Eventos Culturais: festas de status para ti MESSAROS, Priscilla Sarah Linz Graduada em Publicidade e Propaganda pela Universidade Santa Cecília / Santos Mestranda em Comunicação Social pela UMESP E-mail: [email protected] GT5. Comunicação Diversional: Entretenimento, Lazer e Turismo RESUMO O sujeito pós-moderno - um híbrido constante, um consumidor centauro acredita estar num processo cultural evolutivo. Será que podemos considerar a transformação da cultura vivida e não mediada em produções culturais adquiridas uma evolução? Este pode ser considerado o questionamento central deste trabalho. Aqui, veremos como a antiga Indústria Cultural tornou-se literalmente uma indústria cultural. Verificaremos que este ser meio animal, meio homem está cada vez mais insaciável e acoplado ao fenômeno hedônico que se faz presente na sociedade contemporânea. Neste sentido, este indivíduo realiza uma busca desvairada pelo prazer. Trata-se de um ser insaciável que acredita que o consumo desenfreado de bens (in)tangíveis pode lhe proporcionar prazer pelo individualismo e pelo status. Pura ilusão. Neste devaneio sem fim é 'vítima' de empresas que, explorando estas 'necessidades', conquistam e fidelizam clientes através da organização e patrocínio de eventos tidos como 'culturais'. PALAVRAS-CHAVE: comunicação, consumo, cultura, eventos, marcas e marketing. INTRODUÇÃO Este trabalho tem como objetivo realizar uma reflexão a respeito da divulgação de marcas de produtos e serviços através de uma nova estratégia mercadológica: os eventos e produções 'culturais' - organizados, patrocinados e apoiados por empresas públicas e privadas. Tais eventos, assim como as mais diversas formas de anúncios publicitários, representam mensagens que possibilitam o desenvolvimento de um elo emocional entre o consumidor e a marca, neste caso, através de uma experiência vivida. A metodologia utilizada na elaboração de tal estudo engloba pesquisa bibliográfica, documental, observação participante e entrevistas focalizadas. Inicialmente serão abordadas algumas definições fundamentais ao entendimento e à contextualização do trabalho e, a partir disto, será trabalhada a Festa Literária Internacional de 'Parati', na tentativa de utilizá-la como exemplificação do processo de divulgação das marcas nos eventos. 1. CULTURA e PRODUÇÃO CULTURAL: a tentativa de conquista de um insaciável híbrido O termo cultura é multidiscursivo e, portanto, não se pode esperar que uma única definição faça sentido em diferentes contextos1. Diversas são as definições que permeiam os estudos comunicacionais e as Escolas de Comunicação e que, em muitos casos, possuem uma visão elitista ao considerar somente como cultura, o erudito. Partindo do raciocínio de Raymond Willians, Stuart Hall, (2003, pp. 135-136), demonstra que existem duas maneiras de se conceituar cultura. A primeira, [...] re-trabalha a conotação do termo cultura com o domínio das 'idéias', ou seja, relaciona a cultura à soma das descrições disponíveis pelas quais as sociedades dão sentido e refletem as suas experiências - o que seria a cultura ordinária. A segunda, por sua vez, enfatiza, deliberadamente, o termo de forma antropológica e realça o aspecto de 'cultura' que se refere às práticas sociais - a cultura, aqui simplificada, é um modo de vida global. A cultura, engloba em si o modo de vida mas não pode ser considerada apenas como um modo de vida. Ela vai mais além. Ela reflete ações e, principalmente, interações ocorridas entre grupos diversos que geram fusões - muitas vezes não planejadas por serem resultado de processos migratórios, turísticos e de intercâmbio econômico ou comunicacional - que, por sua vez, resultam em novas culturas, sem que isso signifique o extermínio de uma em detrimento de outra mas, pelo contrário, um processo de adaptação ocasionado pela hibridação. Assim, entende-se por hibridação, os processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas (CANCLINI, 2003, p. XIX). Estes processos incessantes de hibridação tornam necessária a delimitação de um conceito para o termo identidade. Em sua obra A identidade cultural na pósmodernidade, Stuart Hall, demonstra que, para o sujeito do Iluminismo, a identidade era 1 Ver referência em O’SULLIVAN, Tim. Conceitos-chave em estudos de comunicação e cultura, por Tim O’Sullivan e outros. Tradução de Margaret Griesse e Amós Nascimento. Piracicaba: Editora UNIMEP, 2001. P. 65. o centro essencial do eu, ou seja, a identidade da pessoa. Segundo o teórico, é a partir do sujeito Sociológico que surge a preocupação da concepção interativa da identidade e do eu, ou seja, a identidade passa a ser formada na interação entre o eu e a sociedade. Indo um pouco mais além, o autor aborda o sujeito Pós-moderno - objeto deste estudo cuja identidade não é fixa ou permanente. A identidade deste sujeito é formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais ele é representado ou interpelado nos sistemas culturais que o rodeiam (HALL, 2000, p. 13). O sujeito pós-moderno seria, então, um híbrido em sua identidade e em sua cultura. Na verdade, este homem tornou-se um consumidor centauro e sua 'cultura' foi sugada pela cultura de consumo, onde tudo é produzido sob a forma de mercadoria. Ele participa da cultura hegemônica onde não há lugar nem para a oposição, nem para a crítica contra a sociedade capitalista. Seria, então, este sujeito um ser aculturado? Decididamente não. Ele deixou de ter sua cultura inicial e passou a participar de uma nova cultura. Uma cultura que, segundo Don Slater, (2002, p. 120), É produzida em base racionalizada para vendas em massa, exatamente como qualquer mercadoria; é consumida no interior de relações sociais alienadas. Faz parte do sistema, não é sua negação. Seguindo este raciocínio e tendo em conta que, tanto a cultura popular como a cultura erudita tornaram-se uma 'cultura de consumo' - a partir do surgimento do capitalismo cultural -, concluímos que a cultura - enquanto experiências compartilhadas - não mais existe. Ela se transformou numa produção cultural, ou seja, numa divisão de partes e pedaços da cultura que, por sua vez, são reapropriados como entretenimento comercial e pessoal. Ela está sendo pressionada para o mercado da mídia, onde está sendo remodelada de acordo com as linhas comerciais. A cultura, como definida anteriormente, passou a ser um negócio rentável, onde empresas públicas e privadas divulgam suas marcas, seus produtos e seus serviços. Slater, (2002, pp. 120 - 121), destaca este processo ao declarar que: Todo consumo, mas sobretudo todo consumo cultural, passou a ser compensatório, integrador e funcional. Oferece ilusões de liberdade, opção e prazer em troca da perda real dessas experiências através do trabalho alienado; integra as pessoas dentro do sistema geral de exploração ao encorajá-las a definir suas identidades, desejos e interesses em termos de possuir mercadorias, e é funcional no sentido de que a cultura do consumo oferece experiências destinadas idealmente a reproduzir trabalhadores sob a forma de trabalho alienado. E qual o papel da comunicação nesta transformação? A comunicação, como um processo no qual as mensagens interagem com os indivíduos em suas culturas e sua realidade para possibilitar a produção de sentido, tem um papel vital na apropriação da cultura pelo mercado. Ela tem transformado em commodity muitos relacionamentos que compõem a experiência vivida - a vida cultural - do indivíduo e da comunidade. Depois de milhares de anos de existência em um âmbito semi-independente, às vezes tocado pelo mercado, mas nunca absorvido por ele, a cultura - experiência humana compartilhada - agora está sendo arrastada para o âmbito econômico, graças ao domínio que as novas tecnologias de comunicação estão começando a ter na vida diária. Como defende o antropólogo Clifford Geertz, (apud.: REFKIN, 2001, p. 112), Se cultura, 'são as redes de significado' que giram em torno dos seres humanos, então as comunicações são as ferramentas que os seres humanos usam para interpretar, reproduzir, manter e transformar essas redes de significado. Ser 'humano', é estar em comunicação com alguma cultura humana, é ver e conhecer o mundo - comunicar-se - de uma forma que recrie diariamente essa cultura particular. A comunicação constitui o centro da cultura e, de fato, da vida em si. Há uma ligação inseparável, então, entre as comunicações e a cultura. A cultura comunica. Comunicar é participar mesmo que, atualmente, a participação seja adquirida mediante trocas monetárias. Na verdade, esta forma de aquisição possibilita inúmeras experiências que, no passado, jamais poderiam ser vividas. Será que podemos considerar isto uma evolução ou uma (in)volução? E o marketing, como ferramenta de comunicação, como atua nisto tudo? Na tentativa de elucidar estes questionamentos, elaboraremos, a seguir, uma breve discussão a respeito da relação entre os eventos, a realização de sonhos - satisfação de necessidades - e, a divulgação das marcas. 2. MERCADO DA CULTURA E A CULTURA DO MERCADO: bem-vindo à nova era do comércio cultural. Em uma economia global cada vez mais dominada por uma gama de comunicações eletrônicas comerciais e pela produção do commodity cultural, assegurar o acesso às próprias experiências vividas torna-se tão importante quanto foi adquirir propriedades, em uma época dominada pela produção de bens industriais. De olho neste novo mercado, os profissionais de marketing assumem um papel mais abrangente de empresários de produções culturais. Eles criam 'fantasias' elaboradas, a partir de segmentos de cultura contemporânea e as vendem como experiências vividas. O marketing manufatura o hiper-real. Seu sucesso é marcado por sua capacidade de tornar a simulação ou a dissimulação mais atraentes que o real e um substituto dele. Em sua obra Simulacros e Simulação, Jean Baudrillard faz menção a este processo quando constata que em várias localidades mundiais - focos de um turismo massificado -, tudo é um imenso cenário, uma encenação pura e fria, uma máquina para gerar a ficção do real e a regeneração do imaginário, onde o real sobrevive por uma estratégia astuciosa de simulação, onde tudo é hiper-real (BAUDRILLARD, 1981, p. 21). Neste sentido, vender um produto torna-se secundário à venda de uma experiência. Então, como dar vazão à produção desenfreada de bens? Os profissionais de marketing encontraram a resposta e passaram a assimilar produtos, serviços e, principalmente, as marcas - que são um locus de significado cultural capazes de gerar mais status que os próprios produtos -, à venda de experiências através dos eventos culturais e do turismo. Aqui, é importante destacar que, nos anos recentes, o turismo tornou-se muito mais parecido com o entretenimento comercial apresentado em um teatro do que com uma visita cultural. Embora muitas vezes promovidas como experiências de aprendizado, as viagens estão adotando uma natureza muito mais teatral, onde os principais objetivos são encantar e divertir. Os turistas, que delas participam, estão em busca muito mais de símbolos e recordações que agreguem status do que de conhecimento2. Os anunciantes, por sua vez, ao perceberem que as pessoas são, antes de tudo consumidoras de símbolos, transformam suas propagandas e até mesmo suas marcas em intérpretes de significados culturais. Os consumidores têm acesso à cultura e a seus vários significados, em parte, por meio de várias mensagens publicitárias dirigidas a eles. A propaganda informa aos consumidores sobre a cultura (padrão cultural em vigor) e os orienta sobre quais compras - marcas - evocarão a conotação cultural e a experiência de vida adequadas, ou melhor, pretendidas. 2 O termo turismo parece ter sido usado pela primeira vez no século XIX para se referir a jovens aristocratas ingleses que costumavam fazer longas viagens pela Europa para enriquecer sua cultura antes de seguir sua carreira. Ver referência em REFKIN, Jeremy. A era do acesso: a transição de mercados convencionais para networks e o nascimento de uma nova economia. São Paulo: Makron Books, 2001. O marketing é meio pelo qual os bens culturais são explorados para se encontrar significados culturais potenciais valiosos que podem, então, ser transformados em experiências à venda no mercado. O capitalismo atual já não diz mais respeito à manufatura de bens ou à execução de serviços, ou mesmo à troca de informações, mas sim à criação de elaboradas produções culturais que, juntamente com as experiências, vendem as marcas. Este processo se inicia quando um emissor (empresa), divulga através de diversificados meios, uma mensagem (evento 'cultural') cujo pano de fundo (contexto) seria sua marca. O ciclo se fecha a partir do momento em que os receptores (consumidores repletos de necessidades insatisfeitas), se identificam com a mensagem e adquirem, mesmo que ao longo do tempo, a postura de utilização da marca. Uma das pretensões das produções 'culturais', é a de agregar significado às marcas. Este último, por sua vez, deriva da capacidade da marca em atuar como indicadora de status sociais, símbolos ou emblemas que mostram a participação ou a aspiração de participar de grupos de status elevado. Desse modo, defende Slater, (2002, p. 151), [...] o estilo de consumo é explicado como forma de mostrar o status social; o desejo de dispor de certas marcas de bens sendo um desejo de imitar o estilo de consumo de grupos de status mais elevado, enquanto o aspecto cultural, em contraposição ao aspecto técnico dos bens de consumo, é explicável em termos de competição por status: as marcas, em virtude de seus significados, são instrumentos de ascensão social, de participação social e de exclusão social - sua natureza básica é diferenciar, mas exclusivamente com respeito à hierarquia social. Os eventos culturais agregam valor às marcas que os patrocinam e auxiliam na continuidade do sistema capitalista de consumo. Por consumo, entendemos a forma pela qual os sujeitos humanos e sociais, com necessidades, se relacionam com as coisas do mundo que podem satisfazê-las (bens, serviços e experiências materiais e simbólicas). E avançamos afirmando que, na pós-modernidade, todo consumo é cultural já que sempre envolve significados partilhados, ou seja, não existe individualmente, mas sim, coletivamente. Quando consumimos bens, serviços e, principalmente marcas, não consumimos apenas para satisfazer necessidades intrínsecas. Consumimos para mostrar aos demais a que grupo pertencemos, ou melhor, gostaríamos de pertencer. Participamos dos eventos culturais não em busca de experiências vividas, mas sim em busca de status e de uma identificação com grupos sociais que ali atuam e participam. Isto é justamente o que acontece no decorrer na Festa Literária Internacional de 'Parati'. Ao participarmos da FLIP temos a sensação de estarmos nos apropriando de todo conhecimento literário e de todo status que isto acrescenta. Temos a sensação de sermos atuantes no mundo letrado de escritores famosos, experiência jamais imaginada anteriormente. Na tentativa de comprovar estas últimas afirmações, faremos uma breve explanação a respeito do que é a FLIP, do montante financeiro e populacional que movimenta e de sua repercussão na mídia nacional e internacional. 3. FLIP: uma festa de status cultural para ti A Festa Literária Internacional de 'Parati' é um encontro literário onde autores e artistas - nacionais e internacionais - participam expondo trabalhos e debatendo temáticas atuais. Na sua primeira edição, em 2003, a FLIP incluiu o Brasil no circuito dos principais festivais literários do mundo, fundou um novo conceito de evento cultural no país, instituiu a literatura como assunto de interesse da grande mídia, projetou novos escritores e promoveu uma convivência inédita entre autores de destaque no mundo literário e acadêmico e os leitores. Em apenas quatro dias, foram cerca de oito mil visitantes, quase cem jornalistas e vinte e cinco autores que participaram do evento. Estando em 2004 na sua 2ª edição, a FLIP atingiu o sucesso previsto somente para 2009, quando estaria em sua 7ª edição. Os organizadores estão surpresos e satisfeitos. Em reportagem concedida à equipe do Jornal Nacional - Rede Globo -, no dia 11 de julho de 2004, Mauro Munhoz - um dos organizadores da festa - relatou que, nos quatro dias de festa foi movimentado um montante em dinheiro maior do que no Carnaval e do que no Reveillon. Na mesma entrevista ele declarou que o número aproximado de visitantes estaria em torno de dez mil pessoas. Na verdade, o número exato, fornecido por Cristina Maseda - assessora de comunicação do evento - em entrevista concedida em 08 de janeiro de 2005, é de doze mil participantes, além de trinta e seis autores de dezesseis editoras. "Com certeza, afirma ela, trata-se do principal encontro literário da América Latina." A Festa Literária Internacional de 'Parati' (FLIP) é promovida pela Associação Casa Azul, entidade sem fins lucrativos criada para conceber e realizar projetos de desenvolvimento sustentável para Paraty. A FLIP foi idealizada por Liz Calder, diretora editorial (publisher) da editora Bloomsbury, de Londres, que sendo apaixonada pelo Brasil e por Paraty, desejava realizar na cidade um festival nos moldes dos realizados na Europa. A ela juntaram-se o arquiteto Mauro Munhoz e Izabel Costa Cermelli, além do jornalista e ex-diretor executivo do Jornal do Brasil e da Veja-Rio, Flávio Pinheiro, responsável pela programação da festa.. Além da programação oficial, acontece a programação paralela. Neste âmbito o destaque de 2004 foi para a Oficina Literária Veredas da Literatura3. Nesta oficina, cinqüenta escritores de todo o país trabalharam durante três dias com o romancista premiado Milton Hatoum, sendo que dois escritores selecionados dentre os demais receberam bolsas de estudo e tiveram um livro publicado. Ainda na programação paralela aconteceram: • O Arte sem Fronteiras onde foram exibidas atrações de cinema, música e teatro que mantiveram relações próximas com o universo da boa literatura; • O Programa Educativo onde professores e alunos da rede pública de ensino de Paraty estiveram envolvidos em atividades de incentivo ao aprendizado e à leitura criadas pelos organizadores da festa e, cujos frutos, foram exibidos durante a FLIP; • O Programa de Apoio à Tradução, lançado pela Fundação Biblioteca Nacional que promoveu versões em língua estrangeira de obras brasileiras para apresentá-las ao mercado internacional; • A Biblioteca Aberta onde, durante os cinco dias da FLIP, escritores, editoras e o público em geral, puderam doar livros à Biblioteca Municipal Fábio Villaboim e, por fim, • A Programação Infantil que incluiu diversas atividades como oficinas de teatro e poesia, de treinamento para se contar histórias, de arte, de brinquedos, de música e de rádio. Além de todas estas opções, tivemos o Off FLIP, um circuito alternativo de literatura cujo objetivo foi abrir espaços para novos escritores e editoras e também para autores que já tinham visibilidade nacional e que quisessem dar uma dimensão maior a seus trabalho. A programação foi diversificada, foram abordados temas ligados a psicologia, música, poesia, teatro e fotografia. Enfim, tivemos de tudo para todos. 3 Esta oficina é particularmente patrocinada pela VIVO - empresa prestadora de serviço de telefonia celular. Durante os dias do evento, a cidade realmente esteve em festa. Todos os leitos dos hotéis estavam ocupados, todos os restaurantes encontravam-se lotados. Doze mil pessoas - das quais cerca de 70% possuíam nível superior completo4 - passaram por Paraty e consumiram muito além de literatura. Pessoas com grau de instrução alto para os padrões nacionais e com poder aquisitivo elevado. Consumidores que, por já possuírem diversificadas espécies de bens, buscam novas experiências. Indivíduos que foram 'bombardeados' com informações referentes à festa, onde apareciam estampadas as logomarcas das empresas patrocinadoras do evento5. Na verdade, boa parte desta gente compareceu apenas em busca do status que a indústria da experiência - que inclui toda a gama de atividades culturais de viagens ao entretenimento - pode proporcionar. Segundo Jeremy Refkin, (2001, p. 116), A experiência vivida é o último estágio de reificação da commodity. Em outras palavras, a experiência vivida [...] tornou-se a commodity final na circulação de capital. Ir à FLIP e participar de um evento internacionalmente reconhecido6 parece ter o efeito adicional de permitir ao consumidor reivindicar a posse do que é seu. Esse processo de reivindicação é uma tentativa de extrair do evento as qualidades que lhe foram conferidas pelas forças do marketing e da propaganda. Enquanto a publicidade e o marketing transportam o significado do mundo cultural e historicamente constituído para os eventos 'culturais', através de seus rituais de posse, os indivíduos transferem este significado da participação e do pertencimento, para suas vidas. Assim, os eventos organizados e patrocinados por marcas que agregam valor e status àqueles que as possuem, tornaram-se bens de consumo e, enquanto bens de consumo, são uma ponte para o cultivo de esperanças e ideais. São por nós utilizados vivenciados - para recobrar os significados culturais deslocados, para cultivar algo que, de outra maneira, estaria fora do nosso alcance. Sob esta forma tais eventos são um meio de perpetuamente renovar nossas expectativas consumistas. O lado negro desse aspecto do consumo é que ele ajuda a aumentar nosso apetite consumista, de modo que 4 Informação cedida por Cristina Maseda em entrevista realizada em 08/01/2005. Unibanco, Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, VIVO, Nestlé, Eletronuclear, Eletrobrás, Rede Globo e Folha de São Paulo, entre outras. 6 Evento de repercussão na imprensa nacional e mundial. Assim como em 2003, 2ª edição da FLIP foi noticiada em vários países e por diversos tipos de jornais, incluindo o Financial Times, jornal econômico britânico. 5 nunca atingimos uma suficiência, uma saciedade e estamos, constantemente, participando da economia capitalista. Aqui, é interessante notar que essa economia capaz de abundância é a mesma que deixa a vida e a natureza abandonadas ao livre curso de seu próprio ócio. Para tanto, é preciso que nada tenha que ser obrigatoriamente produtivo. As necessidades materiais da existência, uma vez satisfeitas, desaparecem e, aos membros da sociedade, é dado o privilégio de usufruir com total desenvoltura do prazer constante que oferece o tempo livre. Como sociedade primitiva, a sociedade dentro da Indústria Cultural trabalha pouco, é subprodutiva por escolha e não por incapacidade. O hedonismo, a busca do prazer parte da diversão e para a diversão. O ser não é mais exclusividade do ter, contempla o estar. O estar presente, o participar - não necessariamente ativamente. Apenas estar. Estar lá e ser visto. 4. CARÁTER HEDONISTA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: a insatisfação das necessidades e desejos O homem contemporâneo vive numa incessante busca pelo prazer. Trata-se de um hedonismo que tomou conta da sociedade pós-moderna e que acarreta num movimento cíclico que engloba o anseio, o consumo, a satisfação momentânea e o retorno a uma insatisfação permanente que, por sua vez, gera, novamente, o anseio. Assim, tem-se o consumo desenfreado pelo ter e não mais pelo ser. Como defende Colin Campbell, (2001, p. 130), A atividade fundamental do consumo, portanto, não é a verdadeira seleção, a compra ou o uso dos produtos, mas a procura do prazer imaginativo a que a imagem do produto se empresta, sendo o consumo verdadeiro, em grande parte, um resultante desse hedonismo ‘mentalístico’. Então, poderíamos dizer que a atividade fundamental do consumo da FLIP, enquanto evento cultural, não é a ida à festa em si e tampouco o conhecimento cultural lá adquirido (necessidade) , mas sim, o status que a participação em tal evento empresta ao indivíduo que lá está (desejo). Busca-se satisfazer primeiramente os desejos - trabalhados pelo marketing - e, só depois, as necessidades básicas. De acordo com Abraham Maslow - Teoria de Maslow , as necessidades humanas são dispostas em uma hierarquia, da mais urgente para a menos urgente. Em sua ordem de importância, elas são necessidades fisiológicas, necessidades de segurança, necessidades sociais, necessidades de estima e necessidades de auto-realização. Ainda segundo este autor, "o consumo deveria obedecer a mesma ordem, já que os indivíduos tentariam satisfazer suas necessidades mais importantes em primeiro lugar" (apud.: KOTLER, 2000, p.194). Na verdade, hoje em dia, esta hierarquia não mais existe, ou melhor, deixou de ser o padrão seguido pelos consumidores. Na atualidade, é cada vez mais comum a busca por anseios requintados em detrimento da satisfação das necessidades básicas. Este é um fenômeno mundial. A contrapartida da idéia de necessidades básicas é a idéia de objetos básicos. Muitos concordam, por exemplo, que a sociedade pós-moderna - sociedade de consumo - é, de certo modo, mais cultural em seu consumo do que outras sociedades, porque a propaganda e o marketing acrescentam significados externos a objetos basicamente funcionais. Em sua obra Cultura do consumo & Modernidade, Don Slater, (2002, p. 135), constata que Os significados culturais das coisas parecem não apenas supérfluos, mas também mistificadores e voltados para a exploração. No anseio pela individualidade, fazem-nos entrar numa esfera de signos-mercadorias a fim de nos induzir a comprar mais, em vez de nos levar para uma esfera de valor de uso ou utilidade onde usamos as propriedades reais dos objetos para fazer coisas. Daniel Galindo reforça este discurso ao mostrar que a publicidade passa a persuadir somente quando trabalha a busca da individualidade - que corresponde aos desejos e não às necessidades do consumidor -, através da psicologia humana e do estudo das reações do indivíduo. Neste sentido são aludidos produtos e serviços personalizados Objetos básicos carregados de conteúdos culturais que satisfazem um desejo e não uma necessidade. Dessa forma, os objetos que usamos e consumimos deixam de ser meros objetos de uso para se transformar em veículos de informação sobre o tipo de pessoa que somos ou gostaríamos de ser (VESTERGAARD & SCHRODER, 1996, p.5). Enquanto meios de comunicação, os bens7 são primordialmente indicadores que assimilam relações e classificações sociais. A cultura do consumo, associa a satisfação com a estagnação sócio-econômica: as necessidades não devem ter fim. Através dos 7 Aqui, encaixam-se perfeitamente os eventos 'culturais' que, na verdade, deixaram de ser culturais e tornaram-se meras mercadorias passíveis de um consumo massificado. significados públicos vinculados aos bens e de seus usos públicos, o consumo organiza a ordem social tornando visíveis as divisões, as categorias e as classificações sociais. No intuito de transgredir tais divisões e de nos transferirmos - ilusoriamente - de uma categoria social à outra, buscamos o consumo. Nos tornamos, mais uma vez, novos consumidores, agora em busca do que, até pouco tempo atrás não estava à venda, estamos em busca das experiências partilhadas que não somos mais capazes de vivenciar. Temos de comprar. Nós, enquanto novos consumidores, comemoramos viver o momento, o hedonismo, a auto-expressão, a beleza do corpo, o paganismo, a liberdade das obrigações sociais, o exotismo de lugares distantes, o cultivo de um estilo e da formação de um estilo de vida. O caráter hedonista de nossa atual sociedade tem como gênese o discurso do tempo livre e a conseqüente oferta do prazer, do divertido, do entretenimento e do lúdico como busca pela eterna gratificação (GALINDO, 2003, p.01). Estamos saturados do mundo real e vivendo no hiper-real. Mas, como seres insaciáveis que somos, continuamos querendo mais. Buscamos o mundo dos comerciais. O mundo mais belo e mais rico que o real. Um mundo onde nada falta, um mundo auto-suficiente, onde as coisas são menos problemáticas, as necessidades todas estão resolvidas, onde os problemas são menores e, de repente, nem existem. Onde a auto-realização e todas as coisas normalmente buscadas no âmbito cultural podem ser compradas no mercado, na forma de produtos e serviços atribuídos à cultura. Atingimos nossa meta. Adentramos neste mundo e continuamos perdidos. Já consumimos todos os produtos e serviços que nos foram disponibilizados e continuamos em busca de um diferencial, de algo que nos distinga dos demais, da grande massa da qual fazemos parte. Acreditamos que a pertença a eventos tidos como 'culturais' e a fidelização às marcas patrocinadoras de tais eventos, propiciarão essa distinção. Esta é mais uma possibilidade, mais uma ferramenta mercadológica que auxiliará na manutenção do sistema capitalista. Mas e quando todos os demais já estiverem participando desse processo? Com certeza, teremos o desenvolvimento de novas estratégias de comunicação e de marketing que suprirão a demanda destes seres 'culturalmente' resolvidos. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Através das reflexões realizadas conclui-se que, sendo vítima do processo de hedonismo, o homem da atualidade passa por um processo insaciável de consumo. Consome não mais pela necessidade, mas sim pelos desejos. Muitas vezes, na busca incessante pelo prazer, pula etapas de satisfação de suas necessidades primordiais. Na verdade, encontra-se num êxtase frenético e momentâneo. Ao término deste consumo real o indivíduo é novamente tomado pela angústia da ausência e passa a fantasiar - devanear -, a respeito do próximo passo de consumo. Não basta mais consumir o físico. Aliás, os desejos, agora, são psicológicos. Sai em busca da individualidade e do status que acredita que somente o consumo, agora dos eventos culturais e das marcas patrocinadoras de tais eventos, possa proporcionar. Tenta de todas as maneiras se entreter. Participa de eventos por acreditar que os mesmos lhe trarão de volta o que foi perdido. Consome os novos produtos e serviços. Veste novas marcas lançadas em tais ocasiões. Continua sob efeito do hedonismo. Continua preso ao ciclo. O marketing, as campanhas publicitárias e os veículos de comunicação auxiliam na promoção do processo, mas não são os únicos responsáveis. Acompanham a evolução e o aprimoramento. Lançam moda. E o ser, agora já individualizado, segue atrás. Freqüenta eventos badalados, consome mais e mais, sempre na busca do prazer fora de alcance. Neste processo, o valor monetário dos bens, serviços e das marcas tornou-se tangencial ao seu valor psicológico e a cultura, um elemento integrador e alimentador do repertório articulado pelo discurso de mercado. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulação. Lisboa: Antropos, 1981. CAMPBELL, Colin. A ética romântica do espírito do consumo moderno. 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