração as características apresentadas pelas formas pronominais
ele/ela e si em contextos preposicionais, utilizou-se um pré-teste escrito de
interpretação de pronomes fortes (de escolha múltipla) aplicado a um grupo composto
por 60 adultos. Tal serviu para averiguar o seu comportamento relativamente a estes
contextos não categóricos conforme o verbo utilizado.
Foi consultado o Dicionário sintáctico de verbos portugueses (Busse, 1994) de
forma a fazer-se o levantamento dos verbos apropriados. Teve-se em atenção o facto de
os verbos serem compreensíveis por crianças assim como desenháveis, pois os verbos
seleccionados seriam utilizados posteriormente num teste de aquisição.
Quanto ao teste de interpretação de pronomes fortes (com avaliação de imagens), a
metodologia também foi a de fazer interrogativas totais (sim/não), de modo a verificar a
aceitabilidade de interpretação de referência disjunta ou de co-referência com cada um
dos tipos de pronomes fortes: não-reflexos e reflexos. Isto permite saber se a criança
admite, ou não, uma interpretação específica para uma determinada estrutura.
Ao contrário do que se planeou para os clíticos, para os pronomes fortes os itens
foram distribuídos de acordo com os verbos seleccionados, visto que há predicados que
favorecem uma leitura reflexiva sob o ponto de vista semântico e/ou pragmático
(Menuzzi, 1999). Contudo, note-se que os verbos utilizados eram propícios, à partida, a
uma interpretação de referência disjunta com as formas ele/ela.
As duas tabelas que se seguem referem-se às condições testadas para aceder à
interpretação de pronomes fortes e à organização dos itens de controlo.
120 itens de PRONOMES FORTES em SPs
60 não-reflexos (ele, ela)
60 reflexos (si)
Verbos
Verbos
apontar, bater, disparar, martelar e tocar
apontar, bater, disparar, martelar e tocar
6 referências disjuntas
6 co-referências
6 referências
(para cada verbo)
(para cada verbo)
6 co-referências
disjuntas
3
3
3
3
(para cada verbo)
(para
cada
verbo)
masculinos
femininos
masculinos
femininos
24 CONTROLOS (SDs)
12 respostas afirmativas
12 respostas negativas
6
6
6
6
masculinos
femininos
masculinos
femininos
Apresentam-se quatro exemplos de itens de teste: dois com pronomes fortes nãoreflexos e dois com pronomes fortes reflexos.
542
INTERPRETAÇÃO DE CLÍTICOS E DE PRONOMES FORTES COMPLEMENTO
NA AQUISIÇÃO DO PORTUGUÊS EUROPEU
Investigador:
Uma fada e
uma bruxa.
Investigador:
Uma bailarina e
uma avó.
Fantoche
(Pinóquio):
A fada está a
martelar nela?
(referência
disjunta)
Fantoche
(Pinóquio):
A bailarina está
a disparar
contra ela?
(co-referência)
Investigador:
Um feiticeiro e
um palhaço.
Investigador:
Um coelho e um
gato.
Fantoche
(Pinóquio):
O feiticeiro está
a tocar em si?
(referência
disjunta)
Fantoche
(Pinóquio):
O coelho está a
apontar para si?
(co-referência)
Apresenta-se uma tabela de descrição da amostra, quanto às idades e ao número de
elementos, à qual se aplicou o teste de interpretação de pronomes fortes.
Grupo etário
3
4
5
6
adultos
Total
Teste de interpretação de pronomes fortes
Média de Idades
Sexo feminino
Sexo masculino
3 anos e 8 meses
18
6
4 anos e 6 meses
15
18
5 anos e 5 meses
18
13
6 anos e 2 meses
14
8
30 anos
31
19
——
96
64
Total
24
33
31
22
50
160
9.1. Resultados
Os gráficos 4 e 6 revelam os resultados relativos à interpretação de pronomes fortes
não-reflexos e reflexos, respectivamente, indicando as taxas de aceitabilidade nos
contextos de referência disjunta e de co-referência. O gráfico 5 mostra os dados da
distribuição dos pronomes fortes não-reflexos por género gramatical.
Gráfico 4: Interpretação de pronomes fortes não-reflexos (ele, ela)
543
XXVI ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LINGUÍSTICA
Relativamente aos pronomes fortes ele/ela, não é observável, em ambos os
contextos, um efeito de desenvolvimento entre as crianças.
Quanto ao contexto de referência disjunta, as taxas de aceitabilidade começam altas
aos 3 e 4 anos com 82% e 83%, respectivamente (p = 1 entre as duas faixas); estas
percentagens estão próximas da dos adultos, que é superior com 87% (p = 0.47 para
cada grupo vs. adultos). Há um decréscimo significativo desta taxa aos 5 anos (68%) em
relação ao grupo de 4 anos e ao dos adultos (p = 0 em ambas as comparações). Aos 6
anos, há um ligeiro aumento nesta percentagem (74%) mas inferior à dos 3 e 4 anos e,
portanto, à dos adultos (p = 0).
Por sua vez, no contexto de co-referência, as crianças, aos 3 anos, começam por ter
uma taxa de aceitabilidade (48%) significativamente superior à dos adultos (23%), com
p = 0. Esta taxa baixa aos 4 anos (43%) mas sobe aos 5 anos (50%), voltando a descer
aos 6 anos (41%), com p = 0 na comparação de cada faixa com os adultos. Os valores p
mostram que é significativa a diferença entre a taxa de aceitabilidade de co-referência
de cada faixa etária das crianças e a do grupo de controlo.
Gráfico 5: Pronomes fortes não-reflexos (ele, ela) distribuídos por género
A variação entre as formas masculinas e femininas de pronomes fortes não-reflexos
não origina diferenças nas taxas de aceitação de interpretações de referência disjunta ou
de co-referência, qualquer que seja a faixa etária (em todos os casos, p > 0.05).
Gráfico 6: Interpretação de pronomes fortes reflexos (si)
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INTERPRETAÇÃO DE CLÍTICOS E DE PRONOMES FORTES COMPLEMENTO
NA AQUISIÇÃO DO PORTUGUÊS EUROPEU
Quanto à interpretação de si, verifica-se um efeito de desenvolvimento, quer quanto
ao contexto de referência disjunta quer quanto ao de co-referência. À medida que a
idade das crianças aumenta, a taxa de aceitabilidade de referência disjunta vai
diminuindo (p < 0.05); aos 6 anos, as crianças estão ao mesmo nível dos adultos (p =
0.44). No contexto de co-referência com si, há uma progressão desde os 3 até aos 6
anos, mas mais vincada entre os 3 e os 4 anos (p = 0.02).
Seguem-se os gráficos 7 e 8, que dizem respeito aos dados obtidos em relação à
interpretação de pronomes fortes não-reflexos e reflexos, respectivamente, distribuídos
pelos verbos utilizados no teste. Nestes casos, também foram analisadas as taxas de
aceitabilidade de referência disjunta (DJ) e de co-referência (CO).
Gráfico 7: Pronomes fortes não-reflexos (ele, ela) distribuídos por verbo
Na interpretação, feita pelas crianças, dos pronomes fortes não-reflexos ele/ela, os
verbos bater e tocar destacam-se: o gráfico 7 mostra que estes dois verbos são os que
têm a maior aceitabilidade na referência disjunta enquanto na co-referência são os que
têm a menor aceitabilidade.
Nos adultos, entre os verbos testados, não há diferença significativa nas
interpretações dos pronomes fortes não-reflexos (p > 0.05). Estes resultados podem ser
justificados pelo facto de se terem seleccionado verbos que favoreceriam a referência
disjunta com ele/ela (de modo a aproximar estes contextos dos das línguas como o
inglês, em que a referência disjunta é a única leitura disponível para os pronomes nãoreflexos).
545
XXVI ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LINGUÍSTICA
Gráfico 8: Pronomes fortes reflexos (si) distribuídos por verbo
Neste gráfico, observa-se que o tipo de verbo utilizado não afecta a interpretação do
pronome forte reflexo si (p > 0.05).
10. Discussão e conclusões
Os resultados sugerem que as crianças portuguesas, de um modo geral, revelam
domínio de factores pragmáticos (confirmando Mckee, 1992; Costa & Ambulate, 2010;
Costa, Lobo & Silva, 2009). Relativamente à compreensão de clíticos, embora as
crianças comecem por ter resultados piores do que os dos adultos, tendencialmente o
seu desempenho vai-se aproximando do destes. Aos 6 anos já estão quase ao nível do
grupo de controlo. Há, portanto, indícios de que existe um efeito de desenvolvimento.
Contudo, assinala-se que as crianças têm um desempenho ligeiramente melhor com os
clíticos reflexos (se) do que com os não-reflexos (o, a). Na interpretação de pronomes
fortes não-reflexos (ele/ela), embora as crianças sejam menos restritivas do que os
adultos relativamente à aceitabilidade de co-referência, têm sempre taxas de
aceitabilidade de referência disjunta superiores, tal como o grupo de controlo. Quanto
ao contexto de formas fortes reflexas (si), a tendência das crianças é para gradualmente
interpretar como os adultos, aceitando cada vez menos leituras disjuntas.
Com os resultados obtidos, presume-se que, na aquisição de referência pronominal,
o estatuto categorial do pronome (clítico ou forte) poderá ter influência. A tendência é
para que os clíticos não causem dificuldades de maior às crianças (confirmando-se as
conclusões de Cristóvão, 2006), enquanto se registam problemas no contexto de
interpretação de pronomes fortes não-reflexos.
Verifica-se que, nas crianças observadas, as taxas de aceitabilidade de co-referência
com os pronomes fortes não-reflexos são sempre significativamente superiores à dos
adultos. Observa-se também que, entre as crianças, as percentagens de aceitabilidade
quer de referência disjunta quer de co-referência oscilam entre os grupos etários. Tenhase em atenção que a interpretação de pronomes fortes em contexto preposicional está
fortemente relacionada com propriedades semânticas e/ou pragmáticas dos predicados
envolvidos (Menuzzi, 1999). Assim, foram seleccionados para o teste verbos que
fossem favoráveis à leitura disjunta com ele/ela.
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INTERPRETAÇÃO DE CLÍTICOS E DE PRONOMES FORTES COMPLEMENTO
NA AQUISIÇÃO DO PORTUGUÊS EUROPEU
Baseando-se em Hornstein (2001), Grolla (2006) defende que os pronomes fortes
são inseridos pós-sintacticamente, dando origem a operações na interface. Estas são
problemáticas para as crianças por motivos de processamento, pois ao nível da interface
existe competição entre derivações. A comparação de estruturas exige um imenso
esforço para a memória de trabalho da criança (Reinhart, 1999).
Por sua vez, os clíticos têm natureza defectiva, sendo inseridos no decurso da
derivação sintáctica. Deste modo, os clíticos não estão presentes na computação de um
conjunto de referência, que só é possível entre derivações convergentes.
Com estes dados, parece ser possível admitir a hipótese que Costa & Ambulate
(2010) colocaram, segundo a qual se esperaria que a interpretação dos pronomes fortes
em PE fosse necessariamente mais difícil para as crianças. Deste modo, é de aceitar a
perspectiva de Grolla (2006) de que há eventualmente problemas de interface na sintaxe
de formas pronominais específicas. Pode-se, portanto, afirmar que há dificuldades de
aquisição ao nível das interfaces, designadamente, no estabelecimento de relações de
co-referência pós-sintáctica.
Pretende-se completar estes dados com os resultados obtidos no estudo, em curso,
da interpretação de sujeitos nulos e lexicais em contextos subordinados finitos pelas
crianças portuguesas.
Numa futura pesquisa, tenciona-se também estudar a aquisição de anáforas de longa
distância em PE.
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