O ensino da arte e a diversidade cultural – investigando a Festa do

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O ensino da arte e a diversidade cultural – investigando a Festa do Divino
Espírito Santo com alunos da Educação Básica
Adriana Tobias Silva1
[email protected]
UFMA
Resumo: Este trabalho evidencia a importância da abordagem sobre a diversidade cultural no ensino da Arte,
tomando as manifestações culturais populares, presentes no universo da comunidade escolar, como meio. O artigo
discute sobre a relevância da pesquisa científica em Artes na escola contemporânea, bem como o do incentivo para
a realização de pesquisa científica, demonstrado a partir de um breve relato sobre uma experiência realizada em
uma escola pública de ensino médio, no âmbito de um projeto voltado a valorização da identidade cultural,
envolvendo professores e alunos, intitulado A Festa do Divino Espírito Santo em São Luís do Maranhão.
Palavras-chave: Ensino da arte. Pesquisa científica. Identidade cultural. Diversidade cultural. Festa do Divino.
Resumen: Este trabajo pone de relieve la importancia del enfoque sobre la diversidad cultural en la enseñanza del
arte, teniendo las manifestaciones culturales populares presentes en el universo de la comunidad escolar como un
medio. El artículo discute la relevancia de la investigación científica en Artes en la escuela contemporánea, así como
el incentivo para llevar a cabo la investigación científica, demostrada a partir de un breve informe sobre un
experimento en una escuela pública de secundaria, bajo una proyecto dirigido a la valorización de la identidad
cultural, la participación de los profesores y estudiantes, titula la Fiesta del Espíritu Santo en Sao Luis.
Palabras claves: Enseñanza de arte. Pesquisa científica. Identidad cultural. Diversidad cultural. Fiesta del Divino.
Introdução
Abordar o ensino da Arte pelo viés do universo cultural do aluno é, dentre inúmeros métodos, uma
forma de ter o processo de ensino-aprendizagem alcançado, pois este se dá em uma ligação direta com o mundo
social do aluno. Dentro desse processo o discente não deve ser tolhido de apreciar as artes consagradas
mundialmente, muito menos deixar de valorizar sua própria cultura, a arte local e ampliar o conceito de arte por
meio da multiculturalidade. E por que não realizar analogias entre a arte chamada erudita e a arte popular? Dessa
forma, observamos a importância de incentivar o aluno a direcionar seu olhar para o seu entorno, ao que lhe pode
ser considerado familiar, e perceber que o processo de ensino aprendizagem pode ocorrer a partir do envolvimento
da comunidade escolar com as manifestações artísticas e culturais locais.
Em rituais de terreiro e casas de promesseiros (aqueles que realizam manifestações populares como forma
de retribuição a um santo ou entidade sagrada, encantados, devido a graça alcançada) em São Luís do Maranhão e
outros municípios do estado, é frequente a inclusão de ladainhas em etapas específicas do ritual. Uma das mais
utilizadas é de autoria de Antonio Rayol, um importante compositor maranhense do século XIX de formação
Mestranda em Artes do Programa de Pós-Graduação PROFARTES – UDESC – UFMA. Especialista em Artes. Licenciada
em Educação Artística, habilitação em Artes Plásticas pela Universidade Federal do Maranhão - UFMA. Arte/educadora da
rede Municipal de São Luís - MA. Representante da FAEB Regional Maranhão. 2ª Secretária da Associação Maranhense de
Arte Educadores/AMAE biênio 2016-2018.
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erudita. A ladainha é cantada por rezadores das comunidades, em “latim caboclo”, na maioria das festas como Festa
do Divino, Festa de Santa Tereza, Festa a São Benedito, Festa de Santa Barbara, dentre outras. Em relação aos
espaços das festas do Divino Espírito Santo. Portanto, aqui se verifica uma apropriação popular da arte considerada
erudita. Os interiores das casas de festa são adornados com peças de caráter escultórico e outros elementos, por
vezes montados seguindo lógicas de simetrias, por exemplo, utilização de cores como elementos simbólicos. Em
muitos casos, esses elementos são inspirados em adornos internos e externos das igrejas, especialmente quando
próximas do estilo barroco. Essa constatação nos foi possível perceber quando da pesquisa em nosso trabalho
monográfico de conclusão do Curso de Educação Artística intitulado de “Arte da devoção – os altares da Festa do
Divino Espírito Santo em Alcântara Maranhão”, nos fazendo compreender que não existe um abismo entre a arte
chamada erudita e a arte chamada popular. Portanto, quando direcionamos o nosso foco para a Festa do Divino,
estamos apenas destacando uma dentre tantas que exibem cores, formas, proporção, texturas, bidimensionalidades
e tridimensionalidades, constituindo-se em vasto campo propiciatório de experiências de fruição artística.
Procuramos dar ênfase no decorrer deste trabalho da necessidade de professores e alunos serem
pesquisadores, da sua própria cultura, da cultura do outro, visando também com isto o combate a intolerâncias, na
medida em que o processo assim desenvolvido implica na valorização e respeitando sobre as manifestações
populares presentes na comunidade.
Quando percorremos a bibliografia, os debates e encontros de Arte/educadores nos deparamos com
uma luta árdua desses profissionais e estudiosos ávidos por melhorias no âmbito do ensino das Artes. Essas
conquistas foram sendo alcançadas gradualmente. Quatro décadas se passaram desde que em 1971 a arte era
incluída no currículo, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional como “Educação Artística”, não como
disciplina, mas como “atividade artística”, como é mencionado no PCN de Arte (1997, p. 24), conquista essa,
considerada uma vitória pra época. A LDB, os PCNs e a proposta de uma Base Nacional Comum Curricular, ainda
em fase de construção, abordam dentre tantas outras temáticas, os direitos ao acolhimento da diversidade como
por exemplo, na valorização de seus saberes, identidades, culturas e potencialidades.
Atualmente estamos vivenciando a construção da Base Nacional Comum Curricular, que já está em
sua segunda versão. A FAEB, Federação de Arte Educadores do Brasil se mobilizou com muito esforço para
discutir a BNCC desde o lançamento dos textos preliminares:
Os esforços voltaram-se para a organização de leituras, análises e discussões sobre as muitas
questões envolvidas, particularmente sobre as contradições do Componente Arte alocado na
Área de Linguagens. Na centralidade das discussões sobre as práticas curriculares sempre esteve
a relação da BNCC com a valorização da formação específica dos professores, nas linguagens
das Artes Visuais, Dança, Música e Teatro.2
Em agosto deste ano aconteceu o Seminário da Base Nacional Comum Curricular, momento no qual
se deu a sua segunda revisão. A BNCC, em seu primeiro projeto, trazia diversos pontos negativos em relação ao
BOLETIM FAEB 1/2016. Disponível em: http://faeb.com.br/admin/upload/files/Boletim%20Faeb_%C3%83%C2%BAltimo%2009%2007%202016.compressed.pdf
2
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que se vem galgando para o ensino de arte, referindo-se às áreas das linguagens artísticas (Artes Visuais, Música,
Dança e Teatro) como “subcomponentes” ao invés de “componente curricular”, equívoco grave, porém alterado
em sua segunda versão.
Ainda enfatizando a importância do ensino das linguagens artísticas lembramos que recentemente, foi
publicada a Lei 13.278/2016 que inclui as Artes Visuais, a Dança, a Música e o Teatro nos currículos do ensino
infantil, fundamental e médio, vindo a alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/1996. A
nova lei deverá ser cumprida dentro de um prazo de cinco anos, período no qual os sistemas de ensino possam vir
a promover a formação de professores para inserir esses componentes curriculares na Educação Básica.
Abordaremos neste artigo uma experiência que tivemos no ano de 2015 com o Ensino de Artes Visuais
entorno da Festa do Divino Espírito Santo. A manifestação cultural acontece em todo o Brasil, entretanto, no
Maranhão, possui peculiaridades que ampliam o interesse em tomarmos essas manifestações, tão presentes e vivas
em nossa comunidade, como conteúdos a serem trabalhados. Tal experiência foi realizada com alunos da escola
pública Centro Experimental de Ensino Médio Colégio Maranhense Marcelino Champagnat, no âmbito de um
macro projeto realizado pelos professores da área de Linguagens, Códigos e suas novas Tecnologias com a temática
direcionada para Identidade Cultural, intitulado “As Diferentes Linguagens na Construção da Identidade”, onde
cada grupo de professores realizou um subprojeto. Juntamente com a professora de Língua Portuguesa, Magnólia
Machado e 25 alunos, realizamos o projeto “Divino Espírito Santo: Arte e Devoção como Identidade Cultural”.
A Festa do Divino Espirito Santo, bastante praticada pelas camadas populares no Maranhão, os andores,
altares, centros de mesa, abajur, vestuário e demais adereços das ambientações desses espaços ritualísticos compõem
uma estética popular determinada por conceitos tradicionais próprios, que, em geral, reinterpretam elementos da
arte chamada erudita, como o barroco, o rococó e o neoclássico, mas que ressignificam esses elementos na
contemporaneidade.
Ênfase sobre o ensino da arte e a diversidade cultural
Quando nos referimos ao ensino das artes visuais, prontamente nos vem à mente imagens de obras de
artistas reconhecidas mundialmente, pode-se dizer que, muitas das vezes, nos esquecemos que a arte produzida em
nosso bairro, em nossa cidade também faz parte dessa classificação. Geralmente são conteúdos ignorados ou
deixados para serem abordados no final do ano letivo, ou até mesmo descartados, caso não haja mais dias letivos
para explanação desses conteúdos.
Os PCNs nos trazem alguns objetivos a serem alcançados pelos alunos no ensino fundamental e é
papel do professor e da escola direcionar essa conquista. Tomaremos liberdade de destacar dois desses objetivos,
sem a finalidade de diminuir os demais:
Conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais, materiais e culturais
como meio para construir progressivamente a noção de identidade nacional e pessoal e o
sentimento de pertinência ao País;
Conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro, bem como aspectos
socioculturais de outros povos e nações, posicionando-se contra qualquer discriminação baseada
em diferenças culturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras características
individuais e sociais.” (PCNs ARTE.1997, p. 7)
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O primeiro item enfatiza a importância em proporcionar a construção da identidade brasileira,
valorizando as realizações de nosso povo com o intuito de fortalecer a ideia de pertencimento cultural, “sentimento
de pertinência ao País” identidade cultural, o que poderia ser instigado com aulas voltadas para a educação estética
sobre os fazeres e saberes de nossa cultura, inclusão de temáticas sobre artistas de nossa região e suas linguagens
artísticas. O segundo item implica que o aluno deve, além de conhecer, valorizar a diversidade cultural brasileira e
os aspectos socioculturais de outros povos e nações respeitando as diferenças. Richter aponta que é dever dos
educadores gerar ambientes “que promovam a alfabetização cultural de seus alunos nos diferentes códigos
culturais, e conduzam à compreensão genérica dos processos culturais básicos e ao reconhecimento do contexto
macrocultural em que a escola e a família estejam imersas” (RICHTER, 2012, p. 99).
Quando abordamos assuntos que fazem parte do universo dos alunos, como as manifestações populares,
logo percebemos nestes, a vontade de interagir, de dizer que conhecem, que participam, que a família faz parte até
mesmo como promesseiros. Temos percebido ao longo de nossa atuação como docente que situações como essas
são recorrentes. O que até então causava constrangimentos, passa a ser um motivo de orgulho, pois gradualmente
vamos direcionando os estudos, não apenas para a manifestação cultural em si, mas para o que diz respeito à
tolerância religiosa e respeito à cultura do outro. É papel do educador ir além da transmissão de conteúdos e criar
condições para que seus alunos desenvolvam o respeito à cultura do outro e a valorização de sua própria cultura.
A tarefa de proporcionar ao um direcionamento de seu olhar para o universo da cultura popular e inserção dos
estudos sobre diversidade cultural, também pode ser fundamentada na Declaração Universal sobre a Diversidade
Cultural da UNESCO (2002) que diz:
A cultura adquire formas diversas através do tempo e do espaço. Essa diversidade se manifesta
na originalidade e na pluralidade de identidades que caracterizam os grupos e as sociedades que
compõem a humanidade. Fonte de intercâmbios, de inovação e de criatividade, a diversidade
cultural é, para o gênero humano, tão necessária como a diversidade biológica para a natureza.
Nesse sentido, constitui o patrimônio comum da humanidade e deve ser reconhecida e
consolidada em benefício das gerações presentes e futuras.” (UNESCO. Declaração Universal
sobre a Diversidade Cultural. Paris: UNESCO, 2002.)
Para enfatizar a necessidade de o educador abordar conteúdos relacionados à identidade cultural e suas
diversidades, citamos a seguir a Base Nacional Comum Curricular, ressaltando-se que a mesma ainda está em fase
de construção, apresentando pontos questionaveis. A BNCC é construída como exigência ao sistema educacional
brasileiro pela “Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996; 2013), pelas Diretrizes Curriculares
Nacionais Gerais da Educação Básica (Brasil, 2009) e pelo Plano Nacional de Educação (Brasil, 2014), e deve se
constituir como um avanço na construção da qualidade da educação” e tem o intuito de “orientar os sistemas na
elaboração de suas propostas curriculares, tem como fundamento o direito a aprendizagem e ao desenvolvimento,
em conformidade com o que preceituam o Plano Nacional de Educação (PNE) e a Conferencia Nacional de
Educação (CONAE)” (BNCC, 2ª Versão revista. 2016. p. 24).
Em relação ao respeito às diversidades a BNCC aponta:
As crianças, adolescentes, jovens e adultos, sujeitos da Educação Básica, têm direito:
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- ao respeito e ao acolhimento na sua diversidade, sem preconceitos de origem, etnia, gênero,
orientação sexual, idade, convicção religiosa ou quaisquer outras formas de discriminação, bem
como terem valorizados seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, reconhecendo-se
como parte de uma coletividade com a qual devem se comprometer. (BNCC, 2ª Versão revista.
2016. pg 24)
(...) as instituições precisam conhecer e trabalhar com as culturas plurais, dialogando com a
riqueza/diversidade das contribuições familiares e das comunidades, suas crenças e
manifestações culturais, fortalecendo formas de atendimento articuladas aos saberes e as
especificidades de cada comunidade. (BNCC, 2ª Versão revista. p. 56)
As discussões sobre esses direitos devem fazer parte do cotidiano escolar, pois é não só dizem respeito
ao processo de ensino/aprendizagem na escola, como também são conhecimentos importantes para a vida do fora
dela.
Incentivar trabalhos voltados para a valorização cultural e o diálogo com a riqueza/diversidade das
contribuições familiares e das comunidades, se faz necessário pois o ensino da arte não pode estar exclusivamente
direcionado para a cultura das elites, evitando assim, nos prendermos a uma visão elitista que rotula as artes, pois
como afirma Richter:
A tendência no ensino da Arte, é reproduzir conceitos de Arte Modernista largamente aceitos
nos meios acadêmicos. Este enfoque exclui todas as Artes chamadas “menores”, e com elas toda
a possibilidade de um trabalho multicultural em Arte. Até muito recentemente, historiadores,
críticos e professores de Artes Visuais tem sido relutantes em estudar as artes populares, o
folclore e o artesanato, que, por definição, não são “arte erudita” nem design.” (RICHTER, 2012,
p. 103)
A afirmação de Richter nos reforça a ideia de que o educador deve ser um constante pesquisador, que
faça um reconhecimento da comunidade escolar, do seu aluno e também incentive o alunado a realizar pesquisa
no espaço escolar e extra classe, o que se confirma quando a autora citada conclui:
Consideramos que o universo cultural da comunidade em que a escola está inserida precisa ser
estudado pelo professor, para que ele possa atuar nesse contexto de maneira eficiente e não
invasiva. Especialmente o professor de artes precisa conhecer e buscar compreender os códigos
visuais e estéticos presentes, de maneira a utilizá-los como seu referencial e ponto de partida,
construindo a partir daí a abordagem metodológica e a estrutura de conteúdos a serem
trabalhados. (RICHTER, 2012, p. 103)
A busca na qual Richter refere-se nada mais é do que a pesquisa com vista em compreender os códigos
estéticos presentes no ambiente cultural da escola na qual o professor atua. Ainda assim, é comum ouvirmos
reações de espanto quando se fala que seja possível realizar pesquisa de Arte em qualquer nível da Educação Básica.
É desafiador propormos e realizarmos pesquisa científica em Arte com alunos da Educação Básica na escola
contemporânea, mas é justamente, seguindo esse pensamento que podemos ter a certeza de que o processo e o
material final serão de utilidade para o desenvolvimento dos estudos sobre o Ensino da Arte.
Experiência em pesquisa sobre a Festa do Divino Espírito Santo em São Luís – MA
A Festa do Divino Espírito Santo é uma manifestação popular realizada em quase todo o Brasil em
devoção ao Divino Espírito Santo, representado de forma iconográfica pela imagem de um pombo. Esta festa
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originou-se em Portugal com a edificação da Igreja do Espírito Santo em Alenquer, firmada pela Rainha Dona
Isabel, no século XIII (Lima, 1988, p. 21).
No Maranhão, a festa acontece, em geral, no mês de maio, podendo ocorrer em datas fixas nos demais
meses do ano, em diferentes casas de culto. Graças a essa tradição inventada (Hobsbawm, 1997) os festejos do
Divino ocorrem durante todo o ano em São Luís. Geralmente as festas são realizadas por promesseiros. A Festa
chega ao Maranhão no século XVII, período em que o país está no processo de colonização. Assim, afirma Michol
(2008): “Presume-se que o festejo chegou junto com os casais de colonos vindos das ilhas açorianas, que por aqui
aportaram entre 1615 e 1625, levando este culto festivo para Alcântara”. Uma festa de origem portuguesa que
ganhou características peculiares aqui no Maranhão.
Segundo o professor e antropólogo Sérgio Ferretti:
A festa do Divino reflete aspirações de abundância e de glórias do passado que estão presentes
nas classes populares. É uma festa comunitária que ritualiza a colaboração e a fartura conseguida
através da organização e da criatividade popular. É uma festa solene e muito ritualizada que se
destaca mais pelo cumprimento do dever e da obrigação, do que pelos elementos de brincadeira,
que, entretanto, estão presentes em certos momentos. (FERRETTI, 2007, p. 3)
Na Festa do divino Espírito Santo, a “dança” das caixeiras, a música, os chamados enfeites e a
ambientação interna das casas de festa, o mastro votivo adornado, possuem uma dimensão sonora e visual que
alimenta todos os sentidos dos participantes e visitantes, proporcionando uma experiência sinestésica e oferecendo
diversas possibilidades de abordagem estéticas para o desenvolvimento de projetos no contexto do ensino da arte.
Em nossa atuação como professora no ensino médio já vínhamos abordando em nossas práticas
pedagógicas em Arte/Educação a Festa do Divino Espírito Santo em São Luís – MA. Com intuito de aprofundar
a questão, decidimos adotar esse tema como objeto da nossa pesquisa no Mestrado em Artes – PROFARTES,
com o objetivo de buscar caminhos desenvolver de forma mais sustentada teoricamente experiências de ensino
aprendizagem em Artes Visuais, desta vez com alunos do ensino fundamental com alunos do 8º e 9º ano. Ressaltase que a pesquisa ainda está em andamento.
No macro projeto “As Diferentes Linguagens na Construção da Identidade” realizado em 2015 do
qual participaram professores e alunos da escola Centro Experimental de Ensino Médio Colégio Maranhense
Marcelino Champagnat, desenvolvemos um subprojeto que integrava o ensino da Arte com o ensino da Língua
Portuguesa, chamado “Divino Espírito Santo: Arte e Devoção como Identidade Cultural”, visando incentivar um
grupo de 25 alunos para a prática da pesquisa, no qual faremos um breve relato no decorrer do artigo diante de
uma reflexão a respeito da Importância de sermos professores e alunos pesquisadores.
No Início de 2014, atuando como professora contratada da Secretaria de Educação do Estado do
Maranhão, aceitei a proposta de integrar à equipe do primeiro corpo docente, como Arte/educadora da escola de
tempo integral, Centro Experimental de Ensino Médio Colégio Maranhense Marcelino Champagnat, primeira
escola estadual instituída com base no Plano Nacional de Educação (PNE) que indica a necessidade de “oferecer
educação em tempo integral em, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas públicas, de forma a atender,
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pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) dos(as) alunos(as) da educação básica”3. A Escola fica localizada no
centro da cidade de São Luís, onde funcionou a sede do antigo Colégio Maranhense Marista, o que facilitava a
locomoção dos alunos às galerias de arte, às Casas de Cultura, aos locais de apresentações culturais, aos espaços
religiosos que em São Luís se localizam tanto na periferia quanto em bairros próximos ao centro da cidade. A
escola foi sumariamente extinta pelo atual governo Flávio Dino, para dar lugar ao Instituto de Educação, Ciência
e Tecnologia do Maranhão (IEMA) com o intuito de ampliar a oferta de educação profissional técnica de nível
médio no estado prevista na Lei nº 11.741/2008 e na Resolução 120/2013-CEE. Ainda assim, o Centro
Experimental de Ensino Médio Colégio Maranhense Marcelino Champagnat, aos alunos foi dado a opção de
escolha entre o Ensino Médio Acadêmico e o Ensino Médio Profissionalizante. A escola continuou com suas
atividades até o final de 2015, em paralelo ao funcionamento do IEMA, a migração de mais da metade dos alunos
para o ensino técnico profissionalizante, impedido que mais alunos participassem do projeto.
O projeto teve a duração de seis meses, iniciando-se em junho de 2015 e finalizando em dezembro do
mesmo ano. No início do projeto da área de Linguagem, Códigos e suas novas Tecnologias com a temática
direcionada para Identidade Cultural com o título “As Diferentes Linguagens na Construção da Identidade”,
realizamos inscrições dos alunos em grupos de estudos montados para a execução do macroprojeto, sendo eles:

As toadas de Bumba-meu-boi na desconstrução do preconceito linguístico no processo de criação de
uma identidade (direcionamento dos professores de língua portuguesa, Literatura e Música);

Personalidades americanas como agentes formadores de uma identidade nacional (direcionamento das
professoras de Língua estrangeira);

Cacuriá, para além do rebolado (direcionamento dos professores de Educação Física);

Divino espírito santo: arte e devoção como identidade cultural (direcionamento das professoras de Artes
Visuais e Língua Portuguesa).
Cada grupo de professores elegeu uma temática desenvolvida como subprojeto e os alunos escolheram
livremente aquele grupo cujo subprojeto abordava um tema suas preferências. Os 25 alunos que escolheram
participar do subprojeto que integra Artes Visuais e Língua portuguesa, seguiram o seguinte cronograma:
Planejando a Próxima Década Conhecendo as 20 Metas do Plano Nacional de Educação
(http://pne.mec.gov.br/images/pdf/pne_conhecendo_20_metas.pdf / Acessado em 19/03/16 às 14h20)
3
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ATIVIDADES
DATAS
Apresentação do projeto aos alunos e sensibilização sobre o tema
08 a 12/06
Visita ao Centro Cultural
05/08/2015
Fundamentação teórica (pesquisas e sessões de estudos)
10/08/ a 30/09/2015
Exibição de vídeos documentários sobre a Festa do Divino
Ajustes e revisão dos trabalhos
Visita ao Festejo do Divino no Bairro do Apeadouro, São Luís - MA
28/09 a 30/09
21 a 30/11/2015
Visita guiada com alunos à cidade de Alcântara
02/12/2015
Ambientação de uma casa de Festa dentro da escola: confecção de lembrancinhas,
confecção de banners, impressão de fotografias
07 e 08/12
Culminância do projeto e avaliação (exposição fotográfica, seminários, cortejo,
apresentação de pôsteres).
09 a 11/12
Ilustração 1 (Tabela): Cronograma utilizado para realização do subprojeto Divino espírito santo: arte e devoção como
identidade cultural realizado pela autora deste trabalho e a professora de Língua Portuguesa Magnólia Machado.
A primeira etapa compreendeu a apresentação do projeto aos alunos e sensibilização dos alunos para
importância da pesquisa sobre a Festa do Divino Espírito Santo. Foram realizadas nesta etapa rodas de conversas
durante as disciplinas de Arte e Língua Portuguesa, bem como nos encontros previamente definidos, nos intervalos
disponíveis dentro do horário na escola. Nesses encontros os alunos puderam se expressar livremente sobre
conceitos que tinham a respeito da Festa do Divino, até onde conheciam essa festa e, no caso daqueles que
participavam dela em seus bairros, falaram de suas experiências. Esses momentos serviram para ouvirmos os
alunos, possibilitando-nos nortear os rumos da experiência, bem como concorreram no sentido de instigar o para
a pesquisa sobre o tema. Por meio de vídeos e leituras sobre a Festa do Divino no Maranhão, os alunos iniciaram
uma discussão sobre a simbologia presente na Festa, a partir de questionamentos como: o que representa o mastro
votivo? Qual o motivo de usarem um pombo como símbolo da Festa? Qual a função das caixeiras? O que
representam os adereços e as cores?
Parte dos alunos nunca tiveram a oportunidade de presenciar um festejo, outros apenas conheciam de
uma maneira superficial e mesmo aqueles que dela participam, tiveram na experiência em questão a oportunidade
enxergar a festa sobre o olhar de um aluno pesquisador. Num dos encontros, a discussão na roda de conversa
provocou recordações em uma aluna (B. B) socializadas no grupo. A aluna falou de uma fotografia existente em
sua casa, onde aparece a sua mãe ainda adolescente, trajando um vestido luxuoso e alguns adereços. Só então ela
percebeu que sua mãe teria sido mordoma de um festejo do Divino na cidade de Alcântara, Interior do Maranhão.
O aluno R. R. P. comentou que na rua em que mora, sempre passa um cortejo do Divino. Diversos relatos estes
foram surgindo, demonstrando nessa primeira etapa que no processo de ensino/aprendizagem, quando é dada aos
alunos a possibilidade de se expressarem e debaterem livremente a respeito de temas sobre os quais recaem
preconceitos, se colocam de forma mais aberta na condição de aluno pesquisador. Aos poucos foi sendo criado
no grupo, a consciência de que é importante o respeito ante a cultura do outro e a sua própria cultura. Nas demais
etapas, conforme descreve o quadro de atividades, os alunos foram orientamos para a pesquisa por meio de leituras,
visitas às bibliotecas, Centros de Cultura e a experimentarem na prática o contato com festejos do Divino Espírito
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Santo em bairros de São Luís, onde desenvolveram pesquisa a partir da observação direta, entrevistando
participantes desse festejo e produzindo materiais videográficos.
Ao direcionar o olhar do aluno pesquisador para o seu próprio meio, para o que lhe pertence e trazer
os resultados desta investida para o ambiente escolar é permitir uma experiência de resistência contra preconceitos,
não somente relacionados às práticas religiosas, mas também às formas de concepções artísticas populares
presentes nos ambientes de devoção ao sagrado. Dewey (2012) combate a hostilidade e o preconceito contra a arte
útil e contra as práticas e técnicas consideradas inferiores, que reserva a pura contemplação às classes superiores.
Segundo ele, a cultura avançou juntamente com os processos vitais, com as experiências com o meio e a natureza
e utilizar como laboratório de estudo o universo próximo ao aluno como as manifestações da religiosidade popular
é uma iniciativa que resulta na valorização dessa cultura.
Na culminância do projeto, quando foi montado na escola um ambiente representando uma casa de
festa do Divino, os alunos participantes do projeto se dividiram entre aqueles que assumiram papéis na
representação da festa (imperador, imperatriz, mordomo, mordoma, bendeireiros e caixeiras) e aqueles que se colocaram
como mediadores entre a Festa do Divino representada e a comunidade escolar. Estes também ministraram
seminários e palestras sobre os conteúdos alcançados. Os alunos também projetaram pequenos vídeos feitos com
seus próprios celulares, como resultado da pesquisa em campo. Uma exposições fotográficas integrou a mostra
que encerrou com um Cortejo do Divino.
Ilustração 2 (foto) – Registro realizado por aluna durante a Festa do Divino Espírito do bairro do Apeadouro, São Luís –
MA. Autora: Brunna Beatriz Castro.
Ilustração 3 (foto) – Registro da culminância do projeto Divino Espírito Santo: Arte e Devoção como Identidade Cultural.
Fonte: registro dos alunos.
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As imagens acima, ilustram alguns momentos do projeto. Nelas podemos perceber o trabalho dos
alunos e professores na confecção dos elementos da ambientação de uma sala da Festa do Divino. A primeira foto
(ilustração 2), nos mostra um momento, registrado pela aluna Brunna Beatriz, conhecido como “batismo do
mastro”, momento em que as mulheres chamadas caixeiras e todos os participantes da festa executam um ritual de
santificação do chamado mastro que será erguido em frente à casa da dona da festa. Esse mastro fica erguido durante
todo o período da Festa, até o dia que será derrubado, encerrando-se assim, o temporada da Festa.
A segunda foto (ilustração 3) nos mostra o momento da culminância do projeto onde pode-se perceber
alguns alunos caracterizados de acordo com a forma que acontece o festejo ao Divino Espírito Santo.
Foi possível ter a experiência de vivenciar como laboratório de estudo as manifestações da religiosidade
popular como numa iniciativa que resultou na valorização da cultura popular, acatando a demanda hoje também
atendidas por ações de salvaguarda por parte de órgãos oficiais ligados à preservação do patrimônio cultural
imaterial brasileiro. As manifestações populares expressam seus significados por meio de diversas formas de arte:
a dança, o canto, a música e as expressões plásticas. Na esfera das expressões plásticas, encontram-se as
indumentárias, ornamentações e os objetos que compõem as ambientações dos espaços rituais.
Considerações finais
Diante da experiência relatada podemos perceber que o principal objetivo dessa experiência foi
alcançado, na medida em que os alunos reconheceram a importância e necessidade de um mergulho no universo
de sua cultura e da cultura do outro, valorizando e respeitando o que a princípio lhes parecia estranho ou não digno
de ser pesquisado. A constatação do objetivo alcançado se expressou na culminância do projeto, conforme
descrevemos anteriormente. Acredita-se que a experiência representou um pequeno passo, porém importante, para
romper com as possíveis formas de preconceitos.
A experiência não se esgotou nas apresentações dos resultados na escola. Por meio dos dispositivos
móveis como câmeras fotográficas e, principalmente celulares, os alunos fizeram gravações em áudio e vídeo tanto
no processo de pesquisa de campo, quanto das apresentações dos resultados. Por meio das redes sociais,
especialmente Facebook e WhatsApp, o registro e a troca de experiência foram socializados e circulam até hoje.
A experiência abordada no presente artigo foi tomada como ponto de partida para o desenvolvimento
de um outro projeto “Arte e devoção: uma experiência de ensino-aprendizagem em artes visuais a partir das festas
do Divino Espírito Santo em São Luís – MA”. O projeto tem como objetivo desenvolver formas de inserção de
alunos do ensino fundamental da escola municipal U. E. B. Dr. Neto Guterres, no universo da cultura popular
através da arte, valorizando o trabalho de fruição e ateliê. O projeto está sendo desenvolvido no âmbito do
mestrado em Artes – PROFARTES. Pretendemos, após o período de investigação sobre os fazeres da Festa,
realizar uma experiência de Ensino aprendizagem em Artes Visuais com os alunos. A continuidade da experiência
apresentada neste artigo, em forma de novos projetos, implica na constante retomada de leituras sobre PCNs,
LDBs, PNE, à Base Nacional Curricular, ainda em construção, bem como as literaturas voltadas para o ensino da
Arte, pois tais literaturas mescladas às nossas experiências no chão da escola nos leva à realização da auto avaliação
e autocrítica com o objetivo de buscar o conhecimento de novas práticas pedagógicas que possam valer a pena.
Anais do XXVI CONFAEB - Boa Vista, novembro de 2016
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Referências
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