O tumor da modernidade Estilo de vida ocidental e avanços tecnológicos marcam aumento da incidência de câncer de mama no planeta e queda no índice de mortes Lucas Alvarenga Popular nos tempos de Guerra Fria, o American way of life conseguiu adeptos mundo afora. Com trabalho duro e determinação, milhões de ocidentais enfrentaram as “garras” do mercado livre em busca da tão almejada “qualidade de vida”. Hoje, sabe-se que a crença não passou de um sonho americano. E as consequências do individualismo e da voracidade capitalista explicam o crescimento da incidência do câncer em todo o planeta. Entre as mulheres, emancipadas e cada vez mais integradas ao mercado de trabalho, uma constatação. O câncer de mama se espalha e já é o segundo em número de casos no Brasil, atrás apenas do câncer de pele. “Atualmente os menores índices de tumores malignos nos seios estão nos países mais pobres da África. Lá, as mulheres têm muitos filhos, amamentam mais, usam menos hormônios e vivem menos anos, pois morrem antes de outras doenças”. A constatação do presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia em Minas Gerais, João Henrique Penna Reis, explica a evolução do quadro de câncer de mama no país. Dados do Ministério da Saúde e do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) indicam um aumento superior a 200% na incidência da doença no Brasil, entre 1980 e 2010. Números que acompanham o desenvolvimento nacional. As jornadas de trabalho menos flexíveis, sinais do estilo de vida ocidental, fizeram das mulheres reféns. Divididas entre trabalho e afazeres domésticos, elas adotaram os lanches rápidos, hipercalóricos, tornando-se mais obesas. Pressionadas pelo acúmulo de trabalho ficaram mais estressadas e suscetíveis a alterações emocionais. E encontram no álcool uma forma de relaxar. Esta combinação é, de acordo com especialistas, uma bomba-relógio para o aparecimento de nódulos cancerígenos nas mamas, também presente representam um em cada 100 casos da doença. em homens. Estes, porém, Quando precoce pior A preocupação dos pais com o “amadurecimento” das filhas tem um fio de razão. As adolescentes menstruam mais cedo. Antes meninas, estas “novas mulheres” se expõem precocemente aos hormônios femininos, dentre eles o estrógeno, responsável pela menstruação. Um sinal de alerta, de acordo com o oncologista Leandro Ramos. “Mulheres que experimentam a menstruação de forma precoce ou que a menopausa ocorre tardiamente, são mais propensas ao câncer de mama", afirma o médico. O especialista ainda explica que enviado ao fígado, o estrógeno não é totalmente metabolizado por ele, caminhando assim para o intestino, onde pode se transformar em células de gordura e permanecer no organismo. E quanto mais estrógeno na mama, maior a chance de ocorrência deste câncer. De mãe para filha O alerta também deve vir cedo. Afinal, em casa cuja mãe teve câncer de mama é sempre bom tomar cuidado, afirmam especialistas. Casos hereditários acontecem em 7% das ocorrências da doença. E o que indica Leandro Ramos, é atenção à prevenção. “A hereditariedade se deve a uma mutação do gene BRCA1 e BRCA2, que influencia tanto o câncer de mama, quanto o de ovário. E nota-se que se a mãe apresenta a doença, há propensão de a filha também apresentar. Por isso, se a mãe teve o câncer aos 40 anos, é recomendável que a filha faça o exame dez anos antes, aos 30", elucida o oncologista. O conhecimento no combate ao tumor Foi-se o tempo em que câncer era chamado de “aquela doença”. Impronunciável pelas gerações anteriores, o aparecimento de tumores, atualmente, é enfrentado com maior naturalidade. A mudança deve-se, principalmente, ao avanço dos métodos de prevenção, a exemplo da mamografia, no caso de nódulo nos seios. “Antigamente as técnicas de diagnóstico eram imprecisas ao ponto de várias pacientes chegarem com doenças localmente avançadas. Hoje, a medicina tem condições de realizar um diagnóstico pré-clínico e a paciente pode realizar a cirurgia curativa", lembra o oncologista Leandro Ramos. Apesar de a prevenção de incidências de casos de câncer aumentar em 11 mil, com base em um prognóstico do Instituto Nacional de Combate ao Câncer (Inca), as mortes indicam queda. Na Europa, a redução de óbitos por câncer foi de 20%. Já no Brasil, segundo o Ministério da Saúde, as cidades de São Paulo e Porto Alegre, apesar de liderarem o ranking de incidência, também se destacam pela diminuição acentuada da mortalidade. E a razão para otimismo está na evolução das técnicas de detecção e tratamento da doença, como a mamografia digital e a ressonância nuclear magnética, além da divulgação em massa do auto-exame. “O câncer de mama é uma das doenças mais bem estudadas. Atualmente muitas linhas de pesquisa se desenvolvem. As principais estão no campo da biologia molecular, do manejo cirúrgico, do desenvolvimento de novas drogas e de tecnologias para o diagnóstico mais precoce”, ilustra o mastologista João Henrique Penna. Para o médico, o emprego da radioterapia intra-operatória – quando se faz o tratamento radioterápico completo durante a própria cirurgia – e a oncoplastia – técnicas cirúrgicas estéticas empregadas no tratamento da paciente com câncer – são os mais recentes e importantes avanços do setor. Quando precoce melhor O ditado já diz: “prevenir é melhor que remediar”. E no caso do câncer de mama, nada melhor que a mamografia, principalmente quando há na família alguém que tenha desenvolvido a doença. “As mulheres identificadas com esse problema dispõe hoje de mais recursos como a combinação da mamografia digital e da ressonância magnética para as mais jovens, a cirurgia profilática – em caso de mamas densas – e, em casos selecionados, o emprego de drogas que podem inibir o aparecimento dos tumores”, enumera João Henrique. INFOGRÁFICO: Modernidade e câncer andam juntos Para o bem e para o mal: ao passo que contribuiu com a precisão no diagnóstico e no tratamento do câncer de mama, a modernidade também abriu caminho para situações perigosas: CONTRAS: Alimentação hipercalórica e obesidade Consumo de álcool Estresse (físico, psíquico, emocional) Envelhecimento da população Excesso de hormônios Sedentarismo PRÓS: Diagnósticos mais precisos Maior acesso a exames preventivos Informação abundante sobre a doença Melhora do tratamento Avanço da pesquisa CRÉDITOS, LEGENDAS E IMAGENS FOTO: AUTO-EXAME LEGENDA: O Inca alerta para a importância do auto-exame, fundamental para que a mulher se familiariza com a textura da pele e possa detectar alterações. CRÉDITO: Reprodução FOTO: LEANDRO RAMOS LEGENDA: “Da mesma forma que a incidência do câncer de mama aumentou, o número de mortes diminui. Isso se deve ao diagnóstico precoce da doença", afirma o oncologista Leandro Ramos. CRÉDITO: Arquivo pessoal