extra! extra! o poder está nas mãos de uma mulher!

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EXTRA! EXTRA! O PODER ESTÁ NAS MÃOS DE
UMA MULHER!
(RE)CORTES DA MÍDIA SOBRE A POSSE DA PRIMEIRA
MULHER PRESIDENTE DO BRASIL1
EXTRA! EXTRA! THE POWER IS IN THE HANDS
OF A WOMAN!
MEDIA CLIPPINGS ABOUT THE FIRST WOMAN
PRESIDENT OF BRAZIL
Aline Oliveira Machado2
Patrícia Da Silva3
Bruniele de Souza Santos4
Hérika Silva das Chagas5
Karine Oliveira Alves Machado6
Mirene Oliveira Ribeiro de Almeida7
Resumo
O presente trabalho tem por objetivo promover uma reflexão acerca dos arranjos
sociais que configuram a noção de categorias de gênero e sexualidade, e suas
implicações diretas e indiretas na representação da mídia. Diante da nova realidade
apresentada no poder executivo brasileiro, onde, pela primeira vez, uma mulher
1
O presente manuscrito é fruto do Trabalho de Conclusão de Curso de Psicologia da UNIFAVIP-DeVry
Doutora em Psicologia Social pela UFPB. Professora do Curso de Psicologia - Centro Universitário do Vale do
Ipojuca (UNIFAVIP-DeVry). Lattes: http://lattes.cnpq.br/0391875982942117 e-mail: [email protected]
3
Doutora em Psicologia Social pela UFBA. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2097923788649486 Grupo de pesquisa:
http://gepps-ufs.blogspot.com.br/ e-mail: [email protected]
4
Especialista em Educação em Direitos Humanos pela UFPE. Pós-Graduanda em Avaliação Neuropsicológica
pela
Faculdade
de
Ciências
HumanasESUDA.
Psicóloga
Clínica.
Lattes:
http://lattes.cnpq.br/0479971859050255 e-mail: [email protected]
5
Bacharel em Psicologia UNIFAVIP.
Psicóloga no CRAS de Surubim-PE. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/4459184623251671 e-mail: [email protected]
6
Enfermeira pela Universidade Federal da Paraíba. http://lattes.cnpq.br/2606415084861201 e-mail:
[email protected]
7
Graduanda do Curso de Psicologia no Centro Universitário do Vale do Ipojuca (UNIFAVIP-DeVry).
http://lattes.cnpq.br/7726166035102000 e-mail: [email protected]
2
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recebe a faixa presidencial, assistimos a uma “reedição” de um paradigma de
representação unilateral de poder. Entretanto, essa romper com o paradigma do
“homem como administrador” não significou uma quebra de estereótipos e de
representações sociais pré-estabelecidas. Estas fazem questão de permear os
discursos aparentemente ingênuos da mídia que consequentemente desencadeiam
novas formas de preconceito e discriminação, tornando o momento histórico ainda
distante de elevar a mulher ao protagonismo da história nacional.
Palavras-chave: Gênero. Charge. Representação Feminina.
Abstract
The present paper aims to promote a reflection about the social arrangements that
configures the notions of gender and sexuality categories, its direct and indirect
implications on media representation. Facing this new reality on the executive power
where, for the very first time, a woman receives the presidential role, we watch a
“reedition” of a unilateral power representation paradigm. However, this “broke
paradigm” of the man as manager did not mean the breaking of stereotypes and
previously stablished social representations. These ones persist to pervade the
(apparently) naïve discourse of the media, unleashing new ways of prejudice and
discrimination, making this historical moment yet distant from raising women to the
main role of national history.
Keywords: Gender. Media Clippings. Female Representation.
Introdução
“Hoje, pela primeira vez, a faixa presidencial cingirá o ombro de uma mulher”,
disse a presidente eleita Dilma Rousseff em seu discurso de posse no sábado, dia 1º
de janeiro de 2011, numa cerimônia celebrada no Congresso, em Brasília. Um marco
na história do país, onde durante muitos anos as mulheres tinham seus direitos
políticos vetados e sua participação social restringia-se ao âmbito familiar.
Aqui, precisamos ter em conta que apesar do Brasil ter enfrentado muitas e
significativas mudanças no contexto social desde a vigoração da Constituição Cidadã
de 1988, que tem como princípios a igualdade sem discriminação de raça, cor, sexo e
classe social; ainda é evidente que há um longo caminho a seguir em busca de uma
sociedade mais justa e mais igualitária em todos esses aspectos.
Tornar este um país de todos tem sido o chavão mais usado atualmente para
conceber as políticas que regem o contexto sócio-econômico e cultural da nação
brasileira. Entretanto essa realidade ainda não chegou a ter legitimidade. São
inúmeras as formas de exclusão e preconceito ainda vigentes no país, como o de raça,
cor, etnia, classe social e de gênero. Este fato deve-se a um longo contexto histórico
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que delineou a cultura e consequentemente as nossas crenças e concepções sobre a
realidade (HIGHWATER,1992).
Diante do marco na história do Brasil em eleger, pela primeira vez, uma
mulher presidente, observou-se de perto o fruto de muitas lutas travadas por
mulheres que se engajaram em buscar seu reconhecimento e ascensão social.
Todavia, percebemos que ainda existem resquícios de um estranhamento entre o elo
mulher e poder público mascarado por traz de “ingênuas” formas de expressão da
mídia: nos bastidores, na internet, nos jornais, na TV e em grandes revistas de
circulação. É o olhar da sociedade que ainda não se modificou e enxerga o mundo
através das lentes advindas da ideologia falocêntrica. Lentes que ainda se permitem
estar manchadas pelas velhas concepções do “ser mulher” e o seu lugar na sociedade.
Numa época em que o discurso de igualdade pretende ruir as barreiras do
preconceito e da supremacia masculina, ainda se percebem as faíscas de uma grande
batalha de fogo a ser travada. E essa batalha não se restringe somente à Brasília, mas
compete a todos os lugares onde ainda o discurso do “ser mulher” não venceu as
rédeas da subordinação. É a prova de que os estereótipos de categorias de gênero
ainda imperam e talvez sejam ainda mais fortes e simbólicos do que o ato de repousar
a faixa presidencial sobre os ombros de uma mulher.
Trata-se de um discurso imaterial que ainda permanece tímido e impregnado,
talvez até bem escondido atrás de elogios e homenagens que aplaudem a mulher, mas
ao mesmo tempo “apedrejam-na” em sua tentativa de construir a própria identidade
e a própria história. Quebrar paradigmas é muito mais desafiador do que vencer
eleições e atingir altos cargos de poder. Livrar-se das algemas da subordinação é ter
que lutar pela construção de uma genuína democracia de gêneros, onde a mulher não
precise mais ser uma “não-homem”, como denominou Monique Wittig (2006), mas a
heroína de sua própria liberdade.
Uma história de subordinação feminina
O poder parecia mais do que uma permuta entre os sujeitos ou uma
relação de inversão constante entre um sujeito e um outro; na
verdade, o poder parecia operar na própria produção dessa estrutura
binária em que se pensa o conceito de gênero. (BUTLER, 2010, p. 8)
Classicamente, subordinação significa estabelecer uma ordem entre as
pessoas, tornando-as umas dependentes das outras. A dependência gera uma relação
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de poder entre aquele que manda e o que obedece, e aquele que obedece não exerce
influência em tomadas de decisões, tampouco pode chegar a deter o poder. É a partir
dessa construção ideológica que funcionam as relações de gênero na sociedade.
Marlene Neves Strey (2008) traz uma discussão pertinente sobre as relações
de gênero e a subordinação. Segundo a autora, corroborando com o que argumenta
Wittig (2006) é difícil que as pessoas percebam como se desenvolvem as relações de
dominação masculina no âmbito social. A cultura tem uma capacidade simbólica tão
forte que justifica perfeitamente toda e qualquer configuração social existente a partir
de teorias que naturalizam as relações de gênero. Essas teorias universalizam as
características sociais trazendo a noção de imutabilidade e que as relações entre o
homem e a mulher obedecem a uma ordem biológica de complementaridade. Com
efeito, a cultura foi fixando crenças e estabelecendo conceitos de verdade criando e
recriando a representação de homens e mulheres ao longo da história.
Durante muito tempo a ciência construiu um conhecimento embasado no
paradigma da racionalidade, que eclodiu nos séculos XVI e XVII, onde segundo
Critelli (2006), a visão de homem e do mundo foi modificada, trazendo sérias
conseqüências para a humanidade. O paradigma racional foi responsável pela
concepção de naturalização das relações de poder entre homens e mulheres, um
discurso onde as verdades são absolutas, onde a razão e a lógica ditam as regras do
normal e do anormal. O pensamento mecanicista invadiu a ciência aniquilando as
subjetividades e as singularidades.
De acordo com Jamake Highwater (1992), a ciência de paradigma racional
criou o “homem natural” no século XVII, este seria reduzido aos fatores biológicos
quantificáveis e a sexualidade passou a ser um comportamento natural de
sobrevivência da espécie. Enquanto o “homem natural” ia sendo “tricotado” pela
ciência (masculina), a identidade feminina era deteriorada e modulada segundo os
padrões baseados no falocentrismo. A mulher era descrita na ciência racional como
sendo uma não-homem, ou seja, alguém que não tinha definição. O feminino
começou a ser definido como sendo a oposição do masculino.
Para Strey (2008) algumas teorias baseadas por sociobiologistas e
estruturalistas, em meados do século XX, foram formuladas para justificar as relações
de subordinação entre homens e mulheres, argumentando que desde a origem da
humanidade o feminino estava diretamente associado à passividade, fraqueza física e
responsabilidades quanto à procriação. A subordinação, segundo a autora, seria fruto
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de uma adaptação humana às condições naturais, onde o homem voltou-se às
atividades de caça enquanto as mulheres se encarregavam com o cuidado dos filhos,
estabelecendo uma divisão do trabalho. O feminino constituiu-se a partir da
passividade do âmbito doméstico e o masculino adquiria as características do
domínio público. Essa teoria teria como explicação a universalidade pela associação
da mulher a sua capacidade biológica de gestação e cuidado das crianças.
Desde as primeiras culturas, as mulheres seriam simbolicamente
associadas à natureza, enquanto os homens seriam associados à
cultura, sendo esta última superior à primeira, portanto, os homens
dominam as mulheres, assim como a cultura domina a natureza.
(STREY, 2008, p. 192)
Segundo Monique Wittig (2006), as relações de dominação criam as divisões
no plano material e econômico. É a opressão que cria os sexos como oposições, o que
na verdade são as diferenças. A autora também fala sobre uma “desintegração” de
corpos culturalmente construídos, sugerindo que a própria morfologia seria
conseqüência de um sistema conceitual hegemônico. A fronteira e a superfície dos
corpos são politicamente construídas. Dessa forma, a imagem masculina torna-se
carregada de conceitos como força, capacidade diretiva, pensamento racional,
destreza e assertividade. Sendo a representação da mulher o seu oposto, descrita
como frágil, sensível, emocional e submissa.
A sociedade, desde os primórdios, sempre foi marcada pela acomodação, para
Wittig (2006), não se questionam os modelos que estão preestabelecidos e impostos a
todos. É como se o sistema fosse suficientemente bom para ser posto em cheque.
Entretanto, com o passar do tempo “as verdades” precisam se modificar, afinal, o
sistema que costuma reger com rédeas ferozes tem trazido danos a uma parcela
significativa de cidadãos. Não é de se estranhar que ainda falemos de violência contra
a mulher, desequilíbrios sociais quanto ao conceito estático de gêneros e prevalência
do pensamento machista que oprime e humilha.
A própria sociedade reconhece que seu movimento não é estático,
configurando-se e modificando-se o meio através do tempo e do espaço. As
transformações, segundo Stuart Hall (2005), ocorrem na velocidade de um “clic”,
atingindo todo o globo terrestre em questão de segundos. Conseqüentemente surgem
diversas maneiras e formas de representação do “eu” que vão sendo criadas e
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recriadas, mas ao mesmo tempo são sufocadas e violentadas pela supremacia do
sistema social machista heterossexual.
De dona-de-casa à presidente da república
Nossos tribunais de justiça são predominantemente masculinos,
porque os cargos de juiz foram explícita ou implicitamente
interditados às mulheres durante décadas. Houve quem justificasse o
fato com as intempéries da menstruação e quem estipulasse que
professora era o limite máximo para a vida profissional da mulher.
(BORGES, 2011)
Elizabeth Roudinesco (2003, p. 147) afirma que “Freud excluía a idéia de que
seria possível uma separação entre o feminino e o materno, entre o ser mulher e a
procriação, entre o sexo e o gênero. [...]”. Se essa separação viesse a acontecer, ele
afirmara que a sociedade naufragaria no caos. A ordem estaria em manter as
relações de dominação. Todavia estamos contemplando uma descentralização dos
papéis sociais de gênero, mas o caos talvez se encontre na intolerância diante dessas
transformações.
De acordo com a historiadora especialista em gênero e sexualidade Mary Del
Priore (2006), desde a época colonial no Brasil, o feminino estava associado ao
doméstico e ao trabalho na roça como forma de subsistência. As mulheres não
existiam como trabalhadoras individualizadas, porque seus trabalhos eram
englobados no trabalho familiar controlado diretamente pelo pai ou pelo marido.
Após os anos 50, com a modernização da agricultura, o homem passou a trabalhar na
indústria reafirmando-se o provedor da família. As mulheres, quando trabalhavam,
recebiam salários inferiores aos dos homens e eram vítimas da exploração e
dominação machista.
Percebe-se que mesmo a mulher se retirando do âmbito doméstico em busca
de trabalho nas indústrias, não significou o término das desigualdades de gênero,
porque não se resumiu apenas a uma discussão econômica, mas “estão presentes na
cultura, nas idéias, nos símbolos, na linguagem, no imaginário (DEL PRIORE, 2006,
p. 563). A presença da mulher no ambiente do trabalho tornou ainda mais visível a
discriminação e o preconceito através dos salários inferiores, assédios sexuais e o
ganho das duplas jornadas de trabalho, já que são elas quem “precisam” assumir a
criação dos filhos e manutenção da casa.
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As mulheres eram representadas socialmente como criaturas frágeis e
infelizes, estavam totalmente desprotegidas emocionalmente e vulneráveis aos olhos
da sociedade, e por isso eram presas da ambição masculina. “Frágeis e infelizes para
os jornalistas, perigosas e ‘indesejáveis’ para os militantes políticos, perdidas e
‘degeneradas’ para os médicos e juristas, as trabalhadoras eram percebidas de vários
modos”. (op cit, p. 579) Cada vez mais a mulher se transformava em um ser sem
rosto, sem corpo, sem história, identidade e expressão.
Del Priore (2006) relata que a partir do advento da industrialização, exigia-se
uma melhor qualificação do trabalhador. Por esta razão, as mulheres eram expulsas
das fábricas para dar lugar aos homens. A elas não era permitido continuar no
mundo dos negócios devido a sua “desqualificação” intelectual. A mídia da época
fomentava o discurso vigente como se podia encontrar no jornal operário “A Razão”,
em 29 de julho de 1919: “O papel de uma mãe não consiste em abandonar seus filhos
em casa e ir para a fábrica trabalhar, pois tal abandono origina muitas vezes
conseqüências lamentáveis, quando melhor seria somente que o homem procurasse
produzir de forma a prover as necessidades do lar.” (apud DEL PRIORE, 2006; p.
585)
A opressão social provocava o surgimento das revoltas feministas que
questionavam o patriarcalismo e a configuração social sobre o “ser mulher”.
“Cautelosas, as feministas, que iniciavam a divulgação de seus ideais na revista A
mensageira (publicada entre 1897 e 1900 em São Paulo) defendiam e apoiavam o
trabalho feminino fora do lar.” (op cit; p. 590) Era o começo de uma luta por espaço
na vida social.
O direito ao voto e participação da mulher na vida pública somente foi obtido
por meio do Código Eleitoral Provisório em 1932, sendo o voto feminino ainda
facultativo. Somente em 1946, a mulher teve direito ao voto obrigatório e
consequentemente a possibilidade de exercer o poder 8.
Miguel e Queiroz (2006) afirmam que por volta dos anos de 1970, o
movimento feminista obteve êxito em apontar que as mulheres, mesmo com os
direitos garantidos por lei, continuavam ocupando um espaço muito reduzido na
vida pública. O problema apontado é um sintoma de exclusão, com base estrutural
que por muito tempo perdurou e que deveria ser combatido.
8
FOLHA ONLINE. Disponível em:
<www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u367001.shtml> Acesso em: 24 maio 2011.
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Considerar o tempo atual como mais satisfatório para a mulher, talvez seja
algo ilusório. Mary Del Priore em entrevista a ISTO É Independente (2010) declarou
que “ocupando cada vez mais postos de trabalho, a mulher se vê na obrigação de
buscar um equilíbrio entre o público e o privado. A tarefa não é fácil. O modelo que
lhe foi oferecido era o masculino.” Por esta razão, a identidade da mulher encontrase perdida na esfera pública. Elas são vistas como “masculinizadas”, assemelhandose a um corpo estranho fora de seu contexto “natural”:
Dilma tem mesmo um jeito de andar duro, algo que não reproduz a
feminilidade que se espera do sexo frágil. Também não liga para
detalhes como etiquetas de moda e, na hora de escolher a costureira –
ou melhor ‘estilista’, como requer o manual da modernidade –, optou
pela velha conhecida dos pampas, onde estabeleceu residência. A
presidente tem opiniões fortes e parece não ligar muito para o que se
diz dela a esse respeito. Um jeito de se expressar que foge do modelo
de mulher que a sociedade vende e ao qual ela parece não se curvar.
Há uma mensagem embutida nisso. (RIBEIRO, Marili. Disponível
em: < /www.blogdogusmao.com.br/v1/2011/01/10/teleanalise-omachismo-feminino/> Acesso em: 24 maio 2011).
O rabisco do humor colorindo as Representações Sociais
Buscando compreender as marcas culturais no pensamento social, a TRS
(Teoria das Representações Sociais) é o estudo de como e porque as pessoas
partilham o conhecimento e de que modo constituem a realidade comum. Também
busca compreender como a sociedade transforma as ideias em prática, demonstrando
o poder dessas ideias produzidas na interação social num determinado espaço e
tempo. Este conceito não é de fácil compreensão, porque se trata de um campo de
estudo que pretende compreender o fenômeno das RS (Representações Sociais) para
teorizá-lo. (MOSCOVICI, 2003)
As representações sociais fazem parte do cotidiano e são sustentadas pelas
influências sociais da comunicação, fazendo com que o conhecimento seja produzido
através da interação entre as pessoas. “As representações sociais constituem um
fenômeno que se apresenta em diferentes formas, que têm maior ou menor
complexidade, tais como imagens, sistemas de referência, categorias e teorias”.
(CHAVES; SILVA, 2011, p. 299)
A TRS busca sintetizar as dimensões cognitiva, afetiva e social na construção
dos saberes sociais, através do caráter simbólico e imaginativo que surgem no
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processo de interação social para entender e dar sentido ao mundo. Através da
comunicação, somos capazes de nos ligar uns aos outros ou de distanciar-nos deles.
Esse é o poder das ideias, e “a Teoria das Representações Sociais [...] procurou tanto
reconhecer um fenômeno social específico, como fornecer os meios para torná-lo
inteligível como um processo sociopsicológico” (MOSCOVICI, 2003, p. 28). É através
dos intercâmbios comunicativos que as representações sociais são estruturadas e
transformadas.
Não há instância da sociedade nos dias atuais que não esteja coberta pela
imensa rede de informações da mídia. Muito além do simples “cobrir” o social, a
mídia também fere, infere e interfere. Estando presente em todas as camadas sociais,
ela cria novos espaços de encontro de ideias, o que confere aos órgãos de
comunicação um grande poder de convencimento. Pode-se afirmar que a
comunicação constrói a realidade (GUARESCHI, P.; GUARESCHI, O., 2005).
A mídia, também, em particular, modela a sociedade através de sua capacidade
de produzir mensagens.
[...] Nesta medida, a mídia ajuda a criar nossa visão do mundo, nossa
auto percepção, a percepção da sociedade como um todo. Assim como
nós estabelecemos nossas crenças naquilo que familiares e amigos
dizem, da mesma forma também estabelecemos pontos de vista a
partir do que a mídia nos diz. (DIMBERLY; BURTON, 1990, p. 167).
É também através da mídia, em meio ao processo de comunicação social, que,
segundo Moscovici (2003), as representações sociais se constroem. De maneira geral,
elas são sustentadas pelas influências sociais da comunicação, e estas últimas
constituem a realidade tal como esta se dá a perceber. Assim, este autor define as
representações sociais como sendo o estudo de como e porque as pessoas partilham o
conhecimento e constituem a realidade. Este é um fenômeno cultural que permite a
sociedade demonstrar o poder das ideias transformando-as em prática, permitindo
que o conhecimento seja produzido e reproduzido na interação social, num
determinado espaço e tempo.
Considerando-se que todo fenômeno de cultura só funciona culturalmente
porque é também um fenômeno de comunicação, e considerando-se que esses
fenômenos só comunicam porque se estruturam como linguagem, pode-se concluir
que todo e qualquer fato cultural, toda e qualquer atividade ou prática social
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constituem-se como práticas significantes, isto é, práticas de produção de linguagem
e de sentido. (SANTAELLA, 2004. p. 12).
Nesta busca de compreender a produção de linguagem e de sentido como
produções sociais, a TRS transforma o senso comum em estudo. Esta teoria
compreende que é através da diversidade de ideias e a distribuição desigual de poder
que provocam pontos de clivagem (falta de sentido). Dessa maneira, torna-se
pertinente lembrar que há uma busca de familiarizar aquilo que não é familiar, a fim
de estabelecer a estabilidade. As RS surgem desses pontos de conflito e as lutas
sociais tornam-se lutas por novas formas de representação. (MOSCOVICI, 2003).
As ações simbólicas da comunicação podem provocar reações, estabelecer
fronteiras, sugerir caminhos, induzir crenças ou descrenças, apoiar ou não o
pensamento social de determinado grupo. E aqueles que recebem as mensagens não
são meros espectadores, mas também estão sob controle da ideologia dominante que
é produzida e imposta. Ademais “no exercício do poder, os indivíduos empregam os
recursos que lhe são disponíveis; recursos são os meios que lhes possibilitam alcançar
efetivamente seus objetivos e interesses” (THOMPSON, 1998, p. 21).
Antes, o público era o que acontecia na rua, nas praças, nos salões. E o privado
era o que acontecia em casa, no recôndito dos lares. Hoje, não mais. Público é tudo
aquilo sobre o qual incide o olho poderoso e abrangente da mídia. [...]. (GUARESCHI,
P.; GUARESCHI, O., 2005, p. 52).
Dentre as inúmeras formas de linguagem da mídia, de maneira particular a
charge é um tipo característico de caricatura. Sua origem semântica (do italiano
caricare) está relacionada ao ridicularizar, satirizar, criticar. Melo (2003) define a
caricatura como uma forma de ilustração que a mídia jornalística utiliza como gênero
opinativo, crítica humorística de um fato ou acontecimento em especial, segundo a
ótica do desenhista. A charge é a maneira mais sutil e “engraçadinha” de afirmar sem
ferir e de reafirmar sem mentir. Este gênero textual permite ao leitor perceber que
não há neutralidade na mídia, mesmo que haja aparente seriedade. O que se pretende
dizer está dito, e tem o apoio na consensualidade, ou seja, é legitimado pela cultura
para que faça sentido. Naturalizam-se os conceitos e as ideias, manipulam-se as
informações. Um olhar cuidadoso ainda se encontra perdido ao tentar identificar a
diferença entre fatos e versões nas expressões midiáticas.
Quando os indivíduos codificam ou decodificam mensagens, eles empregam
não somente as habilidades e competências requeridas pelo meio técnico, mas
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também várias formas de conhecimento e suposições de fundo que fazem parte dos
recursos culturais que eles trazem para apoiar o processo de intercâmbio simbólico.
Estes conhecimentos e pressuposições dão forma às mensagens, à maneira como eles
as entendem, se relacionam com elas e as integram em suas vidas. (THOMPSON,
1998, p. 29-30).
No tocante ao conteúdo da charge, os risos e gracejos são voltados para
personagens cujas representações sociais construídas socialmente são estereotipadas,
diferentes, menos favorecidas. O objeto de riso costuma pertencer a uma categoria
não valorizada. As charges apresentam os acontecimentos da atualidade, e
geralmente esses recursos opinativos impactam o leitor, demonstrando o pensamento
social através do humor. Seus rabiscos falam sobre a sociedade, e os construtos das
representações que sob a ótica social afirmam e reafirmam o que já vem sendo dito há
muito tempo.
Além de ilustrar o papel e a influência da comunicação na representação social,
as charges formam opiniões e entram no cenário de discussão retratada pela mídia.
De acordo com Rego e Amphilo (2010), as charges e fotos aparecem na imprensa
brasileira como a “opinião ilustrada”. Ao lado da caricatura (uma forma de ilustração
opinativa), as charges são desenhos capazes de passar o que está explícito e também
aquilo que não está através de imagens rabiscadas de humor.
O desenho é uma forma de linguagem visual, ele está entre as mais primitivas
formas de comunicação, explora a imaginação e a criatividade, trocando informações
através de diversas imagens, códigos e expressões. A linguagem visual através dos
desenhos, também pode ser considerada como uma linguagem verbal escrita, mesmo
quando no desenho não há a presença de letras ou textos, “mas existe
simultaneamente uma enorme variedade de outras linguagens que também se
constituem em sistemas sociais e históricos de representação do mundo.”
(SANTAELLA, 1983).
Segundo Dondis (1997), em sentido moderno, o conceito de meios de
comunicação está inextricavelmente associado à ideia de audiência em massa.
Qualquer portador de mensagens sejam elas uma pintura mural, um discurso, uma
carta pessoal, podem ser chamadas de meios de comunicação e discussão, assim
como as charges. São as RS que possibilitam o processo de comunicação. E este
processo também produz e reproduz as RS afinal, em todas as formas de
comunicação há o esforço do senso comum em compreender o mundo. Não há como
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conseguir uma informação sem que essa não esteja distorcida pelas representações
das categorias culturais. As RS tem um peso tão forte que, muitas vezes, criam na
cultura realidades inquestionáveis. Por esta razão, se queremos compreender o modo
como a cultura compreende e comunica o seu saber é preciso debruçar-se a conhecer
os mitos e tradições culturais que estão envolvidas no processo de construção das RS.
(MOSCOVICI, 2003).
Percurso metodológico
Entendendo a mídia como produto e processo dos conceitos socialmente
difundidos, a charge se apresenta como mídia de larga alcance, o que torna salutar
descrever como as marcas do pensamento cultural impressas neste gênero textual
revelam o desafio de ser mulher no espaço de poder da presidência da República
brasileira.
Para tanto, utilizamos a pesquisa documental fundamentada na perspectiva da
análise da imagem proposta por Joly (2010), a qual permite averiguar as
especificidades do discurso de gênero expresso nas charges diante da representação
da mulher vinculada ao espaço político. Segundo Laville e Dionne (1999), a pesquisa
qualitativa permite tratar do real humano, conhecendo as motivações e
representações, propiciando o encontro de subjetividades. Não importa para a
pesquisa a frequência dos dados, mas a sua forma literal.
Segundo Joly (2010), a leitura da imagem nos permite refletir que somos
moldados da mesma massa que ela, ou seja, ler uma imagem é ao mesmo tempo
trilhar por um caminho que nos é muito familiar. Ela é construída a partir dos
sentidos atribuídos pela cultura que lhe é perpassada. Se não fosse assim, jamais sua
forma de linguagem seria compreendida. A linguagem não apenas participa da
construção da imagem como também a substitui ou até complementa de maneira
reflexiva e criadora. Assim, conseguimos compreender como a imagem comunica e
transmite mensagens, sabendo que somos intrínseca e culturalmente iniciados em
sua compreensão. Dessa forma,
[...] uma imagem sempre constitui uma mensagem para o outro,
mesmo quando este outro somos nós mesmos. Por isso, uma das
preocupações necessárias para compreender da melhor forma
possível uma mensagem visual é buscar para quem ela foi produzida.
(JOLY, 2010, p. 55)
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Para analisar uma imagem é necessário primeiramente compreender do que
ela está falando e o porquê de fazê-lo daquela forma. Ela apenas representa algo e,
portanto não pode ser considerada a própria coisa. “Sua função é evocar, querer dizer
outra coisa que não ela própria utilizando o processo da semelhança. Se a imagem é
percebida como representação, isso quer dizer que a imagem é percebida como
signo.” (JOLY, 2010, p. 39). Assim como a imagem,
[...] as RS estão associadas às práticas culturais, reunindo tanto o peso
da história e da tradição, como a flexibilidade da realidade
contemporânea, delineando as representações sociais como
estruturas simbólicas desenhadas tanto pela duração e manutenção,
como pela inovação e metamorfose. (OLIVEIRA; WERBA, 2008, p.
110).
Diante dos sentidos transmitidos pela imagem, Joly (2010) complementa que
para produzir sentido, a imagem depende da produção de um sujeito que a produz e
por outro que a reconhece. Nesse processo de comunicação, a imagem pode ser
considerada uma metáfora em virtude de sua relação analógica e de comparação. Por
esta razão, ela produz e é um meio provocador de sentidos, produzindo no leitor uma
atitude interpretativa. De fato, uma imagem não tem o intuito de substituir as
palavras, nem o inverso. Ela acompanha as palavras interagindo de uma forma
complementar e mais ampla do que podemos imaginar. As imagens engendram as
palavras que engendram as imagens em um movimento sem fim. “A imagem é um
meio de expressão e de comunicação que nos vincula às tradições mais antigas e ricas
de nossa cultura. [...].” (JOLY, 2010, p. 135).
Sobre as crenças e ideologias culturais, Jodelet (2005) afirma que através das
RS podemos observar como o social as compreende e representa. As RS são a
produção, a expressão e o instrumento de um grupo em sua relação com a alteridade.
“Interessar-se pela imagem é também interessar-se por toda a nossa história, tanto
pelas nossas mitologias quanto pelos nossos diversos tipos de representações. [...]”
(JOLY, 2010, p. 136)
Assim, tendo em vista que a charge provoca no leitor significações e
interpretações, buscamos o seu modo de produzir significados e resignificados no
cotidiano social a partir das TRS. A “designação” de sentido foi realizada através da
leitura das charges selecionadas, anotando as impressões gerais diante dos elementos
identificados.
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Para efeito de análise, utilizamos nove charges escolhidas para nos debruçarmos
nesse estudo. Necessariamente, as charges eram de autoria de chargistas renomados
e haviam sido publicadas em sites de grande impacto social. Ademais, as charges
deveriam reproduzir a temática “Dilma no espaço de poder da presidência da
república”, e terem sido publicadas no período de 01 de janeiro de 2011 a 31 de
dezembro de 2011, ou seja, referentes ao primeiro ano de mandato da presidenta.
Afinal, como se configura a representação da presidenta da república?
A ampliação da presença feminina nos espaços de poder representará
a correção de uma grave distorção da democracia representativa
brasileira. No entanto, é apenas um passo dentre muitos outros na
mesma direção. [...] (MIGUEL; QUEIROZ, 2006, p.22)
No período das propagandas eleitorais para presidente da república, ocorrido
em 2010, assistimos a uma disputa eleitoral bastante interessante. Quando do
momento da posse, a mídia nacional e internacional se encarregou de propagar o ano
de 2011 como sendo o momento de exaltar a ascensão social da mulher. Entretanto, a
mesma mídia que reproduz com entusiasmo esta ascensão, ao mesmo tempo traz
consigo um discurso de estranhamento e preconceito.
Sobre esse estranhamento, Saffioti (2009) afirma que a representação social
da mulher na esfera pública está associada à prostituição. Isso se deve à construção
ontológica e social, baseada na estrutura sociocultural patriarcal que relaciona a
categoria mulher ao âmbito privado do lar. E por incrível que possa parecer, uma
charge do cartunista Nani foi publicada no dia 8 de julho de 2010 no blog do Josias
de Souza da Folha de São Paulo. O tema era “Candidata de Programa!”, onde a então
candidata Dilma Rousseff era comparada a uma garota de programa, representando o
Programa de Governo do PT.
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Disponível em: <//blogdojuniormiranda.blogspot.com/2010/07/baixaria-jornalista-da-folha-de-sao.html>
No dia 1º de Janeiro de 2011, durante a posse da candidata eleita Dilma, a
grande polêmica se encontrou nos inúmeros comentários no Twitter, onde jovens
brasileiros incitavam o assassinato da presidente durante a cerimônia. Confirmando
o que Bento (2006) afirmou acerca do sistema machista e sua capacidade de atingir
muitas pessoas mental ou fisicamente pelo imperativo patriarcal que exige que todos
os que dele fazem parte, sigam regras e padrões, construindo confusões de papéis e
perturbações sociais, inclusive a violência.
Outras charges também provocaram o comentário crítico na mídia, como a
“Censo: dona-de-casa civil” do cartunista Aroeira, onde a presidente segurava um
balde e um esfregão. Também a charge de Sponholz “Primeira Reunião Ministerial”
onde Dilma e as ministras se reuniram para fofocar. Todas satirizando de forma
ingênua, porém trazendo como argumento os preceitos patriarcais de que o lugar da
mulher é em casa, esfregando o chão, ou fofocando com as amigas. Corroborando
com a idéia da fragilidade e incapacidade feminina para administrar uma nação e
reconhecer a seriedade de uma reunião ministerial.
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Disponível, respectivamente, em: <//visaopanoramica.net/wp-content/uploads/2012/01/charge-aroeira-dilmacorrupcao.jpg e
//lh5.ggpht.com/_xlDouzAW9vc/TSRu8Cts6WI/AAAAAAAAC7U/Crl0jroIGUI/s800/AUTO_sponholz.jpg>
De fato, mesmo a mulher ocupando o espaço público da presidência brasileira,
a representação feminina atrelada ao ambiente doméstico se torna presente nas
representações chargistas. Como podemos observar nas imagens a seguir, a cor
vermelha está presente na roupa de Dilma em ambos os desenhos onde, além da
conotação do partido, indica perigo ou alerta. As ações da mulher presidente são
comparadas às tarefas domésticas, o que compreende uma representação que monta
um cenário em que as ações sociais de uma mulher, mesmo ocupando um cargo
político importante, ainda estão estritamente associadas ao lar. Segundo Higthwater
(1992), a cultura sempre fixou crenças e estabeleceu conceitos nas formas de ser
homem e ser mulher durante toda a história. O papel social feminino foi
historicamente estabelecido como sendo restrito ao âmbito doméstico enquanto ao
homem pertencia o domínio do espaço público, e neste o espaço político. Esse
homem que trabalha e provê as necessidades do lar, sempre ocupa um papel ativo em
nossa sociedade através da cultura. Essas crenças ainda permanecem presentes na
construção das charges, operando de tal forma a reafirmar a crença da mulher mãe,
dona de casa, cuidadora do lar e frágil criada pelo discurso de dominação. Um
discurso que buscou durante muito tempo tornar a mulher um ser sem rosto, sem
corpo, sem história, sem identidade ou expressão.
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Ora, a mulher sempre foi, senão a escrava do homem ao menos sua
vassala; os dois sexos nunca partilharam o mundo em igualdade de
condições; e ainda hoje, embora sua condição esteja evoluindo, a
mulher arca com um pesado handicap.[...] Mesmo quando os direitos
lhe são abstratamente reconhecidos, um longo hábito impede que
encontrem nos costumes sua expressão concreta.[...] (BEAUVOIR,
1980, p. 14).
Disponível, respectivamente, em: <//i2.wp.com/www.humorpolitico.com.br/wpcontent/uploads/2011/07/dilma-cansei-sponholz-290711-humor-politico.jpg?w=410 e //2.bp.blogspot.com/8Lh5s0ZsfN4/TijdUTtvJ3I/AAAAAAAADJE/zeUXzXbMIHg/s400/nani.jpg >
Dessa maneira, mesmo a mulher se retirando do âmbito doméstico e
conquistando espaço no mercado de trabalho e na política, não significa afirmar o
término das desigualdades de gênero. Afinal, não se trata apenas de uma discussão
meramente econômica, mas algo muito maior presente na cultura, nas ideias, nos
símbolos, na linguagem e no imaginário.
[...] O gênero é assim visto como um elemento constitutivo das
relações interpessoais e sociais na sociedade em geral. Nesse processo
de regulação, definem- se padrões quanto a posições, atitudes e
comportamentos e práticas em geral que, entre outros aspectos, são
capazes de reprodução das desigualdades e diferenças sociais.
(CAMPOS; TEIXEIRA, 2010, p. 21)
Em meio às conquistas sociais, a mulher que conseguiu sua independência
econômica e status ainda se encontra no meio de uma sociedade opressora em que as
tarefas no trabalho não podem dispensar os cuidados do lar, resultando numa
jornada dupla de trabalho. A representação da mulher não se afasta do mundo
feminino tradicional, nem tampouco recebe respaldo para ser igual ao homem.
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Ademais, o papel delegado a mulher de cuidadora do lar não a qualifica ocupar
espaços de poder político na sociedade, para tanto, essa mulher necessita de um
“homem forte” que a respalde e garanta que a mesma agirá corretamente no exercício
da função de chefe de Estado.
Disponível, respectivamente, em: <//2.bp.blogspot.com/-GdMOd6wkWBs/Tfd_fuduPI/AAAAAAAAGuU/0AaxVFBqx1g/64-por-cento-apoiam-interferencia-de-lula-no-governo-dilma.jpg e
//3.bp.blogspot.com/_-VsOe-STkrk/TIpwlLbOUzI/AAAAAAAABd8/RB1mcSNbvUo/s1600/Boneca+Dilma.jpg >
A charge do Nani “64% apoiam interferência de Lula no governo” apresenta a
mulher presidente como sendo incapaz de reger o país, afinal ela é apenas uma
boneca sem vida própria que só “funciona” se o Lula “der corda”. O ex-presidente não
pode ter descanso de seu cargo e precisa sempre “despertar do sono” para que a
boneca não pare. Sua expressão e fala “Acho que esqueci de dar corda na Dilma”
demonstra a insatisfação de ter que levantar do conforto da cama durante a noite
para fazer a boneca “funcionar”, ao mesmo tempo dando uma conotação de que a
presidenta, no momento, não está fazendo o que deveria fazer, ela não faz nada
enquanto o Lula não autorizar.
Na imagem, Dilma foi desenhada como uma boneca com um aspecto
robotizado e prestes a realizar um trabalho ao comando do Lula e na casa dele, o que
remete á Brasília, onde ele ainda seria o “dono” da casa. Na imagem também há uma
mulher que dorme – a esposa de Lula. Enquanto ela permanece dormindo é o expresidente que se levanta e age, buscando reafirmar as dicotomias masculina e
feminina como atividade e passividade, respectivamente.
No mesmo sentido, a charge do Sponholz apresenta-nos a Dilma como um
fantoche nas mãos do Lula. O ex-presidente parece estar brincando satisfeito com sua
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boneca e esta só “caminha” através da ação de suas mãos. Dilma não tem vida e foi
desenhada como um objeto manipulável coordenado por Lula. Ela só anda por onde
ele quer e executa exatamente aquilo que ele planeja. A mulher presidente não tem
autonomia e permanece à mercê de uma intervenção masculina.
Historicamente, o homem obteve respaldo social no que se refere a ser chefe
da família e do Estado. À mulher coube a obediência e a submissão ao homem
estabelecida pela ordem patriarcal. De modo que a representação da categoria mulher
depende da autorização da representação da categoria homem para cometer
transgressões, conseguir altos cargos e para ser mais do que mãe e esposa ou ser
detentora de poder. É a realidade falo-logo-cêntrica que impede a mulher de
configurar sua identidade e conquistar o seu espaço. Ela ainda está atada à submissão
e precisa da permissão do homem para agir ou expressar-se. (SAFFIOTI, 2009).
A representação da mulher presidente encontra dificuldade em ser associada à
competência e à admiração. Mesmo exercendo um cargo que denota poder, este
parece não estar nas mãos da mulher, pois a crença de quem toma as decisões e a
responsabilidade de liderança está intimamente ligada à figura do ex-presidente Lula,
obedecendo à hierarquia patriarcal. Beauvoir (1967) problematiza a representação da
mulher destinada à passividade e ao confinamento do lar. Esta representação não se
dissipa apenas através da conquista de novos espaços na sociedade, nem tampouco as
garantias da lei onde se garante a igualdade. As instituições, os costumes e todo o
contexto social impedem que as mulheres possam transcender.
[...] Pelo fato de ser uma recém-chegada ao mundo dos homens, tem
menores possibilidades de êxito. Homens e mulheres igualmente
repugna submeterem-se às ordens de uma mulher, têm mais
confiança no homem; ser mulher, se não chega a constituir uma tara,
é pelo menos uma singularidade. Para realizar-se, a mulher precisa
assegurar-se um apoio masculino. São os homens que ocupam
melhores lugares, que detêm os postos mais importantes. É essencial
sublinhar que homens e mulheres constituem economicamente duas
castas. (BEAUVOIR, 1980, p. 174-175).
Não obstante, a associação da figura masculina, além de respaldar no exercício
das funções que não “lhe cabem”, também é personificada na própria imagem da
mulher. Assim, a imagem corporal dessa mulher, necessariamente carrega
características socialmente destinadas aos homens.
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Disponível, respectivamente, em: //josiasdesouza.folha.blog.uol.com.br/images/paixaoDilmariaBonita.jpg e
//lh3.googleusercontent.com/wYdYCzj6fgHEhHT5KzQ06XxaXuPjh32HZW4ImWkjw1hPixigAkMw0XsNcSxnsb-KyyVx5o=s127>
Na imagem, Paixão retrata Dilma como uma cangaceira, “mulher macho, sim
senhor!”. O cangaço se caracterizou por um grupo de homens que vagavam pelas
cidades, liderados por Lampião, figura do nordeste brasileiro. Os trejeitos do cangaço
foram colocados na presidenta através de uma postura imponente, com as pernas
bem separadas, apoiando-se numa espingarda. Parece representar uma “mulher”
feroz, capaz de matar. De um lado vemos a faixa presidencial e de outro um cartucho
de balas e até o topete do cabelo imita o chapéu de cangaceiro. Sua postura militar e
sua figura trazendo a representação do nordestino vêm oferecer uma conotação
negativa e inferiorizada da sua liderança.
Traços masculinos foram bastante utilizados neste desenho buscando
demonstrar que para ser uma mulher presidente, ocupando um espaço antes
representado pelo homem administrador, ela precisa ser muito “macho”. Uma
mulher só poderia ser entendida como detentora de poder quando sua imagem é
associada ao masculino.
Ainda representando uma Dilma masculinizada, Paixão desenha a mulher
presidente fazendo uma atividade estritamente masculina, barbear-se. Ela olha-se no
espelho, mas não se vê. Ela está vendo o Lula porque, na verdade, ela é Lula. Se
Dilma é o ex-presidente, então ela se vê como homem. A charge busca chocar o leitor
diante do estranhamento em visualizar uma mulher exercendo uma atividade
masculina. Diante disso, a ação de barbear-se denota uma ação inautêntica, no que se
refere a uma mulher apenas “imitando” um jeito masculino de governar.
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À mulher foi negado o “falo”, o poder e a possibilidade de representar-se como
sujeito individual. Dessa maneira, a mulher se torna a imagem de um discurso, uma
imagem distorcida por uma realidade social machista dominadora que, discreta ou
não, apresenta-se no contexto atual. A ideologia que constrói essa representação está
diante de nossos olhos direcionando a visão como vemos e entendemos o mundo.
(WITTIG, 2006).
Em geral associamos ao poder um rosto masculino, então a uma mulher no
poder são facilmente atribuídas características masculinas. Somente sendo
comparada ao homem ela poderia receber estima, muito embora o estranhamento
social permaneça. Não basta mudar para “fantasiar-se” de homem é preciso que a
sociedade seja capaz de evoluir em conjunto para a igualdade dos sexos. “[...] Assim
como não basta dizer que a mulher é uma fêmea, não se pode defini-la pela
consciência que tem de sua feminilidade; toma consciência desta no seio da sociedade
de que é membro. [...]” (BEAUVOIR, 1980, p. 69).
São conceitos e preconceitos que impedem a construção da verdadeira
identidade da mulher como sujeito histórico. A imagem da mulher foi fabricada para
ser invisível e, sendo assim, não há como conceber esta mulher no poder sem que ela
seja muito “macho” para isso. A mesma sociedade que elege uma mulher presidente é
a que desaprova sua liberdade, incita seu anonimato e ridiculariza seu status. Afirmar
que o momento atual é satisfatório seria o mesmo que corroborar com a constante
visão preconceituosa que humilha, desvaloriza e desvirtua a mulher tornando-a
incapaz, submissa e inerte.
Considerações Finais
As mulheres têm conseguido conquistar espaço na sociedade brasileira,
quebrando com algumas barreiras da submissão e exclusão social. Graças a essas
conquistas, uma mulher pode tornar-se presidente da República pela primeira vez na
história do país. Enquanto a faixa presidencial cingia os ombros de Dilma Rousseff,
milhões de brasileiras sentiam a emoção da conquista, mas ao mesmo tempo o peso
do desafio por vivenciarem um novo momento histórico que lhes exigirá uma nova
forma de ser mulher.
No passado lutava-se pelo reconhecimento social, hoje é preciso que a mulher
se posicione diante de sua história como sujeito dotado de valor, capaz de construir
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sua identidade diante de uma sociedade opressora e esmagadora. Ter a coragem
suficiente para não ser tragada pela mídia e pelas normas sociais baseadas em
princípios falocêntricos. Sobretudo, lutar pela construção da “mulher”, não aquela
“não-homem” subordinada, sem corpo, sem alma e sem desejo.
Em busca de uma ontologia feminina Saffioti (2009) complementa que ser
mulher é ser diferente não pelo fato de sê-lo, mas pelo fato de existir. A construção do
ser acontece na relação com os outros. Essa relação não constrói o outro como
oposto, mas como distinto. Portanto, é o poder que distingue os melhores dos piores,
gerando exclusão. A todos nós “[...] cabe fazer este exercício, a fim de formular
perguntas e mais perguntas, pois estas poderão levar os seres humanos a construir
uma sociedade menos iníqua, eliminando, para começar, as hierarquias”. (SAFFIOTI,
2009, p. 30)
Para Butler (apud BARBERO 2005) “as categorias identitárias são sítios de
conflitos necessários. [...] Todas as categorias sexuais são sempre cópias, quer dizer,
não há original e derivação. [...] O que não implica negar o sujeito.” (p. 47) O difícil
torna-se reconhecer essas cópias como tal, diante de uma sociedade que naturaliza as
categorias sociais humanas e impregna todos os dogmas e preceitos através da mídia.
Diante da posse da primeira mulher presidente do Brasil, Mary Del Priore não
se mostra otimista, para ela no que se refere ao quesito mulher e poder, “a eleição de
Dilma Rousseff (PT) à Presidência da República está longe de elevar a mulher ao
protagonismo social, pelo menos por enquanto”. (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 2011;
Caderno A3) A posse de Dilma não se deu a partir de um reconhecimento nacional
diante da ascensão social da mulher, mas para dar continuidade a um projeto político
econômico iniciado no governo anterior. É preciso investir na autoestima da mulher
brasileira e buscar políticas públicas que valorizem a ética e a cidadania para que
aconteça um desdobramento social verdadeiramente eficaz.
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