Edison Fortes, Simone Bruna de Oliveira

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VI Seminário Latino Americano de Geografia Física
II Seminário Ibero Americano de Geografia Física
Universidade de Coimbra, Maio de 2010
APLICAÇÕES DA TÉCNICA DE SEPPÔMEN NA ANÁLISE
PALEOCLIMÁTICA E MORFOESTRUTURAL: O CASO DA BACIA
HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO PEDRO – FAXINAL, PR.
Edison Fortes – Universidade Estadual de Maringá/Depto. de Geografia – [email protected]
Simone Bruna de Oliveira – Universidade Estadual de Maringá
Susana Volkmer – Universidade Estadual de Maringá/Depto. de Geografia –
[email protected]
Introdução
A despeito dos avanços feitos nos últimos anos, referentes ao arcabouço
litoestratigráfico e ao comportamento neotectônico do território brasileiro, em
especial do Estado do Paraná, (HASSUI, 1990; SAADI, 1993), estudos de caráter
morfoestrutural ainda carecem de procedimentos metodológicos adequados.
O presente estudo justifica-se pela importância das bordas planálticas na evolução
morfoestrutural, morfodinâmica e paleoclimática do relevo regional, levantando
hipótese da evolução da compartimentação da Bacia Hidrográfica do Rio São Pedro,
resultando neste comportamento da paisagem.
Entre os objetivos propostos para este estudo estão: avaliar a paleosuperfície da
bacia do Rio São Pedro a partir de mapa de Seppômen, analisar as possíveis causas
morfoestruturais da evolução desta bacia hidrográfica, e estabelecer correlação da
paleosuperfície com os aspectos paleoclimáticos locais e regionais.
A área da bacia, de aproximadamente 350km², encontra-se localizada no Município
de Faxinal, entre as coordenadas 23° 56’ e 24° 07’ de latitude sul, e 51° 25’ e 51° 27’ de
longitude oeste (Figura 1). O canal principal está representado pelo rio São Pedro,
cujas nascentes encontram-se localizadas no Terceiro Planalto Paranaense e
atravessam as escarpas da Serra Geral em vale aberto na forma de boqueirão.
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Tema 3- Geodinâmicas: entre os processos naturais e socio-ambientais
Figura 1 – Localização da bacia do rio São Pedro, Faxinal – Paraná.
Materiais e Métodos
Para atingir os objetivos deste trabalho, foi utilizado o método de Seppômen,
proposto por MOTOKI et al (2008). O Mapa de Seppômen é um método usado para a
reconstituição da paleosuperfície a partir da Carta Topográfica. O termo “Seppômen”,
em idioma japonês, significa o plano formado pelos contatos com os pontos
culminantes. O método é eficiente, pois a partir dele é possível estimar a paleofeições
geomorfológicas e entender o processo evolutivo da paisagem. Até o momento sua
aplicação tem sido voltada às pesquisas que versam sobre a origem de relevos das
regiões sob influência de movimentos verticais de falhas ativas (HUZITA & KASAMA,
1997 apud MOTOKI et al 2008).
A reconstituição da paleosuperfície é realizada por meio de preenchimento de
vales, conforme seguintes etapas: 1) divisão do mapa topográfico em áreas quadradas
por uma malha definida; 2) marcação do ponto mais alto de cada área utilizando a
ferramenta de retangulação, utilizando-se o programa Spring 5.5; 3) confecção de um
novo mapa topográfico a partir do uso dos pontos culminantes de cada área dividida;
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4) elaboração de modelos digitais de elevação do terreno (MDTs), utilizando-se o
software Surfer 7.0.
O Mapa de Seppômen, com base em uma malha fina, preenche seletivamente os
pequenos vales, simulando a paleosuperfície relativamente recente. A sua definição
está embasada na elaboração de uma malha maior que simula a paleosuperfície mais
remota, porém de forma mais ambígua.
Os trabalhos de cartografação foram complementados com trabalhos de campo,
objetivando a identificação e o registro fotográfico de relevos e depósitos
sedimentares correlativos. Estas informações permitiram estabelecer correspondência
com as paleosuperfícies identificadas no Mapa de Seppômen.
Contexto Geológico e Geomorfológico Regional e Local
MAACK (1947) propôs uma divisão do Estado do Paraná em cinco compartimentos
principais de relevo: Litoral, Serra do Mar, Primeiro Planalto, Segundo Planalto e
Terceiro Planalto. O limite entre os planaltos supracitados ocorre a partir de bordas
soerguidas por atividades epirogenéticas no Terciário.
A Serra Geral corresponde a um paleonível de pediplanação muito retrabalhado,
que preserva, localizadamente sua superfície original - nos Morros das Antenas e do
Mulato, respectivamente com 1.237 m e 1.225 m de altitude -, próximos a Mauá da
Serra, no Paraná. Bigarella et al. (1965) denominou essa paleosuperfície de Pd3, e seus
depósitos correlativos de P2, respectivamente, com idades do Cretáceo Superior e
Terciário Inferior (vide Figura 2). Essas feições geomórficas têm correspondência com
os ciclos Pós-Gondwana e Sul-Americano de King (1956).
A área do presente estudo encontra-se inserida no contexto do Segundo para o
Terceiro Planalto Paranaense (Figura 2), no contexto orográfico da Serra Geral.
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Tema 3- Geodinâmicas: entre os processos naturais e socio-ambientais
Figura 2 – Vista geral da bacia do rio São Pedro. Em primeiro plano relevo colinoso
associado a rochas sedimentares, pelíticas e psamíticas da Formação Rio do Rasto. Ao fundo,
escarpas cuestiformes da Serra Geral, cujos topos são controlados por rochas basálticas da
Formação Serra Geral. Ao fundo, rampas pedimentares sobre litologias areníticas da Formação
Botucatu e Pirambóia (Foto tomada de jusante para montante por Edison Fortes, em 2007).
A região de estudo está inserida na Bacia Sedimentar do Paraná e o arcabouço
estratigráfico é composto, da base para o topo, pelas formações: Rio do Rasto,
composta por argilitos e siltitos (Permiano Superior), Pirambóia (Triássico) e Botucatu
(Triássico-Jurássico), ambas formadas por arenitos finos e grosseiros, e Serra Geral,
constituída de basaltos e diabásios (Jurássico-Cretáceo).
Resultados e Discussão
Este trabalho demonstra, a partir da técnica de Mapas de Seppômen, a evolução do
relevo da bacia hidrográfica do rio São Pedro (Figuras 3, 4, e 5). Apesar de não ser
possível, estabelecer uma cronologia de eventos é possível visualizar as características
geomórficas em momentos distintos do paleorelevo.
Os modelos digitais de terreno (Figura 3) mostram mudanças na configuração do
relevo da bacia com uma participação decrescente dos fluxos hídricos superficiais em
tempos mais remotos (Figura 3A e 3B).
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Figura 3 – Modelo digital do terreno (MDT) elaborado a partir do Mapa de Seppômen. (A e
B) Observar amplo vale no terço inferior e zona mais plana na parte montante, e a presença de
diversos relevos residuais e inselbergs na parte mediana e inferior da bacia. Em (C) verifica-se
bacia dissecada salientando as formas do relevo.
A Figura 3 mostra que a bacia sempre apresentou pelo menos dois compartimentos
de relevo distintos. O primeiro situado no terço montante, tem superfície quase plana.
Esta característica mostra a importância dos derrames basálticos na configuração do
relevo, cuja disposição horizontal e resistência litológica constituem os principais
fatores controladores da morfologia colinosa atual e pretérita.
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Tema 3- Geodinâmicas: entre os processos naturais e socio-ambientais
Os processos de dissecação vertical da paisagem representativos do clima quente e
úmido atual podem ser verificados na Figura 3C, na qual o compartimento de
montante mostra-se bastante entalhado pelas drenagens atuais.
A presença de relevos residuais e inselbergs no terço inferior da bacia, junto aos
divisores de água da sua margem esquerda, mostram heranças paleoclimáticas
associadas ao recuo paralelo das encostas da Serra Geral (Figuras 3 e 4).
Figura 4 – Vista geral da bacia do rio São Pedro. À esquerda da foto, diques de diabásio e
inselbergs. Em primeiro plano, as colinas baixas, correspondem a relevos controlados por
rochas sedimentares da Formação Rio do Rasto (Foto: Edison Fortes, 2008).
Baseados nos estudos de ciclicidade tectônica e paleoclimática do relevo brasileiro
(KING, 1956; BIGARELLA et al., 1965; e PENTEADO, 1970), é possível atribuir a climas
hodiernos mais severos, o relevo da bacia do rio São Pedro. Esse fato é corroborado
pela presença de inselbergs e de um largo vale, em cujos depósitos correlativos de
pedimentação, na base da encosta, verifica-se material sedimentar exibindo blocos
com até 60cm de diâmetro, e pouca matriz argilosa na cor marrom. Esse depósito se
distribui caoticamente num perfil de 1,2m de espessura, recoberto por 1,0m de
material coluvial de textura argilosa mal selecionada, contendo fragmentos
milimétricos de rocha basáltica (Figuras 4 e 5).
Os blocos que fazem parte do pedimento detrítico estão sendo retrabalhados pelo
rio São Pedro, que os tem depositado na forma de pequenas barras laterais e centrais
do rio.
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Figura 5 – Pedimentação detrítica próximo a escarpa da Serra Geral. Observar blocos e
cascalhos de basalto angulosos e subangulosos (Foto: Edison Fortes, 2007).
A análise comparativa dos modelos digitais de terreno (Figura 3) mostra que apesar
do recuo da escarpa ter sido pequeno, a largura do vale já era bastante acentuada,
muito próxima da situação atual (Figuras 3, 6 e 7).
Figura 6 - Perfis topográficos longitudinais e transversais da bacia do rio São Pedro.
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Tema 3- Geodinâmicas: entre os processos naturais e socio-ambientais
Figura 7 - Perfis longitudinais da bacia do rio São Pedro. O perfil A-A’, é o superior, e o perfil
B-B’, inferior.
Apesar da dificuldade de se estimar o recuo da encosta devido às limitações do
método, pode-se inferir de maneira aproximada o rebaixamento do relevo. As Figuras
6 e 8 demonstram um rebaixamento máximo junto ao baixo curso da bacia, que pode
alcançar aproximadamente 100m, mas que reduz em direção a montante.
Mudanças no comportamento estrutural da bacia, também podem ser identificadas
por meio da assimetria do vale e dos interflúvios. A Figuras 6 e 8 demonstram, que
para a paisagem atual, há uma assimetria bem marcante na parte jusante. As altitudes
variam de cerca de 600m no interflúvio da margem esquerda, e de 540m, no
interflúvio da margem direita, havendo alternância de assimetria em tempos mais
remotos.
Os controles morfoestruturais dos diques de diabásio que apresentam direção geral
NW-SE, e interrompem o vale atualmente, eram pouco nítidos, corroborando a idéia
de condições climáticas mais severas no passado (Figura 3).
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Figura 8 – Seqüência dos perfis topográficos transversais do alto para o baixo curso, em
diferentes condições de aplainamento.
O controle litoestrutural da evolução da bacia do rio São Pedro, pode ser facilmente
constatado a partir da análise dos mapas de Sêppomen, que evidenciam um nítido
rotacionamento da escarpa principal da Serra Geral de E-W, para NW-SE (Figura 3). O
direcionamento atual (NW-SE) está associado à presença de diques de diabásio. É
possível que o rotacionamento esteja relacionado à erosão e ao recuo das escarpas
sobre as litologias mais friáveis das formações Rio do Rasto, Pirambóia e Botucatu.
Dessa maneira o recuo da escarpa teria sido abortado ou mesmo reduzido quando a
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Tema 3- Geodinâmicas: entre os processos naturais e socio-ambientais
erosão atingiu os diques de diabásio no local, emprestando essa geometria para a
escarpa.
Conclusões
Com o presente trabalho foi possível avaliar a aplicação de técnicas de Seppômen.
Dessa forma, constatou-se que a bacia do rio São Pedro teve sua evolução associada a
eventos paleoclimáticos, cuja ciclicidade ainda não se encontra bem compreendida. A
evolução morfoclimática está muito bem representada por feições de relevo típicas e
por depósitos correlativos do recuo das escarpas.
A influência litoestrutural foi evidenciada pela rotação da escarpa principal que
limita o Segundo do Terceiro Planalto Paranaense, de uma posição nitidamente W-E
no primeiro estágio, para NW-SE, atualmente (Figura 9). O controle litológico se dá
pela maior resistência dos diques de diabásio, de direção NW-SE, em relação às
litologias pelíticas e psamíticas das áreas circunvizinhas.
Figura 9 – Mapas de isolinhas e modelo digital do terreno correspondente. A e B - modelos
digitais elaborados a partir da técnica de Seppômen; C – mapa de isolinhas e modelo digital do
terreno elaborado a partir da carta topográfica editada pelo Exército em 2006.
Este trabalho mostra que a técnica de Seppômen associada a um criterioso
levantamento de campo, pode ser um bom método para a inferência de
paleosuperfícies não inumadas. Ela também permite fazer análises quanto aos
aspectos morfogenéticos e morfoestruturais. Para a Geografia essa técnica é de grande
importância, pois nos permite uma análise correlativa de dados físicos da paisagem,
embora estes não tenham sido objetos do presente estudo.
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No que se referem às limitações da presente técnica, estas estão ligadas à
impossibilidade de tratamento cronológico, sendo possível apenas inferir datações
relativas por meio de correlações altimétricas, com as paleosuperfícies já conhecidas e
tratadas na literatura científica.
A análise da hipsométria também é outro fator limitante, pois a técnica
desconsidera a possibilidade de dados altimétricos mais elevados, do que aqueles
representados no relevo atual.
A associação de dados de Seppômen com evidência de processo neotectônico,
também apresenta sérias limitações, embora possa apresentar boa correlação com os
elementos estruturais. A análise de dados de Seppômen requer como princípio de
abordagem, a estabilidade tectônica local, tendo em vista que os movimentos
tectônicos de subsidência podem mascarar, ou até mesmo alterar, as interpretações
da evolução da paisagem. Portanto, interpretações de caráter morfoestrutural e
morfotectônico requerem análises cuidadosas.
Referências Bilbliográficas
BIGARELLA, J.J.; MOUSINHO, M.R. & SILVA, J.X. 1965. Pediplanos, pedimentos e seus
depósitos correlativos no Brasil. In: Boletim Paranaense de Geografia, n. 16 e 17, pp.
117-151.
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Mapa Geológico. Secretaria de Planejamento da Prefeitura de Kobe, Japão.
HASSUI, Y. 1990. Neotectônica e Aspectos Fundamentais da Tectônica Ressurgente no
Brasil. Boletim da Sociedade Brasileira de Geologia – SBG/MG, n, 11, p. 1-31.
KING, L.C. 1956. A Geomorfologia do Brasil Oriental. Revista Brasileira de Geografia.
Rio de Janeiro, n. 18, v. 2, p. 147-266.
MAACK, R. 1947. Breves Notícias sobre a Geologia do Paraná e Santa Catarina. Arquivo
de Biologia Tecnologia do Estado do Paraná. v. 2. Curitiba, PR.
MOTOKI, A.; PETRAKIS, G. H.; SICHEL, S.E.; CARDOSO, C. E.; MELO, R.C.; SOARES, R.;
MOTOKI. K.F. 2008. Origem dos Relevos do Maciço Sienítico do Mendanha, RJ, com
base nas Análises Geomorfológicas e sua relação com a hipótese do Vulcão de Nova
Iguaçu. Geociências, UNESP, Rio Claro, SP, v.27 n.1, p.97-113.
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Tema 3- Geodinâmicas: entre os processos naturais e socio-ambientais
PENTEADO, M. M. 1970. Característcas dos Pedimentos nas Regiões Quentes e
Úmidas. Notícia Geomorfológica. Campinas, SP. n. 10, v. 19, p. 3-16.
SAADI, A. 1993. Neotectônica da Plataforma Brasileira: esboço e interpretação
preliminares. Geonomos, Revista de Geociências, n.1, v.1, IGC/UFMG, Belo
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