De quando em vez alguém me pergunte quando cheguei de viagem

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Jornal A Tarde, sexta-feira, 19/05/1978
Assunto:
VOLTA AO NORDESTE
De quando em vez alguém me pergunta quando cheguei de viagem, como se eu
freqüentemente me ausentasse da Bahia. Quem dera que assim fosse! A prova de que viajo
menos do que se pensa é que somente agora, passados mais de cinqüenta anos, tenho
ocasião de rever Natal e Fortaleza. Não me refiro a Recife, onde tenho estado nos últimos anos
diversas vezes como participante em reuniões do Instituto de Pesquisas Sociais Joaquim
Nabuco, em visitas de família e, na semana passada, durante a XI Reunião Brasileira de
Antropologia.
Fui a Natal recentemente como membro de uma comissão examinadora de concurso em sua
Universidade e para colaborar num curso de especialização em Antropologia. Se bem que
tivesse notícia do progresso feito nos anos recentes pela cidade de Augusto Severo e de
Câmara Cascudo, dois dos maiores nomes que fazem o prestígio da província potiguar, tive
uma surpresa ao deparar com a modernidade de aspectos, a amplitude dos espaços, os
serviços públicos da bela capital do Rio Grande do Norte. Encontrei ali um centro dinâmico e
realizador de atividades intelectuais e universitárias, desses que contribuem fortemente para
confirmar o papel do Nordeste - e do Norte em geral - na vida cultural brasileira.
A Fundação José Augusto com seu programa de publicações do que ali se escreve, o Instituto
Histórico com sua biblioteca, suas coleções de periódicos, seu documentário da história
regional e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte constituem, com algumas outras
instituições, exemplos admiráveis da vontade e da lucidez como naquele Estado, se tratam as
questões de educação superior e de cultura. A Universidade, que já tem um campo em
adiantada construção, modesta mas de bom gosto e acentuadamente adaptada ao clima da
região, é algo estimulante. Basta atentar para suas realizações didáticas e, particularmente,
para o intercâmbio universitário em duas direções: uma, o envio de númerosos dos seus
docentes a outros centros para aperfeiçoamento e especialização em níveis de mestrado e de
doutorado no país e no exterior; outra, a absorção de professores vindos de fora com bons
títulos e experiência e os programas de professores visitantes brasileiros e estrangeiros. Os
programas dessa índole vão fazendo do Nordeste um pólo de desenvolvimento acadêmico e
cultural que não tardará a emparelhar com os de outras partes do país até agora tidas como
detentoras do progresso científico e universitário. O mesmo tive oportunidade de verificar em
relação à Paraíba, cuja Universidade Federal é outro núcleo ativo e esclarecido, aberto às
contribuições que possam fazê-lo merecedor do melhor conceito. Esses planos, executados
com espírito de renovação e de afirmação das potencialidades regionais, vão colocando o
Nordeste na vanguarda das universidades brasileiras, tanto em qualidade do seu trabalho
quanto em recursos pecuniários obtidos dos órgãos federais e de outras entidades, em vista do
que realizam e do que sabem pleitear e bem aplicar em seu ensino e na pesquisa cientifica.
Realmente, alguma coisa de fazer certa inveja. E que não se diria possível ou, ao menos, fácil
nas tradicionais condições da mais pobre região brasileira: mas esta se mostra capaz de abrir
caminho, por seus próprios passos, à compreensão e solução de seus problemas, dada a nota
inteligentemente regionalista dos cursos e das pesquisas que ali se levam a efeito. Nesse
concerto tem o Ceará, igualmente, uma posição de destaque. Não lhe basta a Universidade
Federal; tem outras, a rivalizarem em promoções e trabalhos com o mesmo espírito
progressista e atual.
Uma das verificações mais gratas, no particular, é a rara capacidade que tais centros vão
revelando de se integrarem no meio, voltados para a sua problemática nas ciências humanas e
sociais e no domínio dos recursos naturais, como nesse, de que a Paraíba tem a primazia, da
captação da energia solar para o consumo imediato e até doméstico e para a produção de
força em larga escala.
Pernambuco tem o privilégio de contar com antigas e conceituadas instituições que fazem
daquele Estado um outro pólo de adiantamento e realizações. Lembrem-se o Instituto
Arqueológico e Histórico, o Instituto de Pesquisas Sociais Joaquim Nabuco, as Universidades
Federal e Católica, - ambiente, esse, em que se efetivou, faz poucas semanas, a aludida XI
Reunião Brasileira de Antropologia. Esta, por sinal, recorda a X Reunião que a Bahia acolheu
em fevereiro de 1976 e cujo relatório começa a ser distribuído, a dar conta do extraordinário
movimento que representou para Salvador, com a participação e presença de várias centenas
de antropólogos e de estudantes de todo o País. Também no Recite a Associação Brasileira de
Antropologia acaba de dar uma prova convincente de sua vitalidade, em número e sobretudo
em qualidade e atualidade de comunicações e circulas de debates.
Tornando ao tema das universidades, o que, na verdade, carece de mais atenção é o
interrelacionamento, a troca de experiências, o intercâmbio de professorado e de alunado na
região. Já se faz um pouco de tudo isto mas é inegável que muito mais precisaria fazer-se,
levando a cabo a idéia sugerida por Gilberto Freyre de uma universidade regional ou, noutros
termos, de um entrosamento mais concreto entre aquelas universidades. Seria necessário que
um movimento decidido, a partir de um dos reitores daqueles estados, tomasse uma iniciativa
que tem faltado ao Ministério de Educação, ao Conselho de Reitores, talvez ao Conselho
Federal de Educação: interligar seus professorados, seus alunos, seus gabinetes e laboratórios
de pesquisa, suas bibliotecas, seus campos avançados, para que uns tirem proveito do que
outros empreendem e o ensino e a investigação avancem para o proveito dos brasileiros que
os sustentam com impostos, com taxas, com outras contribuições. Essa troca é, certamente,
um dos elementos que fazem a boa qualidade das universidades.
O isolamento, ao contrário; é um entrave que urge superar.
Não quero terminar sem congratular-me com a oportunidade de rever, após largo prazo
indesejado,esse admirável Nordeste de que a Bahia é também parte e de ali encontrar tanto
com que me entusiasmar.
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