UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS ANA RACHEL BRITO DE PAULA MAIARA FRANCINE BOLLAUF MARIA ANGÉLICA ARAÚJO SAMUEL AUGUSTO WAINER DOMÍNIOS EUCLIDIANOS E EQUAÇÕES DIOFANTINAS CAMPINAS - SP 2012 ANA RACHEL BRITO DE PAULA MAIARA FRANCINE BOLLAUF MARIA ANGÉLICA ARAÚJO SAMUEL AUGUSTO WAINER DOMÍNIOS EUCLIDIANOS E EQUAÇÕES DIOFANTINAS Trabalho apresentado à disciplina de Anéis e Corpos, da Universidade Estadual de Campinas sob a orientação do professor Dr. Fernando Eduardo Torres Orihuela. CAMPINAS - SP 2012 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 3 1 DOMÍNIOS EUCLIDIANOS 1.1 Domínio de integridade . . . 1.2 Domínio de fatoração única 1.3 Ideais . . . . . . . . . . . . 1.4 O algoritmo de Euclides . . . . . . 4 4 6 7 8 . . . . . 15 15 20 22 23 26 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 EQUAÇÕES DIOFANTINAS 2.1 Equações diofantinas lineares . . . . . . . 2.2 Ternos Pitagóricos . . . . . . . . . . . . . 2.3 Descida de Fermat e equações sem solução 2.4 A equação de Pell . . . . . . . . . . . . . . 2.5 Equações diofantinas não lineares . . . . . REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 2 INTRODUÇÃO Em Álgebra denotamos um domínio euclidiano como sendo um anel dotado de uma estrutura específica, a dizer, uma função euclidiana. Dessa forma, é possível a generalização do famoso Algoritmo de Euclides desenvolvido para regulamentar a divisão de dois elementos. Além disso, em um domínio euclidiano, é possível aplicar tal algoritmo para efetuar o cálculo do máximo divisor comum entre dois números. A motivação para o estudo de uma estrutura assim caracterizada é representada pelo simples questionamento: o que acontece quando dois números inteiros a e b são tais que b | a? A resposta para essa pergunta traz consigo outras concepções decorrentes, como a de domínio de fatoração única, por exemplo. As equações diofantinas, definidas por Courant e Robbins (2000, p. 59) como "uma equação algébrica com uma ou mais incógnitas, para a qual são buscadas soluções inteiras", podendo admitir ou não solução, se relacionam diretamente com os domínios euclidianos. Esse fato se dá pois uma equação diofantina tem solução se ela for trabalhada em tal domínio. Em vista disso, essa monografia visa apresentar os resultados envolvendo os domínios euclidianos e estudar as equações diofantinas neste contexto, com o propósito de complementar os conhecimentos adquiridos na disciplina de Anéis e Corpos. Para isso será utilizada uma revisão da bibliografia das obras tornadas públicas a respeito do tema. 3 Capítulo 1 DOMÍNIOS EUCLIDIANOS O algoritmo de Euclides é um método simples para encontrar o máximo divisor comum entre dois números inteiros, já que o mdc é o maior inteiro que divide os dois valores sem deixar resto. O algoritmo inicial foi descrito apenas para números naturais e comprimentos geométricos, mas foi generalizado posteriormente para outras classes de números. E isso conduziu ao que vamos estudar a seguir: os domínios euclidianos. 1.1 Domínio de integridade Para iniciar o estudo dos domínios euclidianos, é conveniente introduzir algumas definições, como a de domínio de integridade e de norma. Definição 1.1.1. Um anel comutativo com elemento identidade R é dito domínio de integridade quando dados a, b ∈ R se ab = 0 então a = 0 ou b = 0. Exemplo 1.1.2. O anel Z é um domínio de integridade. √ √ Exemplo 1.1.3. O anel Z[ n] = {a + b n |a, b ∈ Z}, onde n não é um quadrado, com as operações usuais é um domínio de integridade. √ √ √ √ De fato, sejam a + b n, c + d n ∈ Z[ n] e suponha a + b n 6= 0 isso implica que √ √ a 6= 0 ou b 6= 0, podemos supor sem perda de generalidade b 6= 0. Se (a+b n)(c+d n) = √ 0 queremos mostrar que c + d n = 0, segue que: √ √ √ (a + b n)(c + d n) = 0 ⇒ (ac + bdn) + (ad + cb) n = 0 Obtemos então o sistema: ( ac + bdn, =0; ad + cb, =0. Da segunda equação concluímos c = mos: a −ad . b Substituindo na primeira equação obte- −ad + bdn = 0 ⇒ d(b2 n − a2 ) = 0 b 4 Como Z é domínio de integridade d = 0 ou b2 n − a2 = 0, mas n não é quadrado perfeito, √ dessa forma d = 0 e c = 0. Portanto, Z[ n] é domínio de integridade. Além disso, se quisermos analisar de uma forma menos detalhista, basta notar que √ √ Z[ n] = {a + b n : a, b ∈ Z} ⊆ R, que por sua vez é um domínio de integridade. Então, √ claramente, Z[ n] também é domínio de integridade. Definição 1.1.4. Um elemento de R é chamado unidade se possuir inverso multiplicativo em R. Exemplo 1.1.5. As unidades de Z são 1 e −1. Definição 1.1.6. Dizemos que a, b ∈ R são associados se existe u unidade de R tal que a = ub. Exemplo 1.1.7. Os elementos a, −a ∈ Z são associados. Definição 1.1.8. Um elemento a em R é dito irredutível se para toda fatoração a = bc temos b unidade ou c unidade. Exemplo 1.1.9. Todos os números primos são irredutíveis. Definição 1.1.10. Um função N : R −→ N é dita norma de R se satisfaz as seguintes condições: (i) N (ab) = N (a)N (b) para todo a, b ∈ R; (ii) N (a) = 1 se, e somente se, a é unidade em R. √ √ Exemplo 1.1.11. Seja R = Z[ n] a função N : R −→ N dada por N (a + b n) = |a2 − nb2 | é uma norma. √ Observe que essa norma é assim definida pois, considerando α = a + b n, temos que N (α) = |αα| = |a2 − nb2 |. √ √ Dados a + b n, c + d n, então, segue que: √ √ √ N ((a + b n)(c + d n)) = N ((ac + bdn) + (ad + bc) n) = |(ac + bdn)2 − n(ad + bc)2 | = |a2 c2 + 2abcdn + b2 d2 n2 − a2 d2 n − 2abcdn − b2 c2 n| = |a2 (c2 − d2 n) − b2 (c2 − d2 n)| = |(a2 − b2 n)(c2 − d2 n)| = |a2 − b2 n||c2 − d2 n| √ √ √ √ N ((a + b n)(c + d n)) = N (a + b n)N (c + d n) 5 Temos ainda que as unidades de R são 1 e -1 e assim N (1) = N (−1) = 1. E se √ N (a + b n) = 1 temos: |a2 − b2 n| = 1 ⇒ a2 − b2 n = 1 ou a2 − b2 n = 1. Segue que √ a2 = 1 + b2 n ⇔ a = ± 1 + b2 n. Como a ∈ Z então 1 + b2 n é um quadrado perfeito, contudo isso só acontece se b = 0, dessa forma a = 1, unidade de R. Portanto, N é norma. 1.2 Domínio de fatoração única Outro conceito importante é o de domínio de fatoração única, que nada mais é do que um caso particular de um domínio de integridade e define a fatoração de elementos como produto de irredutíveis. Tal domínio é definido formalmente como: Definição 1.2.1. Um domínio de integridade R é dito domínio de fatoração única ou domínio fatorial se todo elemento não-nulo e não-unidade de R poder ser escrito de forma única, a menos de ordem, como produto de elementos irredutíveis de R, isto é, de maneira precisa: (i) Todo elemento não-nulo e não-unidade de R é produto finito de fatores irredutíveis; (ii) Se {p}1≤i≤s e {q}1≤j≤t são famílias finitas de elementos irredutíveis de R tais que p1 · · · ps = q1 · · · qt , então s = t; a menos de ordenação, pi é associado a qi , ∀i = 1, ..., s. Exemplo 1.2.2. O anel Z é um domínio de fatoração única. De fato, pois para qualquer n ∈ Z \ {0} temos uma decomposição única em fatores primos, que são os elementos irredutíveis deste conjunto. Claramente, n e −n diferenciamse apenas pelo elemento unidade −1. √ Exemplo 1.2.3. O domínio Z[ −7] não é de fatoração única. √ √ √ √ Note que 8 = 2.2.2 = (1 + −7)(1 − −7) e os fatores 2, 1 + −7, 1 − −7 são √ √ √ irredutíveis em Z[ −7.] Além disso, é claro que 2 não é associado a 1 + −7 nem a √ 1 − −7. Definição 1.2.4. Seja A um domínio de integridade. Um elemento p ∈ A se diz primo se 6 (i) p 6= 0; (ii) p não é inversível; (iii) Quaisquer que sejam a, b ∈ A, se p | ab, então p | a ou p | b. Lema 1.2.5. Seja R um domínio de fatoração única. Cada elemento irredutível de R é primo. Demonstração: Considerando r um elemento irredutível em R. Supondo que r | ab, mas r - a. Então, basta mostrar que r | b. Seja a = p1 . . . pn e b = q1 . . . qm fatorações únicas de a e b. Assim, p1 . . . pn q1 . . . qm apresenta uma fatoração de ab de irredutíveis, que é única por hipótese. Porém, tem-se ainda que ab = rc. Admitindo que c possua uma fatoração da forma c = t1 . . . tu em irredutíveis. Dessa forma, ab=p1 . . . pn q1 . . . qm =r(t1 . . . tu ). Como a fatoração é única, um elemento rk associado a r, deve aparecer entre os p1 . . . pn q1 . . . qm . Como r - a, nenhum associado a r deve aparecer entre p1 . . . pn . Portanto, rk deve estar entre q1 . . . qm , o que significa dizer que r | b. Note que a recíproca desse lema é válida somente em domínios de integridade, ou seja, todo elemento primo em um domínio de integridade é irredutível. 1.3 Ideais Vamos estudar agora de que forma os ideais estão relacionados com os domínios estudados anteriormente. Definição 1.3.1. Um subconjunto não vazio U de um anel R é dito um ideal (bilateral) de R se: (i) U é um subgrupo de R com relação a adição. (ii) Para todo u ∈ U e r ∈ R, ur e ru estão em U . Definição 1.3.2. Um domínio de integridade R com elemento identidade é um anel principal se todo ideal A em R é da forma A = (a), para algum a ∈ R. Em outras palavras, um ideal é principal quando ele é gerado por um único elemento pertencente a R. 7 Definição 1.3.3. Um domínio R é chamado de domínio principal se todo ideal de R for principal. Exemplo 1.3.4. O anel Z é um exemplo de domínio principal, pois todos os seus ideais são principais. Teorema 1.3.5. Se x é um elemento irredutível em um domínio principal, então (x), que é o ideal gerado por x é maximal. Teorema 1.3.6. Se R é um domínio principal, então R é um domínio de fatoração única. 1.4 O algoritmo de Euclides O objetivo principal dessa seção, assim como o nome já sugere é definir um domínio euclidiano, bem como citar as definições que dele decorrem para então iniciar o estudo das equações diofantinas. Sabemos que se a, b ∈ Z e b 6= 0, então existem únicos q, r ∈ Z tais que a = bq + r, com 0 6 r 6| b |. E este é o processo de divisão conhecido com algoritmo de Euclides em Z. Vamos definir esse algoritmo agora em um anel de polinômios. A ideia de dividir dois polinômios consiste em reduzir o grau do dividendo até que o resto seja um polinômio nulo ou um polinômio com grau menor que o grau do divisor. Partindo desse pressuposto, enuncia-se o teorema que segue com o propósito de fornecer um mecanismo para esse cálculo. Teorema 1.4.1. (Algoritmo de Euclides) Sejam K um corpo, f (x), g(x) ∈ K[x] e g(x) 6= 0. Então, existem únicos q(x), r(x) ∈ K[x] tais que f (x)= g(x)q(x) + r(x), com r(x) = 0 ou ∂r < ∂g Demonstração: Se f (x) = 0, basta assumir q(x) = r(x) = 0. Então, é conveniente admitir f (x) 6= 0 e como g(x) 6= 0 por hipótese, escreve-se: f (x)=a0 + a1 x + · · · + an xn , g(x)=b0 + b1 x + · · · + bm xm , 8 ∂f = n ∂g = m Considera-se então dois casos para provar a existência de q(x) e r(x): 1o caso: ∂f < ∂g Tomando q(x) = 0, tem-se que f (x) = r(x). 2o caso: ∂f > ∂g Usando indução sobre n = ∂f . (1) Se n = 0, então f (x)=a0 ∈ K. 0 = n = ∂f > ∂g ⇒ ∂g = 0 ⇒ g(x) = b0 ∈ K. Sabe-se que 0 6= g(x) = b0 ∈ K, por hipótese. Assim b0 −1 ∈ K, pois K é um corpo. Considerando então q(x) = b0 −1 a0 e r(x) = 0, é fácil ver que f (x)=a0 =b0 (b0 −1 a0 ) + 0=g(x)q(x) + r(x), com r(x) = 0. (2) Considerando como verdade para n > 1, tem-se que para h(x) ∈ K[x], h(x) 6= 0 e ∂h < n, existem q1 (x) e r1 (x) ∈ K[x] tais que h(x) = g(x)q1 (x) + r1 (x), com r1 (x) = 0 ou ∂r1 < ∂g. Esta é a hipótese de indução. Agora, considera-se o polinômio: h(x) = f (x) − (an bm −1 xn−m )g(x) (1.4.1) O termo an bm −1 xn−m é determinado dessa forma com o propósito de tornar o grau de h(x) menor que n, pois ao efetuar-se f (x) - (an bm −1 xn−m )g(x) tem-se que o termo de maior grau é anulado, ou seja: h(x)=(a0 + a1 x + · · · + an xn ) - [(an bm −1 xn−m )(b0 + b1 x + · · · + bm xm )] h(x)=(a0 + a1 x + · · · + an xn )-[(an bm −1 b0 )xn−m + (an bm −1 b1 )xn−m+1 + · · · + an xn ] Como a adição e consequentemente a subtração é realizada termo a termo, nota-se que o coeficiente dominante irá se anular, daí h(x) será: h(x)=a0 + a1 x + · · · + (an bm −1 b0 )xn−m + (an bm −1 b1 )xn−m+1 + · · · + an−1 xn−1 Se h(x) = 0 ⇒ f (x) = g(x)q(x) + r(x), com r(x) = 0 e q(x) = an bm −1 xn−m . Se h(x) 6= 0, é possível calcular seu grau e pela escolha feita acima, de fato ∂h < n. Pela hipótese de indução, existem q1 (x), r1 (x) ∈ K[x], com ∂r1 < ∂g ou r1 (x) = 0 tais que h(x) = q1 (x)g(x) + r1 (x) Substituindo as informações na equação (1.4.1) e explicitando f (x) vem que: 9 f (x)=g(x)[(q1 (x) + an bm −1 xn−m )] + r1 (x) Definindo então q(x) = q1 (x) + an bm −1 xn−m e r(x) = r1 (x), obtém-se: f (x)=g(x)q(x) + r(x), com r(x) = 0 ou ∂r < ∂g Isto prova a existência de q(x) e r(x). Resta somente provar a unicidade. Para isso, supõe-se q(x), q̃(x), r(x), r̃(x) ∈ K[x] tais que: f (x)=g(x)q(x) + r(x), com r(x) = 0 ou ∂r < ∂g f (x)=g(x)q̃(x) + r̃(x), com r̃(x) = 0 ou ∂r̃ < ∂g Daí tem-se que: g(x)q(x) + r(x)=g(x)q̃(x) + r̃(x) g(x)[q(x) − q̃(x)]=r̃(x) − r(x) Supondo que q(x) 6= q̃(x) então q(x) − q̃(x) 6= 0 e r̃(x) − r(x) 6= 0. Logo, ∂g 6 ∂(q − q̃)g=∂(r̃ − r) < ∂g Isto é uma contradição. Portanto, q(x) = q̃(x) e consequentemente r(x) = r̃(x), o que assegura que q(x) e r(x) são únicos. Definição 1.4.2. Seja A um domínio de integridade e definindo a aplicação N : A − {0} → N, tal que para todo par de elementos a, b ∈ A, b 6= 0 existem q, r ∈ A tais que a = bq + r, com r = 0 ou N (r) < N (b). Então, A é dito um domínio euclidiano, também chamado de anel euclidiano, se existir tal função N definida em A. Além disso, essa função é chamada por alguns autores de norma como já¡ foi definido anteriormente. Em alguns casos é necessário considerar uma propriedade adicional, sendo ∀a, b ∈ A \ {0}, N (ab) > N (a). Essa condição não é necessária, pois sempre que existir uma função N estabelecendo uma divisão euclidiana, existe uma outra γ que também estabelece uma divisão euclidiana e tal que γ tem a propriedade adicional que desejamos. De forma geral, um domínio euclidiano é aquele em que o Algoritmo de Euclides pode ser aplicado. 10 Exemplo 1.4.3. Se K é um corpo, então K[x] é um domínio euclidiano. Definindo a função d = ϕ : (K[x]∗ ) → N como sendo a função que associa a cada polinômio não-nulo o seu grau. Sabemos que se f (x) e g(x) são polinômios não-nulos pertencentes a K[x], então ∂(f g) = ∂f + ∂g > ∂f , o que satisfaz a primeira propriedade de um domínio euclidiano. Além disso, se f (x), g(x) ∈ K[x], com g(x) 6= 0, então o Algoritmo de Euclides garante que existem q(x), r(x) ∈ K[x] tais que f (x) = g(x)q(x) + r(x), onde r(x) = 0 ou ∂r < ∂g. Portanto, K[x] é um domínio euclidiano. Exemplo 1.4.4. O domínio R = Z[i] é euclidiano Admitindo como norma a função N (a + bi) = a2 + b2 e tomando x, y ∈ R, temos que x = a + bi e y = c + di e queremos encontrar q, r ∈ Z tal que (a + bi) = q(c + di) + r, com r = 0 ou N (r) < N (c + di). Trabalhando em Q[i], é possível notar que a + bi x = = r + si, y c + di com r, s ∈ Q 1 1 Escolhendo então m, n ∈ Z tal que | r − m |6 e | s − n |6 . Seja q = m + ni, 2 2 então q ∈ R e x = qy + r para algum r, com x N (r) = N (x − qy) = N ( − q)N (y) < N (y) y Então, de fato, R é um domínio euclidiano. √ Exemplo 1.4.5. O domínio R = Z[ −2] é euclidiano. √ a ab = = c + d( −2). Escolhendo novamente m, n ∈ Z b bb 1 1 tal que | m − c |6 e | n − d |6 . 2 √ 2 Assumindo q = m+b( −2) e r = a−qb, temos que N ( ab −q) = (m−c)2 +2(n−d)2 . a Daí, N (r) = N (b)N ( − q) < N (b)( 21 + 2( 12 )) < N (b). Ou seja, R é um domínio b euclidiano. Supondo a, b ∈ R. Então, √ Exemplo 1.4.6. O domínio R = Z[ 2] é euclidiano. √ Vamos considerar a norma N : Z[ 2]\{0} → N com N (α) = |a2 −2b2 | considerando √ α = a + b 2 6= 0. Seguindo o procedimento análogo aos exemplos 1.4.4 e 1.4.5, segue que √ Z[ 2] é domínio euclidiano. 11 Definição 1.4.7. Seja D um domínio de fatoração única. Um polinômio a0 + a1 x + · · · + an xn ∈ D[x] é chamado primitivo se não é uma unidade e se a0 , a1 , . . . , an não tem outros divisores comuns a não ser unidades de D. Nota-se que se f (x) é irredutível em D[x], então f (x) é primitivo. O lema que segue contribuiu grandiosamente para o estudo de anéis de polinômios em geral, mas sua intenção primordial é estender a anéis de polinômios propriedades que são válidas somente nos anéis mais simples. Teorema 1.4.8. (Lema de Gauss) Seja D um domínio de fatoração única e Q o seu corpo de quocientes. Considerando f (x) um polinômio primitivo não-escalar em D[x], então f (x) é redutível em D[x] se, e somente se, f (x) é redutível em Q[x]. Demonstração: (⇒) Sabe-se que D é um subanel de Q sob a aplicação d → d1 . Assim, D[x] aparece naturalmente como um subanel de Q[x] pois a aplicação mantém as propriedades. Portanto, se f (x) é redutível em D[x], também é redutível em Q[x]. (⇐) Supondo que f (x) é redutível em Q[x], então existem g(x), h(x) ∈ Q[x] que são polinômios não-escalares tais que f = gh A partir de agora a variável será omitida para simplificar a notação. Os coeficientes p de g e h tem a forma , com p, q ∈ D, ou seja: q b1 b2 bn b0 + x + x2 + · · · + xn , a0 a1 a2 an bi , ai ∈ D, 06i6n d0 d1 d2 dm m + x + x2 + · · · + x , c0 c1 c2 cm dj , cj ∈ D, 0 6 j 6 m. g(x) = e h(x) = É possível então substituir todos os coeficientes de g de modo que todos tenham um denominador comum. Fatorando-se este denominador comum, escreve-se 1 g = g1 , s onde g1 ∈ D[x]. Analogamente, 1 h = h1 , t com h1 ∈ D[x]. A seguir, fatora-se o mdc (em D) dos coeficientes de g1 , chamando-o de u e o de 12 h1 , chamando-o de v. Assim uv g2 h2 , st admitindo que g2 , h2 ∈ D[x] e são polinômios primitivos pois nenhum primo divide cada coeficiente de g2 e h2 . Enfim, escreve-se y uv = , st z em que mdc(y, z) = 1. Logo, y f = gh = g2 h2 , z com g2 e h2 polinômios primitivos em D[x]. y Resta provar que z é uma unidade e consequentemente ∈ D, provando que f é z redutível em D[x]. Supondo que z não seja uma unidade, então existe um primo p que divide z. Como mdc(y, z) = 1, em particular, p - y. Assim gh = com z ≡ 0(mod p) zf = yg2 h2 , (1.4.2) Considerando o domínio de integridade D/hpi = D∗ . O homomorfismo natural D → D∗ a 7→ a = {b ∈ D/b ≡ a(mod p)} induz um homomorfismo natural D[x] → D∗ [x] a0 + a1 x + · · · + an xn 7→ a0 + a1 x + · · · + an xn Logo, a equação (1.4.2) torna-se zf = yg2 h2 (1.4.3) Como z ≡ 0(mod p), resulta que z = 0 ∈ D∗ . Logo da equação (1.4.3), tem-se que 0 = yg2 h2 mas D∗ é um domínio de integridade e 0 6= y, pois p - y, logo, g2 = 0 ou h2 = 0 em D∗ [x]. Supondo g2 = 0 em D∗ [x]. Como g2 é um polinômio com coeficientes em D∗ , tem-se que cada coeficiente de g2 é 0 em D∗ , ou seja, cada coeficinte de g2 , considerado em D[x] 13 é divisível por p, o que é um absurdo, pois g2 é um polinômio primitivo. Analogamente se h2 = 0. Portanto, não existe um primo p tal que p | z, donde z é de fato unidade e f é redutível em D[x]. Teorema 1.4.9. Se D é um domínio de fatoração única, então R[x] também o é. Retornando aos ideias, seguem abaixo alguns resultados que os relacionam com os domínios euclidianos. Proposição 1.4.10. Todo domínio euclidiano D é principal. Demonstração: Considerando um ideal I 6= 0 de D, queremos verificar se este ideal é principal. Admitindo então o conjunto υ(I) = {υ(x) : x ∈ I − {0}} ⊂ {0, 1, 2, 3, . . . } Seja a ∈ I tal que υ(a) =Mínimo(υ(I)), que existe pois o conjunto {0, 1, 2, 3, . . . } é discreto e bem ordenado. Considerando agora o ideal gerado por a, a dizer, (a), que está contido em I. Suponhamos que seja possível escolher x ∈ I − (a). Por D ser um domínio euclidiano, sabemos que existe r, q ∈ D tal que x = ta + r, donde r = 0 ou υ(r) < υ(a). Mas como x ∈ / (a), r 6= 0. Assim, temos que r ∈ D − {0} é tal que υ(r) < υ(a). Porém, r = x − ta ∈ I, o que contradiz a minimalidade de υ(a). Logo, I = (a). Proposição 1.4.11. Seja K um corpo. Então K[x] é um domínio principal. Demonstração: Tomando I como sendo um ideal em K[x]. Se I = 0, não há o que fazer. É válido supor, para tanto, I 6= 0. Seja f um polinômio não-nulo de menor grau possível que pertence a I. Pode-se afirmar que I = (f ). De fato, se g ∈ I, existem polinômios q, r ∈ K[x] tais que g = f q + r, com r = 0 ou ∂(r) < ∂(f ). Como r ∈ I, pois h, f ∈ I, admitindo h = aq, temos que ∂(r) = 0, já que f é de menor grau. Assim, h ∈ (f ). A outra inclusão é imediata, portanto I = (f ). Teorema 1.4.12. O ideal A = (a) é um ideal maximal do anel euclidiano se, e somente se, a é um elemento primo de um domínio euclidiano R. 14 Capítulo 2 EQUAÇÕES DIOFANTINAS Do algoritmo de Euclides decorre a possibilidade de se estudar um tipo especial de equação: as equações diofantinas, assim chamada em homenagem a Diophantus de Alexandria (Século IV A.C.). Elas nada mais são do que equações com coeficientes e soluções inteiras apresentadas geralmente com mais de uma variável, lembrando que tais soluções existem quando trabalhadas em um domínio euclidiano conforme será visto a seguir. Neste capítulo veremos algumas definições e resultados que nos permitirão entender melhor sobre essas importantes equações. 2.1 Equações diofantinas lineares Nesta seção vamos estudar as equações diofantinas lineares. Veremos alguns exemplos desse tipo de equação e quando estivermos mais familiarizados com as mesmas veremos outros exemplos menos triviais. Definição 2.1.1. Considere a equação diofantina: a1 x1 + · · · + an xn = c, com a1 , . . . , an inteiros. Uma solução desta equação é um par ordenado de inteiros (k1 , . . . , kn ) tal que a1 k1 + · · · + an kn = c. Se uma equação diofantina tem solução, ela é dita solúvel. Exemplo 2.1.2. Se considerarmos a equação 3x + 2y = 7, observe que 3 − 2 = 1 e multiplicando os dois lados da equação por 7 obtemos que 3(7) + 2(−7) = 7. Assim, (7, −7) é solução da equação. Aqui um dos problemas que tentaremos resolver é quando uma equação diofantina tem solução. No entanto, na maioria dos exemplos vamos nos deparar com situações bem mais complexas do que o exemplo acima. A proposição a seguir estabelece condições para que uma equação diofantina seja solúvel. Lema 2.1.3. A congruência ax + a0 ≡ 0(modm) 15 (2.1.1) é solúvel se, e somente se, (a, m)|a0 . Neste caso o número de soluções = (a, m), e a congruência é satisfeita por precisam mente todos os números x numa certa classe residual mod( (a,m) ). Demonstração: Para demonstrarmos este fato precisaremos de dois resultados que não provaremos aqui, mas suas demonstrações podem ser encontradas em [5]. Afirmação 1) Se (a, m) = 1 então a congruência ax + a0 ≡ 0(modm) tem exatamente uma solução. Afirmação 2) Seja c > 0. Se a ≡ b(modm) então ac ≡ bc(modcm) e reciprocamente. Agora, se 2.1.1 é solúvel então ax + a0 ≡ 0(modm) ≡ 0(mod(a, m)). Por outro lado, se a0 ≡ 0(mod(a, m)) (2.1.2) então pela Afirmação 1 a congruência a0 m a x+ ≡ 0 mod (a, m) (a, m) (a, m) é solúvel. Logo pela Afirmação 2, 2.1.1 é satisfeito. m Agora se (a, m)|a0 então 2.1.2 tem exatamente uma solução mod (a,m) , de acordo com a Afirmação 1; como 2.1.1 e 2.1.2 tem as mesmas soluções, pela Afirmação 2, segue que 2.1.1 tem (a, m) soluções (soluções mod m como usual), uma vez que se d > 0 e d|m 16 então uma classe residual mod md se divide em d classes residuais mod m. Proposição 2.1.4. Seja n > 1 com ao menos um dos números a1 , . . . , an diferente de zero; seja (a1 , . . . , an ) = d. Então a equação diofantina a1 x 1 + · · · + an x n = c é solúvel se, e somente se d|c. Em particular: se (a, b) = 1, então ax + by = 1 é solúvel. Demonstração: (1) Se exatamente um coeficiente não se anula, a1 , digamos, então a1 x1 + 0.x2 + · · · + 0.xn = c é obviamente solúvel se a1 |c, isto é, se (a1 , 0, . . . , 0)|c. (2) Se no mínimo dois dos coeficientes não se anulam então podemos assumir sem perda de generalidade que nenhum coeficiente se anula; caso contrário simplesmente omitiríamos os termos am xm para os quais am = 0, e isto não altera o valor do máximo divisor comum dos coeficientes; o número dos termos que permanecem é ainda ≥ 2. Sem perda de generalidade podemos mesmo tomar todos os coeficientes > 0; pois simplesmente temos que substituir cada am negativo por −am (o que não altera o máximo divisor comum) e o xm correspondente por −xm . Podemos portanto assumir que n > 1, a1 > 0, . . . , an > 0. Se nossa equação diofantina é solúvel então claramente d|a1 x1 + · · · + an xn , 17 d|c. Reciprocamente, suponha que d|c. Se n = 2 então temos simplesmente que mostrar que a1 x1 ≡ c(moda2 ) é solúvel para x1 . Isto segue do Lema 2.1.3, uma vez que (a1 , a2 )| − c. Seja n > 2 e suponha a afirmação verdadeira para 2, . . . , n − 1; se fizermos (a1 , . . . , an−1 ) = a então (a, an ) = d. Pelo que mostramos no caso n = 2, segue que ax + an xn = c para x, xn escolhidos apropriadamente. Pela hipótese de indução para n − 1 segue além disso, uma vez que (a1 , . . . , an−1 )|ax, que a1 x1 + · · · + an−1 xn−1 = ax para x1 , . . . , x−1 escolhidos apropriadamente, de modo que, finalmente, a1 x1 + · · · + an−1 xn−1 + an xn = c Proposição 2.1.5. Se (a, b) = d e d|c então ax + by = c é solúvel, pela Proposição 2.1.4; ainda, dada uma solução (x0 , y0 ), todas as soluções são da forma b a x = x0 + h y = y0 − h , d d onde h é arbitrário. 18 Demonstração: O fato que um tal par (x, y) satisfaz a equação segue da relação a b + b y0 − h = ax0 + b0 = c. a x0 + h d d O fato de não existirem outras soluções é visto como segue. Sem perda de generalidade, seja b 6= 0. (Senão trocaríamos a e b, observando que quando h percorre os inteiros −h também o faz). Uma vez que ax + by = c = ax0 + by0 , segue que ax − c ≡ 0(mod|b|), e logo pelo Lema 2.1.4 (com a0 = −c, m = |b|) temos x ≡ x0 |b| mod d , b x = x0 + h , d b by = c − ax = c − a x0 + h d = (c − ax0 ) − b ha a ha = by0 − b = b y0 − h , d d d a y = y0 − h . d Exemplo 2.1.6. Determine todas as soluções inteiras e positivas da equação diofantina linear: 5x − 11y = 29. Como 11 = 5.2 + 1, segue que o mdc, (5, 11) = 1. Para 5x − 11y = 1 temos a solução imediata x = −2 e y = −1. Para 5x − 11y = 29, teremos x = −2.29 = −58 e y = −1.29 = −29. As demais soluções inteiras são da forma x = −58 + −11 t = −58 − 11t e y = 1 5 −29 − 1 t = −29 − 5t. Como as soluções devem ser positivas: −58 − 11t > 0 ⇒ −11t > 58 ⇒ 11t < −58 ⇒ t < −58 ou t < −6(t deve ser inteiro). 11 −29 − 5t > 0 ⇒ −5t > 29 ⇒ 5t < −29 ⇒ t < 19 −29 ⇒ t < −6. 5 Portanto as soluções inteiras e positivas são: x = −58 − 11t e y = −29 − 5t, para t inteiro e t < −6. 2.2 Ternos Pitagóricos Queremos estudar as soluções (x, y, z) da equação x2 + y 2 = z 2 , com x, y, z inteiros não nulos. Após determinar tais soluções, veremos como podemos utilizar as informações obtidas para resolver outras equações em números inteiros. O resultado fundamental é o seguinte: Teorema 2.2.1. As soluções (x, y, z) da equação x2 + y 2 = z 2 , com x, y, z inteiros não nulos, são dadas por (x, y, z) = (2uvd, (u2 − v 2 )d, (u2 + v 2 )d) ou (x, y, z) = ((u2 − v 2 )d, 2uvd, (u2 + v 2 )d) onde d, u, v são inteiros não nulos, com u 6= v,(u, v) = 1 e u e v de paridades distintas. Demonstração: Sejam x, y, z inteiros positivos quaisquer satisfazendo a equação acima (os demais casos são análogos) e d o mdc de x e y. Então d2 divide z 2 , e daí d divide z. Existem portanto inteiros não nulos a, b, c, com mdc(a, b) = 1, tais que (x, y, z) = (da, db, dc). Ademais, como x2 + y 2 = z 2 ⇐⇒ a2 + b2 = c2 basta determinarmos as soluções (a, b, c) da equação, sujeitas à condição (a, b) = 1 (que por sua vez implica (a, c) = 1 e (b, c) = 1). Note agora que, dado um inteiro qualquer t, temos que t2 deixa resto 0 ou 1 na divisão por 4, quando t for respectivamente par ou ímpar. Assim, se fossem a e b ímpares, teríamos a2 e b2 deixando resto 1 na divisão por 4, e daí c2 = a2 + b2 deixaria resto 2 quando dividido por 4, o que é um absurdo. Como a e b são primos entre si, não podem ser ambos pares. Há então dois casos: a ímpar e b par, a par e b ímpar. Analisemos o primeiro caso (o segundo é análogo). Se a for ímpar e b par, então c também é ímpar. De a2 + b2 = c2 obtemos b2 = (c − a)(c + a), e não é difícil concluir que (c − a, c + a) = 2. Podemos então escrever c+a c−a c−a c+a b 2 = . Note que e são primos entre si. 2 2 2 2 2 Mas se o produto de dois naturais primos entre si c−a e c+a é um quadrado 2 2 perfeito, então cada um deles deve ser um quadrado perfeito. Existem então inteiros 20 positivos primos entre si u e v, tais que c − a = 2v 2 , c + a = 2u2 , e daí (a, b, c) = (u2 − v 2 , 2uv, u2 + v 2 ). Note ainda que, como u2 + v 2 = c é ímpar, u e v devem ter paridades distintas. Por substituição na equação original, concluímos que os ternos acima são realmente soluções da equação, de modo que nada mais há a fazer. Definição 2.2.2. Um terno de inteiros positivos (x, y, z) tais que x2 + y 2 = z 2 é denominado um terno Pitagórico, em alusão ao matemático grego Pitágoras e seu famoso teorema sobre triângulos retângulos. De fato, um tal terno (x, y, z) determina um triângulo retângulo de catetos x e y e hipotenusa z inteiros. Exemplo 2.2.3. Consideremos a tarefa de determinar as soluções inteiras não nulas da equação x2 + y 2 = 2z 2 , com x 6= y. Em uma qualquer dessas soluções, devemos ter x e y com a mesma paridade, pois caso contrário x2 + y 2 seria um número ímpar. Assim, existem inteiros a e b tais que e y =a−b x=a+b Basta tomarmos a = 12 (x+y) e b = 12 (x−y), notando que x+y e x−y são números pares. Substituindo as expressões acima para x e y na equação original, concluímos que x2 + y 2 = 2z 2 ⇐⇒ a2 + b2 = z 2 Então, de acordo com o teorema acima, podemos escrever (a, b, z) = (2uvd, (u2 − v 2 )d, (u2 + v 2 )d) ou (a, b, z) = ((u2 − v 2 )d, 2uvd, (u2 + v 2 )d, ) onde d, u e v são inteiros não nulos, com u 6= v, (u, v) = 1 e u e v de paridades distintas. Segue daí que as soluções (x, y, z) de nossa equação são de um dos tipos abaixo, onde d, u e v satisfazem as mesmas condições do teorema acima. (x, y, z) = (2uvd + (u2 − v 2 )d, 2uvd − (u2 − v 2 )d, (u2 + v 2 )d) ou (x, y, z) = ((u2 − v 2 )d + 2uvd, (u2 − v 2 )d − 2uvd, (u2 + v 2 )d) Observe que uma outra maneira de abordar os ternos pitagóricos é considerar os domínios euclidianos. O problema pode ser reduzido ao caso que x, y, z são relativamente primos. Um lema importante nesse contexto é o seguinte: Lema 2.2.4. Se x e y são relativamente primos em Z, então também serão em Z[i]. 21 Segue disso que os únicos divisores comuns de x + iy e x − iy em Z[i] serão 1 e 1 − i. Além disso, x + iy e x − iy são relativamente primos em Z[i ] se, e somente se, x2 + y 2 for ímpar. A demonstração desse fato utiliza resultados de divisibilidade, irredutibilidade e o fato de Z[i] ser um domínio de fatoração única. Com isso, conseguimos caracterizar as soluções do problema, com x e y relativamente primos em Z: dizer que a tripla (x, y, z) é solução,será equivalente a escrever x + iy = a(a + bi) , com a e b ∈ Z e a invertível em Z[i] , o que também é equivalente a x = (m2 − n2 ) e y = mn com m, n ∈ Z relativamente primos e de paridades distintas. 2.3 Descida de Fermat e equações sem solução Aqui veremos alguns exemplos de equações diofantinas sem solução e um método para resolvê - las: o método da descida de Fermat. Exemplo 2.3.1. A equação 3x2 + y 2 = 2z 2 não possui soluções inteiras não nulas. Suponha o contrário. Então a equação possui uma solução (x, y, z) em inteiros positivos. Então, dentre todas as soluções (x, y, z), com x, y e z inteiros positivos, existe uma (x, y, z) = (a, b, c) para a qual z = c é o menor possível. Trabalhemos tal solução. Vamos usar o seguinte fato, que pode ser provar facilmente: se um inteiro u não for múltiplo de 3, então deixa resto 1, quando dividido por 3. Então, se b não for múltiplo de 3, teremos de 3a2 + b2 = 2c2 que c também não será múltiplo de 3. Olhando os restos de cada termo da equação por 3, teremos que 3a2 + b2 deixa resto 1 e 2c2 deixa resto 2.1 = 2. Logo, não poderia ser 3a2 + b2 = 2c2 . Assim, b deve ser múltiplo de 3, digamos b = 3b1 . Daí vem que 3a2 + 9b21 = 2c2 , e c também é múltiplo de 3, digamos c = 3c1 . Substituindo na equação, chegamos a a2 + 3b21 = 6c21 . Então, a também é múltiplo de 3. Sendo a = 3a1 , a equação acima nos dá 3a21 +b21 = 2c21 , e (a1 , b1 , c1 ) é uma outra solução de nossa equação original, com c1 = 3c < c. Mas isso é uma contradição, pois partimos de uma solução na qual o valor de z era c, mínimo possível. Logo, nossa equação não possui soluções não nulas. O método utilizado na solução do exemplo acima recebe um nome especial: método da descida (devido ao matemático francês Pierre Simon de Fermat) e consiste então no seguinte: i Supor que uma dada equação possui uma solução em inteiros não nulos. ii Concluir daí que ela possui uma solução em inteiros positivos que seja, em algum sentido, mínima. iii Deduzir a existência de uma solução positiva menor que a mínima, chegando a uma contradição. 22 Já que determinamos acima as soluções da equação de Pitágoras, nada mais natural que tentar estudar a equação mais geral abaixo, denominada equação de Fermat. Aqui, n > 2 é um inteiro fixado xn + y n = z n . Por cerca de três séculos os matemáticos defrontaram-se com o problema de decidir sobre a existência de soluções não nulas (x, y, z) dessa equação, problema que somente foi resolvido na década de noventa, utilizando métodos muitíssimo complexos. Vamos aproveitar o método da descida para analisar um caso simples dessa equação, aquele em que n é um múltiplo de 4. Teorema 2.3.2. Se n for múltiplo de 4 então não existem inteiros não nulos x, y e z tais que xn + y n = z n Demonstração: Seja n = 4k, k natural. Se xn + y n = zn , então teremos (xk )4 + (y k )4 = (z 2k )2 , ou seja, (xk , y k , z 2k ) será uma solução da equação a4 + b4 = c2 . Assim, basta mostrarmos que essa última equação não admite soluções não nulas. Por absurdo, suponhamos que existam inteiros positivos a, b e c tais que a4 + b4 = c2 . Podemos também supor que a, b e c foram escolhidos de tal modo que não há outra solução positiva a0 , b0 , c0 com c0 < c (aqui vamos usar o método da descida). Então a e b são primos entre si, e o Teorema 2.2.1 garante a existência de inteiros positivos primos entre si u e v tais que a2 = u2 − v 2 , b2 = 2uv e c2 = u2 + v 2 . Como a2 + v 2 = u2 , segue novamente do Teorema 2.2.1 a existência de inteiros positivos primos entre si p e q tais que a2 = p2 − q 2 , v 2 = 2pq e u2 = p2 + q 2 . Mas aí b2 = 2uv = 4pq(p2 + q 2 ). Como p e q são primos entre si, temos que ambos são também primos com p2 + q 2 . Portanto, sendo 4pq(p2 + q 2 ) um quadrado devemos ter p, q e p2 + q 2 quadrados, digamos p = α2 , q = β 2 , p2 + q 2 = γ 2 , com α, β, γ positivos. Por fim, segue que α4 + β 4 = γ 2 , com c = u2 + v 2 > u = p2 + q 2 = γ 2 ≥ γ contrariando a minimalidade de c. Logo, não há soluções não nulas de xn + y n = z n quando n for múltiplo de 4. 2.4 A equação de Pell Nesta seção discutiremos um tipo particular de equação diofantina: a chamada Equação de Pell. Definição 2.4.1. Seja d um inteiro positivo que não seja um quadrado. Nesse caso, √ sabemos que d é irracional. Chamamos equação de Pell à equação x2 − dy 2 = m 23 onde m é um inteiro qualquer. É claro que no caso m = 0 a equação não admite soluções além da trivial x = y = 0, √ pois se esse fosse o caso teríamos x e y não nulos, e daí d = xy , um racional. Nosso objetivo principal é mostrar que uma equação de Pell tem infinitas soluções. Para isso precisaremos de alguns lemas auxiliares. Lema 2.4.2. Seja ξ um irracional qualquer. Existem infinitos racionais inteiros não nulos primos entre si, tais que x , y com x e y x − ξ < 1 . y2 y Lema 2.4.3. Seja d um inteiro positivo que não seja um quadrado. Existe um inteiro m para o qual a equação x2 − dy 2 = m admite infinitas soluções inteiras. Teorema 2.4.4. (Soluções da Equação de Pell) Seja d um inteiro positivo que não seja um quadrado. A equação x2 − dy 2 = 1 admite infinitas soluções em inteiros positivos x, y. Ademais, existe uma solução em inteiros positivos x1 , y1 tal que todas as demais soluções dessa equação são da forma √ √ xn + yn d = (x1 + y1 d)n , onde n é um número natural. Demonstração: Admitamos por enquanto que nossa equação tenha uma solução em inteiros posi√ tivos x, y. Dentre todas essas soluções, escolha aquela x1 , y1 tal que α = x1 + y1 d seja o menor possível. Dado um natural qualquer n, sabemos que existem inteiros positivos xn , yn tais √ √ que (x1 + y1 d)n = xn + yn d. Daí, sabemos que √ √ (x1 − y1 d)n = xn − yn d e assim, √ √ 1 = (x21 − dy12 )n = (x1 + y1 d)n (x1 − y1 d)n = √ √ = (xn + yn d)(xn − yn d) = x2n − dyn2 Então todos os pares xn , yn são soluções da equação. Seja agora (x, y) uma solução qualquer em inteiros positivos. Para terminar, basta √ mostrarmos que existe um natural n tal que x + y d = αn . Suponha o contrário. Então √ √ existe um natural n tal que αn < x + y d < αn+1 . Daí, vem que 1 < α−n (x + y d) < α. Mas √ √ √ √ √ α−n (x + y d) = (x1 + y1 d)−n (x + y d) = (xn + yn d)−1 (x + y d) √ √ √ (xn − yn d)(x + y d) = (xxn − dyyn ) + (xn y − yn x) d 24 e ocorre que (xxn − dyyn )2 − d(xn y − yn x)2 = x2n (x2 − dy 2 ) + yn2 (dy 2 − x2 ) = x2n − dyn2 = 1 √ de modo que α−n (x + y d) = (xxn − dyyn , xn y − yn x) também é solução. Como 1 < √ α−n (x + y d) < α basta mostrarmos que xxn − dyyn , xn y − yn x > 0 para chegarmos numa √ contradição. Sejam a = xxn − dyyn e b = xn y − yn x . Temos a + b d > 0 e a2 − db2 = 1, √ √ donde a − b d = (a + b d)−1 > 0. √ √ √ √ Então, 2a = (a + b d) + (a − b d). Por outro lado, a + b d > 1 implica a − b d = √ √ (a + b d)−1 < 1, e daí b d > a − 1 ≥ 0. Logo, b > 0. Para terminar, basta mostrarmos que a equação x2 − dy 2 = 1 admite uma solução. Tome, de acordo com o Lema 2.4.3, um inteiro (não nulo) m tal que x2 − dy 2 = m admita uma infinidade de soluções. Podemos escolher duas dessas soluções, (x1 , y1 ), (x2 , y2 ) digamos, tais que |x1 | = 6 |x2 | mas x1 ≡ x2 e y1 ≡ y2 , módulo m. Então √ √ √ (x1 + y1 d)(x2 − y2 d) = (x1 x2 − dy1 y2 ) + (x2 y1 − x1 y2 ) d. (2.4.3) Mas x1 x2 − dy1 y2 ≡ x21 − dy12 ≡ 0(modm) e x2 y1 ≡ x1 y2 (modm), donde existem inteiros u e v tais que x1 x2 − dy1 y2 = mu, x2 y1 − x1 y2 = mv. √ √ √ Segue de 2.4.3 que (x1 + y1 d)(x2 − y2 d) = m(u + v d), e daí √ √ √ (x1 − y1 d)(x2 − y2 d) = m(u − v d). Multiplicando ordenadamente essas duas igualdades, chegamos a m2 = (x21 − dy12 )(x22 − dy22 ) = m2 (u2 − dv 2 ) ou seja, u2 − dv 2 = 1. Resta mostrarmos que u e v são não nulos. Se u = 0 teríamos −dv 2 = 1, um absurdo. Se v = 0, viria u = 1 ou −1. De 2.4.3 seguiria que (x1 + √ √ √ √ y1 d)(x2 − y2 d) = ±m, e assim (x1 + y1 d) = ±(x2 + y2 d), donde por fim |x1 | = |x2 |, o que é um absurdo. Exemplo 2.4.5. Determine todas as soluções inteiras não nulas da equação x2 − 2y 2 = 1 O Teorema 2.4.4 ensina que as soluções positivas dessa equação são da forma √ √ (xn , yn ), onde xn e yn são os únicos inteiros para os quais xn + yn 2 = (x1 + y1 2)n , √ sendo (x1 , y1 ) a solução positiva para a qual x1 + y1 2 é o menor possível. Como os pares (x, y) = (1, 1), (1, 2), (2, 1), (2, 2), (2, 3) não são soluções da equação e (3, 2) é, é fácil nos convencermos de que (x1 , y1 ) = (3, 2). Desse modo, temos os pares 25 √ √ xn , yn dados pela igualdade xn + yn 2 = (3 + 2 2)n . 2.5 Equações diofantinas não lineares Veremos nesta seção dois exemplos de equações diofantinas não lineares. √ Vimos nos Exemplos 1.4.4 e 1.4.5 que de fato, Z[i] e Z[ −2] são domínios euclidianos, assim podemos resolver as equações nestes domínios. Exemplo 2.5.1. Considere a seguinte equação diofantina: y 2 + 1 = x3 (2.5.4) Encontre todas as soluções inteiras dessa equação, com x, y 6= 0 em Z. Primeiramente suponha que x é par, daí podemos escrever x = 2k, para algum k inteiro, isso implica que y é ímpar e que y 2 ≡ 1(mod8). De fato, x = 2k ⇒ y 2 + 1 = 8k 3 ⇒ y 2 = 8k 3 − 1 ⇒ y é ímpar e, daí y = 2t + 1, para algum t inteiro ⇒ y 2 = 4t2 + 4t + 1 = 4t(t + 1) + 1 agora temos que t ou t + 1 é par, o que implica que y 2 ≡ 1(mod8). Por outro lado, se x é par temos que: x = 2k ⇒ y 2 = 8k 3 − 1 ⇒ y 2 ≡ 7(mod8). Portanto, temos que ter x ímpar, o que implica que y é par. Agora vamos trabalhar em Z[i]. Escreva: y 2 + 1 = (y + i)(y − i) = x3 . Tome δ ∈ Z[i], diferente de uma unidade, tal que δ divide y + i e y − i, então δ|2i, e podemos escrever, δz = 2i, para algum z ∈ Z[i], o que implica que δz(−i) = 2i(−i), o que segue que δ|2. Assim N (δ) é par, mas N (y + i) é ímpar, o que é um absurdo. Logo temos que ter que δ é uma unidade. Dessa forma, y − i e y + i não tem nenhum fator em comum diferente da unidade e como, (y − i)(y + i) é um cubo perfeito temos que y + i = u(a + bi)3 e y − i = u1 (a1 + b1 i)3 , onde u e u1 são unidades. Agora, as unidades em Z[i] são ±1 e ±i, que são cubos perfeitos, logo podemos assumir que y + i = (a + bi)3 e daí 26 y + i = a3 + 3a2 bi − 3ab2 − b3 i = a3 − 3ab2 + (3a2 b − b3 )i. Comparando as partes imaginária, temos 1 = 3a2 b − b3 = b(3a2 − b2 ). Portanto segue que a equação y 2 + 1 = x3 não tem solução em Z. Exemplo 2.5.2. Considere a seguinte equação diofantina: y 2 + 2 = x3 (2.5.5) Encontre todas as soluções inteiras dessa equação, com x, y 6= 0 em Z. Suponha inicialmente que x é par, daí x = 2k, para algum k inteiro ⇒ y 2 + 2 = 8k 3 ⇒ y 2 ≡ −2(mod4). Temos então que y é par, e podemos escrever y = 2t, para algum t inteiro ⇒ y 2 = 4t2 ⇒ y 2 ≡ 0(mod4). Portanto temos que ter x ímpar, que implica que y também tem que ser ímpar. √ Vamos trabalhar agora em Z[ −2]. Escreva: y 2 + 2 = (y − √ −2)(y + √ −2) = x3 . √ √ √ Tome δ ∈ Z[ −2], diferente de uma unidade, tal que δ divide y − −2 e y + −2 √ √ √ então δ|2 −2, e podemos escrever δz = 2 −2, para algum z ∈ Z[ −2], isso implica que √ N (δ) é par, o que não é possível, pois temos que existe t ∈ Z[ −2] tal que δt = y + √ −2 ⇒ N (δ)N (t) = y 2 + 2, mas y 2 + 2 é ímpar. Portanto segue que δ é uma unidade. De maneira análoga do exemplo acima, √ √ y − −2 e y + −2 não tem nenhum fator em comum diferente da unidade e como, √ √ √ √ √ (y − −2)(y + −2) é um cubo perfeito temos que y + −2 = u(a + b −2)3 e y − −2 = √ √ u1 (a1 + b1 −2)3 , onde u e u1 são unidades. Agora, as unidades em Z[ −2] são ±1, que são cubos perfeitos, logo podemos assumir que y+ √ √ √ −2 = (a + b −2)3 = a3 − 6ab2 + (3a2 b − 2b3 ) −2. Comparando as partes real e imaginária temos que y = a3 − 6ab2 e 1 = 3a2 b − 2b3 . 27 Portanto, temos que b(3a2 − 2b) = 1 ⇒ b = ±1. Se b = 1, então (3a2 − 2b) = 1, o que implica que a = ±1. Se b = −1, então (3a2 − 2b) = −1, o que implica que 3a2 = 1. Logo, temos que ter b = 1, como vimos isso implica que a = ±1. Suponha então b = 1 e a = 1, daí temos que y = −5. Suponha agora que b = 1 e a = −1, isso implica que y = 5. Portanto, y = ±5, o que segue que x = 3. Assim as soluções inteiras da equação 2.5.5 são y = ±5 e x = 3. 28 REFERÊNCIAS [1] DEAN, Richard A. Elementos de álgebra abstrata; tradução de Carlos Alberto A. de Carvalho. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1974. [2] DOMINGUES, Hygino H.; IEZZI, Gelson. Álgebra moderna. 4. ed. São Paulo: Atual, 2003. [3] HERNSTEIN, I. N. Tópicos de álgebra; tradução de Adalberto P. Burgamasco e L.H. Jacy Monteiro. São Paulo: Polígono, 1970. [4] JANESCH, O. R. Álgebra II. 1. ed. Florianópolis: UFSC/EAD/CDE/CFM, 2008. v. 1. 216 p. [5] LANDAU, E. Teoria elementar dos números. Rio de Janeiro: Ciência Moderna, 2002. [6] BOLLAUF, Maiara F. Contribuições de Galois para a solução dos problemas clássicos da Geometria. Joinville: UDESC, 2012. 82 p. Trabalho de Graduação Licenciatura em Matemática, Universidade do Estado de Santa Catarina, Joinville, 2012. 29