LICENCIATURA EM DIREITO CANÓNICO Ano Lectivo 2011-2012 Semestre de Inverno HISTÓRIA DAS FONTES DO DIREITO CANÓNICO PROGRAMA Objectivos da presente disciplina Um estudo das fontes do Direito Canónico, especialmente das que se apresentam mais significativas para testemunhar o esforço constante da Igreja, conduzida pelo Espírito Santo para, sem detrimento da sua função essencial de Sacramento da unidade do género humano, assegurar a respectiva renovação, reajustando a sua Legislação aos diversos momentos de maturação histórica (cf. Paulo VI, Discurso, 25-5-1968). Uma análise das Fontes do Direito Canónico orientada naturalmente para a interpretação científica dos seus objectos, mas também no objectivo de demonstrar que a dimensão jurídica da Igreja brota da sua “realidade complexa formada pelo elemento divino e elemento humano indissoluvelmente unidos” (LG, 8) e, por consequência, procurando refutar aquelas posições - sendo de assinalar a de R. Sohm (Kirchenrecht, Leipzig-Munchen 1892) - de quantos tendem a defender que “o Direito Canónico está em contradição com o ser da Igreja”. Página 1 de 8 1. UMA ELEMENTAR CARACTERIZAÇÃO DAS FONTES CANÓNICAS Tomando o conceito de “fonte” na sua acepção generalíssima de meios pelos quais se pode conhecer o Direito Canónico, segundo critérios de avaliação do seu valor, há que distingui-las em “fontes materiais” e “fontes formais”; “universais” e “particulares”; “genuínas” (“autógrafas”, “ideógrafas” e “apógrafas”) e “espúrias” (“pseudoepigráficas” e “apócrifas”); “privadas” e “públicas” ou “autênticas”. 2. IDADE APOSTÓLICA Novo Testamento: Actos dos Apóstolos, 15, 23-28; I Coríntios, 7. 7-9); I Coríntios, 7, 25-29. Exemplos sugestivos de que os Apóstolos se manifestam conscientes de serem intérpretes do direito divino positivo e de poderem dar determinações sobre matérias que o Senhor não tinha regulado directamente. 3. FONTES PSEUDO-APOSTÓLICAS (SÉCULOS II-V) Doutrina dos Doze Apóstolos (Didacché), provavelmente ano 97 da nossa era. As Constituições de Hipólito (Apostoliké Parádosis), inícios do século III. Didascalia ou Doutrina Católica dos Doze Apóstolos, primeira metade do século III. Disciplina da Igreja Apostólica, descoberta em 1843, mas sem possibilidades de se determinar a data. Constituições Apostólicas (Canones Ecclesiastici Apostolorum), data dos fins do século IV, possivelmente do ano 380. Os 85 Cânones Apostólicos, data desconhecida. Testamento de Nosso Senhor Jesus Cristo, provavelmente da segunda metade do século V. 4. COLECÇÕES DA UNIDADE CATÓLICA REGIONAL (SÉCULOS V-VII) Syntagma Canonum, elaborado na Igreja Antioquena e conservada na versão siríaca elaborada em Hierápolis por volta do ano 500-501. Recebida em Roma, no século V, traduzido em língua latina, circulou pelas Igrejas ocidentais em duas versões: a Hispana e a Itala ou Prisca. Entretanto, no período designado “renascimento Gelasiano” – que abrange dois Pontificados, o de Gelasio I (492-496) e o de Hormisdas (514-523) – confluem para Roma todas as compilações regionais. Página 2 de 8 O grande obreiro desta obra foi o monge Dionísio, o Exíguo. Vindo para Roma durante o pontificado do Papa Anastásio (496-498) deu-se ao trabalho de traduzir para latim todos os cânones conhecidos dos concílios gregos e deste seu ingente trabalho resultaram: a Versio Prima com os materiais dos Concílios gregos; a Versio Secunda que, segundo Cassiodoro, se tornou a colecção da Igreja Romana; e a Versio Tertia, com prefácio assinado pelo Papa Hormisdas. Neste período surgem nas Ilhas Britânicas os “Penitenciais” célebres pela introdução da “penitência tarifada”. Dentre eles contam-se: Cânones qui tribuuntur Sancto Patrício (450-456); Cânones Hibernenses, sem possibilidades de se determinar a data; Penitencial Viniano (548). De maior autoridade: Iudicia Cummeani et Theodori (século VII); Penitencial de S. Beda o Venerável; o Penitencial de Egberto (século VIII); e, finalmente, a Collectio Hiberniensis (século VII) de autor desconhecido. Nas Gálias: o Renascimento Carolíngio. Colecções anteriores à Reforma de Carlos Magno: o Liber Canonum da igreja de Arles (séc. VI); Collectio Lugdunensis (529); Collectio S. Mauri (séc. VI) elaborada pela igreja Narbonense. Com vista à organização eclesiástica multiplicam-se os concílios no Reino dos Francos, mas a preferência para levar a efeito a Reforma vai para as colecções canónicas já recomendadas pela autoridade papal e já utilizadas, com eficácia garantida, noutras igrejas. No ano 747, o Papa Adriano I, com dedicatória da sua pena, ofereceu, a Carlos Magno, um códice com as Colecções elaboradas por Dionísio, o Exíguo que, a partir de então, vem designada por Colecção Adriana. Pouco tempo depois, no Reino dos Francos, é adoptada complementarmente a Colecção Hispana. Por volta do ano 800, um Autor desconhecido faz uma edição com materiais de ambas que passa a ser designada Colecção Dacheriana que vai constituir, no Ocidente, o monumento da disciplina canónica até à Reforma Gregoriana. 5. REFORMA GREGORIANA: O PRESTÍGIO DA AUTORIDADE PAPAL (SÉC. XI-XII) A necessidade uma Reforma urgente na Igreja para resolver o grave problema das lutas entre o Sacerdócio e o Império, reforma a que pôs ombros a Ordem de Cluny, mas com a sua acção dificultada pelos senhores feudais no Concílio de Aquisgranense II (836) em cederem na “questão das investiduras”, criou a Página 3 de 8 consciência de que só o Sumo Pontífice poderia, a tal respeito, ter uma acção mais eficaz. Estava criado o ambiente para surgirem colecções espúrias a prestigiar o primado de jurisdição do Bispo de Roma sobre toda a Igreja. Aparecem assim colecções de cânones em que, ao lado daqueles extraídos da Colecção Adriana e Colecção Hispana, apresentam outros inventados. Eis algumas colecções desse género: Hispânia Augustodonensis (finais do séc. VIII); Capitula Angilramni ( 785); Capitula Benedicti Levitae (século IX); e Decretais Pseudo-Isidorianas, (finais do séc. IX), em que abundam elementos apócrifos. Na Itália, surge uma Colecção de Decretais (1015-1020) atribuídas a um presbítero que dá pelo nome de Lupi. Na Germânia, aparece, pela mesma época, o Decreto de Burchardo Wormatiense, também designada por Decretum, Liber Decretorum, Collectarium Canonum e, finalmente, por Brochardus que viria a ser utilizada como legislação decisiva na Reforma de Gregório VII (1073-1085). Acrescente-se ainda o Dictatus Papae Gregorii VII, atribuída ao próprio Papa; a Collectio 74 Titulorum, da autoria de Canonistas da Chancelaria Papal; e a Colecção do Cardeal Deusdedit, com o título original Libellus contra Invasores et Simoniacos (1083-1086). Dentre as colecções elaboradas nas Gálias, merecem especial referencia as Colecções de Ivus Carnutensis, Bispo de Chartres, designadamente as Tripartita, Decretum e Panormia. 6. O DIREITO CANÓNICO COMO CIÊNCIA AUTÓNOMA DA TEOLOGIA COM O DECRETO DE GRACIANO Decreto de Graciano ou, segundo o título original, Concordantia Dicordantium Canonum (1150-1151 ou, para alguns 1140). O seu Autor: João Graciano (Joannes Gatianus), monge camaldulense e professor na Universidade de Bolonha durante o noviciado. Mérito científico da obra: não se limita a enumerar textos, mas antes a conciliar textos discordantes, utilizando o método científico de Pedro Lombardo: distinctiones (princípios, proposições, disposições do Direito); depois, as Causae (casos, acções judiciais) das quais nascem e se relevam várias questões jurídicas (Questiones). Para provar, refutar e conciliar, introduz textos pró e contra. Página 4 de 8 Dentre as muitas fontes usadas, destacam-se o Decreto de Burchardo Wormatiense, Colecção de Anselmo Lucence e Tripartita, Decreto e Panormia de Ivo de Chartres. O Decreto de Graciano apresenta-se dividido em três partes: na primeira, 101 Distinctiones; a segunda, 36 Causae; a terceira (designada De Consecratione), 5 Distinctiones. 7. COLECÇÕES ENTRE O DECRETO DE GRACIANO E AS DECRETAIS DE GREGÓRIO IX Emancipado o Direito Canónico da Teologia por Graciano, assistiu-se a um trabalho intenso de sistematização compilatória de decretais em íntima colaboração da Suprema Autoridade da Igreja e os Doutores das Escolas, não deixando de contribuir para tal o facto de alguns Papas terem sido insignes Professores de Direito, como Alexandre III (Rolando Bandinelli), Gregório VIII (Alberto Beneventano) e Inocêncio IV (Sinibaldo Flisco). Surgem, assim, as designadas Collectiones Extravagantes. Dentre elas, citam-se: Compilatio I Antiqua (1191) que recolhe as normas omitidas por Graciano e aquelas emanadas depois do Decreto. Compilatio II Antiqua (1210-1212) que contem as decretais anteriores a Inocêncio III. Compilatio III Antiqua (1210), compilando as decretais de Inocêncio III. Compilatio IV Antiqua (1215-1216) de carácter privado. Compilatio V Antiqua (1226). Trata-se de um Compilação autêntica aprovada pelo Papa Honório III que ordenou a sua utilização nas escolas e nos julgamentos. 8. DECRETAIS DE GREGÓRIO IX (1234) Com o desenvolvimento do Ius Decretalium, surgem naturalmente repetições, abrogações, derrogações, o que nada facilitava a aplicação do Direito e o estudo académico. Começou a urgir a necessidade de uma Colecção mais actualizada, com vigência universal, com uma ordenação mais sistemática. Desta forma, por incumbência do Papa Gregório IX, Frei Raimundo de Peñafort (+1275), trabalhou durante quatro anos numa nova Compilação de Decretais Página 5 de 8 deignada originalmente por Compilatio, mas, ao longo dos tempos, também por Codex Gregorianus, Compilatio Nova, Compilatio VI, Liber Extravagantium, Liber Extra. Hoje permanece com o título Decretais de Gregório IX. Trata-se, quanto ao seu valor jurídico de uma Compilação autêntica. 9. LIBER VI BONIFACII VIII (1298) A necessidade de uma Colecção universal, que pudesse pela sua generalidade normativa ser adequada, na sua aplicação a toda a Igreja, não foi resolvida pelas Decretais de Gregório IX. Foi, por isso, elaborada uma nova Compilação que, por ordem do Papa Bonifácio VII que recebeu o título de Liber VI Bonifacii VIII. Assim designada por se considerar, embora impropriamente, um complemento embora autónomo dos 5 Livros das Decretais de Gregório IX . Trata-se, com efeito, de uma Compilação com uma sistematização muito mais perfeita juridicamente falando. Trata-se de um monumento canónico moderno com carácter universal, autêntico e exclusivo e a sua promulgação foi efectuada através da comunicação às Universidades de Bolonha, Paris e Salamanca. 10. AS DECRETAIS CLEMENTINAS (1317) Surgidos novos problemas, especialmente na defesa das liberdade da Igreja e evolução das instituições eclesiásticas, o Papa Clemente V promoveu a elaboração de uma nova Compilação de Decretais. Falecendo antes da sua promulgação, o seu sucessor Papa João XII encarregou-se desta tarefa, comunicando esta Compilação às Universidades de Bolonha, Paris e Salamanca. Trata-se uma Colecção universal, autêntica, mas não exclusiva. 11. COLECÇÕES EXTRAVAGANTES (FINAIS DO SEC. XV) Sucessivamente vieram a juntar-se ao Corpus Iuris Canonici, formado pelas Compilações elaboradas a partir do Decreto de Graciano, ainda duas Colecções tardias que merecem ser referenciadas: as Extravagantes Ioannis XXII e as Extravagantes Communes. De menor importância pois tratam-se de Colecções privadas. Página 6 de 8 12. DO CORPUS IURIS CANONICI AO CODEX IURIS CANONICI (SEC. XVI-XX) Depois da formação do Corpus Iuris Canonici não surgiu qualquer outra colecção abrangente das fontes legislativas da Igreja. As Colecções posteriores são apenas colectâneas de índole não sistemática. Dentre elas, convém destacar os Bullaria coligidos por iniciativa privada e que recolhem constituições e decretos pontifícios. Dentre estes últimos, citaremos o Magnum Bullarium Romanum começado em 1733 e terminado em 1772, em 18 tomos e 32 volumes, contendo actos do Romano Pontífice desde o ano 440 até ao ano de 1758. Acrescentamos, dentre os actos das Congregações Romanas, o Tesaurus S. Congregationis Concilii. Elaboram-se também Edições Oficiais de alguns Sumos Pontífices (Bento XIV, Gregório XVI, Pio IX, Leão XIII e Pio X). Resta ainda referir as Acta Sanctae Sedis que, desde 1865 a 1908, publica as Actas pontifícias e da Cúria Romana e que, a partir de 1909, é substituída pelas Actae Apostolicae Sedis, Comentário Oficial da Santa Sé. 13. O CÓDIGO DE DIREITO CANÓNICO DE 1917 As vicissitudes que urgiam a elaboração do Código. O Decreto Arduum sane (19. 03. 1917) de Pio X, instituindo a Comissão para a Redacção. Os trabalhos de codificação orientados especialmente pelo futuro Cardeal P. Gasparri. A sua promulgação com o motu próprio Cum Iuris de Bento XV. 14. O CÓDIGO DE DIREITO CANÓNICO ACTUAL (1983) O anúncio da reforma do Código (25.01.1959) pelo Papa João XXIII e a nomeação pelo mesmo Papa de uma Comissão de Redacção (1963). A nomeação de 70 Consultores por Paulo VI (1964). Uma história detalhada dos problemas e trabalhos surgidos durante o processo de redacção. A Constituição Apostólica Sacrae Disciplinae Leges (25. 01. 1983) pela qual João Paulo II promulga o novo Código. Página 7 de 8 15. APÊNDICE: AS DUAS CODIFICAÇÕES PARA AS IGREJAS ORIENTAIS A codificação de 1949-1957. O Código de Cânones das Igrejas Orientais (1990). BIBLIOGRAFIA A. M. STICKLER, Historia Iuris Canonici Latini: Historia Fontium, Turim 1950; A.VAN HOVE, Prolegomena, Mechliniae-Romae 1945; A. DE LA HERA, Introducción a la Ciência del Derecho Canónico, Madrid 1967; A. GARCIA Y GARCIA, El Código de Derecho Canónico en la Historia, Salamanca 1967; A. PRIETO, El Proceso de Formación del Dercho Canónico, Pamplona 1974; GIANFRANCO GHIRLANDA, Las Fuentes del Derecho Eclesial, in: El Derecho en la Iglesia Mistero de Comunion, Madrid 1990. REGIME DE AVALIAÇÃO A avaliação será o resultado da nota do exame final. Lisboa, ISDC, 17 de Outubro de 2011. O Professor P. Manuel de Pinho Ferreira Página 8 de 8