Renata Viana de Barros Thomé Título da proposta: Ensino de

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Grupo de Trabalho 07 – Ensino de Sociologia
Autora: Renata Viana de Barros Thomé
Título da proposta: Ensino de sociologia e a formação das humanidades na
interface com a arte e a literatura
Título definitivo: Ensino de sociologia e a formação das humanidades na
interface com a arte e a literatura: marcadores da diferença e da desigualdade
social
Pensar o ensino de sociologia no Brasil requer uma reflexão sociológica que
busque as origens, as estruturas, os processos psicossociais nos quais o
embrião do pensamento sociológico foi gestado em nossa sociedade. Com a
crise oligárquica ao final dos anos 1928, a sociologia chega ao Brasil como
uma espécie de “teologia laica”, que teria o potencial de ajudar a conhecer a
realidade brasileira para resolver seus problemas de “atraso” e seu ensino nas
escolas normais seria fundamental para formar moralmente uma massa
disforme composta de indivíduos que jamais haviam se reconhecido como
cidadãos. Daí a confusão sempre presente no ensino e na elaboração dos
programas de sociologia: teria ela o papel atribuído por Mário de Andrade na
afirmação? – “A sociologia é a arte de salvar o Brasil rapidamente.” Seria ela
uma ciência ou uma ética social? Ensinar história da sociologia é ensinar
sociologia?
De lá para cá muita coisa aconteceu. Foram criados manuais, diretrizes
curriculares, mestres de prestígio, obras clássicas... a sociologia entrou e saiu
do currículo do segundo grau e até um presidente sociólogo (ou seria um
sociólogo presidente?) vetou a disciplina no então chamado ensino médio,
alegando falta de professores qualificados.
Atualmente temos orientações curriculares que contemplam uma história de
tensões, contradições e lutas que aparecem em três linhas dos estudos
sociológicos:
- registro conceitual (a sociologia é um discurso sobre a realidade);
- registro temático (temas emergentes, questões sociais de sempre ou do
momento);
- registro teórico (existe uma tradição teórica).
Algumas contribuições significativas emergem desta reflexão sobre o papel da
sociologia no Ensino Médio:
- desnaturalização dos processos sociais;
2
- estranhamento (lembrar a frase de Aristóteles: “A ciência nasce do espanto.”);
- por ter linguagem ou retórica que se constrói a partir de uma metodologia de
observação, o contato com a sociologia funciona como um momento de
“alfabetização científica”.
O como fazer este percurso do ponto de vista didático? Que metodologias, que
recursos pedagógicos utilizar?
Como “(...) a sociologia é vida”1 a combinação entre textos, linguagens e
materiais disponíveis é inesgotável: aula expositiva, visitas a museus, estudos
de meio, leitura e análise de textos, cinema, vídeo, TV, iconografia (fotografia,
pintura), charges, cartoons, tiras, histórias em quadrinhos, etc.
O texto que se segue é, portanto, uma sugestão de abordagem para a
exposição de temas clássicos da sociologia brasileira: marcadores da diferença
e da desigualdade social (classe, raça e gênero).
Falar dos marcadores da diferença e da desigualdade numa realidade social
como a brasileira é falar de uma multiplicidade de inter-relações entre conceitos
clássicos como raça, gênero e classes sociais. Nossas raízes coloniais e
escravocratas fazem desses marcadores uma trama imbricada na qual cor,
sexo, capital e poder seriam (me permito fazer uso de uma metáfora pictórica)
as várias facetas de uma tela cubista.
Partindo do pressuposto de raça, gênero e classe como constructos, evocarei
algumas formulações e fabulações significativas nesta discussão tão vasta e
distante de um consenso.
No texto “Raça e povo”, Publicado postumamente, Octavio Ianni revisita um
dos temas caros à produção intelectual brasileira: Seria possível se falar numa
categoria como povo, numa sociedade resultante do amálgama da
mestiçagem, numa sociedade marcada em termos antropológicos pelos
determinismos biológico e geográfico?
A questão anterior a essa poderia ser: Qual a explicação para termos feito a
opção de mimetizar a civilização européia machocêntrica e caucasiana?
Certamente tínhamos outras vias possíveis por onde seguir, porém do ponto de
vista histórico a opção (oficial) foi feita e imposta de forma clara: o Brasil
escolheu um modelo ocidental, branco, patriarcal e posteriormente urbanoindustrial e desenvolvimentista, reprimindo suas origens ameríndias, africanas
e rurais como um “pecado original”.
1
Lembrando Amaral Fontoura em .Sociologia Educacional. Rio de Janeiro: Ed. Aurora, 1966.
3
Em obras seminais como O caráter nacional brasileiro, Dante Moreira Leite
levanta aspectos psico-sociais do racismo e do etnocentrismo atávicos na
cultura e identidades brasileiras, a admiração do europeu e do estrangeiro e a
recusa de tudo que fizesse referência ao autóctone e às “raças inferiores”.
Ianni lembra que a imigração de alemães, italianos, árabes, ucranianos, entre
outros, no século XIX, passa ao XX como “política de branqueamento”, dando
contornos mais fortes ao cenário contraditório e rico que oscila entre ver a
miscigenação de maneira negativa e positiva, sobretudo nas artes, na literatura
e nas ciências sociais.
O primeiro momento no qual a miscigenação aparece de forma positiva é o
Movimento Modernista de 1922, onde intelectuais como Oswald de Andrade,
Mário de Andrade, Tarsila do Amaral e outros não diretamente ligados à
semana, como Juó Bananere revelam a possibilidade de contribuição da
cultura brasileira justamente no que ela tem de mais característico – o
hibridismo, as tensões e belezas da mistura racial e cultural.
A chamada geração de 1930 faz essa reflexão no âmbito das ciências sociais,
tendo contribuições definitivas como as de Sérgio Buarque de Holanda, Caio
Prado Júnior e Gilberto Freyre. Nas artes plásticas aparecem nomes como Di
Cavalcanti e Candido Portinari.
Do século XIX ao XX podemos observar uma mudança radical de perspectiva,
desde posturas racistas como de Oliveira Viana e Nina Rodrigues até a
construção de um “mito da democracia racial” tantas vezes rendendo críticas à
Gilberto Freyre, pelo seu caráter visto como demasiadamente idílico e
aparentemente destituído de contradições.
Octavio Ianni lembra: “O tema do negro brasileiro, principalmente nas ciências
sociais e na literatura, já recebeu a atenção de vários pesquisadores.”2 E
ressalta também a mesma temática nas obras de pintores como Di Cavalcanti
e Portinari.
Um quadro como O mestiço de Portinari, que faz parte do imaginário brasileiro,
amplia o que poderia ser chamado de tema do negro brasileiro para o brasileiro
miscigenado. É a exposição dos dilemas originais de raça e de classe (e
porque não dizer de gênero) na estrutura econômico-social brasileira.
A sociedade patriarcal e escravocrata é a marca indelével da estrutura social
brasileira que sempre desafiou e continua a desafiar todos aqueles que se
proponham a pensá-la. Numa sociedade estamental, composta de senhores e
2
IANNI, Octavio “Raça e povo” IN Pensamento social brasileiro, EDUSC & ANPOCS, 2004, p. 129.
4
trabalhadores braçais, será possível se falar em povo, sociedade de classes e
posteriormente em cidadania e democracia?
Numa das análises da obra de Gilberto Freyre, Ricardo Benzaquen de Araújo
defende que a sociedade patriarcal brasileira se constitui sob o signo da
“hybris”, ou seja, um sistema que se caracteriza por todos os tipos de excesso.
A exploração do trabalho escravo possibilitou o ócio e a luxúria dos senhores,
sua total entrega à esfera privada e doméstica. Em muitas passagens de Casa
Grande & Senzala, Gilberto Freyre fala da vida de senhores na rede, cria
imagens como “homens–centauros”, temidos fazendeiros que só se
locomoviam sobre seus cavalos, homens poderosos que nunca punham os pés
no chão, com “mãos de mulher”, delicadas de nada fazer, “homens-geléia”, que
esperavam serem retirados de seu estado de molenga pachorra, tal qual o
doce do vidro.
Em oposição ao estamento dos senhores de engenho, temos nas imagens de
Portinari, trabalhadores rurais com seus grandes pés fincados no chão, se
espalhando como raízes de árvores centenárias, por estarem em contato
permanente com a terra.
O recurso da deformação, marca de estilo de Portinari tanto na tela O mestiço
como em Lavrador de café e Café, dentre tantas outras, denunciaram a
exploração do trabalhador no campo, reduzido a massa disforme, coisa,
bicho... Essas marcas também aparecem em obras que retratam a vida urbana
resultante dos surtos de industrialização em “metamorfoses das raças e
mestiços em uma população de trabalhadores”3 explorados e subempregados
lançados à marginalidade nas favelas e periferias das cidades, como na tela
Favela.
Diante destes cenários é possível observar que às questões de raça e classe
vem se juntar a discussão sobre gênero na nossa cultura, marcada pela origem
patriarcal. Na tela Favela é possível ver as mulheres nas janelas, passando o
tempo, observando a vida alheia, em postura improdutiva e ornamental. Não
menos ornamental e improdutiva era a vida feminina retratada na obra de
Gilberto Freyre, porém reclusa. Enquanto o senhor ocupava a varanda e a sala
da casa grande, as mulheres, se solteiras se recolhiam ao quarto, se casadas à
cozinha, provando os quitutes das “pretas velhas” ou perseguindo as “escravas
de dentro” que em geral eram forçadas a serem concubinas de seus senhores.
O papel de coadjuvantes de trabalhadores, mestiços e mulheres se nota num
momento histórico posterior, entre os anos 1937 – 1945, período de
implantação do projeto nacionalista de Getúlio Vargas. No texto Formando
3
Op. Cit., p. 126.
5
futuros cidadãos nas escolas públicas brasileiras (1937 – 1945)4, Carmem
Nava demonstra a utilização da linguagem artística e pedagógica como
instrumentos de formação nacionalista. Era comum na época a utilização de
dramatizações publicadas nas cartilhas para encenação dos alunos. Uma
destas peças A sagrada união, aparece numa dessas publicações do início dos
anos 1940 e traz, numa de suas passagens, os seguintes dizeres:
“As três raças se ligaram
Dando outro tipo gentil
E altaneiro e, assim formaram
A raça deste Brasil”5
A peça era para ser encenada por uma aluna que representaria a “Pátria-mãe”,
figura feminina, apresentada numa postura cristã com os braços abertos em
cruz, tendo em volta todos os seus “filhos”, os estados da federação. Não por
acaso Getúlio Vargas era chamado de “Pai dos pobres”, vemos assim, a pátria
brasileira como uma grande família cristã, na qual o “bom filho” obediente se
converteria no “bom cidadão” e no trabalhador produtivo. Pai, mãe e filhos
numa harmonia forjada aos moldes patriarcais, porém com um novo elemento:
o nacionalismo como uma espécie de religião cívica, promovida por meio de
uma noção de identidade nacional paternalista.
4
NAVA, Carmem IN LAUERHASS JR., Ludwig & NAVA, Carmem (orgs.). Brasil uma identidade em
construção. São Paulo: Ática, 2007.
5
Op. Cit., p. 119.
6
É importante lembrar a influência da sociologia francesa nas primeiras décadas
do século XX, sobretudo de sociólogos conservadores cristãos como Le Play e
Jaqcues Maritain que foram influência para elaboradores de manuais de
sociologia utilizados nas escolas e institutos superiores católicos. Essa
sociologia tinha um caráter de filosofia social, dedicava-se a formar indivíduos
com padrões de conduta cristã adequados à conservação do equilíbrio social.
Além de fazer ciência, sociólogos como Alceu Amoroso Lima, Francisca
Peeters e Amaral Fontura tentavam conciliar pesquisa social e valores cristãos.
A esta influência vem se juntar a da sociologia norte-americana, a partir de
1930, que trabalhava com a noção de progresso do sociólogo inglês Herbert
Spencer. O modelo de desenvolvimento norte-americano tanto na área da
pesquisa como nos aspectos econômicos e sociais tinha um forte apelo para
uma nação igualmente jovem como a brasileira, de dimensões continentais,
grande diversidade racial e cultural e passado escravocrata recente. Todos
esses elementos compõem as dramatizações cívicas num universo
“desenvolvimentista cristão”, onde a relação entre as classes sociais se
pautaria muito mais pela irmandade orgânica do que pela luta ou exploração.
O visão marxista do conceito de classe social é simplesmente posta de lado em
função da idéia de nação que se pretendia criar. Em manuais de sociologia
como o de Fernando Azevedo aparece a seguinte definição: “diferenças de
profissão, de gênero, de existência e de recursos materiais. (...) classes
superiores, médias e inferiores constituem com seus órgãos diversificados, um
todo coerente e orgânico que é o povo e a nação.”6
Para Amaral Fontoura: “(...) classe é em sentido geral a reunião de indivíduos
intimamente unidos pelo mesmo ideal. (...) A razão de ser da reunião de
indivíduos em classe é a velha lei: o semelhante atrai semelhante.”7
O tema marcadores da diferença e da desigualdade levou a um mergulho
histórico e teórico que na concepção atual de ensino de sociologia deságua
inevitavelmente na discussão dos movimentos sociais, que nesta tradição dos
manuais e cartilhas foram banidos dos livros didáticos e são experiências
concretas da busca pelo espaço por aqueles que não encontravam lugar na
comunidade imaginada, mas sofriam e sofrem os dilemas da nação real.
Temos no Brasil uma história dos movimentos sociais, desde os movimentos
operários, passando pelas lutas indígenas, dos negros, das mulheres, da luta
pela terra, pela democracia, pela educação, pela moradia que no contexto da
6
MEUCCI, Simone. Os primeiros manuais didáticos de sociologia no Brasil Revista Estudos de
sociologia UNESP Araraquara. v. 06, no. 10, 2001, p. 133.
7
Op. cit. p. 133.
7
globalização se tornaram mais complexas e multifacetadas tornando muito
presentes para qualquer aluno do ensino médio temas clássicos da sociologia
e das ciências sociais como: política, poder, autoridade, teoria do Estado,
isolamento social, contatos sociais, cooperação, identidade, violência, paz e
solidariedade, meio ambiente, multiculturalismo, ética e tantos outros.
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