a sociologia jurídica (não) existe

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A SOCIOLOGIA JURÍDICA (NÃO) EXISTE:
NOTAS SOBRE UMA FICÇÃO PEDAGOGICAMENTE ÚTIL
RAFAEL DAMASCENO FERREIRA E SILVA1
Parece difícil dar un concepto preciso de la
sociologia del derecho, cuando los sociólogos no se
han puesto de acuerdo con lo que es su ciencia, y
menos los juristas sobre la definición de derecho.
Felipe Fucito
A separação é o alfa e o ômega do espetáculo
Guy Debord
RESUMO: Este artigo pretende tratar do debate epistemológico acerca do estatuto
científico da sociologia jurídica como ciência, bem como sua recepção no Brasil, em
especial na academia para, em seguida, abordar as dificuldades de demarcação de
objeto e método desse saber e o impacto dessa discussão sobre as práticas
pedagógicas envolvendo o ensino da disciplina em cursos de graduação.
PALAVRAS-CHAVE: Sociologia do Direito – Ensino Jurídico – Epistemologia
ABSTRACT: This paper aims to broach the epistemological debate about sociology of
law´s cientifical statute, so as its reception in Brazil’s academic world. In sequence, it
brings the approach of object and method, specially the dificult borders of this social
science, and the impact of this epistemological discussion in the law school pedagogical
practices.
KEYWORDS: Law and Society – Legal Education – Epistemology
1
Advogado. Professor de Direito Constitucional, Introdução ao Estudo do Direito e Teoria Geral do
Estado na Faculdade Cenecista de Osório – FACOS/CNEC. Mestre em Direito pela Universidade Federal
de Santa Catarina.
1. Introdução -
O artigo em tela pretende contribuir com o debate atual acerca da
Sociologia Jurídica, debate esse travado tanto no que se refere ao estatuto
epistemológico da ciência-matéria quanto relativamente aos aspectos didáticopedagógicos que envolvem a disciplina-cadeira, nomeada “Sociologia Jurídica” ou
“Sociologia do Direito”, ou ainda “Direito e Sociedade”, nos diversos cursos jurídicos
que optaram por criar um espaço curricular específico para o tratamento da matéria,
que, desde o advento da Portaria nº. 1886/94, do Ministério da Educação, é de oferta
obrigatória nos cursos jurídicos.
Desde que, massivamente, os cursos jurídicos tiveram de adaptarse à reforma do ensino, optando, em sua maioria, por criar uma cadeira específica para
o tratamento da matéria2 - o que teve o condão de mobilizar recursos humanos para
atender a esta nova demanda - as questões referentes à significação, conteúdo,
objetivos e importância da Sociologia Jurídica, bem como as referentes à prática
pedagógica desta disciplina passaram a constituir um dos pontos centrais do debate
atual sobre o ensino jurídico.
Este isolamento da perspectiva sociológica em uma disciplina
específica é de certo modo sintomático das práticas do campo jurídico, onde a
2
Esclareça-se, preliminarmente, que a criação de uma disciplina específica para o tratamento dos temas
sociológicos nas grades curriculares dos cursos de direito é opção das faculdades de direito, e não
obrigação advinda da Portaria nº 1886/94, do Ministério da Educação. Reza o artigo 6º da referida
Portaria: “o conteúdo mínimo do curso jurídico, além do estágio, compreenderá as seguintes matérias,
que podem estar contidas em uma ou mais disciplinas do currículo pleno de cada curso:” Há que se
fazer, portanto, uma distinção entre matérias e disciplinas. Matérias são campos científicos, como o
Direito Penal ou a Filosofia do Direito, campos esses que podem assumir, na grade curricular de cada
curso jurídico, diferentes espaços pedagógicos, ou “cadeiras”. Assim, o conteúdo da matéria de Filosofia
do Direito, por exemplo, poderia ser ministrado em diversas disciplinas, nomeadas, exemplificativamente,
“Teoria da Justiça” ou “História do Pensamento Jurídico”, ou, ainda, inserir-se em disciplinas ditas
dogmáticas, como o Direito Constitucional. Nessa necessária distinção vem insistindo o professor Paulo
Lobo (LÔBO: 1996). No entanto, como demonstra o estudo de Eliane Junqueira (JUNQUEIRA: 1999),
impera absoluta falta de originalidade na elaboração do currículo dos cursos jurídicos no Brasil. Nota a
autora a reprodução literal, na maioria dos casos, dos nomes das matérias obrigatórias nas disciplinas
43
interdisciplinaridade não consegue se construir eficazmente, pois há a impenetrável
barreira da tradição dogmática, onde os conhecimentos advindos da filosofia e das
ciências humanas são relegados à mera posição (subalterna) de ciências “auxiliares”, e
ali à disposição, nos cursos jurídicos, a dar uma tintura humanística e universalista ao
Direito.
Muito embora a disciplina em questão fosse oferecida em alguns
currículos de graduação - desde 1963 na Universidade Católica de Pernambuco, e
desde o ano seguinte na UFPE - e um pouco mais tarde em outras faculdades de
direito (como na UFRGS, por exemplo), - tal não vinha ocorrendo na maioria dos cursos
jurídicos brasileiros. E em alguns casos, ainda, a disciplina era confiada a um professor
sem formação nem interesse na área (FARIA e CAMPILONGO: 1991; JUNQUEIRA,
1993).
O presente ensaio foi escrito com a intenção primordial de
contribuir ao debate e intervir na construção de uma postura positiva diante da
disciplina, e partiu da constatação que, passados dezesseis anos da reforma do ensino
jurídico, seu estatuto teórico e pedagógico ainda é objeto de perplexidades e
desencontros.
Não se pretende, aqui, fornecer respostas definitivas, apenas
colaborar com posições particulares e provisórias que, na dialética do debate, sejam
úteis para nortear a ação de instituições de ensino, professores, acadêmicos e demais
interessados.
2. Em que sentido “existe” e “não existe” a Sociologia Jurídica?
Explicaremos,
inicialmente,
o
título
do
presente
ensaio,
propositadamente provocativo, para, em seguida, aprofundarmos duas questões que
que compõem os currículos. De fato, observam-se adaptações meramente cosméticas pouco influindo,
os esforços da reforma do ensino jurídico, na tradição dogmática das faculdades de direito.
44
são nucleares no debate: (a) a questão conceitual, que envolve o problema da
nomenclatura e do objeto – ou da falta dele, e (b) a questão do espaço pedagógico
mais adequado ao desenvolvimento da disciplina em questão, no âmbito dos cursos de
graduação em Direito.
A idéia de “não-existência” da Sociologia Jurídica expressa, na
realidade, três diferentes tipos de problema (a) em primeiro lugar, a questão da
nomenclatura, já que, em certo sentido, é defensável a posição de que não existe algo
como uma Sociologia “Jurídica” - adjetivada - mas a Sociologia do Direito; (b) em
segundo lugar, o problema da definição ou demarcação da autonomia desta disciplinaciência, qualquer que seja o nome que se lhe dê. Constata-se que não há uma
identidade fechada, nem que o que normalmente entendemos por Sociologia do Direito
seja ou possa ser uma ciência rigorosamente autônoma, ou possuir um objeto que lhe
seja próprio, exclusivo, específico. A rigor, existe a Sociologia (e mesmo as fronteiras
do saber sociológico são difusas); (c) a questão referente ao estado-da-arte, relativa à
constatação do caráter subdesenvolvido dos estudos sócio-jurídicos no Brasil. A idéia
aqui é de que não existe ainda, verdadeiramente, a Sociologia Jurídica no Brasil.
Posição que não se afasta, admitamos, de nossas concepções subjetivas quanto ao
que consideraríamos um campo de estudos satisfatoriamente desenvolvido.
É claro que, em certo sentido, existe a Sociologia Jurídica.
Primeiro por que há um campo científico - preenchido por juristas críticos (na maioria) e
cientistas sociais - que tradicionalmente costuma significar-se com este nome. Depois,
porque há um espaço acadêmico, uma disciplina-cadeira, criada na maior parte dos
cursos jurídicos do país que, seguindo a nomenclatura da Portaria 1886/94, adota a
referida denominação. E a maior parte de nossas reflexões encaminham-se na direção
de validar e valorizar esse espaço pedagógico.
3. A Difícil Autonomia da “Sociologia Jurídica” –
45
3.1. A Problemática conceitual da disciplina-ciência: o nome e a coisa –
O primeiro dos argumentos que delineamos para afirmar
heuristicamente a não-existência da sociologia jurídica diz respeito ao debate sobre a
nomenclatura desta ciência-matéria. Esse debate, porém, não pode ser reduzido ao
problema de saber como devemos nomear a disciplina encarregada de estudar as
“relações entre Direito e Sociedade”; constatamos que a questão parece estar ligada
também a referências mais profundas sobre o próprio estatuto do labor científico sóciojurídico, seu método, objeto e função; mas também à outra questão, subjacente neste
tipo de debate: a da divisão do trabalho acadêmico.
Tal debate pode ser resumido em três posições básicas:
Um primeiro grupo de autores estabelece que as expressões
“Sociologia do Direito” e “Sociologia Jurídica” são rigorosamente sinônimas. Esta é a
posição, por exemplo, de Elias Diaz, Jean Carbonnier e Cláudio Souto e Solange Souto
(DIAZ: 1981, 172) (CARBONNIER: 1979, 20) (SOUTO e SOUTO: 1997, 38). É a
posição dominante, se não massivamente majoritária, no plano da teoria, e quase
absoluta no plano da significação corriqueira na vida das faculdades de direito e na
produção editorial brasileira recente.
Outro grupo de autores, preocupados com um maior rigor
científico (e não sem uma intenção de certo modo normativa), visa corrigir a
nomenclatura da disciplina-ciência, pretendendo que o correto seria falar-se em uma
“Sociologia do Direito”, jamais em uma “Sociologia Jurídica”.
De fato, a expressão “Sociologia Jurídica” poderia prestar-se à
confusão se entendêssemos em sentido forte a função adjetiva que a palavra “jurídica”
poderia desempenhar na locução. Falar-se em uma Sociologia “Jurídica” seria como
falar em uma Sociologia Religiosa ou em uma Sociologia Artística, e não em
46
Sociologias da Religião ou da Arte, o que seria efetivamente um non sense. Este o
argumento esposado por Eliane Junqueira (1999, 19).
Um terceiro grupo de autores são os que pretendem construir uma
diferença entre “Sociologia do Direito” e “Sociologia Jurídica”, afirmando-as como
disciplinas separadas e autônomas. Neste campo, por exemplo, podemos citar Roberto
Lyra Filho (1982, 53). Os modos de diferenciá-las e os argumentos que embasam a
pretensão de distingui-las são múltiplos, dependendo do autor que esteja a estabelecer
a distinção, não cabendo a abordagem desta variedade nos limites deste ensaio.
A distinção entre “Sociologia Jurídica” e “Sociologia do Direito”
pretende dar conta de certa independência de caminhos entre as sociologias do direito
“dos sociólogos” e “dos juristas”; embasa-se na observação da tradição do pensamento
jurídico, especialmente com referência à recepção da Sociologia no interior da Teoria
do Direito. Como demonstra Soriano (1997, 17), a reivindicação de uma Sociologia
Jurídica autônoma adveio de juristas que intentaram reconstruir a Teoria do Direito
sobre bases sociológicas, como Eugen Ehrlich, Hermann Kantorowicz e Leon Duguit,
assim como o denominado “Realismo Jurídico”, particularmente forte nos Estados
Unidos e nos países escandinavos.
Pode-se constatar, porém, que a corrente que propõe uma
distinção entre “Sociologia do Direito” e “Sociologia Jurídica” não foi capaz de produzir
argumentos minimamente bem-sucedido em termos de aceitação acadêmica.
A primeira posição, a que adota a sinonímia das expressões
“Sociologia Jurídica” e “Sociologia do Direito” possui vantagens inafastáveis se tivermos
em conta sua capacidade de informar precisamente o uso vigente nos meios
acadêmicos, cuja observação revela que as expressões são, de fato, usadas de forma
intercambiável.
Se atentarmos aos ensinamentos da Semiologia, adotando como
premissa o caráter convencional dos signos, há que atribuir-se a essa corrente uma
parcela significativa de razão.
47
No final das contas, diante desse debate podemos resumir as
principais lições que daí extraímos:
(a) a correta denominação da disciplina, capaz de causar menor confusão conceitual e
expressar o que mais se aproxima dos estudos relativos à compreensão sociológica do
fenômeno jurídico, é “Sociologia do Direito”;
(b) porém, essa constatação teórica rigorosa nada tem a ver com outra constatação
rigorosa, mas empírica: a da prevalência do uso social e acadêmico de ambas
denominações como sinônimas;
(c) sempre que nos referirmos à Sociologia Jurídica, queremos com isso dizer
“Sociologia que toma o direito como objeto”: o “jurídica”, aqui, deve ser entendido como
“do que é relativo ao mundo do direito” (como objeto de uma ciência social), e não
como uma adjetivação da sociologia.
Resumido o estado do debate acerca da nomenclatura, cabe
agora refletir acerca do estatuto epistemológico do ramo do conhecimento que
pretendemos abortar. Pois bem, o que pode ser, afinal, a Sociologia do Direito? Qual
seu objeto?
Percebe-se que os autores que se lançaram na empreitada de
conceituar a Sociologia do Direito não apresentam grandes variações, ao menos nas
linhas gerais de suas construções. Vejamos alguns exemplos:
Em Legaz y Lacambra, aparece claramente a Sociologia do Direito
como um ramo da sociologia, onde sustenta a diferenciação da abordagem “normativa”
da abordagem “fática” do Direito:
“la Sociologia del Derecho es una rama de la Sociologia general
que estudia el fenómeno del Derecho no bajo el punto de vista
48
normativo propio de la ciencia jurídica, sino como fenômeno
social” (apud DIAZ: 1981, 173).
Neste sentido, também, aparece a posição de Elias Diaz, que vê a
sociologia jurídica como uma sociologia especializada e não como um “enfoque
especial” da Ciência jurídica3 (DIAZ: 1981, 176).
Outros autores insistem sobre a vocação empírica da Sociologia
do Direito, o que a confirmaria como uma especialidade da Sociologia. Por exemplo, de
acordo com Óscar Correas (1999, 266):
“la sociología jurídica es una ciencia, de clara vocación empírica,
que se ocupa de estudiar las causas y los efectos del derecho, en
el sentido amplio de esta palabra. Se ocupa de explicar por qué el
derecho dice eso que dice y no otra cosa cualquiera. Esto significa
investigar en las relaciones sociales que constituyen el contexto y
la causa de que el productor del discurso haya decidido que tenga
ése y no otro contenido”.
No mesmo sentido, expressam-se Cláudio Souto e Solange Souto:
“Sociologia Jurídica ou Sociologia do Direito é a disciplina
científica que investiga, através de métodos e técnicas de
pesquisa empírica (isto é, pesquisa baseada na observação
controlada dos fatos), o fenômeno social jurídico em correlação
com a realidade social” (SOUTO e SOUTO: 1997, 36).
Dos conceitos acima podemos extrair três elementos recorrentes::
a) é uma sociologia especial, ou especializada;
b) pretende enfocar o direito enquanto fato, ou conjunto de práticas sociais, através de
métodos empíricos ou teóricos de investigação;
3
Esse seria o “sociologismo jurídico”, uma corrente da Teoria do Direito, não uma ciência autônoma.
49
c) estuda a relação entre os sistemas jurídico e social.
Os três pontos acima, assim tomados numa primeira aproximação,
não parecem problemáticos. No entanto, onde quer que desenvolvamos uma
abordagem mais detalhada de cada um deles, as fronteiras teóricas da Sociologia do
Direito tornam-se cada vez mais difusas.
Se a Sociologia do Direito é uma especialidade da Sociologia,
afirma-se algo óbvio, que a Sociologia, mesmo “especial”, ao dirigir seu olhar teórico a
um dos diversos campos de práticas localizadas (ainda que artificialmente definidas)
que constituem o todo social, com um olhar sociológico de aproximação, deverá valerse dos referenciais teóricos da Sociologia “geral” - ou não será Sociologia.
E há também o problema de traçar exatamente as fronteiras desse
objeto “específico”: o Direito. Começa aí o problema da autonomia, frente, de um lado,
à Sociologia “geral”, pela necessária abordagem contextualizada do objeto (a parte
diante do todo); de outro, frente à Ciência do Direito, pelo necessário diálogo com este
ramo do saber para a definição do objeto que se quer observar.
O que pode significar a aplicação de métodos empíricos para
estudar o direito? Acaso as normas jurídicas podem ser extraídas da análise dos fatos?
Pode o direito ser “medido” (isto é, possui o fenômeno jurídico uma existência empírica,
verificável)? Ou apenas podemos observar as práticas sociais que se desenvolvem no
âmbito
da
produção/aplicação,
obediência
ou
desobediência,
efeitos
sociais,
desconhecimento, e outros fenômenos, relativamente às normas (que são uma
realidade meramente ideal, discursiva) que compõem o Sistema Jurídico?
Tomemos, como exemplo dessa complexidade, a nota conceitual
que define a Sociologia do Direito como o estudo da “relação entre direito e sociedade”.
Esta noção é particularmente forte na construção do conceito, o suficiente para
50
expressar a nomenclatura corrente nos países de língua inglesa para o que chamamos
Sociologia Jurídica: “Law and Society”.
Se fossemos fazer uma ilustração da Sociologia do Direito
enquanto estudo da relação entre “law” e “ society”, partiríamos do desenho seguinte:
direito
sociedade
O gráfico representa, de um lado, a sociedade condicionando o
direito, definindo o conteúdo e o sentido das normas, e, de outro, o direito tendo um
efeito de retorno sobre as práticas sociais, ou uma “função” social. No entanto, esse
desenho peca por um defeito primário: o de colocar o direito “fora” do social.
Ou o direito é um fenômeno social, ou não há qualquer sentido em
estudá-lo pelos métodos da Sociologia. Então, poderíamos operar uma reconstrução do
gráfico, dessa outra maneira:
SOCIEDADE
direito
No
desenho
acima,
mais
realista,
ainda
que
igualmente
esquemático, podemos visualizar claramente a persistência daquelas relações mas,
agora, entre a parte e o todo. O direito aparecendo, ali, como uma instância ou campo,
ou ainda como subsistema do todo social.
Neste ponto, é útil fazer-se referência à necessária distinção entre
os enfoques da Sociologia do Direito (discurso externo sobre o direito) e da Dogmática
51
Jurídica (discurso interno sobre o direito). A Dogmática adota um ponto de vista interno
que pretende investigar (e mais do que isso, atuar sobre) a estrutura ou o conteúdo das
normas de um Ordenamento Jurídico concreto. Já a Sociologia do Direito adota um
ponto de vista externo, e se ocupa de compreender o contexto social das normas
jurídicas, os lugares onde essas práticas – e o próprio discurso jurídico da Dogmática,
em si mesmo uma prática social4 - se desenvolvem.
O que significa, no entanto, estudar o Direito enquanto “fenômeno
social”? Como delimitar o espaço da instância jurídica?
Não existam respostas definitivas sobre essas questões, como
afirma uma das epígrafes que selecionamos para o presente texto. Analisando os
conceitos correntes de Sociologia do Direito, fica a impressão de que é fácil delimitar o
campo científico desta disciplina.
Quando
pretendemos,
no entanto,
coletar
indutivamente exemplos de “sociologias jurídicas” possíveis, seja para dar conta das
pesquisas que denominam a si mesmas como “Sociologia do Direito”, seja na tentativa
de classificar pesquisas efetuadas por sociólogos “gerais”, antropólogos ou cientistas
políticos, que sejam afetas ao tema, seja para trazer observações, estudos e
investigações do mundo do direito/sociedade para dentro da sala de aula, torna-se essa
empreitada - a de “fazer viver” a disciplina - bastante difícil.
A delimitação do campo científico da Sociologia do Direito impõese quando introduzimos algumas questões básicas:
a) o que é o direito? Quais os limites exatos da assim denominada “instância jurídica”?
b) que tipo de pesquisa pode ser qualificada como “Sociologia do Direito”?
Que
critérios temos para tanto? Que tipo de problemas consistiriam o núcleo de sua
preocupação?
4
Nesse sentido, ver FERRAZ JR, Tércio Sampaio. A Função Social da Dogmática Jurídica. (1998).
52
3.2. A Problemática conceitual da ciência-matéria: o objeto –
O problema da ausência de autonomia da ciência em questão, ou
sua “não-existência” - enquanto estudo “específico” e “separado” de outras disciplinas pode ser abordado em dois níveis de argumentação:
a) o primeiro nível é um problema de núcleo, que é fundamentalmente um: o
próprio direito como objeto. Qual é o conceito de direito? Pois se há um conceito que
pode unificar uma idéia de Sociologia do Direito é a referência ao fenômeno jurídico.
Mas o que é? O fenômeno jurídico é de definição complexíssima, e objeto de celeuma
indissolúvel na Teoria do Direito. Podemos dizer que este tipo de problema consiste em
um “elemento caótico interno”.
b) o segundo nível é um problema de fronteira, ou o que poderíamos chamar de
“elementos caóticos externos”. Se a intenção é investigar os condicionantes sociais do
direito na prática, os problemas concretos que enfrentam os operadores jurídicos e a
própria sociedade civil (ao qual o sistema jurídico que aí está não oferece soluções, ou
as soluções que oferece não são satisfatórias), tem-se que a abertura é ainda maior.
São temas que, em si mesmos, não são temas “jurídicos”, ou exclusivamente jurídicos.
O problema dos “elementos caóticos externos” parece-nos
fundamental, uma vez que a questão da sociologia não é investigar o direito “em si”, ou
melhor, abordá-lo sob uma perspectiva interna, típica da Dogmática Jurídica (que
pretende enfocar o direito a partir do discurso que as instituições jurídicas têm delas
mesmas), mas investigar, de um ponto de vista externo, a relação do direito com a
sociedade, o que traz para o campo de interesse dos estudos sócio-jurídicos uma
pletora de temas que são tratados indistintamente por “sociólogos do direito” e outros
profissionais - sociólogos ou não -, muitas vezes com abordagens bastante
semelhantes:
53
São exemplos de “elementos caóticos externos” temas como a
ideologia, a violência, e os direitos humanos.
Ora, todos têm em comum o fato de aparecerem na “fronteira” dos
estudos sócio-jurídicos, como grandes temas da sociologia geral ou de outras ciências
do homem, embora fundamentais para a compreensão das práticas jurídicas (como o
são as questões colocadas pela Psicanálise, Semiologia, Filosofia, e Ciência Política).
De fato, são temas recorrentes em trabalhos científicos de “sociólogos do direito” e que,
mesmo quando feitos sem intenção de produzir material científico nomeado como
“Sociologia Juridica”, são fundamentais para a compreensão do fenômeno jurídico e,
como tais, servem de base necessária para as investigações ditas sócio-jurídicas, e
mesmo como temas centrais para serem trazidos em sala de aula e que, se não o
forem por professores de Sociologia Jurídica, dificilmente serão discutidos em algum
momento nas Faculdades de Direito.
A sociologia da violência é parte da sociologia do direito?
“Depende do enfoque”, responderiam alguns. Tal questão tem, em si mesmo, muitas
dimensões - inclusive jurídicas -, e não pode ser compreendida em sua complexidade nem mesmo para efeitos de “consumo interno” dos cursos jurídicos - sem recorrer às
problemáticas econômica, psicológica, política, etc.
Uma investigação sociológica sobre a situação dos presídios no
Brasil está dentro ou fora do campo da sociologia jurídica? Caso afirmativo, é somente
porque os presídios são instituições “jurídicas”? Em que medida o que se passa nessas
instituições “totais” não é a própria negação da legalidade? A criminalidade urbana, que
é objeto de investigação de pesquisadores das mais variadas áreas, será objeto da
“Sociologia Jurídica” somente quando fizer referência explícita às normas de direito
penal envolvidas?
A questão dos direitos humanos é outro problema, e que não
necessariamente
passa
pela
sua
expressão
normativa
(enquanto
“direitos
54
fundamentais”, tais como serão tratados pelo professor de Direito Constitucional), mas
começa na gênese da própria luta pela dignidade humana, inclusive naquilo que tem de
negada ou invisibilizada pelo direito estatal. Os movimentos sociais, na sua luta por
dignidade, contra a exclusão, ou mesmo pela transformação da sociedade, têm se
expressado na linguagem de direitos. Isso fecha a questão? Evidentemente que não,
antes a abre como um espaço possível para o sociólogo-jurista, sem, no entanto, fechar
o campo para outros cientistas sociais que não possuam uma intencionalidade
especificamente voltada ao “fenômeno jurídico”.
Em suma, o conceito de Sociologia Jurídica, que parece
pouco problemático em sua formulação abstrata, começa a complicar-se quando
procuramos listar que tipo de temas seriam trabalhados por uma ciência ocupada da
visão externa do fenômeno jurídico, ou das “relações entre direito e sociedade”.
Os assuntos e temas que são tratados em encontros sóciojurídicos, promovidos por institutos de irrefutável compromisso com a Sociologia
Jurídica, como o IISJ5, bem como os artigos que aparecem em revistas “especializadas”
demonstram que essa diversidade, caótica (e deveras interessante) já é um fato; fato
esse que desautoriza a crença em conceitos fechados.
No que diz respeito ao núcleo, o próprio “direito”, vemos que esta
palavra carrega uma polissemia muito forte, presente tanto no senso comum quanto na
Teoria do Direito acadêmica, permitindo uma ampla variedade de definições, por vezes
5
O Instituto Internacional de Sociologia Jurídica/International Institute for the Sociology of Law é sediado
em Oñati, País Basco, Espanha. Constitui a principal associação internacional de pesquisadores em
Sociologia do Direito. Neste instituto, por exemplo, os temas destinados a serem desenvolvidos em
léxico, para efeitos de classificação dos trabalhos são: “Crime and Social Deviance”, “Acess to Justice”,
“Social Control and Deviance”, “Theoretical Approaches Relevant for the Sociology of Law”, “Politics and
Ideology”, “Public Policies”, “Educational and Cultural Policy”, “Environmental Policy”, “Labour Policy”,
“International Policy”, “Types of Rights”, “Discrimination”, entre outros. Outra associação importante é a
Law and Society Association (LSA), sediada nos Estados Unidos. As publicações mais importantes na
área são as revistas Law and Society Review, da LSA, que existe desde 1964, a Droit et Societé,
francesa. O IISJ publica diversos periódicos, entre eles o Oñati Preceedings. Em todos, a abertura de
temas é a tônica.
55
díspares. Mesmo entre os juristas mais tradicionais não vemos concordância quanto ao
conceito de direito, quer nos filiemos à correntes jusnaturalistas ou positivistas (e aí há
o positivismo normativista, o sociológico, o positivismo da Escola da Exegese, entre
outros).
A definição dos marcos do “fenômeno jurídico” depende de uma
integração do sociólogo do direito com alguma das correntes da Teoria do Direito, já
que a definição é um problema antes teórico do que empírico, e funciona como um
“elemento caótico interno” e é natural que isso se reflita na complexidade e abertura da
disciplina-ciência em questão.
Há certos temas recorrentes nos estudos sócio-jurídicos cuja
“juridicidade” é objeto de polêmica e que tendem a implodir alguns dos conceitos
tradicionais da dogmática jurídica. Nos referimos à importância central do costume e ao
tema do pluralismo jurídico6. São temas que tornam ainda mais difícil responder à
questão: se o direito é um conjunto de práticas sociais, que tipo de práticas sociais
podem ser consideradas direito?
Pode-se, no entanto, tentar fechar essa abertura, optando pela
solução normativista (KELSEN, 1984), ou seja, tratar como direito apenas o direito
estatal, um “discurso prescritivo que ameaça com a violência,” (CORREAS, 1999), e,
então, fazer uma sociologia dos espaços, práticas e instituições que produzem essas
normas estatais, e do impacto que essas normas têm no meio social.
Essa é a opção de Oscar Correas (1999, 267), por exemplo:
“Es claro que el sociólogo, para serlo “del derecho”, tiene que dar
como supuesto que existe un orden jurídico eficaz, y que, por tanto,
existen autoridades productoras de normas válidas. Más aún, para
estudiar la efectividad de una norma, debe suponer su validez, ya
que no parece sensato estudiar la efectividad de no-normas. En ese
sentido, la Sociología Jurídica es tributária de la Dogmática
6
Ver, por exemplo, WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico.
56
Jurídica, que es la encargada de suministrar el material de cuyas
causas y efectos se hará cargo la primera”.
A opção de Óscar Correas, em limitar o objeto ao “direito estatal”
pode ser um ponto de partida interessante e, em tese, poderia resolver o problema do
núcleo. De fato, é importante entender que a normatividade estatal, se não esgota todo
o universo do “juridico”, ao menos é fundamental para compreender o direito tal como
ele se dá hegemonicamente. Sem esse momento estático, importante, não se pode
compreender nem mesmo as posições subalternas que estão em luta no campo, nem
mesmo a “alternativa” dos movimentos, já que o “alternativo” é sempre uma alternativa
a uma ortodoxia, e costuma definir-se a partir dela. No entanto, essa opção enfrenta
dois problemas: o primeiro, a falta de unanimidade entre os autores de estudos sóciojurídicos importantes (a exemplo dos que se dedicam ao fenômeno do pluralismo
jurídico). Em segundo lugar, para se fazer verdadeiramente Sociologia do Direito, podese partir das normas mas deve-se, em seguida, transcendê-las. Adotar um ponto de
vista externo, ainda que “moderado” (OST e KERCHOVE apud ARNAUD, 1999), quer
dizer tratar o direito não como tratam os juristas dogmáticos ou os cientistas do direito,
isto é, não se contentar com o discurso das normas, que é o discurso do Estado
conforme ele mesmo. Dito de forma mais simples, não interessa ao sociólogo tanto o
que dizem as normas, mas porque dizem o que dizem: suas causas e condicionantes
sociais, sua efetividade (ou mesmo a ausência dela) e o impacto no meio social desta
ou daquela forma de produzir e/ou aplicar normas.
De qualquer forma, é o contexto o objeto da Sociologia, não o
texto. O sociólogo do direito precisa da norma para fazer o fechamento de seu campo
e, logo em seguida, “descartá-la” para estudar o que estuda verdadeiramente qualquer
Sociologia que se preze: o contexto social. Se partirmos, então, da norma como objeto
central, para em seguida ter de transcendê-la, o objeto da Sociologia do Direito volta a
ser “o social” e a Sociologia do Direito se afirma antes como Sociologia, pese toda sua
necessária vocação interdisciplinar.
57
A confusão existente com relação ao objeto da “Sociologia do
Direito” é estrutural ao próprio caráter de complexidade que uma abordagem
sociológica sobre o direito deve ter. Isso por que o direito não é uma “coisa”, mas antes
uma “forma de ver o mundo”, de significá-lo normativamente, pense-se na própria
definição de norma como um “esquema de interpretação” (KELSEN: 1984, 06), ao
mesmo tempo que um “universo de práticas”: um sistema e seu entorno.
3.3. A questão do interesse –
Tomemos por exemplo um antropólogo, de formação em Ciências
Sociais. Um belo dia o cidadão resolve passear de barco pelo Pacífico Sul e topa com
uma tribo que nunca havia sido objeto de pesquisa científica. Fica anos junto à tribo,
observando, descrevendo, anotando e sistematizando suas características culturais:
sua religião, as relações de parentesco, os seus costumes. Volta para a “civilização”,
recebe o título de doutor e publica seu trabalho com bastante sucesso (trata-se de uma
ficção, diga-se). Temos aí um exemplo de Antropologia “pura” 7.
Tomemos agora um “Antropólogo do Direito”. O cidadão pega o
mesmo barco, passa o mesmo tempo com a mesma tribo e descreve os “aspectos” da
vida da tribo que consistem em seu interesse básico: o seu “sistema jurídico”. Ora, por
tratar-se de uma sociedade mais simples onde não há uma clara distinção entre
“religião”, “moral” e “direito”, trata este “sistema jurídico” dos exatamente mesmos
costumes que o antropólogo “puro” descreveu.
7
Entendemos, como Pierre Bourdieu, que há pouco sentido em se fazer uma distinção entre antropologia
e sociologia, nos tempos de hoje. No excelente texto “Viva la Crisis! Por la Heterodoxia en las Ciencias
Sociales”, que inspira em grande parte esse trabalho, Bourdieu insurge-se contra essa e outras tantas
“antinomias” que, segundo ele têm sido extremamente nocivas para as ciências sociais. Quanto a
oposição sociologia/antropologia, Bourdieu denomina de “absurda división” que “carece absolutamente
de cualquier fundamento que no sea el histórico y es un producto prototípico de la <<reprodución
acadêmica>>, [que] impede una genuína fertilización cruzada” (2000, 73). Insurge-se também, nesse
texto - que penso deveria estar na cabeceira de todos os que pretendem fazer avançar as ciências do
homem (direito incluído) - contra outros blocos de oposições artificiais: micro X macrosociologia, estrutura
X história, método quantitativo X qualitativo, marxistas X weberianos, etc... , segundo ele “forma
típicamente arcaica de clasificación del pensamiento, que tiene todas las características de la lógica
práctica que funciona en las sociedades primitivas” (BOURDIEU: 2000, 75)
58
O que vai mudou? O enfoque. Enfoque esse que empiricamente
não será nada diferenciado: costumes lá, costumes aqui. O interesse pelo direito (em
explicar os costumes da tribo enquanto direito) determinou a mudança na significação
(um chama de cultura o que o outro chama de direito) e no tratamento teórico. Um vai
estar interessado nos costumes pelos costumes, na tribo pela tribo. O outro, no “direito
em estado primitivo” que será, assim, lido pelo olhar da Antropologia “Jurídica”.
Pergunta-se quando a Antropologia tornou-se “jurídica”? Foi um
passe de mágica do Antropólogo do Direito, provavelmente um jurista que se interessou
pelas ciências sociais - ou um cientista social que se interessou pelo direito (hipótese
mais rara, mas possível). Externamente, porém, o que produziram foi Ciência Social, e,
talvez em sentido mais fraco, “Ciência do Direito”.
A própria pergunta pelas origens da Sociologia do Direito nos faz
ver que a denominação, de origem mais recente, não nega que o envolvimento da
sociologia “geral” com o fenômeno jurídico dá-se desde os primórdios da sociologia
como ciência. Acaso Durkheim não funda sua teoria da “solidariedade social” na idéia
de consciência coletiva? E não é o Direito a expressão mais importante desta? A
Solidariedade Mecânica e Orgânica não produzem, respectivamente, o Direito
Repressivo e o Direito Cooperativo? É só tomar uma de suas obras mais importantes:
“A Divisão do Trabalho Social” e ver que ali fala-se em Direito do início ao fim. Fazia
Durkheim uma Sociologia Jurídica? Faltou alguém que o avisasse.
A autonomia da Sociologia do Direito é algo bastante problemático
metodologicamente, e pode ser explicada mais por razões políticas do que
metodológicas. A necessidade de definir as fronteiras, ou mesmo de pretender criar
uma ciência sui generis, advém da parte de professores ou pesquisadores assim
denominados juristas-sociólogos no espaço das faculdades de direito, normalmente,
eles próprios, juristas de formação, e não sociólogos (JUNQUEIRA: 2000). De fato, é
interessante notar como os juristas tendem a “juridicizar” tudo o que tocam, de uma
59
forma que não deixa de ser cômica em alguns casos, como na denominação
“Laboratório de Informática Jurídica”, adotada em algumas faculdades de direito.
Bourdieu (2000) chama isso de “autonomia do campo”.
Em resumo, pode-se dizer que as teses da “não-existência”,
a princípio uma provocação, apontam ao seguinte:
a) o ponto de partida é vago, por que não pode haver uma definição estrita e
universalmente aceita do que seja o Direito;
b) mesmo se houver uma definição operacional do ponto de partida, ainda que
estritamente positivista, o tratamento “sociológico” transcenderá necessariamente os
quadros desse ponto de partida. Será, assim, uma sociologia de todos os fenômenos
sociais que tangenciam o direito.
c) em certos casos, a única maneira de diferenciar a Sociologia “do Direito” da
Sociologia dita “Geral” funda-se na intenção do observador. Uma definição completa,
exata e suficientemente abrangente para dar conta da multiplicidade do fenômeno
“Sociologia do Direito” somente pode ser esta: é a sociologia que interessa aos juristas.
d) é um saber interdisciplinar, necessariamente, pois o próprio conceito de direito não
pode ser definido empiricamente; não há como definir a instância jurídica sem levar em
consideração o sentido dado pelos seus agentes, já que direito é, antes de tudo, uma
realidade discursiva.
No final das contas, o problema não tem solução; e mesmo podese questionar a relevância de se colocar essas questões. Que importância tem em se
classificar ou medir o quanto de “jurídica” é uma investigação sociológica sobre a
violência, ou sobre qualquer outro tema?
60
Não se trata de um “defeito metodológico”, mas antes uma
realidade atribuível à própria complexidade do objeto que pretende estudar. Logo, não
se pretende negar a importância dos estudos sócio-jurídicos, e, principalmente, a
necessidade de manter-se o espaço da disciplina-cadeira “Sociologia Jurídica”. É
justamente em razão dessa complexidade (e não “apesar” da mesma) que a disciplina
apresenta sua razão de ser, sua dignidade pedagógica própria, como abordaremos no
item seguinte.
4. A “Sociologia Jurídica” como um espaço pedagógico Chega o momento, então, de discutir-se uma outra coisa: o
espaço pedagógico da disciplina-cadeira Sociologia Jurídica no âmbito dos cursos
jurídicos.
Em primeiro lugar, é necessário fazer referência ao debate criado
em torno dos rumos da disciplina a partir das teses de Eliane Junqueira, quando da
realização do Seminário: O Ensino da Sociologia Jurídica: balanço e perspectivas, no
Rio de Janeiro, entre 02 e 04 de agosto de 2000. Suas teses vêm sendo desenvolvidas
desde a publicação, em 1993, do livro “Sociologia do Direito no Brasil”, algumas das
quais repetidas em sua obra mais genérica sobre ensino jurídico: “Faculdades de
Direito ou Fábricas de Ilusões?”, de 1999, e condensadas, especificamente para o
encontro, em um texto sobre o ensino da Sociologia Jurídica no Brasil, fruto de uma
pesquisa empírica8 que realizou juntamente com Luciano Oliveira: “Geléia Geral: a
sociologia jurídica nas faculdades de direito” (JUNQUEIRA, 2000).
No texto em questão, Junqueira analisa a forma como a disciplina
está sendo trabalhada, para concluir, ao final, pela tese da “geléia geral”, denotando
com isso uma diversidade que, segundo suas palavras “ultrapassa o bom senso”.
8
a partir de questionários que foram aplicados em professores universitários responsáveis pela cadeira
em todo o Brasil (26 professores responderam o questionário).
61
“Geléia geral. Não há melhor termo para definir o que acontece
com a sociologia jurídica no Brasil, que ultrapassa o bom senso da
pluralidade. Ou, pelo menos, com o seu ensino nas faculdades de
direito. Não adianta criar uma disciplina no papel. Importa verificar
como essa disciplina é efetivamente ensinada em sala de aula
(...). Existe uma diversidade de professores. Uns com formação
em direito, outros com formação em ciências sociais. Alguns com
formação em pedagogia, administração de empresas, teologia.
(...) Existe uma diversidade de objetivos pretendidos com a
disciplina. Alguns pretendem formar um bacharel crítico. Outros
apenas cumprem uma exigência acadêmica. Existe uma
diversidade de abordagens. Enquanto uns enfatizam o enfoque
positivista, outros fundamentam-se no marxismo. Enquanto uns
voltam-se para a filosofia do direito, outros aproximam-se da
sociologia. Enquanto uns transformam o curso em criminologia,
outros lecionam teoria geral do direito (...) A disciplina vive,
portanto, um impasse. (JUNQUEIRA: 2000, 51-2).
As preocupações da autora são compreensíveis. No entanto,
tendem a exagerar a importância de um pretenso – e, como se demonstrou, utópico –
“rigor” científico, ainda mais no contexto do ensino de graduação.
Entendemos que a alegada “falta de unidade” não é um problema
conjuntural mas, como demonstramos, estrutural ao próprio estatuto da Sociologia do
Direito como ciência. Não que as questões relativas à metodologia e delimitação de
objeto, não sejam importantes para o debate científico, mas não o são para a
construção de espaços pedagógicos na grade curricular, que podem incluir cadeiras
temáticas, interdisciplinares, ou centrar-se no desenvolvimento de uma habilidade, por
exemplo.
Lendo o conjunto da obra de Eliane Junqueira, nota-se
preocupação, além da questão recorrente da “unidade” da disciplina, com três outras
questões:
62
(a) a insistência na crítica ao modelo de ensino generalista e bacharelesco, que
tentando formar um profissional polivalente, acaba por não formar profissionais “em
coisa nenhuma”. Aponta como solução o desenvolvimento de cursos técnicos para
formar advogados, separados de outros cursos, mais acadêmicos. É uma preocupação
bastante freqüente em seus livros a necessidade de “preparar para o mercado”;
b) uma preocupação com a falta de reconhecimento do estatuto teórico da disciplina,
tanto pela recusa dos sociólogos (que extinguiram o Grupo de Trabalho “Direito e
Sociedade” na ANPOCS), quanto entre os juristas. Como se a vocação da sociologia
não fosse a de ser rebelde desde o princípio.
c) que a simples criação de uma disciplina como a “Sociologia Jurídica” não basta para
atingir seus objetivos. Que caberia melhor uma disciplina como “Sociologia do Direito”
nos cursos de ciências sociais e que, nos cursos jurídicos deveriam existir disciplinas
mais “chamativas” para os alunos. Estes não ofereceriam resistência a disciplinas como
“Poder Judiciário e Funções Essenciais da Justiça” ou “Sociologia da Administração da
Justiça”, que deveriam substituir o ensino da Sociologia Jurídica. Já a tarefa de “abrir a
cabeça” dos alunos deveria ser de responsabilidade dos professores também das
disciplinas dogmáticas.
“Propostas? Sim, tenho duas. A primeira, mais complexa, quase
utópica, seria a incorporação da sociologia jurídica nas disciplinas
profissionalizantes. A sugestão, aqui, não se limita à inclusão da
sociologia na análise do direito. Um espaço importante também
deve ser aberto para a economia, a ciência política, a filosofia, a
filosofia do direito e a ciência política, que não deveriam ser
disciplinas, mas sim formas de análise incorporadas, sempre que
possível, às disciplinas profissionalizantes”.
(...)
“A segunda solução, que defendo há alguns anos, seria a oferta
de disciplinas voltadas para uma sociologia aplicada. Seria uma
disciplina voltada para o estudo, por exemplo, das instituições
jurídicas. Das profissões jurídicas. Do direito não-oficial. Defendo
uma sociologia jurídica que não se encontra incorporada a uma
teoria do direito, mas sim que seja tão simplesmente um ramo da
sociologia. Voltando a Tréves, uma sociologia jurídica que deveria
63
denominar-se sociologia das organizações, sociologia das
profissões, etc. Ou que, para atrair os estudantes, poderia ser
denominada de Direito Alternativo. Ou Poder Judiciário e
Resolução de Conflitos. Ou Profissões Jurídicas. Todas essas
teriam, com certeza, grandes possibilidades de cativar os alunos”
(JUNQUEIRA: 2000, 53-4 – grifos nossos)).
Essas posições, conforme entendemos, partem de uma falta de
compreensão da necessidade de separar-se metodologia e pedagogia. A fim de salvar
a “cientificidade” da Sociologia do Direito, acabam ceifando qualquer possibilidade
concreta de apostar no desenvolvimento de uma disciplina específica para tratar dos
temas de direito e sociedade no currículo dos cursos jurídicos.
A proposta de confiar o ensino da sociologia às disciplinas
dogmáticas é nada menos do que suicida. Se a Sociologia do Direito foi pensada
justamente para quebrar o monopólio do ensino calcado na exegese da lei - ainda que
não possua e nem deva pretender possuir o monopólio da crítica -, é um espaço
importantíssimo a preservar. Com certeza, o ideal seria que a perspectiva sociológica
permeasse os cursos de Direito Constitucional, Direito Penal, Direito Civil, entre outros.
Mas não há tempo nem preparo para isso por parte da maioria dos professores que se
dedicam a essas disciplinas. Suprimir o espaço na grade curricular é negar a
possibilidade de que um dia venham a ter. Na atual conjuntura, a proposta de Eliane
Junqueira pode ser lida quase como uma tentativa de confiar as galinhas ao cuidado de
raposas.
Se retirarmos o ensino da Sociologia Jurídica da graduação em
direito, jamais vamos formar bons operadores jurídicos. O bom preparo técnico não
dispensa a auto-consciência do papel do jurista na sociedade contemporânea, nem o
conhecimento dos limites desse papel. Afinal, como vamos exigir de professores das
disciplinas-cadeiras profissionalizantes que, além de tempo, tenham formação em
sociologia, economia e filosofia se negarmos esses espaços na grade curricular?
64
E, ainda, se “Sociologia Jurídica” nada significa para a autora, as
propostas de disciplinas substitutivas feitas pela professora carioca, em duvidoso
populismo, são ainda piores: Direito Alternativo, por exemplo, não é uma matéria, nem
um “tema”, e muitíssimo menos uma disciplina. É, talvez, uma boa chamada para uma
extensão, no máximo. Isso por que o Direito Alternativo, como sabemos, é uma corrente
de pensamento, não uma disciplina, e que a inclusão na grade curricular exige uma
filiação política/teórica que nem todos os professores possuem, ou querem possuir. Já
as outras denominações de disciplinas: “Profissões Jurídicas” e “Poder Judiciário e
Resolução de Conflitos”, abrem espaço para o tratamento de legislação, podendo
significar mais um momento de colonização do discurso dogmático.
São idéias interessantes para nomes de disciplinas, mas jamais
em substituição à “Sociologia Jurídica”. Tal denominação até pode ser inapropriada
metodologicamente, mas ainda assim, uma disciplina-cadeira assim nomeada permite
maior abertura de temas, a serem tratados de um “ponto de vista externo” e com a
necessária abertura interdisciplinar.
Acumulamos anos de crítica ao modelo dogmático de ensino
jurídico, conseguimos a obrigatoriedade da matéria, para depois virmos a concluir pela
sua inadeaquação? Ora, se as dificuldades de se incluir a perspectiva sócio-jurídica nos
cursos de direito são muitas, devemos tomar isso como um desafio que se deve aceitar.
Entre as grandes dificuldades para a consolidação da disciplina,
poderíamos apontar:
a) o espírito dogmático, o predomínio dos métodos tradicionais de ensino e avaliação,
a ditadura dos conteúdos, a aula coimbrã, etc. O caráter “subversivo”, inerente à
disciplina faz com que a “falta de lugar” da mesma seja praticamente estrutural;
b) a ausência de interdisciplinaridade, tanto teórica, na defesa de uma rígida
delimitação de campos, quanto prática, nas dificuldades inerentes ao trabalho
65
docente e à cultura individualista, o que torna o diálogo entre juristas e sociólogos,
quando não entre juristas e juristas, bastante difícil.
c) a escassa preparação política e científica dos alunos, que advém de um modelo de
ensino médio que não os ensinou a pensar.
d) o estado bruto da disciplina-ciência: a pouca pesquisa, a falta de redes de contato e
de troca de experiências entre profissionais.
e) o pouco tempo que se tem para ministrar uma disciplina quase inesgotável.
f) a rígida separação das disciplinas profissionalizantes das propedêuticas. Na
faculdade de direito falta teoria e falta prática. Sobra doutrina. Nos primeiros
semestre costuma-se jogar teoria quando os alunos normalmente não têm plenas
condições de aproveitamento das questões que são discutidas em sala de aula, e,
logo após o segundo ano, esquecidas.
O remédio para essas dificuldades, porém, é insistir na construção
do espaço, jamais em extingui-lo.
Sem querer afirmar que o monopólio da visão crítica deve estar
nas disciplinas propedêuticas (nem atribuir às disciplinas profissionalizantes uma visão
necessariamente ultrapassada e acrítica, já que são muitos os professores de
Dogmática Jurídica que têm desenvolvido estudos teóricos e interdisciplinares com
extrema sensibilidade social), entendemos que a proposta de extinguir a cadeira de
Sociologia Jurídica e transpô-la ao interior das dogmáticas, diante das atuais condições
de reprodução do ensino, é um grave risco.
Defendemos a necessidade de se ter uma disciplina de Sociologia
Geral no primeiro semestre do curso de Direito e outra disciplina, esta de Sociologia
Jurídica, a ser oferecida em semestres mais avançados do curso, quando o aluno terá
66
alguma noção do universo jurídico (objeto a refletir), e algum arcabouço teórico,
desenvolvido em outras disciplinas propedêuticas.
Ao final, resumimos uma série de pontos a destacar sobre a
importância dessa disciplina no currículo dos cursos jurídicos, bem como sobre as
formas de aproveitar o espaço pedagógico que representa:
a) é um espaço aberto para trabalhar habilidades, mais do que conteúdos definidos a
priori;
b) ajuda a desfazer a visão, presente no senso comum jurídico, de que se pode “mudar
o mundo por decreto”. É importante fazer o aluno ver, por exemplo, que toda lei ou
decisão judicial possui efeitos sociais diferentes dos declarados, os ditos “efeitos
perversos”, contribuindo, assim, para uma quebra do senso comum inerente ao
discurso dominante na abordagem tradicional. É um espaço para ver que o saber e
as práticas jurídicas são historicamente delimitados, que possuem um contexto
histórico que não é natural nem permanente. E, como tal, são passíveis de
transformação.
c) discutir temas polêmicos e atuais9 que estão fora dos currículos centrados em
conteúdos e que são não só “temas palpitantes” mas, muitas vezes, os verdadeiros
9
Por exemplo, pode-se desenvolver um trabalho a partir de “Temas de Direito e Sociedade”, a exemplo
do que já trabalhamos, temas de livre escolha, a serem desenvolvidos em grupos, que devem fazer toda
uma série de pesquisas sobre o tema escolhido, desenvolvendo habilidades em fichas de leitura,
seminários, relatórios, entrevistas, etc... a) MINORIAS E DIREITOS HUMANOS: o direito à igualdade e à
diferença. Ação Afirmativa, políticas culturais. Os movimentos de minorias e o Direito: homossexuais,
minorias étnicas e outras. A situação da Mulher na sociedade e no direito. Sexismo e direitos
fundamentais. O impacto do movimento feminista. As relações familiares e o direito. b) CRIME E
CASTIGO: a crise da execução penal no Brasil. O mito da ressocialização. Dinâmica micro-social em
Presídios e em outras instituições totais. É o sistema penal uma alternativa? c) CRIANÇA E
ADOLESCENTE: os direitos da criança e do adolescente na prática. Trabalho infantil, meninos de rua,
tratamento dispensado à criança abandonada e ao adolescente infrator. d) O POBRE E A JUSTIÇA: O
acesso à justiça e os mecanismos alternativos de resolução de conflitos em relação a populações
carentes. Como o sistema jurídico exclui o pobre? Serviços legais alternativos. Defensoria Pública. Direito
e exclusão social. e) VIDA E DIREITO: o modelo de desenvolvimento e o Direito Ambiental. Crise de
Eficácia. Os sistemas de modernidade produtivista: Capitalismo, “socialismo real” e seu impacto na
biosfera no ambiente. O Movimento Ecológico. Aspectos éticos e sociais das novas biotecnologias. f)
VIOLÊNCIA E DIREITOS: violência, criminalidade e segurança pública. O discurso da “Lei e Ordem” e
67
problemas do direito. A Sociologia Jurídica pode fazê-los ver que a compreensão
puramente dogmática desses temas (isso quando apresentados em outras
disciplinas) é insuficiente para oferecer-lhes respostas.
d) dar um tratamento teórico a essas questões a partir da contribuição da Sociologia,
que já normalmente são tratadas a partir de noções de senso comum. É uma tarefa
de importante de desocultamento de temas que são banalizados ou negados,
trabalhando pela sua visibilização nos cursos de Direito.
e) fazê-los “ver a rua”, buscar o direito onde é produzido e vivido. Quais são os dilemas
que enfrentam juízes, promotores e advogados no dia-a-dia? O que fazem? Quais
são as demandas dos movimentos sociais? O que o povo pensa do direito? Mesmo
que o espaço seja insuficiente para um tratamento “científico” adequado, - ao menos
é melhor do que mantê-los trancados em bibliotecas e na sala de aula durante cinco
anos, trabalhando com um material abstrato que faz pouco sentido na prática.
f) é também um momento de preparação acadêmica, teórico, onde se pode trabalhar a
importância dos clássicos, as habilidades de leitura e teorização.
g) uma disciplina mais “aberta” oferece também a possibilidade de que novos temas
sejam colocados a partir das dúvidas e dos questionamentos dos próprios alunos.
os direitos humanos. Causas da violência. Efeitos perversos das políticas de segurança. A
criminalização/descriminalização: a construção social dos tipos penais. Política de Drogas: aspectos
culturais e econômicos.
68
h) é um momento de (auto)reflexão do fazer profissional: das ideologias e dos
condicionamentos sociais das profissões jurídicas. Um espaço para refletir sobre o
mercado de trabalho e sobre o próprio ensino jurídico.
i) a auto-percepção de que o trabalho do jurista, na interpretação, é um trabalho
condicionado histórica e ideologicamente. Fazer ver-lhes a importância não só das
Leis e das doutrinas, mas que o mundo, as práticas e a teoria têm a ver com o
contexto da vida, com a forma de como ela é vista ou “lida”. A teoria social pode
parecer um “verniz” bacharelesco, para alguns, mas esse “verniz” é o que pode
permitir a alavancagem da construção de si-mesmo, de uma percepção diferente do
seu lugar no mundo10.
Essas questões foram trazidas a partir da percepção de uma
excessiva perda de energia na discussão do “estatuto científico” da Sociologia Jurídica,
quando a questão crucial é, conforme entendemos, o melhor aproveitamento possível
do espaço pedagógico criado. As questões epistemológicas têm sua importância.
Porém, a discussão possui, quando transposta ao âmbito pedagógico, efeitos práticos
bastante limitados. Não se pode estabelecer nada de definitivo sobre o estatuto teórico
de uma ciência social que é montada no interstício de práticas acadêmicas que
consistem em nada mais do que orientar as contribuições das demais ciências sociais
ao interesse jurídico.
Como demonstramos, a “fronteira” do saber sócio-jurídico não
existe a não ser em abstrato, e é muito pouco produtivo procurá-la. Se alguma vez esse
campo já teve uma “cerca”, esta apodreceu há muito tempo, com a implosão do
10
Interessante notar que a Escola Superior da Magistratura da AJURIS (Associação dos Juízes do Rio
Grande do Sul) oferece uma cadeira de Sociologia Jurídica nos cursos “profissionalizantes” para formar
juízes, como elemento de apoio para a hermenêutica de um profissional minimamente consciente de seu
papel na sociedade. Tal ponto desmonta a (absurda, conforme entendemos) tese de Junqueira a
propósito da criação de um curso jurídico “técnico” e outro “teórico”.
69
paradigma disciplinar11, o pasto cresceu alto, e as vacas mais espertas já foram há
muito tempo pastar no terreno do vizinho.
Na raiz da polêmica metodológica sobre esta ciência e seu objeto,
há uma confusão que, pensamos, está inafastavelmente relacionada à lutas acirradas
entre campos disciplinares - espaço legítimo de reprodução do homo academicus - mas
responsável, em boa parte, pelo relativo subdesenvolvimento dos estudos sóciojurídicos no Brasil. Ao direito-objeto, continuamos devendo um tratamento sociológico
adequado. Ao profissional do direito que pretendemos formar: crítico, criativo, autônomo
e capaz de não só operar com o direito, mas através dele, para construir cidadania,
continuamos a oferecer a requentada e rala sopa dogmática, enfeitada aqui e ali com
um temperinho (verde) do contato superficial com outras abordagens humanísticas.
Se a Sociologia Jurídica - ou Sociologia do Direito, nomeie-se
como for - ainda não existe no Brasil, temos de inventá-la. Se efetivamente não são
claras as fronteiras deste campo científico, pois sua pretensa “autonomia” é impossível,
então não busquemos repintar as cercas já carcomidas (afinal, são cercas do século
XIX!) que dividem os latifúndios improdutivos da ciência disciplinar e aproveitemos a
natureza difusa deste espaço, na tentativa de formar um ambiente adequado à crítica e
à reconstrução dos saberes e das práticas jurídicas.
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