O livro na sociedade, a sociedade no livro: pensando sociologicamente a literatura Laura Garbini Both Mestre em Antropologia Social – UFPR Profa. da UNIBRASIL [email protected] No nosso dia-a-dia percebemos e vivenciamos inúmeras situações diferenciadas. O tempo todo nós enfrentamos situações as quais precisamos avaliar, escolher, decidir e assumir qual é alternativa de ação mais apropriada para aquele determinado momento. Avaliamos, escolhemos e decidimos tomados, na maior parte das vezes, por sentimentos e opiniões. Contudo, devemos também pensar criticamente para decidir, uma vez que, cada ação individual tem uma significação, uma conseqüência social, em relação aos outros, que pode ser de aproximação ou afastamento, consenso ou dissenso, equilíbrio ou desequilíbrio, paz ou conflito. Sendo assim, todos nós necessitamos além de compreendermo-nos, compreender os outros, pois somos todos seres sociais, seres de relação. Essa compreensão do mundo social é multifacetada e se dá simultaneamente: é ao mesmo tempo filosófica, mítica, racional e...sociológica. A atitude sociológica, ou seja, a atitude de conhecimento científico e crítico da realidade permite-nos tanto a adaptação quanto à transformação dessa realidade , uma vez que “realidade social” não é dada pela natureza: é organizada e construída historicamente por pessoas “de carne e osso” que expressam concretamente essa organização de diferentes formas. A literatura, assim como o cinema, a música, a religião, a política ou a economia é uma dessas formas de expressão. Problematizar sociologicamente a realidade social através da literatura é a proposta desse breve texto. O pensar sociologicamente Pensar sociologicamente é ter uma compreensão científica – comprovável pela observação e controlada através de métodos e técnicas rigorosas de pesquisa - e crítica – a partir de variados pontos de vista e interpretações - da realidade social constituída e construída historicamente por todos e por cada um de nós. Conhecer para compreender “realidades sociais” significa estarmos atentos para a forma como essas realidades se constituem, significa procurar leis e regras que organizam e orientam as sociedades, os grupos sociais, as culturas. Essas leis e regras não são fornecidas por si, são resultantes de procedimentos analíticos pensados profundamente a partir de observações rigorosas. As leis e regras que ordenam a vida social – objeto de estudo da Sociologia - são proposições ou teses que tentam explicar (o que não significa emitir juízos de valor) a dinâmica social na qual cada um de nós está inserido. É, segundo SOUTO (1987), em linhas gerais, reduzir estrategicamente a variação múltipla do real a poucas, mas abrangentes, categorias como interação, socialização, dominação, conflito. Essas categorias gerais explicam as categorias menos gerais, ou seja, os contextos, as particularidades, as singularidades. No entanto, no campo das ciência humanas são analisadas pessoas/sujeitos e não plantas ou rochas. Isto implica em lidar com subjetividades, imprevisibilidades, significações, transformações. Portanto, em que pese não prescindir de um método, o pensar sociologicamente é principalmente um exercício de imaginação criadora, propriamente humana. O pensar sociologicamente a Literatura A Literatura pode ser compreendida em vertentes diferenciadas. No contexto discutido aqui, ou seja, no âmbito da Sociologia, pode ser definida como um conjunto de textos formalizados em crônicas , romances, poesias, peças teatrais, produzidas por uma categoria social determinada preocupada com uma estética da arte e da linguagem: o escritor. Para FACINA (2004), não devemos de forma alguma esquecer que o escritor , assim como qualquer um de nós, é uma síntese da sua época, sujeito , assim como nós, aos condicionamentos e orientações das suas múltiplas dimensões de pertencimento: classe, raça e etnia, gênero, contexto histórico. Ou seja, sua criatividade, em princípio ilimitada é, de certa forma, balizada por um campo delimitado de possibilidades culturais próprios da sua condição, da sua inserção. Do mesmo modo, a realidade social não está diretamente refletida na Literatura: existem processos mediadores, que alteram conteúdos originais, entre uma e outra. Ou seja, a Literatura não deve ser apreendida nem como um espelho do mundo social e nem como o reino das idéias e valores abstratos, mas deve sim, ser apreendida como também, e principalmente, parte constitutiva da prática social. As diversas expressões literárias, tanto na sua forma como no seu conteúdo, são em síntese expressões de visões de mundo compartilhadas coletivamente e próprias de determinados grupos sociais informados por experiências históricas concretas. Assim, igualmente outras concretizações sociais (como a economia ou a religião) a Literatura engendra práticas e representações dos indivíduos e grupos sociais nos quais ela é construída, o que a torna passível e legítima de análise no campo sociológico: investigar concepções de mundo e idéias transformados em textos literários é investigar as condições de sua produção, situando seus autores e seus temas socialmente e historicamente. Do ponto de vista sociológico, a Literatura não é compreendida como uma dimensão autônoma da dinâmica social, pois é expressão do processo cultural. Além do mais, a obra literária – o livro – é um objeto social , uma vez que sua existência só tem sentido na relação entre quem escreve e quem lê. Sua natureza é circular nesse intercâmbio, nessa troca constante em algum nível de compartilhamento de universos simbólicos semelhantes. A interlocução entre a Sociologia e a Literatura: limites e possibilidades Sociologia e Literatura são modos de conhecimento do mundo. Contudo, mesmo tendo muitos pontos semelhantes existem fronteiras intransponíveis entre ambas: o modo de conhecimento literário é impossível de ser reduzido apenas à observação e seu campo analítico não se limita à procura de leis gerais explicativas do comportamento humano e da organização social, como é – em tese- o objetivo da Sociologia. Entretanto, a lógica literária da pluralidade de personagens, de temas e gêneros de escrita supõe e expõe a pluralidade , a diversidade, singularidades, especificidades nas e das sociedades. Ambos os modos de conhecimento (sociológico e literário) renunciam à idéia de que a realidade possa ser apreendida em si, na sua essência , de forma substancializada ou reificada. Ambos os modos de conhecimento não abrem mão da prerrogativa de que realidade social por conta da sua complexidade só pode ser conhecida e principalmente compreendida a partir de um ponto de vista, de uma perspectiva. Sendo assim, ler textos literários é ler culturas, é apreender diversidades, é vivenciar a tolerância, o respeito ao outro, é marcar identidades, não a partir de si mesmas, mas dos outros, das alteridades. Em síntese, é desenvolver pensamento crítico - porque plural - problematizando a construção e a concretização dessas vivências tão essenciais quanto necessárias. Conclusão A literatura, já não bastasse sua imensa possibilidade de fruição estética forjada em uma experiência única é, antes de tudo, prática social que expressa na forma e no conteúdo o arranjo social, a maneira como a sociedade se organiza , se relaciona, resolve seus conflitos. Ao mesmo tempo em que reproduz , cria e mobiliza transformações , em um sentido único e próprio. Referências Bibliográficas CÂNDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. São Paulo: T.A. Queiroz, 2000. FACINA, Adriana. Literatura & Sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. LAJOLO, Marisa. O que é Literatura. São Paulo: Brasiliense, 1984. MARTINS, Carlos Benedito. O que é Sociologia. São Paulo: Brasiliense, 1996. SOUTO, Claudio. O que é pensar sociologicamente. São Paulo: E.P.U., 1987.