história e filosofia da ciência e formação de professores

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HISTÓRIA E FILOSOFIA DA CIÊNCIA E FORMAÇÃO DE
PROFESSORES: A PROPOSIÇÃO DOS CURSOS DE LICENCIATURA
EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS DO SUL DO BRASIL
DELIZOICOV, Nadir Castilho – UNOCHAPECÓ/UFSC
[email protected]
SLONGO, Iône Ines Pinsson - UNOCHAPECÓ
[email protected]
HOFFMANN, Marilisa Bialvo - UFSC
[email protected]
Eixo Temático: Formação de Professores e Profissionalização Docente
Agência Financiadora: Não contou com financiamento.
Resumo
Em defesa da inserção da articulação entre História e Filosofia da Ciência e Ensino das
Ciências Naturais, particularmente na formação do Professor de Biologia, são apresentados
argumentos em favor dessa perspectiva. Os autores que a defendem consideram que a
abordagem histórica-epistemológica poderá contribuir para que o professor melhore sua
compreensão sobre a Natureza da Ciência, preparando-o de forma mais adequada para
promover a Educação Científica Escolar. Assim, propomos a seguinte questão de pesquisa: as
matrizes curriculares dos cursos que formam professores de Ciências e Biologia contemplam
estudos e discussões acerca da História e Filosofia da Ciência? Com o objetivo de se obter
informações sobre essa questão foram analisadas as ementas disponibilizadas nos sites dos
Cursos de Licenciatura em Ciências Biológicas de Universidades públicas federais e estaduais
localizadas na região Sul do Brasil. Os resultados apontam que, das 12 Universidades que
oferecem o curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, seis delas não contemplam, na
matriz curricular disciplina/s que aborde/em aspectos relativos à História e Filosofia da
Ciência; entre aquelas que contemplam essa abordagem há uma variedade de nomenclatura
para as disciplinas, bem como uma variação na carga horária. Recomenda-se uma revisão dos
currículos dos Cursos das Licenciaturas em Ciências Biológicas, de modo a possibilitar aos
futuros professores uma visão mais consistente sobre a natureza do conhecimento científico,
bem como uma compreensão adequada sobre a relação entre Ciência, Tecnologia e Sociedade
(CTS), aspectos estes que influenciarão a prática docente na Educação Básica.
Palavras-chave: História e Filosofia da Ciência. Formação do Professor. Licenciatura em
Biologia.
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Introdução e contextualização
A natureza do conhecimento científico, mesmo não sendo abordada de modo
sistematizado em disciplinas específicas está presente, de modo implícito ou explícito, nas
práticas e nos discursos dos docentes ou, como argumenta Gil Pérez et al (2011) “[...] em
diversos instrumentos de ensino, como em livros didáticos, textos, exercícios, questionários,
entrevistas, entre outros” (p. 2). Assim sendo, pode-se afirmar que uma perspectiva históricofilosófica do empreendimento científico faz-se presente, de distintas formas, nos cursos de
graduação que formam professores para o ensino das Ciências Naturais.
A necessidade de “combater visões não adequadas e tentar fazer com que estudantes e
até mesmo professores possuam uma visão mais ampla do conhecimento científico faz parte
de um processo de alfabetização científica” (GIL PÉREZ, 2008, apud BRICCIA;
CARVALHO, 2011, p. 2). Esta preocupação, há anos, vem sendo uma constante entre
pesquisadores da área de Ensino das Ciências. Estudos que focalizam as concepções
epistemológicas dos professores de Ciências (BORGES, 1991; PRAIA; CACHAPUZ, 1994;
HARRES, 1999; GIL-PÉREZ et. al., 2001; BORGES; BORGES, 2001) indicam que muitos
docentes ainda detêm uma concepção empirista/indutivista sobre a produção do conhecimento
científico. Para Gil-Pérez et al. (2001), deste entendimento epistemológico decorre uma
concepção aproblemática, a-histórica, cumulativa e de crescimento linear do conhecimento
científico, como também, uma visão elitista, descontextualizada e socialmente neutra da
ciência.
Neste sentido, pesquisadores brasileiros e estrangeiros que têm se dedicado a
investigar o ensino de Biologia, Física e Química, são unânimes em anunciar que a inserção
do debate epistemológico, via História e Filosofia da Ciência, nos espaços de formação
docente, devidamente articulado às suas práticas de ensino, é estratégia profícua para uma
melhor preparação dos professores e à superação do ensino dogmático e memorístico que
ainda perdura na Educação Científica, em diversos âmbitos.
Esta defesa é corroborada, em âmbito internacional, sob diferentes argumentos.
Gagliardi e Giordan (1986) sugerem a utilização da História da Biologia como ferramenta
capaz de auxiliar na definição do que denominam de “conceitos estruturantes”. Segundo os
autores, os conceitos estruturantes foram decisivos para o desenvolvimento científico e
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também o serão, na transformação do sistema cognitivo do aluno, levando-os a incorporar
novos conhecimentos.
Para Gagliardi (1988), a utilização da História da Biologia possibilita aos estudantes
uma análise dos momentos de transformação da ciência e de suas teorias, bem como a
identificação dos conceitos que têm promovido tais transformações. Possibilita, ainda, a
elaboração de novas teorias, a utilização de novos métodos e instrumentos conceituais. Esse
autor considera que a utilização da História da Ciência está no seio de uma transformação do
ensino de Ciências, porque pode contribuir para sair de um ensino pautado na transmissão e
memorização em direção a um ensino pautado na construção de conhecimentos. Esta é
também a defesa de Giordan e De Vecchi (1996). Os autores citados argumentam que o
ensino-aprendizagem, que considera a História e a Filosofia da Ciência, favorece a superação
do ensino dogmático e fechado e leva à compreensão do empreendimento científico como
uma conquista de conhecimentos por aproximações sucessivas através de retificações e
múltiplas rupturas. Lombardi (1997) acrescenta que o conhecimento da História e da Filosofia
da Ciência pode contribuir para o desenvolvimento do pensamento crítico e para a
interpretação de textos e de fatos.
Matthews (1995) aponta que a História, a Filosofia e a Sociologia da Ciência
humanizam o conhecimento científico, motivam os alunos, contribuem para um melhor
entendimento dos conceitos científicos e seu desenvolvimento, superando a falta de
significado de fórmulas e equações. Acrescenta, ainda, que esta perspectiva epistemológica
colabora significativamente para aperfeiçoar a formação dos professores, ajudando-os a
melhor compreenderem a estrutura da Ciência que ensinam.
Para Mayr (1998), a História da Ciência é, antes de tudo, a história dos problemas
enfrentados pela ciência, das soluções buscadas e das soluções que se estabeleceram num
determinado momento histórico. Segundo o autor, a produção do conhecimento enquanto
atividade humana está, necessariamente, vinculada ao meio intelectual e institucional de cada
época.
Em âmbito nacional, pesquisas realizadas nas últimas décadas, na área da Educação
em Ciência (Zanetic, 1988; Peduzzi; Zylbersztajn; Moreira, 1992; Slongo, 1996; Peduzzi,
2001; Leite; Delizoicov, D.; Ferrari, 2001; Delizoicov, N., 2002; Delizoicov, N., et. al., 2004;
Scheid et. al., 2005; Delizoicov, N., 2006; Ferrari; Scheid, 2006), mostram, de diferentes
maneiras, a importância de se considerar os aspectos histórico-epistemológicos no Ensino de
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Ciências e, necessariamente, na formação dos professores para essa grande área do
conhecimento escolar. Argumentam que a abordagem histórica epistemológica poderá
contribuir para propiciar aos professores uma melhor compreensão sobre a Natureza da
Ciência, preparando-os de forma mais adequada para promover a Educação Científica
Escolar. Contudo, cabe questionar: de que modo é possível favorecer a inserção de uma
abordagem histórico-epistemológica na formação e nas práticas educativas dos professores de
Ciências e Biologia?
Estudos recentes têm destacado que há lacunas no que se refere à disponibilidade de
materiais didáticos de qualidade, que possam subsidiar o trabalho docente para a abordagem
didático-pedagógica da História e Filosofia da Ciência, nos vários níveis de ensino
(PEDUZZI, 2001; SLONGO; DELIZOICOV, 2003). Silva (2006) aponta, ainda, o reduzido
número de trabalhos que investigam estratégias para a articulação entre História e Filosofia da
Ciência e o Ensino das Ciências Naturais. Estes são, certamente, motivos que interferem na
veiculação fundamentada e consistente de uma compreensão mais adequada sobre a natureza
do conhecimento científico.
No entanto, há iniciativas cuja finalidade é contribuir para que uma abordagem
histórica e filosofica da ciência esteja mais presente na atividade docente. São exemplos duas
coletâneas, uma organizada por Nardi, (2004) e a outra por Silva (2006). Ambas
disponibilizam trabalhos escritos por profissionais e pesquisadores da área da educação, cujo
foco é a ciência e seu método, abordagem histórica de temas específicos da área e relatos da
aplicação da abordagem histórico-filosófica na sala de aula. Portanto, as duas publicações
destinam-se a pesquisadores e docentes da área da Educação em Ciências.
De modo mais específico, a publicação organizada por Nardi (2004) consiste no
volume 10, número 3 da revista Ciência & Educação. O periódico é uma publicação do
Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência da UNESP de Bauru. A coletânea
tem caráter temático e reúne artigos relacionados à “Epistemologia, História e Filosofia da
Ciência e suas relações com a Educação em Ciências”. A variedade de artigos que compõem a
revista revela a pluralidade de enfoques presentes nas pesquisas sobre a temática que vêm
sendo desenvolvidas no Brasil e em outros países, quanto à articulação da História e Filosofia
da Ciência e Ensino de Ciências. Nota-se, nos artigos, que a abordagem históricoepistemológica, em suas várias concepções, tem como foco privilegiado os cursos de
formação de professores.
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A coletânea organizada por Silva (2006) consiste em um livro destinado a “professores
do ensino médio, alunos de graduação, pós-graduação, professores do ensino superior e
pessoas que desejam conhecer mais sobre essa área de pesquisa, que atuem ou interessem-se
pelo ensino de ciências.” (SILVA, 2006, p. x). Este livro é composto por dezoito capítulos, os
quais reúnem trabalhos cujas reflexões giram em torno da
[...] natureza da ciência e seus métodos, a relação entre ciência e seu contexto social,
erros históricos presentes em livros didáticos, história de alguns assuntos ensinados
na escola, desmistificação de grandes cientistas, exemplos e relatos de aplicação da
história e filosofia da ciência em sala de aula [...] (SILVA, 2006, p. x).
Estas questões são discutidas através de temas relacionados à Física, Química e
Biologia. De acordo com a organizadora desse livro, a aproximação entre História e Filosofia
da Ciência e Ensino, pelo menos no Brasil, ainda ocorre mais no nível teórico. A autora
anuncia a falta de preparo dos professores para abordar os conteúdos com base
uma
perspectiva histórica-epistemológica.
Nesse sentido, uma questão, entre tantas outras, motivaram a realização do estudo ora
relatado: as matrizes curriculares dos cursos que formam professores de Ciências e Biologia
contemplam estudos e discussões acerca da História e Filosofia da Ciência?
Procedimentos metodológicos
Com o objetivo de detectar a presença de aspectos histórico-filosóficos na formação
inicial dos professores de Ciências e Biologia, foi realizada uma investigação analisando as
matrizes curriculares dos Cursos de Licenciatura em Biologia oferecidos pelas Universidades
públicas situadas na região Sul do Brasil. O estudo buscou identificar se nesses cursos estão
contempladas disciplinas relacionadas à História e Filosofia da Ciência e ou Biologia.
A identificação das Instituições Públicas Federais e Estaduais localizadas na região
Sul do país foi realizada mediante consulta ao site do Instituto de Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (INEP) www.educacaosuperior.inep.gov.br/funcional/lista_ies.asp, sendo
elas:
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Instituições Federais:
Fundação Universidade Federal do Rio Grande - FURG – (Rio Grande – RS);
Universidade Federal de Pelotas – UFPel – (Capão do Leão – RS); Universidade Federal de
Santa Catarina – UFSC – (Florianópolis – SC); Universidade Federal de Santa Maria – UFSM
– (Santa Maria – RS); Universidade Federal do Paraná – UFPR – (Curitiba – PR);
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS – (Porto Alegre – RS) e Universidade
Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR – (Curitiba – PR). Das 07 Universidades Federais
localizadas na região Sul do Brasil, 04 delas estão no Estado do Rio Grande do Sul, 02 no
Estado do Paraná, e 01 no Estado de Santa Catarina.
Instituições Estaduais
Fundação Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC – (Florianópolis – SC);
Universidade Estadual de Londrina – UEL – (Londrina – PR); Universidade Estadual de
Maringá – UEM - (Maringá – PR); Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG – (Ponta
Grossa – PR); Universidade Estadual do Centro Oeste – UNICENTRO – (Guarapuava – PR);
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE – (Cascavel – PR) e Universidade
Estadual do Rio Grande do Sul – UERGS – (Porto Alegre – RS).Das 07 Universidades
Estaduais que se encontram na região Sul, 05 estão no Estado do Paraná, 01 no Estado de
Santa Catarina e 01 no Estado do Rio Grande do Sul.
Na sequencia, foram acessados os respectivos sites dessas Instituições para verificar a
oferta de Cursos de licenciatura em Ciências Biológicas. Nas Instituições em que o curso é
oferecido, foram acessadas as respectivas matrizes curriculares, com o objetivo de verificar a
ocorrência de disciplina/s relacionada/s com a História e Filosofia da Ciência. Também foram
acessadas as ementas, cargas horárias e o status da/s disciplina/s, ou seja, se é/são
obrigatória/s ou optativa/s. Houve Instituições que não disponibilizaram as ementas em seus
respectivos sites.
A pesquisa apresentada é de cunho qualitativo centrada na análise documental e
análise de conteúdo, tendo como referência Bardin (1977). Segundo esta autora, a análise
documental tem por objetivo representar de forma distinta o conteúdo de um documento
original, condensando as informações que facilitam a sua consulta. Esse procedimento
permite passar de um documento primário para um documento secundário. As ementas das
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disciplinas foram submetidas à análise de conteúdo (BARDIN, 1977), uma vez que a sua
leitura proporcionou uma síntese que permitiu algumas inferências e interpretações, presentes
na análise dos dados e nas considerações finais.
O panorama encontrado
Entre as 14 Universidades públicas situadas no Sul do país, 12 delas, sendo sete
Universidades Federais e cinco Estaduais, oferecem o curso de Licenciatura em Ciências
Biológicas. As outras duas (UDESC e UERGS), ambas estaduais, não formam professores de
Ciências e Biologia para a Educação Básica.
Das 12 Universidades que oferecem o curso de Licenciatura em Ciências Biológicas,
seis delas (UFSM, UFPR, UFRGS, UTFPR, UEL e UEPG) não contemplam, na matriz
curricular do referido curso, disciplina/s que aborde/em aspectos relativos à História e
Filosofia da Ciência. Esta ausência pode comprometer a formação do professor quanto à
possibilidade de rever a sua concepção sobre a Natureza do Conhecimento Científico.
Para Borges (1996), uma discussão no interior dos cursos sobre as relações entre
prática de ensino e concepções sobre a natureza do conhecimento científico deve ser
incentivada e, para tanto, a autora sugere a inserção de disciplinas específicas que
contemplem a Epistemologia e a História das Ciências nos cursos de licenciatura, vinculadas
à prática de ensino e pesquisa. Esta inserção poderá possibilitar a superação de uma visão
linear e cumulativa da produção do conhecimento científico, entre outros benefícios para a
formação do professor e para o ensino de Ciências e Biologia na Educação Básica. Os
próprios documentos oficiais, como o PCNs, recomendam essa inserção nas aulas da
Educação Básica. Para tanto, necessário se faz inserir essa perspectiva na formação do
professor.
Assim, com a intenção de detectar a presença de aspectos histórico-filosóficos na
formação dos estudantes, futuros professores, foram analisados dados fornecidos nos sites das
seis Universidades (FURG, UFPel, UFSC, UEM, UNICENTRO e UNIOESTE) que oferecem
o curso de licenciatura em Ciências Biológicas e que preveem em sua matriz curricular
disciplinas relacionadas à abordagem histórico-epistemológica.
Observamos que a maioria dos cursos optou por oferecer a discussão em uma única
disciplina, exceto os cursos da FURG e UEM que propõem o componente curricular em dois,
e a UFSC em três semestres. Portanto, dedicando uma carga horária maior à discussão
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epistemológica na formação dos professores. Assim sendo, a carga horária disponibilizada
para as disciplinas é variável.
Há instituições que propõem a discussão em dois créditos, como é o caso da
UNIOESTE; em três créditos como é o caso da UFPel e UNICENTRO; em 10 créditos como
é o caso da FURG, sendo 6 créditos obrigatórios, e 4 créditos optativos; em 15 créditos, como
é o caso da UFSC, sendo 10 créditos obrigatórios e 5 optativos. A UEM não informa o
número de créditos do componente curricular.
A inserção de uma disciplina específica na matriz curricular ou então uma discussão
sobre a História e Filosofia da Ciência ao longo de todos os componentes curriculares, faz
parte do debate entre os especialistas. Vimos que Borges (1996) defende a inserção de
disciplina(s) específica(s), já Martins (2006), por exemplo, argumenta que a História da
Ciência não pode substituir o ensino das ciências, mas pode e deve complementá-lo. Assim,
esse autor sugere a inserção de episódios históricos nos conteúdos trabalhados em sala de
aula. Segundo ele, a análise epistemológica de episódios históricos nas aulas das Ciências
Naturais poderá permitir aos alunos uma compreensão das relações entre a ciência, a
tecnologia e a sociedade (CTS), mostrando, assim, que a ciência faz parte de um
desenvolvimento histórico, de uma cultura de um mundo humano, sofrendo influência e
influenciando muitos aspectos da sociedade. A opção por episódios históricos permite, ainda,
segundo Martins (2006), perceber o processo coletivo e gradativo da construção do
conhecimento, possibilitando uma visão mais adequada sobre a natureza do conhecimento
científico, contribuindo, ainda, para a formação de um espírito crítico e a desmistificação do
conhecimento científico.
Por sua vez, uma análise das ementas mostrou, também, que as disciplinas recebem
denominações variadas nas matrizes analisadas: Filosofia e História da Ciência e
Fundamentos e Filosofia da Ciência, na proposta da FURG; Filosofia da Ciência, Tópicos em
História da Biologia e Filosofia das Ciências Biológicas, na proposta da UFSC; História e
epistemologia da Ciência: bases teóricas e metodológicas para a pesquisa, na proposta da
UEM; Epistemologia das Ciências Biológicas, na proposta da UNICENTRO, História e
Filosofia da Ciência (Ética), na proposta da UNIOESTE, e Filosofia da Ciência na proposta
da UFPel, cuja ementa não foi disponibilizada no seu site.
Com o objetivo de conhecer de modo mais profundo como os Cursos das
Universidades selecionadas concebem e promovem a abordagem Histórico-Epistemológica na
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formação dos professores de Ciências e Biologia, realizamos uma análise detalhada dos
ementários das disciplinas citadas. Apenas a FURG, UFSC, UEM e UNICENTRO
disponibilizam os ementários ao público. Portanto, a análise a seguir apresentada, diz respeito
especificamente aos cursos de Ciências Biológicas oferecidos por estas Universidades.
Em relação aos conteúdos contemplados pelo/s componente/s curricular/es, foi
possível destacar duas abordagens sobre a ciência priorizadas pelos ementários: uma
abordagem externalista e uma abordagem internalista da ciência.
Conteúdos que contemplam a visão externalista da ciência procuram enfatizar
questões externas à comunidade científica para discutir/analisar os rumos da ciência, tais
como fatores sociais, políticos, econômicos, religiosos, culturais e ideológicos, entre outros,
implicados no fazer científico. Esses conteúdos podem ser identificados nas ementas
fornecidas pelos cursos de licenciaturas da FURG (www.furg.br) e UNICENTRO
(www.unicentro.br) uma vez que discutem “aspectos históricos, éticos, sociológicos e
antropológicos da ciência para dar suporte ao Ensino de Ciências e à atuação profissional”,
assim como a “evolução do pensamento científico e ciência contemporânea”. No ementário
do curso de licenciatura da FURG (www.furg.br), encontra-se ainda “a relação entre ciência e
filosofia no decorrer da história da cultura ocidental”.
Conteúdos que propiciam uma visão internalista da ciência, ou seja, priorizam
conteúdos intrínsecos ou cognitivos da própria ciência, foram encontrados nos ementários da
UFSC e da UNICENTRO: “a natureza e a especificidade do conhecimento científico, os
procedimentos envolvidos na sua produção, os princípios e regras que regem sua legitimação
e de seus padrões gerais de desenvolvimento e progresso” (UFSC, www.ufsc.br), “a evolução
de algumas concepções hegemônicas em um período determinado da história da biologia, que
permita discutir conceitos, teorias, implicações na atividade científica e na educação científica
(UFSC, www.ufsc.br); - “estudo epistemológico propedêutico dos modelos explicativos e dos
conceitos e princípios fundamentais que regem nos (sic) diferentes ciências biológica”
(UFSC, www.ufsc.br); “a posição das ciências biológicas no universo das disciplinas
científicas e a especificidade de seus modelos explicativos e padrões metodológicos” (UFSC,
www.ufsc.br); “demarcação entre Ciência e não-Ciência” (UNICENTRO, www.unicentro.br).
Cabe destacar que a citada “dicotomia epistemológica” entre uma análise internalista e
externalista do empreendimento científico não foi evidenciada, mesmo porque, apenas o curso
de Ciências Biológicas da UFSC disponibiliza o rol de referências utilizadas para subsidiar as
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disciplinas em análise e este dado é fundamental para identificar os enfoques prioritários.
Neste sentido, Jacinski (2009) argumenta em favor de uma abordagem que contemple tanto os
aspectos internos, quanto externos à atividade científica, pois,
[...] estamos diante de uma atividade complexa, heterogênea e organizada
socioculturalmente. Demanda assim, uma abordagem multicausal que, dando-se
conta da complexidade de interações (recíprocas) entre os aspectos sócio-culturais e
a atividade científica, estabeleça várias possibilidades regionalizadas de análise das
relações das diversas ciências com o seu contexto sóciocultural e histórico (p. 55).
Apoiando-se na abordagem epistemológica de Fleck (1986), Jacinski (2009) se
posiciona em favor de uma abordagem histórico-epistemológica que contemple aspectos
internos e externos ao empreendimento científico. O autor argumenta que,
[...] suas categorias epistemológicas ao mesmo tempo em que reconhecem a
especificidade da atividade e das comunidades científicas (coletivos de pensamento
e círculo esotérico), também atribuem importância não só às relações internas da
comunidade científica (circulação intra e intercoletiva de idéias), mas ainda às
relações que se estabelecem entre o circulo “esotérico” e “exotérico” na dinâmica da
produção do conhecimento científico. Ressalto ainda a sua concepção de linguagem,
ele a entende como uma importante instância em que se materializam as interações
entre a atividade científica e o seu entorno sociocultural (JACINSKI, 2009, p. 56)
Portanto, a inserção de uma reflexão epistemológica na formação dos professores
torna-se elemento imprescindível à superação do ensino tradicional, pautado numa
perspectiva empirista, ainda fortemente presente na realidade educacional brasileira. Praia e
Cachapuz (1994) advertem que as concepções dos professores, sobre a Natureza da Ciência,
estão diretamente relacionadas às suas práticas educativas em sala de aula.
O Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da UFSC proporciona, em relação a
Cursos de outras Instituições, uma discussão epistemológica mais ampla e aprofundada. São
ofertadas três disciplinas relacionadas a aspectos Epistemológicos Históricos e Filosóficos
sobre o desenvolvimento do conhecimento científico. Filosofia da Ciência é uma disciplina de
caráter obrigatório, o que pode garantir que os alunos participem de uma discussão que
envolve a natureza do conhecimento científico, o que poderá auxiliar na sua concepção sobre
a Ciência. Os alunos que se interessam por essa discussão poderão aprofundar seus
conhecimentos em outra duas disciplinas optativas: Tópicos em História da Biologia e
8850
Filosofia das Ciências Biológicas, as quais possibilitam aos professores em formação perceber
a ciência como uma atividade racional organizada e socioculturalmente situada. Pode
possibilitar, também, uma postura mais crítica em relação ao conhecimento produzido na
atualidade, bem como reconhecer as relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade – CTS.
Há ementas, tanto de disciplinas obrigatórias quanto de disciplinas optativas, que
apresentam uma consistência interna que, de modo explícito, deixa clara a intencionalidade de
proporcionar ao futuro professor a apropriação de uma consistente concepção epistemológica
sobre a natureza do conhecimento cientifico. A proposta do curso de Ciências Biológicas da
UFSC é o exemplo que mais se ajusta a essa observação.
Pelo estudo realizado pode-se concluir que ainda é bastante incipiente a discussão e a
inserção da História e Filosofia da Ciência nos cursos de Licenciatura em Ciências Biológicas
das Instituições selecionadas. Portanto, faz-se necessário uma formação que contemple a
História e Filosofia da Ciência como forma de propiciar ao professor uma visão mais
adequada sobre a Natureza da Ciência.
Para Gagliardi (1988), a História da Ciência pode ajudar os professores a alterarem a
sua prática tradicional para uma prática que priorize a construção do conhecimento,
favorecendo, segundo Giordan e De Vecchi (1996), uma compreensão da produção do
conhecimento científico como uma conquista de conhecimentos por aproximações sucessivas
através de retificações e múltiplas rupturas.
Zanetic (1988) defende a inserção da História e da Filosofia da Ciência nos cursos de
formação, pois, mesmo que os professores não estejam familiarizados ou seguros para realizar
uma abordagem de conteúdos com base na História e na Filosofia da Ciência, ela, de alguma
forma, “alimentará suas aulas”.
Se considerarmos que a introdução de um sujeito em um estilo de pensamento
pedagógico que, segundo Fleck (1986), está intimamente ligada à sua formação e que esta tem
peso considerável na ação / atuação do sujeito, uma vez que representa o solo firme de onde
se extraem e se imitam os modelos, a posição de Zanetic (1988) é significativa. A articulação
entre História da Ciência e Ensino por meio do estudo de episódios históricos e sua análise
epistemológica, ou por meio de disciplinas específicas, pode ajudar o futuro professor a
desenvolver uma concepção mais adequada do empreendimento científico.
Ludwik Fleck (1986), que recorreu à sociologia do conhecimento para a re-elaboração
teórica do conceito anti-individualista do conhecimento, advoga que a epistemologia de um
8851
saber deve incluir seus condicionantes sociais, culturais e históricos. Enfatiza, ainda, que a
ciência moderna não pode ser entendida sem que se recorra ao estudo de seu
desenvolvimento, uma vez que ela é produto de saberes remotos que foram se transformando
e se desenvolvendo ao longo do tempo.
Muitos professores em sala de aula tendem a “imitar” os modelos que vivenciaram
durante sua escolarização. O mesmo pode ocorrer com suas concepções sobre a natureza da
ciência. Os professores tendem, implicitamente, a manter as mesmas concepções de ciência
que vivenciaram durante a formação na universidade.
Considerações finais
Apesar de muitos pesquisadores da área da Educação em Ciências defenderem a
inserção da História e Filosofia da Ciência no ensino, prioritariamente na formação do
professor, com o objetivo de instrumentalizar os futuros docentes para uma articulação
consistente entre História e Filosofia da Ciência e Ensino, ainda é incipiente essa perspectiva
nos Cursos de Licenciatura em Ciências Biológicas das Universidades selecionadas e situadas
na região Sul do Brasil.
Conforme argumentamos no início deste texto, a natureza do conhecimento científico
está implícita nas práticas e nos discursos dos docentes, de modo que uma perspectiva
hstórico-filosófica do empreendimento científico está presente na educação científica de
modo geral, bem como, na formação dos professores para essa área do conhecimento.
Nesse sentido, o estudo deixou evidente que, apesar das iniciativas identificadas e
analisadas, se faz necessário um investimento significativo na formação inicial de professores
de Ciências e Biologia, no sentido de propiciar subsídios que possibilitem aos professores
uma visão mais adequada e ampla a respeito da produção científica e das relações CTS –
Ciência, Tecnologia e Sociedade.
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Porto
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