UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA Faculdade de Arquitectura e A rtes Mestrado integ rado em Arquitec tura O terra aço com mo exem mplo de e um fa acto arq quitecttónico definido d or de um ma topo ografia de rela ação co om a paaisagem m Realizado R p por: Rui Alexaandre Casta anho Seque eira Orientado por: p Prof. Do outor Arqtt. Joaquim José Ferrãão de Oliveira Braiziinha Co-orientado por: p Prof. Dou utor Arqt. Orlando O Pe edro Hercuulano Seixa as de Azevvedo onstituição o do Júri: Co Pre esidente: Orientador: guente: Arg Proff. Doutor H Horácio Ma anuel Pere eira Bonifáccio Proff. Doutor A Arqt. Joaquim José Ferrão F de O Oliveira Brraizinha Proff. Doutor A Arq. Mário João Alve es Chaves Disssertação a aprovada em: e 5 de e Março de e 2014 a Lisboa 2013 U N I V E R S I D A D E L U S Í A D A D E L I S B O A Faculdade de Arquitectura e Artes Mestrado Integrado em Arquitectura O terraço como exemplo de um facto arquitectónico definidor de uma topografia de relação com a paisagem Rui Alexandre Castanho Sequeira Lisboa Novembro 2013 U N I V E R S I D A D E L U S Í A D A D E L I S B O A Faculdade de Arquitectura e Artes Mestrado Integrado em Arquitectura O terraço como exemplo de um facto arquitectónico definidor de uma topografia de relação com a paisagem Rui Alexandre Castanho Sequeira Lisboa Novembro 2013 Rui Alexandre Castanho Sequeira O terraço como exemplo de um facto arquitectónico definidor de uma topografia de relação com a paisagem Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa para a obtenção do grau de Mestre em Arquitectura. Orientador: Prof. Doutor Arqt. Joaquim José Ferrão de Oliveira Braizinha Co-orientador: Prof. Doutor Herculano Seixas de Azevedo Lisboa Novembro 2013 Arqt. Orlando Pedro Ficha Técnica Autor Orientador Co-orientador Rui Alexandre Castanho Sequeira Prof. Doutor Arqt. Joaquim José Ferrão de Oliveira Braizinha Prof. Doutor Arqt. Orlando Pedro Herculano Seixas de Azevedo Título O terraço como exemplo de um facto arquitectónico definidor de uma topografia de relação com a paisagem Local Lisboa Ano 2013 Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa - Catalogação na Publicação SEQUEIRA, Rui Alexandre Castanho, 1989O terraço como exemplo de um facto arquitectónico definidor de uma topografia de relação com a paisagem / Rui Alexandre Castanho Sequeira ; orientado por Joaquim José Ferrão de Oliveira Braizinha, Orlando Pedro Herculano Seixas de Azevedo. - Lisboa : [s.n.], 2013. - Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa. I - BRAIZINHA, Joaquim José Ferrão de Oliveira, 1944II - AZEVEDO, Orlando Pedro Herculano Seixas de, 1963LCSH 1. Casas com terraço 2. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Teses 3. Teses – Portugal - Lisboa 1. Terrace houses 2. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Dissertations 3. Dissertations, Academic – Portugal - Lisbon LCC 1. NA7521.S47 2013 AGRADECIMENTOS A apresentação e realização desta dissertação significa, principalmente o fim de uma etapa da minha vida e de um longo percurso académico. São inúmeras as pessoas que contribuíram para que este sonho seja uma realidade e que foram determinantes na minha vida de estudante, e deste modo, agradeço desde já a todas elas. Gostaria de referir os professores Joaquim Braizinha e Orlando Azevedo (Orientador e Co-orientador, respectivamente), pela sua disponibilidade e pelos seus inesgotáveis ensinamentos transmitidos durante todo este tempo entre a cadeira de Projecto III e no apoio na realização deste documento. Quero agradecer ainda a todos os meus professores, mas principalmente a dois que fizeram parte deste meu curso de Arquitectura, mais concretamente à Professora Lígia Félix e ao Professor Álvaro Cidrais, por tudo aquilo que me transmitiram durante o curso, pelo incentivo, dedicação e disponibilidade incondicional que demostraram. Em último lugar, e principalmente, a toda a minha família, em especial à minha mãe e ao meu pai, pelo amor, incentivo e paciência que tiveram durante todo este meu percurso até aqui. “Todo o estado de alma é uma passagem. Isto é, todo o estado de alma é não só representável por uma paisagem, mas verdadeiramente uma paisagem. Há em nós um espaço interior onde a matéria da nossa vida física se agita. Assim, uma tristeza é um lago morto dentro de nós, uma alegria, um dia de sol no nosso espírito. E – mesmo que se não queira admitir que todo o estado de alma é uma paisagem – pode ao menos admitir-se que todo o estado de alma se pode representar por uma paisagem. Se eu disser «há sol nos meus pensamentos», ninguém compreenderá que os meus pensamentos são tristes. (…) Ora, essas paisagens fundem-se, interpenetram-se, de modo que o nosso estado de alma, seja ele qual for, sofre um pouco da paisagem que estamos a observar – um dia de sol, uma alma triste não pode estar tão triste como num dia de chuva – e, também, a paisagem exterior sofre do nosso estado de alma – é de todos os tempos dizer-se, sobretudo em verso, coisas como que «na ausência da amada o sol não brilha», e outras coisas assim.” PESSOA, Fernando (2009) – Citações e pensamentos de Fernando Pessoa, Alfragide: Casa das letras. p. 74 APRESENTAÇÃO O terraço como exemplo de um facto arquitectónico definidor de uma topografia de relação com a paisagem. Rui Alexandre Castanho Sequeira A presente dissertação aborda as questões inerentes à realização e utilização do terraço como ideia operativa de Arquitectura. Apresenta-se o modo como a arquitectura cria uma simbiose entre o facto arquitectónico e a paisagem, seja ela natural ou construída, na criação de um Lugar. O terraço, como espaço acima de um determinado nível, é apresentado como uma das ideias possíveis para a criação dessa relação, na perspectiva de ser definidor de uma topografia e de ter como principal objectivo uma relação com a paisagem. Nesta investigação, a questão sobre o modo como este espaço se poderá complementar ao espaço de Miradouro, num contexto urbano, tanto nas suas ideias comuns de relação com a paisagem, bem como na articulação entre os conceitos de Tipologia e Morfologia urbana. Palavras-chave: Terraço, Espaços Acima do Nível, Topografia, Miradouro PRESENTATION The terrace building as an example of defining a topography and landscape relationships Rui Alexandre Castanho Sequeira The present dissertation approaches the inherent subject of the production and use of terrace as an operative idea of Architecture. It shows how the architect creates a symbiosis between the architectural element and the landscape, natural or artificial, creating a Place. The terrace, as the Space located above other certain levels of reference, will be presented as a possible idea of creating this relationship, in the perspective of defining a topography that has a relationship with the landscape as its main aim. Here, in this investigation, there is reised the question of how this space can complement the space of a Viewpoint in an urban context, in the common idea of a relationship with the landscape, as well as in the articulation between the concepts of the Typology of Building and Urban Morphology. Keywords: Terrace, Spaces Above Level, topography, Viewpoints LISTA DE ILUSTRAÇÕES Ilustração 1 – Imagem referente a crianças a brincar numa casa de árvore, Margarida Botelho (Botelho, 2006, p. 6) ........................................................... 21 Ilustração 2 – Imagem referente a crianças a brincar numa casa de árvore, Margarida Botelho (Botelho, 2006, p. 6) ........................................................... 21 Ilustração 3 – Esquema conceptual de organização da dissertação. (Ilustração nossa, 2013)..................................................................................................... 24 Ilustração 4 – Diagrama estrutural da relação entre os três capítulos relativos ao Temas com as obras Literárias e arquitectónicas. (Ilustração nossa, 2013) 27 Ilustração 5 – Paisagem referente à civilização Inca, Machu Pichu. (National Geographic, 2010)............................................................................................ 29 Ilustração 6 – Uso do existente como arquitectura. (Norberg-Schulz, 1981, p. 17-51) ............................................................................................................... 30 Ilustração 7 – Santuário em Atenas. (Norberg-Schulz, 1981, p. 30) ............... 32 Ilustração 8 - Templo funerário da rainha Hatshepsut. (Norberg-Schulz, 1981, p. 29) ................................................................................................................ 34 Ilustração 9 - Templo funerário da rainha Hatshepsut (Dreyfus, Keller e Roehrig, 2005, p. 135) ...................................................................................... 34 Ilustração 10 – Desenhos diagramáticos referentes ao templo de Hatshepsut. (Ilustração nossa, 2013) ................................................................................... 34 Ilustração 11 – Pintura referente à topografia de Nelson e Canterbury, “Seis dias em Nelson e Canterbury”. (McCahon, 1950) ............................................ 35 Ilustração 12 – Desenho referente à Acrópole grega de Le Corbusier. (Corbusier, 2004, p. 61) ................................................................................... 39 Ilustração 13 – Montagem de várias imagens do filme “Le Mépris” relativo à Casa Malaparte. (Godard, 1963) ...................................................................... 40 Ilustração 14 – Desenhos diagramáticos relativos à Casa Malaparte. (Ilustração nossa, 2013) ................................................................................... 41 Ilustração 15 – Montagem de várias imagens do filme “Le Mépris” relativo à Casa Malaparte. (Godard, 1963) ...................................................................... 42 Ilustração 16 – Montagem fotográfica relativa à Casa Das Mudas. (Guerra, 2005) ................................................................................................................ 43 Ilustração 17 – Desenhos diagramáticos relativos à Casa das Mudas. (Ilustração nossa, 2013) ................................................................................... 43 Ilustração 19 – Arquitectura clássica. Acrópole. Atenas (Norberg -Schulz, 1981, p. 75) ...................................................................................................... 44 Ilustração 20 – Desenhos diagramáticos referentes ao Pártenon. (Ilustração nossa, 2013)..................................................................................................... 45 Ilustração 21 – Foto de Andreas Feininger à paisagem urbana de Nova Iorque. (Feininger, 1942) .............................................................................................. 47 Ilustração 22 – “Expedição”(Hasucha, 2005) .................................................. 48 Ilustração 23 – Experiências urbanas (Cullen, 1971, p. 178-181)................... 49 Ilustração 24 – “ Viajante sobre o mar de nuvens” (Friedrich, 1815) .............. 50 Ilustração 25 – Montagem com base nesta obra de Friedrich, onde é possível verificar apenas a paisagem. (Ilustração nossa, 2013) .................................... 50 Ilustração 26 – Desenho referente à cidade Catal Huyuk. (Caceres, 2011) ... 51 Ilustração 27 – Desenho diagramático referente ao modo como as coberturas se definiam como ruas. (Ilustração nossa, 2013) ............................................. 51 Ilustração 28 – Charles Chaplin a saltar de cobertura em cobertura, imagem retirada do Filme “The Kid”. (Chaplin, 1921) .................................................... 52 Ilustração 29 – Desenho diagramático a partir do conceito de “Visão serial” do percurso até Alfama, Lisboa. (Ilustração nossa, 2013) .................................... 54 Ilustração 30 – Foto de Andreas Feininger à relação entre as pedras tumulares e os arranha-céus de Nova Iorque. (Feininger, 1921) ...................................... 56 Ilustração 31 –O Terraço do Chaillot Palace. (Institut Français D' Architecture, 2013, p. 147) .................................................................................................... 58 Ilustração 32 – Desenho diagramáticos referentes à relação do terraço deste palácio com a Torre Eiffel. (Ilustração nossa, 2013) ........................................ 58 Ilustração 33 – Miradouro S. Pedro de Alcântara. (Ilustração nossa, 2013) ... 59 Ilustração 34 – Montagem fotográfica referente à ligação com a cidade do Projecto de ampliação do Museu Machado e Castro. (Bryne e Malagamba, 1999) ................................................................................................................ 60 Ilustração 35 – Desenhos diagramáticos referentes ao Projecto de ampliação do Museu Machado e Castro (Ilustração nossa, 2013) .................................... 60 Ilustração 36 – O terraço e a paisagem (Jencks, 1987, p. 139) ...................... 61 Ilustração 38 – Desenhos diagramáticos referentes a esta cena retirada do filme “Lisbon Story”. (Ilustração nossa, 2012) .................................................. 62 Ilustração 37 – “Lisbon Story” com plano de fundo a cidade de Lisboa e o seu Rio Tejo. (Wenders, 1994) ............................................................................... 63 Ilustração 39 – Foto de Andreas Feininger a uma das ruas de Nova Iorque. (Feininger, 1942) .............................................................................................. 65 Ilustração 41 – Espaço público localizado no terraço sul no Centro Cultural de Belém. (Ilustração nossa, 2013) ....................................................................... 69 Ilustração 42 – Fotos referentes à relação entre o espaço público do primeiro terraço com o espaço público/privado do segundo terraço. (Ilustração nossa, 2013) ................................................................................................................ 71 Ilustração 43 – Desenho referente ao prolongamento da Rua S. Tomé para o terraço referente ao Silo-automóvel. (Ilustração nossa, 2013) ......................... 72 Ilustração 44 – Desenhos Diagramáticos referentes à passagem entre os dois terraços e a sua relação ente público/privado. (Ilustração nossa, 2013) .......... 72 Ilustração 45 – Momento de entrada para o café/bar “ O Terraço”. (Ilustração nossa, 2013)..................................................................................................... 73 Ilustração 46 – Terraço referente ao café/bar “ O Terraço”. (Ilustração nossa, 2013) ................................................................................................................ 73 Ilustração 47 – Espaço público de dois Miradouros de Lisboa. (Ilustração nossa, 2013)..................................................................................................... 75 Ilustração 48 – Diagrama de organização de ideias referentes aos casos de estudo. (Ilustração nossa, 2013) ...................................................................... 77 Ilustração 49 – Babilónia (Larrinaga, 1959-1962) ........................................... 79 Ilustração 50 – Pintura referente aos jardins suspensos da Babilónia por Martin Heemsherck. (Heemskerck, 1500s) ................................................................. 80 Ilustração 51 – Estratégia topográfica para o edifício dos jardins suspensos. (Ilustração nossa, 2013) ................................................................................... 81 Ilustração 52 – Desenhos diagramático da estratégia topográfica para o edifício dos jardins suspensos. (Ilustração nossa, 2013) ................................. 81 Ilustração 53 – Desenhos relativos à nova arquitectura. (Ferris, 1986, p. 58128) .................................................................................................................. 85 Ilustração 54 – “Edifícios Montanha” desenhos de Hans Poelzig do seu artigo referente :”El hombre ya la tierra” (Marques, 2001) ......................................... 86 Ilustração 55 – Imagem promocional para o filme Metropolis. (Lang, 1927) ... 87 Ilustração 56 – Imagens capturadas do filme Metropolis que apresentam esta cidade futurista. (Lang, 1927) ........................................................................... 88 Ilustração 57 – Imagens capturadas do filme Metropolis que apresentam esta cidade futurista. (Lang, 1927) ........................................................................... 89 Ilustração 58 – New York City – 1940 – 1950. (Feininger, 1940) .................... 89 Ilustração 59 – A fábrica de automóveis e pista de corrida Lingotto da Fiat. (Truco, 1923) .................................................................................................... 90 Ilustração 60 – A pista de corrida para automóveis na cobertura do edifício. (Truco, 1923) .................................................................................................... 91 Ilustração 61 – Relação entre a faixada de Versalhes e os Jardins. (Benayas, 2012-2013) ....................................................................................................... 92 Ilustração 62 – Versalhes, Pierre Le Pautre – Planta dos jardins e parque de Versalhes. (Centeno e Freitas, 1991, p. 179) ................................................... 94 Ilustração 63 – Desenhos diagramáticos referentes à evolução dos jardins de Edward Wiebe, 1896. (Brown, 2000, p. 12) ...................................................... 95 Ilustração 64 – Montagem com base em fotos, referente aos lagos de Versalhes. (Benayas, 2012-2013) .................................................................... 96 Ilustração 65 – Estatuaria. (Benayas, 2012-2013) .......................................... 97 Ilustração 66 – Desenho referente a um modelo de Balaustradas. (Bonifácio, 2002) ................................................................................................................ 98 Ilustração 67 – Balaustradas e relação com a paisagem. (Google streetview, 2009) ................................................................................................................ 98 Ilustração 68 – Imagem retirada do filme “Last Year at Marienbad”. (Resnais, 1961) ................................................................................................................ 99 Ilustração 69 – Obra de Étienne Allegrain referente à relação entre o Palácio de Versalhes e a Natureza proporcionada pelos seus jardins. (Million, 1999, p.298-299) ...................................................................................................... 101 Ilustração 70 – Centro Cultural de Belém – terraço sul. (Ilustração nossa, 2013) .............................................................................................................. 102 Ilustração 71 – Relação das ruas com o Rio Tejo e Margem Sul. (Ilustração nossa, 2013)................................................................................................... 104 Ilustração 72 – Terraço Norte – Reflexo dos Jerónimos no espelho de água. (Ilustração nossa, 2013) ................................................................................. 105 Ilustração 73 – Relação visual entre o Terraço Sul e os elementos da paisagem de Lisboa. (Ilustração nossa, 2013) ............................................... 106 Ilustração 74 – Montagem a várias horas do dia dos sistemas Ferroviárias e Rodoviários em Alcântara e Algés. (Ilustração nossa, 2011) ......................... 110 Ilustração 75 – Rio (Ilustração nossa, 2011) ................................................. 112 Ilustração 76 – Desenho diagramático referente à relação ente Lisboa e o Rio Tejo. (Ilustração nossa, 2011) ........................................................................ 112 Ilustração 77 – Limites. (Ilustração nossa, 2011) .......................................... 112 Ilustração 78 – Desenho diagramático referente à ideia de Limite em Alcântara. (Ilustração nossa, 2011) ................................................................ 112 Ilustração 79 – Transição. (Ilustração nossa, 2011) ..................................... 112 Ilustração 80 – Desenho diagramático referente à transição entre espaços em Alcântara. (Ilustração nossa, 2011) ................................................................ 112 Ilustração 81 – Escala. (Ilustração nossa, 2011) .......................................... 114 Ilustração 82 – Desenho diagramático referente à relação ente a escala dos vários edifícios em Alcântara. (Ilustração nossa, 2011) ................................. 114 Ilustração 83 – Ruptura. (Ilustração nossa, 2011) ........................................ 114 Ilustração 84 – Desenho diagramático referente aos momentos bruscos de Ruptura em Alcântara. (Ilustração nossa, 2011) ............................................ 114 Ilustração 85 – Fluxos. (Ilustração nossa, 2011)........................................... 114 Ilustração 86 – Desenho diagramático referente aos Fluxos em Alcântara. (Ilustração nossa, 2011) ................................................................................. 114 Ilustração 87 – Desenho diagramático do objectivo de relacionar Lisboa como Rio Tejo através da ideia operativa: Terraço. (Ilustração nossa, 2012) ......... 115 Ilustração 88 – Os vários elementos que compõem a paisagem de Alcântara na vista a partir do terraço proposto. (Ilustração nossa, 2012)....................... 116 Ilustração 89 – Desenho referente ao objectivo do projecto: Relacionar visualmente o terraço proposto com vários elementos de Lisboa e com o Rio Tejo. (Ilustração nossa, 2012) ........................................................................ 117 Ilustração 90 – Atmosfera da vivência no terraço proposto. (Ilustração nossa, 2012) .............................................................................................................. 117 Ilustração 91 – Planta de implantação referente ao terraço proposto. (Ilustração nossa, 2012) ................................................................................. 118 Ilustração 92 – Corte explicativo da relação do terraço tanto com o resto do projecto como com a paisagem. (Ilustração nossa, 2012) ............................. 118 Ilustração 93 – Atmosfera do projecto individual proposto. (Ilustração nossa, 2012) .............................................................................................................. 119 SUMÁRIO 1. Introdução ............................................................................................................. 21 1.1 Âmbito............................................................................................................... 21 1.2 Metodologia ...................................................................................................... 22 1.3 Organização do documento .............................................................................. 22 2. Enquadramento do trabalho do ano .................................................................... 25 2.1 Enquadramento científico.................................................................................. 25 2.2 Enquadramento do programa no sítio ............................................................... 25 2.3 Enquadramento com a proposta individual ....................................................... 26 3. O Arquitecto como modificador da natureza ...................................................... 29 3.1 O território como suporte da arquitectura .......................................................... 30 3.2 Relação entre lugar, sítio e topografia ............................................................... 35 3.3 Considerações finais relativas ao Arquitecto como modificador da Natureza .... 45 4. O Terraço como espaço acima-do-nível.............................................................. 47 4.1 Espaços acima-do-nível .................................................................................... 48 4.2 Percurso até estes espaços .............................................................................. 52 4.3 Terraço e miradouro: olhar sobre a paisagem ................................................... 55 4.4 Considerações finais do Terraço como espaço acima-do-nível ......................... 63 5. Relação entre espaço público/privado entre terraço e miradouro .................... 65 5.1 Considerações finais da relação entre espaço público/privado estre terraço e miradouro................................................................................................................ 75 6. Casos de estudo ................................................................................................... 77 6.1 Jardins suspensos da Babilónia ........................................................................ 78 6.2 As novas topografias utópicas e realizadas: o exemplo cinematográfico de Metropólis e a obra arquitectónica da fábrica da Fiat: Lingotto................................ 83 6.3 O parterre: o exemplo dos jardins do Palácio de Versalhes .............................. 92 6.4 Centro Cultural de Belém ................................................................................ 102 6.5 Conclusão casos de estudo ............................................................................ 108 7. Proposta do ano lectivo ..................................................................................... 109 7.1 Apresentação de Alcântara segundo um problema ......................................... 109 7.2 Apresentação do objectivo para Alcântara ...................................................... 115 7.3 Considerações finais da proposta do ano lectivo ............................................ 119 8. Conclusão ........................................................................................................... 121 Referências ............................................................................................................. 123 Bibliografía .............................................................................................................. 129 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Rui Alexandre Castanho Sequeira 20 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem 1. INTRODUÇÃO 1.1 ÂMBITO A presente dissertação surgiu no decorrer do desenvolvimento dos trabalhos no âmbito da unidade curricular de Projecto III (5ºano), do curso de Arquitectura da Universidade Lusíada de Lisboa, tal como na sua interligação com uma curiosidade, já há muito presente. No momento, da concretização do exercício de projecto, revela-se que qualquer intervenção de Arquitectura deverá pressupor a investigação de um Tema, consoante uma ideia operativa que invoque um sítio e por sua vez levará, à criação de um Lugar, por outras palavras, um pleno facto arquitectónico. O tema eleito decorre da interligação com uma memória pessoal, em que no universo infantil estava presente o impulso e o fascínio em subir a árvores, a muros ou a qualquer suporte que deixe as crianças num nível mais elevado, dando-lhes a sensação de domínio sobre o que os rodeia. Pessoalmente, qualquer tipo de espaço elevado sempre foi alvo da minha curiosidade, despertando-me o interesse em pesquisar aprofundadamente sobre o assunto. Ilustração 1 – Imagem referente a crianças a brincar numa casa de árvore, Margarida Botelho (Botelho, 2006, p. 6) Rui Alexandre Castanho Sequeira Ilustração 2 – Imagem referente a crianças a brincar numa casa de árvore, Margarida Botelho (Botelho, 2006, p. 6) 21 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Entendido como um tema de Arquitectura, quis de imediato, quando foi apresentado o sítio de intervenção do exercício de Projecto III do ano lectivo 2011/2012, articulá-lo com a ideia de criar um terraço de relação visual com os diversos elementos da Paisagem de Lisboa neste sítio. Se por um lado esta ideia se enquadrava neste sítio, por outro, ia ao encontro dos dois temas do ano: A cidade como Paisagem e o Espaço público. Nesse exercício, que se localizou em Alcântara, aquilo que esteve inerente à criação de um terraço relacionou-se, inicialmente, com uma leitura do referencial de situação, do sítio. Surgiu então a primeira ideia operativa de projecto: a criação de um terraço, com a consequente formulação de uma pergunta abrangente do programa a pensar: Poderão os terraços, enquanto espaços elevados em edifícios singulares, equivaler-se aos miradouros, na relação com a paisagem urbana? 1.2 METODOLOGIA Na execução desta investigação adoptei metodologia fenomenológica que me levou a uma compreensão do conceito de terraço na relação com a Paisagem. Só será possível tal ser concretizado através da pesquisa sustentada pelas obras de referência arquitectónica e literárias, pela maneira como estes diferentes autores desenvolveram diferentes ideias, e, deste modo, ajudando-me a sintetizar o que aqui se explora. Por outras palavras, procurou-se a resposta à questão aqui colocada. 1.3 ORGANIZAÇÃO DO DOCUMENTO O presente documento está organizado em três grandes capítulos. No primeiro capítulo, referente ao tema, apresentarei o modo como o arquitecto cria uma simbiose entre o facto arquitectónico e a paisagem, seja ela natural ou construída, na criação de um Lugar. O terraço, como espaço acima de um determinado nível de referência, será apresentado como uma das ideias possíveis para a criação dessa relação e pelo modo como complementa o espaço de miradouro. Numa perspectiva tipológica de praça-terraço, definidor de uma topografia e de ter Rui Alexandre Castanho Sequeira 22 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem como principal objectivo o proporcionar de um momento de pausa com uma relação com a paisagem urbana. No segundo capítulo serão apresentados os casos de estudo. Os quatro casos não serão expostos exaustivamente na óptica de dissecação de todas as suas características, serão antes apresentados com base na existência de ideia comum que aqui interessa destacar: o terraço como definidor de uma topografia. No último capítulo é exposta a proposta do ano lectivo. Aqui, será apresentado o trabalho do ano que serviu de caso prático a este tema. Mais uma vez, este projecto não será apresentado de um modo exaustivo, mas focando-me sempre no âmbito que interessa abordar, no contexto deste tema: a Praça-Terraço Esta dissertação está organizada segundo o seguinte diagrama conceptual: Rui Alexandre Castanho Sequeira 23 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Ilustração 3 – Esquema conceptual de organização da dissertação. (Ilustração nossa, 2013) Rui Alexandre Castanho Sequeira 24 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem 2. ENQUADRAMENTO DO TRABALHO DO ANO 2.1 ENQUADRAMENTO CIENTÍFICO A unidade curricular de Projecto III é essencialmente um espaço de experimentação e síntese. Aqui se conclui a meditação entre o acto projectual e o facto arquitectónico. Da escala do território, à cidade e a escala do edifício. Entende-se que uma proposta de arquitectura implica investigar uma ideia, enunciar diversas situações que possam privilegiar a aproximação a um conceito, a vocação de um sítio, a edificação de um lugar, o conhecimento dos usos e a fabricação de um facto urbano na cidade. Fundamentalmente, o objectivo é a integração de todas as vertentes nos processos de investigação e desenvolvimento, gerindo sagazmente as contradições e os interessesdivergentes ou contraditórios entre os diversos participantes/protagonistas/destinatários, essenciais a uma equipa de trabalho pluridisciplinar, bem como edificar a capacidade de desenvolver uma compreensão transdisciplinar.(Braizinha, 2001) 2.2 ENQUADRAMENTO DO PROGRAMA NO SÍTIO O programa do ano lectivo dividiu-se em duas zonas de estudo – Alcântara e Algés. Em ambos os casos está presente a consciência da existência de uma metrópole (Lisboa), a qual se insere num território; de um lugar e de um sítio. “[…] Pretende-se que na escala do lugar se construa uma ideia de sistema, ou seja, uma articulação entre objectos.” (Torres, 2010, p. 16) O conteúdo programático para Alcântara consiste num Centro de Artes e cinema. No caso de Alcântara, o programa consiste no reconhecimento de um contexto cultural que é marcante na cidade de Lisboa, tanto pela presença do Quartel da Marinha de Alcântara, conhecido como 31 da Armada, como pelas diferentes malhas, ruas e edifícios culturais como Museu do Oriente ou o Palácio das Necessidades. Rui Alexandre Castanho Sequeira 25 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Programa específico: Centro de Artes e Cinema (Escola de cinema + Sala polivalente de exposições + salas atelier de ensaios e aulas + auditório + livraria + gabinetes administrativos e salas de reuniões + sala de refeições + cafetaria). 2.3 ENQUADRAMENTO COM A PROPOSTA INDIVIDUAL Alcântara Interligar os temas do ano – “A cidade como paisagem” e “Espaço-público” com uma ideia operativa para o projecto desenvolvido para Alcântara. Através da identificação de um problema em Alcântara, fixar um objectivo para a sua resolução. Evocar a ideia da criação de um terraço que se relacione com o Rio Tejo e com os vários elementos da Paisagem de Lisboa. Rui Alexandre Castanho Sequeira 26 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Ilustração 4 – Diagrama estrutural da relação entre os três capítulos relativos ao Temas com as obras Literárias e arquitectónicas. (Ilustração nossa, 2013) Rui Alexandre Castanho Sequeira 27 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Rui Alexandre Castanho Sequeira 28 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem 3. O ARQUITECTO COMO MODIFICADOR DA NATUREZA O desenvolvimento desta investigação, começa com este capitulo, referente ao Tema. Neste capítulo começarei por introduzir e dar as bases que foram importantes para o meu entendimento sobre este assunto. Sendo um trabalho desta disciplina de Arquitectura, e porque o tema o requer, neste capítulo, procurei perceber as questões relacionadas com as primeiras premissas para um início de um projecto de arquitectura, questões essas relacionadas com a própria natureza, e na relação com os conceitos de sítio e lugar. Estes conceitos, com base em diferentes autores que estudaram sobre estes assuntos, serão relacionados com a complexidade que é a sua articulação na criação de uma ideia de arquitectura. Ilustração 5 – Paisagem referente à civilização Inca, Machu Pichu. (National Geographic, 2010) A Natureza existe para o Homem, que é responsável pela sua integridade e complexidade, procurando em cada tempo, sem a destruir, o melhor modo para o efeito. Trata-se de criar a paisagem propícia ao desenvolvimento da sociedade humana, exaltando a própria Natureza. (Telles apud Alexandre, 2011, p. 31) Rui Alexandre Castanho Sequeira 29 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem 3.1 O TERRITÓRIO COMO SUPORTE DA ARQUITECTURA A capacidade de interagir com o ambiente e de o modificar de algum modo em seu proveito é própria do homem. (Albrecht e Benevolo, 2002, p. 13) A primeira acção que o Homem teve sobre a natureza foi a de a alterar. Desde os primórdios dos tempos e durante toda a evolução humana, o homem sempre teve a capacidade e a necessidade de alterar a natureza, de modo a usufruir das suas potencialidades. Ao ligar esta questão à arquitectura, e na perspectiva de Leonardo Benevolo1, em “A História da Cidade”, referente aos tempos tornados imemoriais: o que era construído era apenas um resultado de uma alteração superficial que o homem fazia ao ambiente natural. Tirava, portanto, proveito de tudo o que a natureza tinha para oferecer, dando-lhe um sentido prático, como o vestir, comer e, o que interessa aqui, um abrigo, um refúgio2. Ilustração 6 – Uso do existente como arquitectura. (Norberg-Schulz, 1981, p. 17-51) A ideia a reter através desta referência ao homem nestes tempos, no contexto desta investigação, tem a ver com o facto de que o homem sempre se baseou e usou o que o envolve para actuar em seu proveito. Desde cedo, percebeu a complexidade e a potencialidade que a natureza lhe oferecia, assim como a necessidade de que cada sítio deveria ter uma leitura e interpretação diferente com o avançar dos tempos. 1 Leonardo Benevolo (1923-) nasceu em Orta, na Itália. Arquitecto e urbanista, estudou arquitectura em Roma e doutorou-se em 1946. Desde então passou a ensinar História da Arquitectura nas Universidades de Roma, Florença, Veneza e Palermo. 2 Leonardo Benevolo, em “A História da cidade”, refere que nesses tempos tornados imemoriais pela evolução actual da arquitectura, “O ambiente construído não passava de uma modificação superficial do ambiente natural, imenso e hostil, no qual o homem começou a mover-se: o abrigo era uma cavidade natural ou um refúgio de pelos sobre uma estrutura simples de madeira.” (Benevolo, 2007, p. 13). Na perspectiva de Lewis Mumford, terá sido, porém, a caverna a dar ao homem antigo a sua primeira concepção de espaço arquitectónico. (Mumford, 1982, p. 9) Rui Alexandre Castanho Sequeira 30 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Chegando à criação, na Roma antiga, do conceito de Genius Loci, e é abordado do seguinte modo pelo arquitecto Christian Norberg-Schulz3: Acredita-se que todo o ser “independente” possuía um genius, um espírito guardião. Esse espírito dá vida às pessoas e aos lugares, acompanha-os do nascimento à morte, e determina seu carácter ou essência. Até os deuses tinham seus genius, o que bem ilustra a natureza fundamental do conceito. (Norberg-Schulz, 1995, p. 454) Este autor interpreta este conceito no sentido de habitar num lugar protegido, a tal referência ao espírito guardião, e em paz. Como um modo de demarcar ou diferenciar um lugar do outro, um espaço4 que se transforma num facto arquitectónico da construção, e que considera ser esta a verdadeira origem da arquitectura. Genius Loci, no fundo, é a busca pela essência do Lugar, e é entendido através de uma leitura feita pelos sentidos, que visa captar a essência do sítio.Todas estas ideias de Schulz, levam ao verdadeiro propósito do acto de construir e fazer Arquitectura, que é fazer com que um sítio se torne um lugar, que conserve a sua identidade durante um determinado período de tempo. 3 Christian Norberg-Schulz (1926-2000) foi um arquitecto norueguês, historiador de arquitectura e teórico. Apesar de Norberg.Schulz ter feito arquitectura no seu país de origem, ficou internacionalmente conhecido pelos seus livros sobre história da arquitectura e pela sua escrita teórica. 4 ESPAÇO, s. m. (latspatium determinada extensão superficial; extensão indefinida). 1. Sentido filosófico – meio ideal caracterizado pela exterioridade das suas partes, no qual são localizados os nossos perceptus, isto é, a percepção que não tem como referente a realidade. 2. Para intuição comum, o espaço é caracterizado por ser: homogéneo, isto é, os elementos que nele podemos distinguir pelo pensamento são indiscerníveis qualitativamente; isótopo, visto que nele todas as direcções têm as mesmas propriedades; contínuo; ilimitado. 3. Sob o ponto de vista geométrico euclidiano é tridimensional, homoloidal. 4. A negação das duas propriedades referidas em 3. Corresponde àquilo a que chamamos espaços não euclidianos ou híper espaços. 5. Do ponto de vista psicológico, é referenciável um espaço relativo que resulta dos dados imediatos da percepção implicando a sua fenomenologia. 10. O Espaço arquitectónico é a ordem espacial plasmada e pensada em termos de arquitectura. Espaço interno e externo pela sua métrica, regra do comportamento do homem e as contrapartidas físicas que cria, transformadas em percepções cinéticas pelo observador e que são o prolongamento virtual da humanitariedade do Ser. 11 O espaço lógico e epistemológico representa o quadro da prática social, quadro que imprime os seus traçados e linhas de força no espaço físico. 12. O espaço-tempo é um meio a quatro dimensões, alterando a tridimensionalidade do espaço euclidiano, pelo tempo; surge como potencialidade de uma quarta dimensão, isto é, quatro variáveis solidariamente necessárias para verificar completamente um fenómeno. A posição que lhe deve ser destinada no espaço não é totalmente independente da posição em que deve ser colocada do tempo. (Bonifácio, Rodrigues e Sousa, 2005, p. 137) Rui Alexandre Castanho Sequeira 31 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Ilustração 7 – Santuário em Atenas. (Norberg-Schulz, 1981, p. 30) A construção de um qualquer edifício, não poderá seguir um pensamento virado apenas para a sua construção, para aquilo que se quer construir, deixando completamente de parte aquilo que o rodeia. Deverá então ter a consciência da existência de uma envolvente, não apenas naquilo que o demarca, mas sim nas características da sua localização. Por outras palavras, e pegando naquilo que Garcia Lamas5 refere em “Morfologia urbana e desenho da cidade”: A forma urbana não poderá ser desligada do seu suporte geográfico- e este é um elemento tão importante como os factos construídos. O sítio contém já em muitos casos a génese e o potencial gerador das formas construídas, pelo apontar de um traçado, pela expressão de um lugar. (Lamas, 1992, p. 63) Deste modo, percebe-se que o processo criativo na elaboração de um projecto de arquitectura, não poderá ser separado da pré-existência, que serve como apoio e como elemento condicionador para aquilo que será a forma6. arquitectónica. Lamas 5 José Manuel Ressano Garcia Lamas arquitecto, nascido e formado em Lisboa, Portugal, e doutorado em urbanismo (Aix-en-Provence, França, e Lisboa). Autor do livro “Morfologia Urbana e Desenho da Cidade”. É Professor Catedrático da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa. Realizou numerosos projectos de arquitectura e planos de urbanismo, tendo recebido, em 1997/98, o “Prêmio de Mérito Especial” do Conselho Europeu de Urbanistas. 6 FORMA, s. f. (lat. Forma) configuração ou aparência externa de um objecto. A figura, tal como é definida por linhas, ângulos e suas intercepções. Opõem-se à matéria que constitui esse objecto. Tal oposição, nas artes plásticas e em arquitectura, existe meramente na aparência, uma vez que a forma é a expressão de uma ordem estética que molda a matéria até transportar para o domínio do sensível. Ao Rui Alexandre Castanho Sequeira 32 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Garcia, quando refere que “[…] o sítio é um «génio» determinante e inseparável da arquitectura – no fundo, é já a génese da arquitectura.” (Lamas, 1992, p. 64), percebese que tem como base aquilo que Norberg-Schulz refere. Não se pode falar de Arquitectura sem se perceber que existiu um suporte inicial, muito antes de se ter pensado em projecto - por outras palavras, um lugar que reúne uma série de características morfológicas, como é o caso da topografia. Se não houver esta interligação, de imediato se percebe a falta de relação entre o facto arquitectónico e o lugar. Sem essa relação, as intervenções seriam meros objectos desprovidos de qualquer tipo de entrosamento com a envolvente e, ao mesmo tempo, com a população, pois deixa de haver um sentimento de pertença e de identificação, devido à falta de algo que apele quer à memória colectiva, quer à realidade física do lugar. E como cada lugar tem as suas características topográficas distintas, cada intervenção deverá ter em conta essas mesmas características, encarando-as como estímulos e não como obstáculos. (Correia, 2011, p. 5) O templo funerário da rainha Hatshepsut (XVIII dinastia) em Deir-el-Bahari, é um dos exemplos de como é possível utilizar o sítio como elemento estruturador de uma ideia de Arquitectura. O pensamento para esta obra adveio da sugestão de uma continuidade topográfica fornecida pelo edifício, através de terraços que substituem parte do rochedo que lá existia. A Arquitectura egípcia manter-se-á fiel a este tipo de templo. Num templo meio subterrâneo, como, por exemplo, o templo funerário da rainha Hatchepsut (XVIII dinastia), em Deir-el-Bahari, o santuário e a sala hipostila estão dissimulados no rochedo, mas os pátios abertos, que correspondem ao peristilo dos templos construídos à superfície, estão sobrepostos em terraços. (Upjohn, 1987, p. 68) conferir à matéria qualidades sensíveis que expressam um sentido, o artista realiza as suas tarefas primordiais: dominar o mundo material ao conferir valor; pelas formas definidas encontrar uma linguagem de valor universal. (Bonifácio, Rodrigues e Sousa, 2005, p. 137) Rui Alexandre Castanho Sequeira 33 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Ilustração 8 - Templo funerário da rainha Hatshepsut. (Norberg-Schulz, 1981, p. 29) Ilustração 9 - Templo funerário da rainha Hatshepsut (Dreyfus, Keller e Roehrig, 2005, p. 135) Ilustração 10 – Desenhos diagramáticos referentes ao templo de Hatshepsut. (Ilustração nossa, 2013) Rui Alexandre Castanho Sequeira 34 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem 3.2 RELAÇÃO ENTRE LUGAR, SÍTIO E TOPOGRAFIA Ilustração 11 – Pintura referente à topografia de Nelson e Canterbury, “Seis dias em Nelson e Canterbury”. (McCahon, 1950) No entendimento de Aristóteles7, o lugar não se define por si mesmo, mas sim pela diferença e delimitação que este tem com outros lugares e com a relação a um determinado corpo, que nos leva a permitr o entendimento dos vários lugares existentes. “A forma é o limite da coisa, enquanto o lugar é o limite do corpo continente.” (Aristóteles, 1995, p. 126) Por outro lado, o lugar não é algo que possa ser pensado ou construído “no momento”, mas sim algo que se vai desenvolvendo com o tempo, que dependerá de uma série de factores e características que trabalham em simultâneo, tais como o desenvolvimento 7 Aristóteles nasceu em 384 a.C., na cidade de Estagira. O sistema aristotélico, embora devedor da distinção matéria/forma concebida pelo mestre Platão, surge, em grande parte como uma espécie de resposta ao idealismo platónico, nomeadamente à teoria das ideias e seu respectivo dualismo ontológico. Para Aristóteles, o mundo material apresenta-se como o único ponto de partida para todo o conhecimento. Assim sendo, a essência das coisas deixa de ser passível de surgir colocada numa instância transcendente, apartada da natureza. Nesse sentido, a substância (ousia) é considerada imanente aos próprios entes. Na matéria, a essência denota somente uma expressão potencial e só por acção da forma, adquire ela realidade. Ao mesmo tempo que lhe permite superar a inverosimilhança da separação operada por Platão entre o mundo inteligível e mundo sensível, esta doutrina torna possível também, a Aristóteles a transposição para o âmago da substância de toda a dinâmica do devir. Rui Alexandre Castanho Sequeira 35 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem de uma atmosfera, que só são possíveis de entender quando esse espaço é vivido. Sobre o conceito de lugar, o arquitecto Manuel Tainha8 refere: Lugar não é uma ideia de sítio materializado pela construção. Lugar não equivale mecanicamente a arquitectura. O Lugar faz-se (vai-se fazendo) e a arquitectura é apenas um dos seus componentes. A luz e a atmosfera, que são produto de vivência e sentimento mais que de projectos, configuram o Lugar como recolhimento, Lugar onde se está mas também se é, em função do enraizamento sedimentado pelo tempo e a construção. (Tainha apud Gomes, 1991, p. 38) Percebe-se que, para um sítio ter uma leitura de lugar, deverá haver uma simbiose entre aquilo que é construído, pela natureza, artificialmente ou não pelo Homem, a paisagem, e entre o factor tempo. São diversas as análises do conceito de lugar, mas destaco aqui a de Norberg-Schulz que refere que o lugar é constituído por dois elementos, a “paisagem” e o “assentamento”. Ou seja, a existência de uma organização dos vários elementos que o definem e constituem este espaço, caracterizados por um carácter, uma atmosfera. A estrutura do lugar deveria ser classificada como” paisagem “ e “ assentamento” e analisada por categorias como “espaço” e “carácter”. Enquanto “espaço” indica a organização tridimensional dos elementos que formam um lugar, o “ carácter” denota a “atmosfera” geral que é a propriedade mais abrangente de um lugar. Em vez da distinção entre espaço e carácter, podemos partir de um conceito amplo, como o de “espaço vivido. (Norberg-Schulz, 1995, p. 449) Só é possível, realmente, perceber o lugar experimentando-o, sentindo-o, muito ligado directamente aos nossos sentidos, através da experimentação da Arquitectura, como o 9 cheirar, ouvir, ver, tocar, entrando na área da fenomenologia , pois é uma resposta ao racionalismo mecanicista que sustenta o regresso ao mundo tangível e fundamenta a consciência da existência dos fenómenos pela experiência da sua percepção. 8 Manuel Tainha (1922-2012) foi um arquitecto e professor português. É uma figura de referência no panorama português da segunda metade do século XX, com importante papel na renovação dos modos de pensar e fazer arquitectura a partir do período do pós-guerra. Formou-se em arquitectura na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa (ESBAL) em 1950 e fez parte da geração que, em Portugal, reconheceu o Movimento Moderno, procurando sintonizar a arquitectura com o espírito contemporâneo. 9 Fenomenologia. F. Teoria das aparências sensíveis. Husserl aplicou o nome ao seu método e à sua filosofia: um sistema logicista e apriorista, baseado na «descrição de essências» e concebido como «ciência fundamental» de toda a disciplina científica, por «assegurar a objectividade das formas ou leis lógicas». As técnicas da «descrição fenomenológica» são, de um modo geral, aceites por todas as correntes filosóficas contemporâneas. Rui Alexandre Castanho Sequeira 36 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem O arquitecto Josep Montaner10 no seu livro “A modernidade superada” refere que: Precisamente, a ideia de lugar diferencia-se da de espaço pela presença da experiência. Lugar está relacionado com o processo fenomenológico da percepção e da experiência do mundo por parte do corpo humano. (Montaner, 2001, p. 48) Esta ideia tem um carácter muito mais complexo do que o mero sentido geográfico de localização, estando, portanto, muito mais interligada com a ideia simbólica do conceito aqui já aqui referido de “Espírito do Lugar”. No conceito de lugar estão inerentes questões culturais, relacionadas com aquilo que o envolve, assim como, de igual modo, as situações existenciais. Neste sentido, o objectivo essencial da Arquitectura é o de transformar um sítio num lugar; descobrir os sentidos potenciais que estão presentes num meio dado a observar. Ou seja, uma obra vai transformar o lugar, não através de uma ideia de integração, mas de transformação. Como diz Heidegger11, uma ponte transforma a paisagem, fornecendo um lugar que une as duas orlas do rio mas ao mesmo tempo faz com que uma se contraponha à outra. “ […] o lugar não existia antes da construção da ponte […] origina-se somente a partir da ponte[…]”.(Rafael apud Heidegger, 2010, p. 54) Deste modo, percebe-se que o acto de fazer arquitectura é muito mais complexo do que o “simples construir”. Reúne uma série de estudos, de uma leitura do lugar, que deverá ter um procedimento simultâneo com o próprio projecto. O facto arquitectónico e o lugar devem-se desenvolver e evoluir em conjunto. Assim como todo corpo está num lugar, como também em todo o lugar existe um corpo. Que diremos, então, das coisas que aumentam? Decorre do suposto, que o lugar tenderá a aumentar com elas, se o lugar de cada coisa não for maior nem menor que ela. (Aristóteles, 1995, p. 116) 10 Josep Maria Montaner (1954) é arquitecto e catedrático da Escola de Técnica Superior d’Arquitectura de Barcelona (ETSAB-UPC). Autor de uma vasta obra teórica sobre arquitectura e publicou, entre outros, os livros “Arquitectura e crítica” (Editorial Gustavo Gili, 2007) e “Sistemas arquitectônicos contemporâneos” (Editorial Gustavo Gili, 2010). É colaborador habitual de numerosas revistas especializadas e dos jornais espanhóis El País e La Vanguardia. 11 Martin Heidegger (1889-1976), filósofo alemão, foi um dos mais influentes do século XX. Embora inspirado na corrente fenomenológica, coloca-se em rutura com os sistemas dominantes na filosofia, de orientação essencialmente antropológica ou gnosiológica, pretendendo repor no eixo da reflexão filosófica a questão ontológica. Rui Alexandre Castanho Sequeira 37 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem No entanto, segundo Aldo Rossi12, esta leitura do lugar, apesar de ter um papel importante e imprescindível para o projecto, não vai interferir na definição do lugar. Indo realmente ao encontro de Schulz, visto que o significado do lugar não será dado pelo projecto mas sim pela sua história, pelo factor tempo, mesmo que esteja presente uma boa leitura daquele lugar. Admite-se, no entanto, que o elemento estático, edificado, é fundamental nessa mesma percepção, porque se à partida, uma intervenção vai interferir com a leitura do lugar, a permanência do objecto estático reconfigura o local estabelecendo novas hierarquias espaciais decorrentes da interacção do lugar e sua essência. (Alexandre, 2011, p. 19) Aos termos Sítio e Lugar, se junta, naturalmente a Topografia13, visto ser a primeira informação imediata, aos olhos do arquitecto, do sítio onde vai intervir. Estes termos, constituem uma importância conceptual da realidade do contexto físico, pois são os “nutrientes-base” para o pensamento projectual. Para Tonia Raquejo, o Sítio, elemento fundamental da arquitectura : Pressupõe um espaço onde se estabeleceu uma ordem prévia (ponho as coisas em seu sítio), sendo, portanto mais determinado e definido que o lugar, que tem um sentido mais directo com a envolvente […] o lugar constitui-se, enquanto o sítio se ocupa, cobre-se, envolve-se. (Raquejo, 1998, p. 71) Trata-se, portanto, de criar uma simbiose entre o facto arquitectónico e a paisagem, seja ela natural ou construida, na criação de um lugar. Esta relação passa por uma organização entre a acção do homem e a imposição de uma ordem pelo arquitecto, que iriam transformar as condições físicas de um determinado contexto. “[…] Dar ordem e relação ao meio que circunda o homem – é a tarefa do arquitecto. […]” (Rasmussen, 2007, p. 29) 12 Aldo Rossi (1931-1997) foi um arquitecto italiano. Em 1940, durante a Segunda Guerra Mundial mudase para Como onde estuda num colégio de padres. Em 1949 ingressa no Politécnico de Milão e licenciase em arquitectura em 1959. Durante o curso teve oportunidade de estagiar com alguns arquitectos como Ignazio Gardella ou Marco Zanuso.Pouco depois de se formar Rossi exerce funções docentes em várias escolas de arquitectura onde conhece alguns dos mais destacados arquitectos e teóricos da nova geração dos quais se destacam Ludovico Quaroni, Carlo Aymonino ou Fabio Reinhart. 13 Topografia, s. f. Descrição minuciosa de um lugar, zona ou espaço. É simultaneamente uma arte e a técnica de representar um plano a configuração de uma porção de terreno, com todos os objectos que se encontram na sua superfície. (Bonifácio, Rodrigues e Sousa, 2005, p. 260) Rui Alexandre Castanho Sequeira 38 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Este pensamento tem estado presente nos mais conceituados arquitectos, como Le Corbusier ou Siza Vieira. Le Corbusier sempre percebeu a importância da préexistência através do estudo pela via do desenho nos lugares onde futuramente iria intervir. Tal como Siza Vieira, que mais uma vez através do desenho retirava as características, percebendo quais eram fundamentais para articular um edifício num lugar específico. A criação arquitectónica nasce de uma emoção, a emoção provocada por um momento e por um lugar. “ […] Começo um projecto quando visito um sítio, programa e condicionalismos vagos, como quase sempre acontece.” (Siza, 2000, p. 27) Ilustração 12 – Desenho referente à Acrópole grega de Le Corbusier. (Corbusier, 2004, p. 61) Rui Alexandre Castanho Sequeira 39 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Uma obra de arquitectura em que notoriamente se percebe esta clara influência do território no projecto, mais concretamente da sua topografia, é o da Casa Malaparte (1938-1940) do escritor Curzio Malaparte, localizada em Punta Massulo, Capri. Ilustração 13 – Montagem de várias imagens do filme “Le Mépris” relativo à Casa Malaparte. (Godard, 1963) Para esta casa, o arquitecto estudou a morfologia do terreno. Fez com que esta se inserisse na paisagem de um modo natural seguindo o mesmo desenho topográfico, ou seja, o desenho desta casa nasce no seguimento da linha topográfica préexistente. Lidera, na explicação do seu projecto, diz que “[…] Quando cheguei ao sítio a casa já lá estava, apenas me limitei a desenhar a paisagem. […]”(Lidera apud Leitão, 2010). Realmente, é mesmo isso que o projecto sugere, uma casa que se desenvolve com base na ideia de uma continuação topográfica, através de uma escada que vai dar a Rui Alexandre Castanho Sequeira 40 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem um terraço com uma grande vista sobre o céu e o mar. Para aceder a esta casa, somos conduzidos através de um caminho que nos conduz à descoberta do lugar, onde somos confrontados com o entendimento das condições geográficas que fazem anteceder esta obra. Ilustração 14 – Desenhos diagramáticos relativos à Casa Malaparte. (Ilustração nossa, 2013) Neste projecto, consegue-se reconhecer a importância do conceito, aqui já falado, de “espírito do lugar”, não apenas pela própria obra, mas igualmente por toda a experiência deste caminho que antecede até lá chegarmos. Rui Alexandre Castanho Sequeira 41 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem “As pirâmides do Egipto não seriam tão belas e monumentais sem os espaços horizontais sem fim que as realçam e até as modificam, conforme a luz de cada dia […]” (Niemeyer, 1997, p. 20) Ilustração 15 – Montagem de várias imagens do filme “Le Mépris” relativo à Casa Malaparte. (Godard, 1963) Desenhar e compreender onde se vai intervir é um processo que o arquitecto deverá ter em atenção. A compreensão e a utilização do território deverá ser, no fundo, a génese de qualquer projecto de intervenção, a clara noção do contexto onde se está a intervir. Transforma ou completa um contexto histórico-geográfico preciso no qual se localiza o objecto. […] Coloca-se a ênfase nesta função «contextualizadora», a qual pode defender uma arquitectura. […] Não existe arquitectura completamente independente do contexto, apenas somente arquitectura que prescinde do contexto imediato para responder a motivações contextuais mais indirectamente relacionadas com este contexto imediato. (Muntanõla, 1981, p.107) A Casa das Mudas do arquitecto Paulo David14 é um exemplo de como é possível transportar o lugar para a arquitectura, a referida simbiose. Esta interligação teve como génese a leitura e a compreensão do lugar, chegando à percepção da sua essência reflectindo-se na sua estratégia projectual. 14 O arquitecto Paulo David nasceu no Funchal, em 1959. Licenciou-se em Arquitectura pela F.A/U.T.L no ano de 1989. Colaborou com o arquitecto Gonçalo Byrne entre 1988 e 1989 e com João Carrilho da Graça em 1989. Constituiu atelier próprio no Funchal, exercendo actividade em regime liberal desde 1996. Rui Alexandre Castanho Sequeira 42 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Ilustração 16 – Montagem fotográfica relativa à Casa Das Mudas. (Guerra, 2005) Este edifício insere-se neste lugar e torna-se como um marco para quem o visita, ficando na memória devido ao seu carácter intemporal na sua conexão com o local. Por outro lado, esta relação ou interligação entre a paisagem e o edifício, que aqui acontece de modo natural, tem a ver com o modo como este Centro das Artes se projecta na paisagem, ou seja, na sua relação entre os vários elementos naturais existentes, mais concretamente numa interacção entre o Homem e a topografia. O centro de Artes é a continuação do rochedo em direcção ao céu. Os antigos edificavam as suas construções em locais previamente escolhidos tendo em conta uma forte relação com o espaço e a energia telúrica do local. Não sei se foi um acaso a escolha deste lugar. O espaço pode condicionar ou favorecer a criatividade e a criação artística. Aqui, é seguramente muito inspirador. (David, 2006, p. 12) Ilustração 17 – Desenhos diagramáticos relativos à Casa das Mudas. (Ilustração nossa, 2013) Rui Alexandre Castanho Sequeira 43 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Por outro lado, um outro exemplo é o do Pártenon situado na Acrópole15 de Atenas. Este edifício grego assumiu-se com o avançar dos tempos como um marco naquele lugar, por outras palavras, a um papel de qualificar esse lugar. Este facto arquitectónico nasce pelo seu posicionamento na paisagem, como um elemento chave que complementa a topografia desta montanha. Fazer com que toda a essência arquitectónica do objecto fique intrínseca ao lugar/cidade. O Lugar não caracteriza o objecto arquitectónico, antes pelo contrário, de uma forma tão singular que a sua existência nesse lugar permanece intemporal. (Alexandre, 2011, p. 21) Ilustração 18 – Arquitectura clássica. Acrópole. Atenas (Norberg -Schulz, 1981, p. 75) 15 Acrópole - Parte mais elevada e fortificada das cidades gregas. Destacam-se as de Corinto, Tebas, Argos e Micenas e, sobretudo, a de Atenas, que alcançou o seu esplendor máximo no s. V a.C., durante o qual construíram os Propileus, o Pártenon, o templo jónico de Niké Áptera (Atena Niké), o Erecteu, o Odéon e o teatro de Dioniso. Rui Alexandre Castanho Sequeira 44 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Ilustração 19 – Desenhos diagramáticos referentes ao Pártenon. (Ilustração nossa, 2013) Desde os tempos remotos tem-se reconhecido que diferentes lugares têm diferentes caracteres. Tal diferença de carácter é muitas vezes tão forte que é suficiente para determinar as propriedades básicas das imagens exteriores da maioria das pessoas presentes, fazendo-as sentir o que experimentam e que pertencem ao mesmo lugar […] o espaço existencial não pode ser compreendido somente por causa das necessidades do Homem, mas antes unicamente como resultado da sua interacção e influência recíproca com um ambiente que o rodeia, que tem de compreender e aceitar. (Norberg-Schulz, 1975, p. 33) 3.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS MODIFICADOR DA NATUREZA RELATIVAS AO ARQUITECTO COMO O Homem, como foi visto, desde cedo entendeu a potencialidade que a natureza lhe oferecia. Sempre utilizou e manipulou o que o rodeava: as características morfológicas de um determinado sítio, como é o caso da topografia, com o fim de transformá-lo a seu proveito. Cabe ao arquitecto, quando cria um obra de arquitectura, revelar que houve a preocupação em inserir o seu edifício num determinado sítio, por outras palavras, criar uma simbiose entre o facto arquitectónico e a paisagem. Sem esta interligação, de imediato se percebe a falta de relação entre o facto arquitectónico e o Rui Alexandre Castanho Sequeira 45 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem lugar. Esta relação passa por uma organização entre a acção do homem e a imposição de uma ordem pelo arquitecto, que iriam transformar as condições físicas de um determinado contexto. Com esta investigação percebeu-se que a criação de um lugar não é instantânea. Vaise desenvolvendo com o tempo, depende de uma série de factores e características que trabalham em simultâneo para a criação desse lugar, passando pela manipulação da topografia que levará ao fixar de uma atmosfera. Por outro lado lado, viu-se que o entendimento do lugar passa por uma questão de sentidos, fenomenológica, pois, defende-se que a sua compreensão passa pelos sentidos, cheirar, ouvir, ver, tocar e da memória através da experimentação da arquitectura. Existem inúmeras soluções para esta questão, no entanto, no contexto deste estudo, irei apenas incidir no desenrolar do próximo capítulo, nos espaços-acima-do-nível, mais concretamente nos espaços de terraço e de miradouro. Rui Alexandre Castanho Sequeira 46 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem 4. O TERRAÇO COMO ESPAÇO ACIMA-DO-NÍVEL Neste capítulo será apresentado o estudo feito sobre o assunto que deu mote a esta dissertação. Com base no capítulo anterior, é entendida a existência de inúmeras soluções para a transformação de um sítio em Lugar. No entanto, e como já foi referido, este assunto partiu de uma vontade de falar sobre espaços acima de um determinado nível, motivada por uma curiosidade pessoal de obter uma resposta a uma pergunta já aqui colocada. Aqui, apresentarei os vários conceitos inerentes à estrutura que é o terraço. Será apresentado como espaço acima do nível, gerador de uma topografia de relação com a paisagem num contexto urbano, e na sua relação com o miradouro. Ilustração 20 – Foto de Andreas Feininger à paisagem urbana de Nova Iorque. (Feininger, 1942) Rui Alexandre Castanho Sequeira 47 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem 4.1 ESPAÇOS ACIMA-DO-NÍVEL Ilustração 21 – “Expedição”(Hasucha, 2005) O conceito de espaço acima-do-nível suporta-se ao livro “Paisagem Urbana” de Gordon Cullen16, quando o desenho e as fotografias traduzemos vários elementos e questões inerentes aquilo que é a Paisagem Urbana. Dentro deste assunto, Cullen refere que esta questão relacionada com o trabalho do arquitecto sobre os diferentes níveis altimétricos num contexto de cidade17 é algo que deve ser pensado com uma especial atenção. Como se sabe, na sua génese, uma cidade é uma estrutura inserida num contexto existente na natureza fruto das mãos do arquitecto que através da manipulação topográfica consegue chegar a uma regularidade possível de habitar e de criar 16 Gordon Cullen (1914-1994) trabalhou em dois gabinetes de arquitectura, em Londres. Foi ilustrador e director artístico de exposições na Grã-Bertanha e nas Índias Ocidentais, antes de se tornar subchefe de redacção da revista The Architectural Review, logo após a Segunda Guerra Mundial. Actuou como consultor paisagista junto de várias instituições, bem como da Fundação Ford, relativamente a projectos urbanos em Nova Deli e Calcutá. 17 CIDADE, s.f. ( latCivitate) A cidade é uma realidade material, um conjunto de qualidades sensíveis, uma estrutura conceptual, uma estrutura material. Tem um dimensionamento e uma dinâmica própria. A cidade estrutura as aglomerações populacionais, conferindo-lhes um sentido, uma função e uma finalidade. (Bonifácio, Rodrigues e Sousa, 2005, p. 81) Rui Alexandre Castanho Sequeira 48 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem relações num determinado contexto, reforçando a identidade daquele sítio. Deste modo, o terreno que se apresenta como um elemento irregular, que oferece contraste entre diferentes níveis, poderá ser pensado de modo natural ou até mesmo na sua continuidade artificial, através do modo como irá gerar um determinado espaço ou edifício num contexto urbano. A arte de jogar com diferentes níveis é uma parte importante da arte da paisagem urbana. Variações no nível do terreno podem ocorrer quer directamente, resultantes do perfil do local quer artificialmente, surgindo as solicitações que o urbanista deve satisfazer. (Cullen, 1971, p. 177) Interessa aqui perceber o modo como o homem se relaciona nestes espaços de diferentes níveis, questão essa relacionada com os sentidos, com a nossa reacção na vivência neste tipo de espaços. Mas seja qual for a sua origem, as nossas reacções aos níveis são acentuadas antes de mais pela sensibilidade particular que sentimos em relação à nossa posição no mundo. (Cullen, 1971, p. 177) Ilustração 22 – Experiências urbanas (Cullen, 1971, p. 178-181) Rui Alexandre Castanho Sequeira 49 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Em contexto de cidade, existe sempre um nível de referência onde grande parte da cidade é assente, e que naturalmente será contrastada através de espaços que fogem a este nível de referência. Estamos então a falar sobre espaços acima ou abaixo desse nível de referência. O que se torna importante transportar para esta investigação, tem a ver, uma vez mais, com a questão relacionada com a sensação de um determinado utilizador nestes diferentes espaços. E é neste ponto que Gordon Cullen, refere que: Qualquer local tem o seu nível de referência, e pode-se estar sobre ele, para cima ou para baixo. (Será preciso atender também a que cada pessoa transporta habitualmente o seu próprio nível de referência). Estar acima do nível de referência produz uma sensação de autoridade e privilégio; estar a baixo, uma sensação de intimidade e protecção. (Cullen, 1971, p. 177) Ilustração 23 – “ Viajante sobre o mar de nuvens” (Friedrich, 1815) Ilustração 24 – Montagem com base nesta obra de Friedrich, onde é possível verificar apenas a paisagem. (Ilustração nossa, 2013) É com este tipo de questões que o arquitecto trabalha, bem como com a compreensão de que a cidade é uma estrutura geradora de diversos tipos de vivências proporcionadas ao homem através do uso natural ou artificial da natureza. Estas sensações pressupõem uma relação muito directa entre o observador e o seu meio ambiente. O prazer da sensação de autoridade e privilégio é de uma natureza Rui Alexandre Castanho Sequeira 50 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem bastante diferente do prazer de outros efeitos da paisagem urbana. (Cullen, 1971, p. 177) As sensações de “autoridade” e “privilégio” tornam-se ideias interessantes a expressar numa cidade, visto que muitas vezes estes espaços proporcionam momentos de lazer e reflexão associadas a sensações de conforto e confiança a quem os habita. É através deste jogo de manipulação e utilização topográfica que surge a génese relativa à ideia de criação de um miradouro18, em contexto urbano ou de um terraço19. No entanto, esta investigação teve como foque e incidiu na tipologia de terraço, mas com o sentido tipológico de praça-terraço. Na mais antiga cidade do mundo, Catal Huyuk situada na Turquia, no período neolítico, os espaços elevados, mas concretamente referentes às coberturas dos edifícios, terraços, tinham uma função contrária ao mundo que conhecemos, sendo que os seus moradores se deslocavam por cima das coberturas das habitações uns dos outros. A existência de ruas nesta cidade era nula, com apenas alguns espaços em comum, onde as açoteias eram o modo de terem contacto com o exterior. Ilustração 25 – Desenho referente à cidade Catal Huyuk. (Caceres, 2011) Ilustração 26 – Desenho diagramático referente ao modo como as coberturas se definiam como ruas. (Ilustração nossa, 2013) Datada em cerca de 6700 a.C., Catal Huyuk apresentava um refinado padrão tecnológico e cultural, com casas de tijolo crus (adobe) dispostas numa eficiente área urbana, com escoamento de esgotos, canalização de água da chuva. O trânsito devia ser feito por cima das casas, pois não havia ruas e a entrada das mesmas ficava por cima, possivelmente sendo alcançada por meio de escadas. A cidade não apresentava 18 Miradouro. Lugar bem situado para contemplar uma paisagem ou alguma coisa notável. 19 Terraço. Pavimento descoberto sobre um edifício ou ao nível de um andar; eirado Rui Alexandre Castanho Sequeira 51 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Fortes ou muralhas, o que presumivelmente não devia ser necessário, devido à sua postura pacífica. (trilha do vento apud Lourenço, 2011, p. 86) Um outro caso retratado do cinema relacionado com essa questão do viver a cobertura é o de Charles Chaplin em “The Kid”, de 1921. Neste filme, Charles Chaplin, autor e director, faz de personagem principal. Para conseguir alimentar e sobreviver com um bebé que adoptou, tem que roubar, numa cena, em que estas personagens são obrigadas a fugir da polícia, através de uma perseguição nos telhados das casas, saltando de uns para os outros. “[…] O desafio pela permanência nas alturas, onde parece ser sempre a única saída para a fuga no cinema, tendo a total visibilidade do desenho urbano envolvente.[…]” (Lourenço, 2011, p. 82) Ilustração 27 – Charles Chaplin a saltar de cobertura em cobertura, imagem retirada do Filme “The Kid”. (Chaplin, 1921) 4.2 PERCURSO ATÉ ESTES ESPAÇOS O percurso que se faz, muitas vezes, num contexto urbano até chegarmos a estes espaços torna-se numa experiência que transforma a nossa vivência nestes espaços ainda mais marcante. Por outras palavras, chegar a estes espaços, num contexto urbano, implica subir através de ruas, largas ou estreitas, compostas por diferentes edifícios e outros mobiliários urbanos que vão ajudar à caracterização de um percurso. Rui Alexandre Castanho Sequeira 52 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Deste modo, chegar a estes espaços cria uma sensação de recompensa por todo o “esforço” e caminho feito até aqui, originando no fundo aqui um contraste de realidades. Neste caso, a recompensa é a de um espaço aberto que projecta o nosso olhar sobre a paisagem da cidade, tornando-se predominantemente num espaço de pausa e reflexão.20 Esta questão vai de facto ao encontro da relação que Gordon Cullen faz da ideia de sensação de infinito numa cidade: A sensação do infinito não é normalmente aparente no céu que se vê sobre os telhados. Mas quando subitamente se vê céu aonde normalmente seria de esperar que se andasse, isto é, ao nível do chão, surge então uma situação de choque, e uma sensação de infinito. (Cullen, 1971, p. 188) Com base no conceito e na ideia de Visão Serial, realizei desenhos que tentassem traduzir o aspecto que a que me refiro. 21 Através de um percurso feito entre a rua da Sé de Lisboa, a Rua Augusto Rosa, até ao miradouro de Sta.Luzia fui fazendo esta série de desenhos que tentam demonstrar o modo como um espaço desta natureza pode atribuir uma recompensa depois de percorrer as várias ruas de Lisboa até lá chegar. 20 Em contexto urbano, esta subida faz-se, muitas vezes, por ruas, ruelas e caminhos confinados e balizados por edifícios e construções que limitam a nossa vista, bem como a relação do corpo com o espaço. Torna-se incrivelmente apaziguador e realizador culminar um espaço com as características destes pois, além de oferecer todos os regalos para a vista referidos anteriormente, tem a virtude de nos convidar a lá permanecer, sendo um espaço predominantemente de pausa e reflexão. (Costa, 2009, p. 63) 21 Visão Serial: O percurso de um extremo ao outro da planta a passo uniforme, revela uma sucessão de pontos de vista, conforme se procura exemplificar através desta série de desenhos (leia-se da esquerda para a direita). Na planta, cada seta representa um ponto de vista. A progressão uniforme do caminhante vai sendo pontuada por uma série de contrastes súbitos que têm grande impacto visual e dão vida ao percurso (como a leve cotovelada que se dá ao vizinho que está prestes a adormecer na missa). Os meus desenhos não correspondem ao local indicado na planta – escolhi-a porque me pareceu bastante sugestiva. Repara-se que os mínimos desvios ao alinhamento, as pequenas variações nas saliências e reentrâncias, em planta, têm um efeito dramático não proporcional na terceira dimensão. (Cullen, 1971, p.74). Rui Alexandre Castanho Sequeira 53 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Ilustração 28 – Desenho diagramático a partir do conceito de “Visão serial” do percurso até Alfama, Lisboa. (Ilustração nossa, 2013) Rui Alexandre Castanho Sequeira 54 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem 4.3 TERRAÇO E MIRADOURO: OLHAR SOBRE A PAISAGEM Foi visto que, na descoberta deste tipo de espaços, em contexto urbano, eles estão sempre associados a um percurso. Em determinados momentos o seu aparecimento é feito através de terraços que definem uma topografia e geram espaços de relação com a paisagem. Deste modo, iremos então apresentar o tipo de vivências e experiências espaciais, aqui proporcionados pelos terraços e/ou miradouros. A chegada a estes espaços é apresentada muitas vezes em dois aspectos: como espaços públicos, através da presença de um café, bancos, jardins que proporcionam sombra, e de uma vista para a paisagem urbana da cidade. Deste modo, o terraço e o miradouro são maioritariamente espaços de convívio, lazer e de reflexão. Após todo o percurso feito até aqui chegar, que muitas vezes é longo e cheio de diversos tipos de acontecimentos urbanos, o que acontece é que quando aqui se chega surge uma sensação de memória. Por outras palavras, o verificar e relembrar, através do olhar sobre estes espaços elevados, de todos os sítios, lugares, ruas, edifícios, que estiveram presentes nesse percurso. É claro que esta questão pode não ter nada a ver com o facto de ter sido feito anteriormente um percurso, pode simplesmente estar relacionada com a vontade de compreender algo na paisagem, através desta nova perspectiva. 22 Geralmente, é mais fácil perceber uma coisa quando já a conhecemos antemão algo sobre ela. Vemos o que nos é familiar e ignoramos o resto. Isso significa que recriamos o observado, em algo íntimo e compreensível. (Rasmussen, 2007, p. 31) Deste modo, esta perspectiva de um ponto de vista superior torna-se num veículo na compreensão dos vários elementos que estiveram associados a um percurso ou memória qualquer de um conjunto, ou não, de elementos urbanos. Esta perspectiva é usada por Gordon Cullen como uma perspectiva grandiosa: Entre os meios que podemos utilizar para tirar partido do AQUI e do Além, há evidentemente a considerar a perspectiva, como um dos mais populares. […] A ligação 22 “ É um espaço que apela aos sentidos e os desperta servindo para vincar ainda mais a presença do mesmo no nosso espírito e nas memórias das nossas vivências. Todo o seu desenho comporta uma carga predominantemente pacífica e com o âmbito de lá permanecemos, a partir do diálogo que é criado, filtrado pelo miradouro, entre nós e a passagem contemplada. Um Miradouro surge quase sempre associado a um percurso, uma história ou algum elemento que lhe dê lógica, seja na influência e na obrigatoriedade da localização simbólica de algo que origina o seu desenho ou pelo acesso ao mesmo que ajuda na sua compreensão e nos explica o seu funcionamento a sua lógica e a sua função. O miradouro, por assim dizer, tem a função de cortina entreaberta, através da qual as olhadelas apreciativas são consentidas, quase solicitadas.” (Lisbon Courier, 1960, 3 e 5) Rui Alexandre Castanho Sequeira 55 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem do primeiro plano com a paisagem longínqua induz uma sensação de domínio e de omnipresença. (Cullen, 1971, p.43) A vista do “Além” 23 , de algo que conseguimos apenas observar e que está fora do nosso alcance, é apresentada de um modo diferente daquele a que estamos habituados a conhecer numa primeira pessoa. Os vários elementos que compõem a paisagem urbana, sejam eles objectos ou edifícios, a uma determinada distância aparecem-nos como figuras bidimensionais, planas, inseridas no céu. Deixamos de ter a noção de profundidade, do que está mais perto ou mais longe, vendo apenas os contornos ou como mancha os vários objectos ou edifícios. Como é possível perceber através do que o autor Steen Rasmussen refere: Não percebemos todas as coisas como massa ou vazio. Objectos muito distantes parecem, muitas vezes, completamente planos. Muitas formações de nuvens são vistas unicamente como figuras bidimensionais contra o fundo do céu. Um fragmento distante de costa que surge além do mar parece meramente uma silhueta. Vemos os contornos mas não temos a impressão da profundidade. (Rasmussen, 2007, p. 77) Ilustração 29 – Foto de Andreas Feininger à relação entre as pedras tumulares e os arranha-céus de Nova Iorque. (Feininger, 1921) 23 «Sensação de Além» é a qualidade, de certo modo lírica de algo que está ao mesmo tempo presente e sempre fora do nosso alcance: está Além. (Cullen, 1971, p.36) Rui Alexandre Castanho Sequeira 56 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Esta fotografia referente a um cemitério em Brooklyn-Queens, Nova Iorque, do fotógrafo americano Andreas Feininger apresenta a relação entre os arranha céus e as pedras que o constituem e que por momentos são confundidas por edifícios mas numa escala menor. Rasmussen referindo-se aos arranha-céus descreve como é a experiência de os observar em várias altitudes dentro de um avião: Visto de um avião a grande altitude, até o mais gigantesco arranha-céus é apenas um bloco alto de pedra, uma mera forma escultural, não um edifício real em que vivem pessoas. Mas, quando o avião desce, há um momento em que os edifícios mudam completamente de carácter. De súbito, eles adquirem uma escala humana, tornam-se casas para seres humanos como nós e não para minúsculas bonecas observadas do alto. Esta estranha transformação ocorre no instante em que os contornos dos edifícios começam a elevar-se acima do horizonte, de modo que obtemos deles uma perspectiva lateral, em vez de os olharmos de cima para baixo. Os edifícios entram numa nova faz de existência, passam a ser arquitectura em vez de brinquedos bem arrumados – pois a arquitectura significa formas criadas em torno do homem, criadas para nelas se viver, não meramente para serem vistas de fora. (Rasmussen, 2007, p. 77) Na oposição a esta ideia de “Além”, existe um “Aqui”: “[…] O Recinto construído, mesmo que elementar divide o espaço em Aqui e Ali. […]” (Cullen, 1971, p. 185). Este “Aqui”, chamado de espaço de terraço e miradouro, é pensado como um espaço convidativo para passar algum tempo do dia, através da presença de um banco ou de uma sombra que proporciona um momento de pausa, de lazer e reflexão. Regra geral, o miradouro, para além da sedução das vistas limitadas ou vastas, possui ambiente cativante, seja pelo arranjo, seja pela graça local, seja ainda por um simples banco convidativo. O miradouro, sempre pequenino e verdejante, desperta a ideia de convite para agradável passeio dos olhos. E a cidade toda ela se descortina, a velha e a nova, o bairro e o conjunto, os telhados e as ruas, desde esses poisos maneirinhos e apetecíveis. (Lisboa. Câmara Municipal, 1960) No remate do edificio Chaillot Palace, Paris, do arquitecto Louis-Hippolyte Boileau, com a rua é criada uma continuidade de espaço público. O terraço deste palácio, a eixo com a Torre Eiffel, proporciona uma relação, referida, entra as questões relacionadas com o “Aqui” e o “Além”. Por um lado, temos um “Aqui”, as colunas neoclássicas e o espaço público do terraço do palácio Chaillot, e por outro um “Além”, a cidade de Paris onde a Torre Eiffel se assume como o elemento principal desta paisagem. Rui Alexandre Castanho Sequeira 57 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Ilustração 30 –O Terraço do Chaillot Palace. (Institut Français D' Architecture, 2013, p. 147) Ilustração 31 – Desenho diagramáticos referentes à relação do terraço deste palácio com a Torre Eiffel. (Ilustração nossa, 2013) Um exemplo deste tipo de espaço é o do Miradouro de S. Pedro de Alcântara, em Lisboa. Este miradouro, construído no século XIX sobre um terreno em socalcos, oferece uma das mais belas paisagens sobre a cidade de Lisboa. Neste Miradouro, é possível observar a encosta da Mouraria, o Castelo de São Jorge, a Sé, a baixa pombalina, S. Vicente de Fora e ainda um pouco do Rio Tejo. Rui Alexandre Castanho Sequeira 58 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Um rápido salto ao jardim fronteiro permite-nos observar Lisboa a partir do bairro alto. É em São Pedro de Alcântara que ele se debruça sobre a baixa. Não há vista mais generosa para quem estima a cidade. Ao cair da tarde, as ruas orientais ostentam luminosidade própria. A sé parece dourada. As casas sucedem-se, como panos imóveis e estendidos, salpicados pelas luzes de muitas janelas. Vale a pena subir a calçada da glória para ver Lisboa aqui de cima. (Dias, 1994, p. 68) Deste modo, este miradouro, a partir de 1835, quando foi entregue à edilidade alfacinha foram feitas as duas plataformas que hoje lá existem, compostas pelos jardins a cargo do Arquitecto Agostinho da Silva. Na sua plataforma inferior é possível verificar uma influência francesa no modo como o jardim foi pensado e organizado, através da forma geométrica e simétrica como as flores e os arbustos eram dispostos, assim como o lago de repuxo e vários bustos de deus e heróis da mitologia grecoromana. Já na plataforma superior, é marcada por uma densa vegetação e pelo variado mobiliário urbano, de que são exemplo os bancos. Ilustração 32 – Miradouro S. Pedro de Alcântara. (Ilustração nossa, 2013) Este miradouro-jardim, construído no sentido Norte-Sul, é dividido em duas partes, uma superior e outra inferior, ligadas por boas escadas de pedra, dispostas ao encontro, em dois sentidos. A parte alta está a 73m, sobre o nível do Tejo e constitui, como varanda inferior, um dos pontos mais interessantes para apreciar-se o panorama de Lisboa. Dali pudemos dilatar a vista pelo vale ocupado pela Avenida da Liberdade e as subidas do casario pelas numerosas colinas em que assenta a cidade. Rui Alexandre Castanho Sequeira 59 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Com os olhos semicerrados, aproximamo-nos da balaustrada. Encostamo-nos. Respiramos fundo. Sob a carícia suavíssima de uma brisa fina e subtil, deixamos que lentamente o nosso olhar se inunde de beleza e a nossa alma se submeta ao feitiço romântico e empolgante que, em halos de fantasia, nos atira aos braços alados do sonho […]. (Ramalho, 1933, p.92) O projecto do Arquitecto Gonçalo Byrne para a ampliação do Museu Nacional Machado de Castro, é um dos exemplos da consciência por parte do arquitecto da existência de uma cidade no modo como se cria esta ampliação. Se por um lado existe a relação com a “paisagem urbana” do existente na cidade de Coimbra, por outro através pátio/claustro/miradouro irá contemplar essa mesma paisagem. Ilustração 34 – Montagem fotográfica referente à ligação com a cidade do Projecto de ampliação do Museu Machado e Castro. (Bryne e Malagamba, 1999) Ilustração 33 – Desenhos diagramáticos referentes ao Projecto de ampliação do Museu Machado e Castro (Ilustração nossa, 2013) Rui Alexandre Castanho Sequeira 60 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem A cidade é um fenómeno dinâmico e por isso vivo, apresentando um plano um palco de complexas interacções onde a arquitectura actua como agente transformador dos espaços. (Byrne, 1999) Ainda nesta obra é perceptível a existência de um cuidado e preocupação no modo como esta ampliação se integra no antigo histórico de Coimbra, criando uma simbiose entre o novo e o antigo, dando ênfanse, principalmente, ao bairro-histórico. O arquitecto precisa em absoluto da história porque pisa territórios pré-existentes mas sobretudo porque o projecto que orienta a transformação vive do tempo e no tempo”. (Byrne, 1999) Num contexto de terraço utilizado num sentido de tipologia de edifício edilício, ao longo da História, mais concretamente, após Revolução Industrial e no surgimento dos novos materiais, começam cada vez mais a surgir terraços na cobertura dos edifícios, seguindo a mesma lógica de pensamento de proporcionar um espaço de convívio, lazer e reflexão com a paisagem como plano de fundo. Destaco aqui, o mais conhecido exemplo de Le Corbusier, da sua Villa Savoye e da Unidade de Habitação de Marselha. Nestas duas obras, é visível o uso do terraço, habitável, como continuidade da casa ou da habitação, proporcionando um espaço destinado a um momento de pausa sobre uma relação com a paisagem. Ilustração 35 – O terraço e a paisagem (Jencks, 1987, p. 139) Rui Alexandre Castanho Sequeira 61 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Le Corbusier e Jeanneret, sobre o modo como projectavam os terraços nos seus edifícios publicaram um documento titulado de “ Os cinco pontos de uma nova arquitectura” : Durante séculos, um telhado tradicional, de águas inclinadas, com o inverno suportava normalmente a neve, enquanto a casa é aquecida por fogões. Desde que se instalou o aquecimento central, o telhado tradicional já não serve. O telhado já não deve ser inclinado, mas sim plano. Deve-se aproveitar as águas e não expulsá-las para fora. Verdade inquestionável: os climas frios impõem o suprimir do telhado inclinado e exigem a construção de telhados-terraços planos, com o recolhimento das águas que se dirigem para o interior da casa. O betão armado, é o novo meio que permite a realização destas coberturas homogéneas. […] Os terraços-jardim eram muito opulentos: flores, arbustos e árvores, rela, Por razões técnicas, económicas, funcionais e sentimentais levaram-nos a adoptar o terraço. (Benevolo, 1999, p. 461) No filme de Wim Wenders24, “Lisbon Story”, de 1994, que teve como palco principal a cidade de Lisboa, a personagem Phillip encontra o grupo Português “Madredeus” no terraço do hotel que se balança para o Pátio D. Fradique. O grupo diz-lhe que acabaram a sua nova canção “Tejo”. Com uma bela vista sobre os vários elementos que constituem a paisagem de Lisboa explica o quanto o Rio Tejo é importante para a sua música e para as suas vidas, “o Tejo é o único testemunho das nossas vidas“. Ilustração 36 – Desenhos diagramáticos referentes a esta cena retirada do filme “Lisbon Story”. (Ilustração nossa, 2012) 24 Ernst Wilhelm “Wim” Wenders (Dusseldorf, 14 de Agosto de 1945) é um cineasta Alemão e um das mais importantes figuras do Novo Cinema Alemão. Rui Alexandre Castanho Sequeira 62 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem A percepção da cidade a partir de um miradouro, ou de uma varanda num edifício alto, apresenta-nos a cidade de outros modos, numa nova escala, contida por novos limites que se tornam distantes (colinas fronteira, rio). Embora seja uma cidade não percorrível, é apropriável pelo olhar. Permitindo-nos percepcionar esta nova natureza, esta nova dimensão da cidade. Já não somos contidos do mesmo modo, nem pelos mesmos elementos que constroem a cidade nesse nível geral (cidade da superfície). Reconhecemos ainda aqueles elementos que emergem da cota inferior (marcos de referencia da cidade de superfície) e o modo como estes continuam a pontuar o território. Agora já não enquanto caracterizadores espaciais de determinadas zonas (bairros), passando a assumir-se como elementos que pontuam esse novo território. Construindo um novo mal espacial. (Rocha, 2000) Ilustração 37 – “Lisbon Story” com plano de fundo a cidade de Lisboa e o seu Rio Tejo. (Wenders, 1994) 4.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS DO TERRAÇO COMO ESPAÇO ACIMA-DO-NÍVEL Neste capítulo foi apresentado o estudo sobre o terraço como ideia operativa de Arquitectura, através de uma das suas vertentes tipológicas: como definidor de uma topografia em contexto urbano gerador de um espaço em praça. Concluiu-se que, sendo um espaço acima de um determinado nível de referência, pelas suas Rui Alexandre Castanho Sequeira 63 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem características de relação com outros momentos, irá proporcionar a quem frequenta estes espaços uma série de experiências espaciais e outras ligadas aos sentidos, como a mencionada sensação de “autoridade”, “privilégio” ou de “domínio” sobre o que os rodeia. Foi igualmente possível perceber, em contexto urbano, que estes espaços estão sempre associados a um percurso, uma história que termina com este tipo sistemas tipologicos, praças-terraços ou miradouros, apresentando-se como recompensas, depois de percorrer as várias ruas e passar por vários edifícios. Estes terraços e miradouros apresentam-se como momentos de pausa e de contemplação, tendo como plano de fundo a paisagem urbana. Aqui, é possível compreender melhor, os vários tipos de elementos urbanos, numa escala completamente diferente que estiveram ou não presentes no percurso até aqui chegar. Rui Alexandre Castanho Sequeira 64 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem 5. RELAÇÃO ENTRE ESPAÇO PÚBLICO/PRIVADO ENTRE TERRAÇO E MIRADOURO No contexto desta investigação, neste capítulo interessa perceber o modo como estes dois sistemas: terraço e miradouro, se relacionam, numa perspectiva de criarem ou não espaço público. Interessa então, de um modo geral apresentar a noção destes dois conceitos, espaço público e privado, na sua relação urbana, relacionando com o modo como estes tipos de espaços se reflectem no terraço e no miradouro Ilustração 38 – Foto de Andreas Feininger a uma das ruas de Nova Iorque. (Feininger, 1942) Começo por apresentar a noção destes dois conceitos, de acordo com seu significado que nos é dado pelo Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa. Dentro da linguagem de Arquitectura: Público – […] 1. Que está relacionado com a população em geral, com a comunidade. Colectivo, Geral. Não é Pessoal. […] 2. Que está relacionado com o Governo, com a administração de um país. Não é privado. […] 3. Que pertence ao governo, às autarquias ou é administrado por essas entidades e que pode ser usufruído por toda a população. Não é privado. […] 5. Que se realiza diante de um grande número de pessoas ou que pode vir a ser conhecido. […] Publicamente, na presença de várias pessoas. Rui Alexandre Castanho Sequeira 65 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Privado – […] 1. Que não é público ou não tem carácter público; que não é acessível a qualquer pessoa – Particular […] propriedade privada. 2. Que não é do Estado ou não diz respeito ao Estado (…) 3. Que se desenrola à parte; que é reservado a certas pessoas. […] Que é relativo particularmente à pessoa, à sua intimidade familiar. Intimo, Pessoal. Vida. […] (em particular, sem participação de terceiros. […] (Casteleiro, 2001) Estas definições levam-nos a concluir que a noção de espaço público se refere a um espaço que possui o princípio de ser acessível a todos, onde se pode circular livremente, conceito esse interligado, muitas vezes, a espaços que oferecem uma qualquer qualidade relacionada com o lazer e convívio. Estes espaços que possuem uma série de funções diferentes, com as mais diversas formas e usos, com o avançar dos tempos ajudam a criar uma memória num determinado lugar. Por oposição, surgenos o conceito de espaço privado, espaço esse dominado por uma entrada controlada, destinado apenas um público exclusivo que o possa habitar. Com base em instrumentos analíticos como inquéritos feitos dentro da cidade de Lisboa foi visto na obra teórica de Vítor Ferreira “Fascínio da cidade : Memória e projecto da Urbanidade” o modo como o espaço público poderá influenciar a cidade. A metodologia da investigação empírica realizada apoiou-se em diversos instrumentos analíticos, nomeadamente num inquérito por questionário, na observação de algumas zonas de Lisboa. O espaço de referência do estudo reportou-se à Metrópole de Lisboa, numa configuração social e urbanística. (Ferreira, 2004, p. 123) Através desta metodologia de investigação empírica, Ferreira observou que tanto os espaços públicos como as áreas verdes, parques, praças, avenidas, passeios, jardins, entre muitos outros, enquanto componentes da cidade possuem uma igual importância quando comparados ao edificado existente. Tiago Coelho, que explorou este tema na sua dissertação de Mestrado “A fronteira entre o espaço público e o privado” refere que: Essa importância prende-se com o facto de se confundir e identificar com a própria história de vida do respectivo utilizador, concretamente quando este compreende retrospectivamente usa ligação ao lugar e, no caso concreto dos Jardins, conciliam uma ideia oitocentista de espaço público e verde urbano. (Coelho, 2007, p. 20) Deste estudo foi possível reter a ideia de que existem diversos factores por detrás do modo como estes espaços públicos e áreas verdes são utilizados. Estes factores não passam apenas por questões relacionadas com a distinção social, mas sim pela própria idade, o local onde habitam, as próprias condições urbanas da área onde Rui Alexandre Castanho Sequeira 66 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem estão - tudo isto está inerente à utilização que as pessoas fazem dos espaços públicos.25 Toda esta observação vai naturalmente ao encontro daquilo que Kevin Lynch (1981), no seu livro “A boa forma da cidade“ refere. Este autor defende que o desenho urbano, dentro de uma lógica de cidade moderna, deverá dar uma especial atenção ao espaço público, de modo a proporcionar uma boa vida urbana. Contudo, para que tal aconteça, esse espaço público deverá possuir “vitalidade”; “sensação”; “adequação”; “acesso” e “ controlo”. Estes conceitos relacionados com um novo pensamento de desenho urbano surgem da ideia de que com eles se procurou reabilitar a cidade tradicional, passando para uma cidade moderna. Este modelo urbanístico vindo da “Carta de Atenas”, teria como visão a criação de uma nova vida social que adviria de um novo pensamento dos espaços que iria originar e modificar comportamentos e mentalidades na sociedade. A ideia aqui a reter teve realmente a ver com o que Portas refere no seu livro “Conceitos de Desenvolvimento Urbano” : a transição e o fim de um modo de projectar edifícios como “objectos” sobre um espaço livre sem a existência de uma preocupação na articulação com a criação de espaço público – ou seja, o espaço público tratado em segundo plano, como o espaço que sobra depois da construção do edifício. Começouse, de facto, a pensar o oposto, no espaço público, as ruas e praças como sistemas principais que vão ter tanta ou mais importância que os próprios edifícios, visto serem os espaços de vivência. Francisco Serdoura, no seu trabalho “Espaço Público. Lugar de Vida Urbana” referindo-se a Francis Tibbalds no seu livro “Ten commands of urban design” refere que no desenho urbano para que possa surgir vida urbana é necessário respeitar aquilo que o passado nos deu. Do mesmo modo que este desenho deverá ter o 25 “[…] Tais factores permitem escolhas variadas e diferentes avaliações, mas no âmbito geral, a opção mais referenciada ao que se refere ao espaços públicos, é o facto de “contribuírem para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. […] Do ponto de vista etário são significativas e diferenças encontradas no estudo mencionado, começando pelos mais idosos, onde a importância das zonas verdes é referenciada, por permitir o “contacto com a natureza” e proporcionar “momentos de lazer”. Os mais jovens consideram importantes as zonas verdes por permitem um “ambiente saudável”. Estas diferenças distiguem.se pelo modo como vivem os espaços públicos, o que na maioria das zonas de observação os idosos surgem como o grupo que mais práticas realizam, associadas ao interior do habitat como por exemplo as refeições ou os jogos de cartas. Dada a “importância de ser um espaço de encontro com os outros” constatou-se que a avaliação dos espaços públicos encontra.se principalmente utilizada por inquiridos com a escolaridade baixa e com idades compreendidas entre os 50 e os 64 anos, levando-nos a perceber que os mais idosos “parecem encontrar na “rua”, um prolongamento, ou mesmo a ocasião significativa, para uma desejada partilha de socialização.” (Ferreira, 2004, p.125) Rui Alexandre Castanho Sequeira 67 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem objectivo de conseguir criar multiplas funções urbanas no espaço colectivo, assim como de criar espaço público que tenha como alvo todos os sectores sociais. O espaço público deverá ter a prioridade máxima quando se faz desenho urbano, como refere Serdoura : Deve ainda ser dada prioridade ao planeamento do espaço público e só depois às construções; os novos espaços urbanos deverão ser desenhados à escala do homem e satisfazer as suas necessidades, e terão de ser construídos com legibilidade e “durabilidade”, possibilitando interacções entre as pessoas e o espaço público e viceversa. (Serdoura, 2006, p. 6) No entanto, e já me referindo ao presente, é cada vez mais ponto assente a instauração de um novo paradigma dentro desta questão dos espaços públicos num pensamento de desenho de cidade. O que acontece é que os espaços públicos como espaços destinados a uso social têm vindo a revelar-se espaços que são proibidos ou mesmo inacessíveis. No entanto, o conceito de público não se trata de: Uma qualidade intrínseca a um espaço, mas sim uma construção social e política, que deriva de vários factores, nomeadamente dos usos ai realizados, do sentido que é atribuído por um determinado grupo social; da acessibilidade; da tensão entre o estrangeiro/anónimo e o reconhecimento/encontro; da dialéctica entre proximidade e distância física e social” (Castro, 2002, p. 54) Existe, no fundo, cada vez mais um controlo dos espaços públicos, espaços esses cada vez mais regulados e que originam comportamentos diferentes dos seus visitantes originando a que o espaço publico comece a ser entendido como um espaço disfarçado de privado em muitos casos. Tiago Coelho, considera que os espaços públicos urbanos fazem com que quem viva na cidade frequente esses mesmos espaços, tornando-os por sua vez mais limitados. É inevitável o crescente número de espaços chamados "privados" que dão lugar a um declínio de espaços públicos. Assim, podemos concluir que actualmente estamos perante um novo conceito onde estes espaços se unem, existindo uma confusão de utilização e más consequências que alteram o verdadeiro sentido da cidade. 26 Esta realidade começa a por em causa a importância do espaço público na cidade, visto que, segundo Francesco Indovina: 26 “As pessoas que vivem na cidade tornam-se num tipo de convidados no espaço público urbano “regulado”, devendo “comportar-se” de maneira cada vez mais codificada. Não se pode evitar que os espaços privados têm vindo a aumentar, originando consequências urbanas importantes, mais ainda com o “crescimento da apropriação privada do espaço público. Estamos perante um novo conceito, o público/privado onde existe uma confusão de papéis e funções que geram consequências e constituem uma manipulação da cidade.” (Coelho, 2007) Rui Alexandre Castanho Sequeira 68 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem - O espaço público é fundamental para o funcionamento de todas as cidades e contribui para a identificação de cada cidade; - A existência do espaço público é condição para a socialização e realização das respectivas manifestações e importante para a qualidade de vida urbana; - A transformação espaço público/espaço de uso público constitui a passagem de uma função universalista para uma função descriminada; - A qualidade de vida individual é também influenciada pela existência de espaço público e da sua tipologia.” (Indovina, 2002, p. 119) Por outro lado, novamente tendo por base a investigação de Tiago Coelho dedicada ao exemplo que apresenta sobre Centro Cultural de Belém que teve como sustentação uma observação e o fundamento de autores que sustentaram as suas ideias, consegui transportar isso para a leitura de alguns terraços e miradouros dentro de Lisboa. Após a minha visita ao CCB, considerei que muitos dos aspectos defendidos eram justos e adequados. O CCB, edifício localizado numa zona com um forte carácter social, possui uma grande carga histórica e cultural que, evidentemente, se vai reflectir no edifício. Esta questão ajuda ainda mais a que este equipamento seja principalmente frequentado por pessoas entre as idades 24-35 anos, muitas delas estudantes universitários e de um estrato social elevado. Ilustração 39 – Espaço público localizado no terraço sul no Centro Cultural de Belém. (Ilustração nossa, 2013) Rui Alexandre Castanho Sequeira 69 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem É possível perceber que estamos perante um público muito específico que visita este espaço colectivo, estando assim destacado o espaço público socialmente "reservado". (Ferreira, 2004, p. 143) Um conjunto de códigos disfarçados que a pouco e pouco tendem a controlar o conceito de "espaço público", tendo em conta alguns aspectos como a propriedade como sendo pública ou privada tal como os seus limites de uso em relação ao tempo de utilização; os custos monetários e regras de uso tais como o facto do proprietário querer silêncio ou não, se é permitido fotografar ou até animais de estimação. O Silo Auto das Portas do Sol, dos arquitectos Aires Mateus27, localizada no Largo das Portas do Sol no histórico bairro de Alfama, em Lisboa, foi um dos exemplos que me chamou mais atenção dentro desta questão. Esta obra se por um lado estabele uma relação entre a ideia de um terraço que se debruça sobre uma paisagem, por outro possui características de espaço público/privado. Aqui com o factor tempo começa-se a estabelecer um novo momento de pausa que contrasta com a densa malha urbana de Alfama e que se começa afirmar, no fundo, como um novo miradouro, através destes terraços que permitem observar uma pespectiva grandiosa desta parte da cidade. O desenho destas plataformas é feito a partir da definição de uma topografia, interpretada neste sitio, fazendo com que encontre um prolongamento ou continuidade de espaço público sobre estes terraços. 27 Manuel Aires Mateus (1963), arquitecto português, formou-se na FAUTL, e a partir de 1983 começou a trabalhar com o arquitecto Gonçalo Byrne, tendo cinco anos mais tarde, com o irmão Francisco Aires Mateus (1964), estabelecido atelier em nome próprio. Já leccionou na Universidade Técnica de Lisboa, na Universidade Lusíada, na Universidade Autónoma, na Academia de Arquitectura de Mendrisio e na Faculdade de Arquitectura de Harvard, nos Estados Unidos da América. Pelo trabalho desenvolvido em parceria com o seu irmão, tem no seu currículo prémios como o European Prize for Contemporary Architecture Mies Van der Rohe (2009, 2997, 2000), o Prémio Ibero Americana de Arqutiectura, o Prémis FAD d’Arquitectura I intervenções Efémeras (2000), o Prémio Enor (2006), o Prémio Luigi Consenza (2001), O Prémio Valmor (2002), entre outros. Rui Alexandre Castanho Sequeira 70 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Ilustração 40 – Fotos referentes à relação entre o espaço público do primeiro terraço com o espaço público/privado do segundo terraço. (Ilustração nossa, 2013) Rui Alexandre Castanho Sequeira 71 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Ilustração 41 – Desenho referente ao prolongamento da Rua S. Tomé para o terraço referente ao Silo-automóvel. (Ilustração nossa, 2013) Programaticamente esta obra é composta por um parque de estacionamento coberto por dois terraços, um deles com café e outro o que faz ligação com a Rua S. Tomé. O acesso é feito através de um conjunto de escadas e rampas que possibilitam a entrada para o parque de estacionamento e para as plataformas em terraço. Durante algumas horas do dia, apesar dos dois terraços terem um acesso público, o facto do segundo terraço ter um acesso em rampa e um café com determinados tipos de características, sugere um carácter destinado a um público de classe social média alta, ou seja, a um público muito específico. Devido a todos os arranjos do mobiliário, aos próprios valores de consumo do café, é criada uma espécie de “barreira” de acesso, pelo que quem permanece nestes terraços acaba por preferir ficar pelo Ilustração 42 – Desenhos Diagramáticos referentes à passagem entre os dois terraços e a sua relação ente público/privado. (Ilustração nossa, 2013) Rui Alexandre Castanho Sequeira 72 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem primeiro terraço. O mesmo acontece no espaço café em Alfama “O terraço”. Este espaço em Terraço, mais uma vez apresenta-se como espaço público, no entanto, verificou-se igualmente, que se destina a um público muito especifico. Foi igualmente observado o momento de entrada, uma espécie de “porta disfarçada” que se pode abrir e fechar, que nos faz ficar na dúvida se é ou não possível qualquer pessoa lá circular e frequentar. Ilustração 43 – Momento de entrada para o café/bar “ O Terraço”. (Ilustração nossa, 2013) Ilustração 44 – Terraço referente ao café/bar “ O Terraço”. (Ilustração nossa, 2013) Encontramos os sinais desta mutação gradual em fenómenos tão diversos como o crescente número de condomínios fechados; as concessões privadas de largos e praças ou as demonstrações comerciais; entre outros. Este modelo de construção retira o domínio público e potencia a afirmação do privado, levando à perda progressiva do papel fundamental da esfera pública como elemento estruturador das rotinas urbanas e consequentemente À representação do espaço público urbano como um espaço residual entre edifícios e vias. (Coelho, 2007, p. 33) Rui Alexandre Castanho Sequeira 73 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Esta situação corrobora com a tendência verificada em Lisboa, onde começam a surgir espaços como cafés, bares, situados em terraços de edifícios com as mais diversas funções e características que fazem com que mais uma vez sejam destinados a um público muito específico. Isto acontece, pois muitos destes edifícios são ou hotéis ou espaços privados que permitem o acesso a toda a gente ao topo, no terraço, para o café/bar. No entanto cria-se no momento de entrada uma espécie de barreira, devido a um código escondido, visto não existir uma clara informação de que estes espaços são públicos, pelo o que nem toda a gente se sente à vontade para deslocar e permanecer nestes espaços, principalmente devido a questões relacionadas com o estrato social. Trata-se no fundo, daquilo que já foi referido, de um espaço público disfarçado de privado. O espaço público tem vindo a sofrer mutações em relação ao passado, fazendo-nos questionar qual o seu papel na “nova cultura da cidade“, e neste campo podem ser descritos vários aspectos relevantes para esta mudança, tais como: - O uso do espaço público como ocasião de socialização já não corresponde aos modelos de vida mais recente; - O declínio da praça como lugar de agrupamento social, entre os quais as manifestações políticas, é inevitável, resultado da possível difusão da democracia electrónica; - Desenvolveram-se novos “espaços” que, podendo ser privados, desempenham um papel público, restituindo os tradicionais lugares públicos obsoletos no sentido em que aqueles novos apresentam “equipamentos” e “condições” que superam os tradicionais; - A fuga dos espaços públicos é determinada pela situação de insegurança que os caracteriza; - As novas instalações, sobretudo difusas, ditam a redução dos espaços públicos na sua componente infra-estrutural, privilegiando os espaços privados. (Indovina, 2002, p.121) Por outro lado, por oposição a estes espaços em terraço em Lisboa, surgem os espaços de miradouro. Rui Alexandre Castanho Sequeira 74 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Ilustração 45 – Espaço público de dois Miradouros de Lisboa. (Ilustração nossa, 2013) Nestes espaços, a realidade é outra. Após uma observação a estes espaços, percebese que como espaço públicos que são, são usufruídos pelos mais diversos tipos de pessoas, nomeadamente em termos de faixa etária, situação social, raça etc. Em todos os casos a sua acessibilidade é feita sem qualquer tipo de momento de entrada que possa dar a entender o acesso a um espaço privado ou algo que possa sugerir que se destina a um público específico. Estes espaços tornam-se cenário de momentos de encontro, convívio e lazer em diversos pontos da cidade com vista para Lisboa. A acessibilidade aos espaços públicos representa um valor fundamental da urbanidade, assinalando que “determinados espaços são acessíveis não só pelas qualidades arquitectónicas, mas também pela sua capacidade em articular visibilidades e enunciados, ou seja pela sua capacidade em oferecer deslocações, caminhos e movimentos, mas também paragens disponíveis e percebíveis pelos seus utilizadores. (Ferreira, 2004, p. 171) 5.1 CONSIDERAÇÕES FINAIS DA RELAÇÃO PÚBLICO/PRIVADO ESTRE TERRAÇO E MIRADOURO. ENTRE ESPAÇO O estudo dos conceitos de espaço público e privado permitiu perceber a sua oposição e a sua relação entre o terraço e o miradouro. Num primeiro momento, foi feita uma distinção clara quanto aos seus significados e ao que está associado a estes sistemas. Um espaço público refere-se a um espaço que possui o princípio de ser acessível a todos. Já um espaço privado, a um espaço controlado, no sentido do seu acesso e do seu público a que é destinado, ser exclusivo. O desenho urbano, dentro de uma lógica de cidade moderna, deverá dar uma especial atenção ao espaço público, de modo a proporcionar uma boa vida urbana. Contudo, Rui Alexandre Castanho Sequeira 75 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem para que tal aconteça, esse espaço público deverá possuir “vitalidade”; “sensação”; “adequação”; “acesso” e “controlo”. No entanto, é cada vez mais notória a transformação destes conceitos, o que nos leva à ideia de que estamos a entrar num novo paradigma delineado pelo aparecimento de espaços públicos, muitas vezes limitados no próprio “acesso” e no “controlo”. Foi comparado e relacionado com o exemplo de alguns tipos de terraço existentes em Lisboa, e a sua comparação aos miradouros. Ao falarmos em contexto urbano, foi visto que o miradouro é apresentado como espaço público, já o terraço, apesar de num nível tipológico de edifício singular se traduzir como um espaço privado na cobertura de um edifício, foi percebido que a nível urbano, ao definir-se como um espaço em praça de relação com a paisagem urbana, assume-se como um espaço de uso colectivo Rui Alexandre Castanho Sequeira 76 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem 6. CASOS DE ESTUDO Ilustração 46 – Diagrama de organização de ideias referentes aos casos de estudo. (Ilustração nossa, 2013) Rui Alexandre Castanho Sequeira 77 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem 6.1 JARDINS SUSPENSOS DA BABILÓNIA Os Jardins Suspensos da Babilónia foram um caso de estudo que esteve sempre presente tanto nesta dissertação como no projecto individual realizado na cadeira de Projecto III do 5ºano. É um caso teórico, utópico, visto que a sua suposta existência é apenas confirmada através de textos, das ruinas existentes que levam a interpretações esquemáticas daquilo que poderão ter sido realmente estes jardins. Trata-se, então, de uma visão de diferentes autores. No contexto desta dissertação, será apresentado segundo uma visão relativa à existência de uma estratégia topográfica que se relaciona com a paisagem, por detrás desta intervenção. Para apresentar este caso de estudo, começarei por contextualizar muito sinteticamente, dado não ser esse o assunto aqui a ser explorado. Estes Jardins, localizar-se-iam na antiga cidade na Mesopotâmia, Babilónia, criada, sem nenhum dado concreto cronológico, por volta de 1867 a.C, onde as ruínas são encontradas na cidade existente, Al Hillah, provincia de Babil no Iraque. Esta cidade ficou conhecida e marcada na História pelo seu desenvolvimento e avanço, tanto na área técnica como construtiva no campo da arquitectura e da engenheira. Os vários documentos existentes desta cidade apresentam-na como significado de engenho, técnica e pela grandiosidade das fortificações, mais concretamente pela Bíblia e por Vitrúvio. Outra das características da arquitectura e da engenharia em Babilónia definia-se pelas estruturas hidráulicas. Com efeito, uma das riquezas mesopotâmicas era de facto a água, suprida pelos dois principais rios: o Tigre e o Eufrates. Este era o que banhava Babilónia, construída nas suas margens. Eram as cheias dos dois rios que garantiam a fertilidade às terras da região e possibilitavam a subsistência na mesma. (Ferreira e Nazaré, 2005, p. 31) Rui Alexandre Castanho Sequeira 78 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem No entanto, Babilónia nas listas mais antigas sempre foi citada pelas suas Muralhas e pelos Jardins Suspensos. Estas duas construções da Antiguidade foram motivos suficientes para serem considerados cânones das Maravilhas do mundo, construindo igualmente para a expansão da sua imagem e simbologia: Perdurou de diversas formas na cultura ocidental: na associação à terra dos dois rios, no simbolismo no exílio, da deportação e do poder tirânico (como se lê nos Salmos e nos livros de Jeremias, Isaías e Daniel), na ideia alegórica de religiosidade falsa (do tema da Torre de Babel ao Apocalipse de S. João), mas também nos mitos gregos em torno de Nino, nos romances gregos perdidos (de Nino e Semíramis à Babilónicas de Jâmblico), no modo como se assumiu, enfim, enquanto forma críptica de designar a própria Roma, tal como sugerem os textos de Simão Pedro da Galileia. (Ferreira e Nazaré, 2009, p. 116) Todos estes factores levam à natural reputação da Babilónia, visto ter sido marcado e associado a uma imagem exótica oriental, tanto de poder político, como de poder religioso. A real prova disso é de facto as constantes tentativas por diversos autores de representar e reconstituírem, mesmo que utopicamente, a cidade da Babilónia, principalmente os seus jardins. Ilustração 47 – Babilónia (Larrinaga, 1959-1962) Para além disso, morfologicamente, Babilónia estaria situada numa planície. É crível que as suas muralhas e jardins teriam zonas mais elevadas, o que na realidade seriam elevações artificiais que tinham um principal carácter defensivo. Fazendo, com que a uma longa distancia, quem se aproximava desta cidade, teria o impacto destas muralhas e a imagem de defesa que foram proporcionadas pelas técnicas de Rui Alexandre Castanho Sequeira 79 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem construção. É exactamente neste contexto, que se torna relevante para esta dissertação. Ilustração 48 – Pintura referente aos jardins suspensos da Babilónia por Martin Heemsherck. (Heemskerck, 1500s) Visto haver uma falta de relevo natural nesta cidade, tal foi levado a cabo através dos edifícios que o sugeriam. De acordo com os documentos históricos, o rei da Síria que governava a Babilónia, por amor à sua esposa e vendo a sua tristeza por se relembrar dos seus tempos de infância, onde nasceu e cresceu numa zona de planícies composta pela sombra dos bosques e das florestas, decidiu presentear a esposa, com um edifício que sugerisse estes tais encantos da natureza: os Jardins Suspensos. Dada a ausência de relevo natural na Babilónia, a obra seria especialmente notável neste ambiente naturalmente adverso, e surpreenderia quem dele ouvisse falar. É possível que estes mesmos viajantes observassem, mesmo desde o horizonte, jardins artificiais elevados da planície, à altura das muralhas, proporcionados pelas técnicas de construção e de condução da água dominadas pelos povos da Mesopotâmia, manifestação de luxo num espaço naturalmente desértico. […] Vistos ao longe, parecem bosques a coroar a montanha onde teriam nascido. Conta a tradição que certo rei da Síria, que governava a Babilónia, terá metido mãos a esta empresa movido pelo amor à esposa, a qual, por andar saudosa da sombra dos bosques e das florestas numa zona de planícies, conseguir convencer o marido a imitar, com uma obra como esta, os encantos da natureza. (Ferreira e Nazaré, 2009, p. 206) Rui Alexandre Castanho Sequeira 80 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Ilustração 49 – Estratégia topográfica para o edifício dos jardins suspensos. (Ilustração nossa, 2013) Independentemente desta história ser verdadeira ou não, o facto é que se pode igualmente atribuir a esta construção o carácter estratégico de defesa, através de um edifício mais alto que avistasse a paisagem. No entanto, o que se torna importante neste caso, é a utilização da arquitectura, a qual sugere a natureza. A simulação artificial de uma montanha pela ideia da construção de terraços em jardim que promovem experiencias espaciais, criam uma atmosfera sobrelevada com um plano de fundo: a paisagem. Ilustração 50 – Desenhos diagramático da estratégia topográfica para o edifício dos jardins suspensos. (Ilustração nossa, 2013) Rui Alexandre Castanho Sequeira 81 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Ao que sabemos, as estruturas palatianas estão relacionadas com a definição de Jardins Suspensos e acredita-se que as plantações em terraços são a sua origem. Uma arquitectura completa e engenharia moderna eram as características que poderíamos encontrar nos Jardins Suspensos para alguns autores do período clássico.28 São os autores greco-latinos, mais concretamente nos finais do séc. XX, que mais acreditam da real existência passada destes Jardins Suspensos, considerando a possibilidade de terem existido num parque circunscrito onde actividades cinegéticas se misturavam com a criação botânica. Estes Jardins que se traduzem pelo exemplo mais antigo dos chabar Bagh persas ou jardins quádruplos. O jardim quadrangular tinha tem uma largura de 120 metros na actual medida de comprimento. As abóbadas obtêm a sua sustentação em pilares de forma cúbica. Esses pilares são ocos por dentro e para aguentar as árvores são preenchidos com terra, mas tanto os pilares como as arcadas e as abóbadas são construídos com tijolo e asfalto. É através de uma escadaria que se chega ao terraço superior. Ao longo dessa escadaria encontramos espirais hidráulicas cuja água era bombeada para o jardim. Este jardim fica sobre a margem do rio, que segue por entre a cidade. 29 28 O que eram os Jardins Suspensos? Ao que parece, esta designação estará relacionada com as estruturas palatinas. […] Aparentemente, a informação mais credível é a que provém de Beroso, que se refere às plantações em terraço, do tipo socalco, localizadas no palácio de Nabucodonosor e feitas pelo próprio. […] Para os autores clássicos, o que ali constituía um theama, ou algo digno de ser visto, era a arquitectura complexa e elaborada, as estruturas assentes em colunas, pilares e abóbadas, derivadas de uma engenharia sofisticada e complexa, que tinha ainda como factor suplementar a distribuição dos recursos hídricos do Eufrates pelos vários níveis sobrepostos. (Ferreira e Nazaré, 2009, p. 114) 29 O jardim possuiu uma forma quadrangular e cada lado tem uma largura de quadro pletros. Consiste em abóbadas sustentadas por arcadas, que assentam, uma apões a outra, em pilares de forma cúbica. Os pilares são ocos por dentro e foram preenchidos com terra, de modo que podem aguentar com as árvores mais frondosas; tanto os pilares, como as abóbadas e as arcadas estão construídos com tijolo cozido e asfalto. O acesso aos terraços superiores é feito através de uma escadaria, ao longo da qual se encontram dispostas espirais hidráulicas, por onde a água é continuamente bombeada para o jardim a partir do Eufrates, por acção das pessoas destacadas para essa função. Com efeito, o rio atravessa a cidade ao meio e tem a largura de um estádio; o jardim fica mesmo sobre a margem do rio. (Ferreira e Nazaré, 2009, p. 116) Rui Alexandre Castanho Sequeira 82 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem 6.2 AS NOVAS TOPOGRAFIAS UTÓPICAS E REALIZADAS: O EXEMPLO CINEMATOGRÁFICO DE METROPÓLIS E A OBRA ARQUITECTÓNICA DA FÁBRICA DA FIAT: LINGOTTO O caso de estudo apresentado anteriormente, os Jardins suspensos da Babilónia, apresentou-se como um exemplo, embora utópico, de como um edifício pode sugerir a criação de uma nova topografia. Por estarmos a falar de uma dimensão utópica referente à sugestão de uma topografia através da arquitectura, torna-se necessário para esta investigação introduzir as questões relacionadas com as novas topografias utópicas, traduzidas pelas vanguardas para a afirmação da cidade moderna. Neste caso de estudo que agora apresentarei, irei aprofundar esta ideia através de um outro momento da história da arquitectura, que tenta produzir esta mesma ideia. Com base naquilo que foi o movimento futurista da arquitectura, através do filme Metropólis e do edificio Lingotto da Fiat. O imaginário moderno, do qual se releva a capacidade de antecipação e noção causal do futuro, releva, na sua representação, a ambição da criação de suportes racionalizados na estruturação de cidade como organismo evolutivo de uma maneira objectiva, quantitativa e cientifica, dado a cidade, à data do período inicial do Século XIX e à luz de uma consciência crítica, ter perdido a capacidade auto generativa e de crescimento, e logo ser entendida nos moldes de estrutura clássica como rígida, finita, limitada e, consequentemente, condenada. (Marques, 2001, p.26) Desde a Idade Média até ao século XIX, as cidades seguiram este modelo aqui apresentado, no entanto se esse modelo se adequou a esse tipo de sistema, com a Revolução Industrial, houve uma mudança de paradigma tanto na sociedade como na cidade. As cidades, como resultante desta revolução, começaram a receber cada vez mais pessoas à procura principalmente de trabalho e de uma vida melhor. Sendo um sistema montado para servir os seus habitantes, esta não se encontrava preparada para receber esta alteração. Começaram a surgir os bairros operários onde os trabalhadores eram colocados em habitações sem qualquer tipo de preocupação em servir os seus moradores. Esta noção urbana poder-se-á considerar válida até ao Século XIX, período no qual factores como o acelerado incremento populacional e a gradual consolidação da Cidade Industrial vêm determinar uma série de aspectos que fazem emergir uma volta de face no modo de pensar qualitativa e quantitativamente, na organização da cidade. (Marques, 2001, p. 28) Rui Alexandre Castanho Sequeira 83 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Era então necessário haver uma alteração tanto no modo como se pensava cidade, como no modo que esta se deveria organizar, com fim à criação de um novo sistema que se adequasse ao que este novo paradigma exigia. Nova Iorque foi então a “escolhida” para dar resposta a este novo paradigma de entendimento da cidade moderna, situada no novo continente, que se apresentou-se como modelo comparativo à metrópole europeia. O sentido europeu, que em certa medida reage a esta modernidade “precoce”, como classifica Le Corbusier, enraíza-se na tradição Utopista que até à data viria fornecer um sem número de modelos teóricos à problemática e concepção de Cidade, e de algum modo nutrir o próprio imaginário urbano moderno. Passando pelas propostas Futuristas, que resumem em 1914. (Marques, 2001, p. 28) Propostas essas referentes ao “Manifesto por uma arquitectura Futurista” e desenhos da Cittá Nuova, destinados à Exposição dos arquitectos Lombardos que se realizou a 14 de Março de 1914 em Milão de António Sant’Elia30 (1888-1916), os quais traduziam um novo pensamento para responder a esta nova condição urbana vinda da modernidade. Começam então a surgir neste contexto cada vez mais propostas de soluções, ainda que utópicas para esta problemática urbana da cidade moderna, como é o caso da publicação nos Estados Unidos da América de Hugh Ferris31 “The Metropolis od Tomorrow”. Esta publicação tornou-se num marco pelo facto de recolher uma série de ilustrações de 1915, que se definia como uma sintese daquilo que era uma definição da modernidade urbana norte-americana e que, no fundo, se baseava num modelo vivo: Nova Iorque. 30 Antonio Sant'Elia foi um arquitecto italiano. Nascido na cidade de Como, Itália, esteve ligado ao Futurismo, sendo o seu principal arquitecto e divulgador, influenciado pelas idéias de Otto Wagner e pelas cidades industriais dos Estados Unidos. 31 Hugh Ferriss (1889 - 1962) foi um delineador americano (cria desenhos e esboços de edifícios) e arquitecto. De acordo com Daniel Okrent, Ferriss nunca projetou um único edifício notável, mas após sua morte um colega disse que ele influenciou a minha geração de arquitetos "mais do que qualquer outro homem. Ferriss também influenciou a cultura popular, por exemplo Gotham City (o cenário para Batman) e Capitão Sky de Kerry Conran e o Mundo de Amanhã. Rui Alexandre Castanho Sequeira 84 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Ilustração 51 – Desenhos relativos à nova arquitectura. (Ferris, 1986, p. 58-128) Estas propostas assumiam-se como novas topografias na cidade, topografias essas que era sugeridas pelos próprios edificios através do modelo: arranha-ceús. Os edificios tranformavam-se nas montanhas da cidade, que por sua vez eram organizadas em habitações, escritórios etc, como é possível perceber pelos desenhos de 1920 feitos por Hans Poelzig32. De qualquer dos exemplos acima citados emerge a nova problemática com que a modernidade se debate: a estruturação racional de espaço urbanos e a discussão de modelos verticalizados como suporte ao habitar, emergindo daqui a figura tipo arranhaCéus e a sua eleição como paradigma “redentor” da nova condição metropolitana. (Marques, 2001, p. 30) 32 Hans Poelzig foi um arquitecto alemão nascido em Berlim em 30 de Abril de 1864 e falecido na mesma cidade a 14 de Junho de 1936. Um dos principais expoentes da arquitectura expressionista no seu país. Rui Alexandre Castanho Sequeira 85 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Ilustração 52 – “Edifícios Montanha” desenhos de Hans Poelzig do seu artigo referente :”El hombre ya la tierra” (Marques, 2001) Apresentarei de seguida dois exemplos que se apresentam como respostas a este novo paradigma urbano: um da área do cinema num registo caricato da cidade moderna e outro da área de arquitectura. O cinema, desde os seus primórdios, oferece a sua própria visão das cidades tornando-se um dos melhores testemunhos da modernização urbana, acompanhando a própria génese de modernidade e difundindo a condição moderna que a urbanista tomara nos últimos decénios. A cidade moderna, aquando da formação da disciplina cinematográfica, é já um processo em pleno decurso, dando este último um reflexo sintomático, em paralelo, da sua génese e manifestação. (Marques, 2001, p. 50) O filme Metropolis de 1927 realizado por Fritz Lang é desenrolado numa cidade futurista onde não é possível perceber o exacto ano onde se passa o filme. Ao longo das décadas, muitos estudiosos e críticos de cinema tentaram localizar no tempo Metropolis, mas o ano onde se desenrola este filme é deixado em aberto. O que se torna necessário perceber para o contexto desta dissertação não se trata da história do filme, mas sim a atmosfera desta cidade futurista. Este filme torna-se, no fundo, numa sintese, embora caricata, dos conteúdos vanguardistas e dos temas centrais que envolvem a modernidade. Rui Alexandre Castanho Sequeira 86 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Ilustração 53 – Imagem promocional para o filme Metropolis. (Lang, 1927) Rui Alexandre Castanho Sequeira 87 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem A cidade é apresentada logo no início do filme num modelo de cidade moderno, através da verticalidade dos edificios construídos e a opressão de um horizonte coberto por estruturas futuristas. Percebe-se a existência da vontade de apresentar esta cidade fora da escala do Homem, num contexto urbano, como simbolo principal desta modernidade. Na década de 20 o cinema é, efectivamente, o grande arauto da modernidade às massas. É dentro da discussão que lhe é aberta que emergem temáticas relativas à disciplina espacial, muito antes do conceito de experiência de centralidade espacial ter sido adoptada como um dos temas centrais à discursividade teórica e prática pelo construído do Movimento Moderno, através das suas vanguardas. (Marques, 2001, p. 74) Esta cidade de Metropolis é composta por um complexo universo de edifícios modernos, estilo arranha-céus, que se ligam através de passagens aéreas constituídas por um denso trânsito e nos céus por aeroplanos, tal como meios de transporte que se adaptam a este universo futurista, onde os próprios céus são construídos. A materialização de um imaginário urbano assente, no entanto, sobre a experiencia do Real na abrangência visual que expõe. Se, por um lado, se recorre a uma cenografia ultra-racionalista, representativa de uma nova estética social, o substracto romântico da Cultura germânica faz representar-se também no oposto ao estereótipo modernista através dos lugares idílicos que se fazem revelar e que se prendem às noções evocativas de Tempo e de Memória referenciadas, as quais por sua vez, são também alegóricas a uma condição natural e ancestral do espaço. (Marques, 2001, p. 75) Ilustração 54 – Imagens capturadas do filme Metropolis que apresentam esta cidade futurista. (Lang, 1927) Rui Alexandre Castanho Sequeira 88 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Ilustração 55 – Imagens capturadas do filme Metropolis que apresentam esta cidade futurista. (Lang, 1927) Quem conhece a cidade de Nova Iorque, ao ver o filme de Fritz Lang, percebe a clara semelhança ou inspiração que esta cidade teve neste realizador para a criação da cidade que aparece no filme Metropolis. De facto, Lang assume essa inspiração quando em 1965 descreveu a sua primeira visita à cidade de Nova Iorque: as luzes e sombras, os edifícos, as próprias pessoas e como esta cidade serviu de mote para a criação de Metropolis: Metropolis, nasceu com a minha primeira visão dos arranha-céus de Nova Iorque em Outubro de 1924. Enquanto visitava Nova Iorque, eu pensei que era um cruzamento de múltiplas e confusas forças humanas, cegas e que se encontravam umas nas outras num desejo irresistível de explorar e sobreviver numa ansiedade perpétua. Passei um dia inteiro a passear pelas ruas. Os edifícios pareciam velas verticais, cintilantes e muito leves, um cenário luxuoso, suspenso no céu escuro para deslumbrar, distrair e hipnotizar. À noite, a cidade não dava apenas a impressão de vida: ela vive como as ilusões vivem. Eu sabia que devia fazer um filme sobre todas estas impressões. (Lang apud, Marques, 2001) Ilustração 56 – New York City – 1940 – 1950. (Feininger, 1940) Rui Alexandre Castanho Sequeira 89 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Um outro caso que é possível perceber esta procura e experimentação para dar resposta a este novo paradigma vindo pelo movimento moderno e pelas suas vanguardas, foi a do edificio da Fiat, Lingotto em Turim, Itália. Este edíficio, projectado pelo jovem arquitecto, na altura, Mattè Trucco, para uma enorme fábrica de automóveis da Fiat, entre 1916 e 1923, teve como destaque o seu terraço33. Ilustração 57 – A fábrica de automóveis e pista de corrida Lingotto da Fiat. (Truco, 1923) Este edifício estava organizado em cinco andares, de modo a ser possível dar manutenção às várias etapas que são necessárias para o apoio técnico dos automoveis.34 33 “[…]Depois de visitar a fábrica da Ford em Detroit em 1912, V.G. Agnelli começou a promover as produções de automóveis Taylorizadas em Itália. Através da alta militarização climática da Primeira Grande Guerra que lhe deu a chance de impor autoridade de uma produção em linha sobre cobertura da emergência nacional. Primeiro, a força laboral não resistiu a este passo mas os trabalhadores ocuparam subsequentemente esta fábrica destruída, a um ano da sua conclusão, reflecte a virulência com o qual os sindicatos resistiram à tirania da racionalização de Agnelli. Não obstante, os princípios de ordenado, a produção sequencial para que este edifício extraordinário foi projectado, ainda prevalecem hoje e isso, sem dúvida, vai de alguma forma explicar porque este vasto, de 5 andares, armado em loft industrial ainda está em uso. 34 “[…]Os cinco andares sao ordenados sequencialmente para fornecer manutenção e testes de motor, motor de usinagem e montagem do corpo, caixa de velocidades e do trabalho eléctrico, pulverização, estofamento, suspensão e direcção diferencial, produção e testes de camião. de forma cúbica. Os pilares são ocos por dentro e foram preenchidos com terra, de modo aguentar com as árvores mais frondosas; tanto os pilares, como as abóbadas e as arcadas estão construídos com tijolo cozido e asfalto. O acesso aos terraços superiores é feito através de uma escadaria, ao longo da qual se encontram dispostas espirais hidráulicas, por onde a água é continuamente bombeada para o jardim a partir do Eufrates, por acção das pessoas destacadas para essa função. Com efeito, o rio atravessa a cidade ao meio e tem a largura de um estádio; o jardim fica mesmo sobre a margem do rio. Rui Alexandre Castanho Sequeira 90 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Para o contexto desta investigação, o último piso, o piso de terraço, tem como função algo pouco usual para a cobertura de um edifício, uma pista de betão armado que servia tanto para corridas de automóveis como para aterragem de helicópteros. Ideias estas trazidas, como já referi, por um pensamento utópico, vindo das vanguardas e do movimento moderno, que constantemente punha em prática todas estas experiencias urbanas que se traduziam como novas topográficas para a cidade. Quaisquer que sejam as circunstâncias tecno-sociais em torno da sua elevação, este é um trabalho pioneiro na aplicação da construção em betão armado de uma fábrica industrial. De um ponto de vista estrutural, a inovação mais notável foram as rampas helicoidais de automóveis em que cada extremidade do bloco foi preparada por um sistema extremamente elegante de nervuras de betão armado, de um sistema que lembra os projectos teóricos de Baudot e parece antecipar as realizações posteriores de Pier Luigi Nervi, como sua fábrica de lã Gatti construída em Roma, em 1953. (Frampton e Futagawa, 1923, p. 195) Por outro lado, o aproveitamento desta cobertura em terraço com plano de fundo a paisagem da cidade de Turim, serviu de inspiração para mais tarde, em 1952, Corbusier utilizá-lo no seu bloco de habitação de Marselha. Esta última tem lugar ao ar livre, sobre o telhado, numa área de 1680 pés por 260 pés em que uma pista de betão armado foi fornecida. Nas extremidades da banca para essa faixa sobe cerca de 15 pés e esta activação do telhado, juntamente com a sua forma altamente escultural serviu para inspirar Le Corbusier na concepção do telhado para o bloco de apartamentos Unité, construído em Marselha em 1952. (Frampton e Futagawa, 1923, p. 195) Ilustração 58 – A pista de corrida para automóveis na cobertura do edifício. (Truco, 1923) Rui Alexandre Castanho Sequeira 91 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem 6.3 O PARTERRE: O EXEMPLO DOS JARDINS DO PALÁCIO DE VERSALHES Este caso de estudo apresentou-se como um caso importante por ser um outro modo de utilizar a ideia operativa de terraço. Tratou-se de um dos casos estruturadores do projecto individual, desenvolvido e apresentado no capítulo seguinte, devido à sua forte componente de querer criar um lugar, uma experiência espacial, dentro deste terraço. Esta obra, o Palácio de Versalhes, como é natural, dentro da lógica que aqui tenho vindo a seguir, não terá como foco o edifício e o seu interior, mas sim os espaços exteriores, num grande terraço em jardim que constroem a sua própria paisagem. Apresentarei muito sumariamente o contexto em que se insere este edifício e estes jardins no tempo e História. Ilustração 59 – Relação entre a faixada de Versalhes e os Jardins. (Benayas, 2012-2013) O Palácio de Versalhes, localizado a cerca de 18 quilómetros do centro de Paris, começou a ser construído em 1969 pelo arquitecto francês Le Vau, que se encarregou de desenhar o esquema para a fachada virada para o jardim. Contudo, pouco tempo depois Le Vau viria a falecer e, como tal, foi o arquitecto francês Jules HardouinMansart, sobrinho de um dos mais importantes arquitectos franceses da época: François Mansart quem ficou encarregue de acabar a obra. Em comparação ao Rui Alexandre Castanho Sequeira 92 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem projecto de Le Vau, este novo sofreu uma grande ampliação, de modo a conseguir acolher a casa real. A Fachada Jardim, que na intenção de Le Vau deveria ser a principal vista do Palácio, foi extraordinariamente prolongada, sem ter havido o cuidado de lhe modificar a composição arquitectónica. (Jason, 1986, p. 544) Este Palácio, mandado edificar pelo Rei Luís XIV, figura de destaque da monarquia absolutista francesa, teve como principal desejo a criação de interiores interiores luxuosos que fossem sinónimo do seu poder, como comprova seguinte citação: As características barrocas, ainda que não oficialmente reconhecidas, reapareceram no maior empreendimento do rei, o Palácio de Versalhes. A mudança correspondia ao gosto do próprio Luís XIV, menos interessado em teorias arquitectónicas e exteriores, monumentais que em interiores luxuosos que proporcionassem um quadro adequado a si próprio e à sua corte. (Jason, 1986, p. 543) Embora de suma importância, os espaços inferiores não são o objecto de estudo desta pesquisa, recaindo o interesse sobre os espaços exteriores deste edifício, os jardins. Os Jardins do Palácio de Versalhes, projectados pelo paisagista Barroco André Le Nôtre, constituem um marco neste edifício, percorrendo vários quilómetros a ocidente da Fachada correspondente ao Jardim. Esta situação não significa que o palácio e o jardim se apresentem como dois elementos distintos, mas sim na perspectivação do jardim como um prolongamento da arquitectura: À parte o seu magnificente interior, o aspecto mais fascinante de Versalhes é o parque que se estende por vários quilómetros a ocidente das Fachada do Jardim. O seu traçado, de André Le Nôtre (1613-1700), relaciona-se tão intimamente com o plano do palácio que se torna o prolongamento natural do espaço arquitectónico. (Jason, 1986, p. 543) Rui Alexandre Castanho Sequeira 93 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Ilustração 60 – Versalhes, Pierre Le Pautre – Planta dos jardins e parque de Versalhes. (Centeno e Freitas, 1991, p. 179) Rui Alexandre Castanho Sequeira 94 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem É importante referir, antes de desenvolver este caso de estudo, que a ideia conceptual de arquitectura na criação de um jardim, teve ao longo dos tempos uma evolução na sua leitura formal, como é possível verificar nos desenhos esquemáticos de Edward Wiebe em “The Paradise of Childhood”, 1896. Ilustração 61 – Desenhos diagramáticos referentes à evolução dos jardins de Edward Wiebe, 1896. (Brown, 2000, p. 12) Estes jardins, denominados pelo conceito francês: Parterre, são inseridos em terraços, pensados dentro de uma lógica geométrica composta por vários elementos que o constituem, como as flores, estátuas, lagos etc. Como o interior de Versalhes, estes jardins convencionais, com os seus terraços, tanques, sebes aparadas e estatuária, destinavam-se a proporcionar um cenário apropriado às aparições do rei em público. Formam uma série de “salas ao ar livre” para as esplêndidas festas e espectáculos de que Luís XIV tanto gostava. O espírito do Absolutismo é ainda mais evidente na regularidade geométrica imposta a uma região interna que no próprio palácio. (Jason, 1986, p. 553) Estes elementos inseridos em terraço, que de seguida irão ser desenvolvimentos, tornam-se, como é possível verificar pelas imagens, na própria construção da paisagem. Através da utilização de uma topografia plana, que nos dá a sensação de infinito, ou seja, uma perspectiva grandiosa sobre a paisagem, referente ao próprio jardim. De seguida, irei apresentar, os elementos mais importantes que definem e compõe este jardim, na sua sugestão de criar uma paisagem: Água, Estátuas e os Bosques. Rui Alexandre Castanho Sequeira 95 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Água O genial Le Nôtre foi exímio na arte de povoar os jardins de Versalhes, Chantilly e Meudon com incontáveis grutas, fontes, cascatas, lagos etc. (Centeno e Freitas, 1991, p. 172) Um dos elementos que se destaca nestes parterres tem a ver com a utilização da água. Através da criação de fontes, grutas, cascatas, lagos, etc. criavam-se momentos decorativos e muitas vezes cénicos que ajudam na tal configuração geométrica dos jardins. Por outro lado, o elemento “água”, naturalmente dentro da lógica da criação de um jardim, é indispensável pelas razões óbvias relacionadas com a rega e com o circuito de renovação de água. No entanto, neste jardim de Versalhes, não foi o que aconteceu, tornando a obra ainda mais dispendiosa. O caprichoso Luís XIV, ao impor a edificação do palácio de Versalhes num local onde a água escasseia, tornou inevitáveis as mencionadas dificuldades. Na verdade, qualquer artista jardineiro dos séculos XVIII e XVIII sabia que a proximidade de água era uma das mais importantes condições para a existência de um belo jardim; ou seja, era impensável localizar uma zona ajardinada num sítio sem cursos de água. (Centeno e Freitas, 1991, p. 172) Ilustração 62 – Montagem com base em fotos, referente aos lagos de Versalhes. (Benayas, 2012-2013) É interessante referir que, segundo Friedrich Fromman Verlag, para que um lugar reúna as condições necessárias para a criação de um jardim, este deverá deve possuir: uma orientação no sentido sul, este e oeste, para uma boa exposição solar ao mesmo tempo que abrigada dos ventos; terreno não muito húmido, seco, forte, leve ou areno; uma bela vista; zona de fácil acesso e situada junto a uma localidade; abundância de poços de água ou ribeiras. (Verlag, 1967, p.499) Rui Alexandre Castanho Sequeira 96 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Estatuaria O uso de estátuas e outros elementos em pedra em Versalhes ajudam igualmente à criação de uma atmosfera nestes espaços. Nestas esculturas estão presentes o gosto e a inspiração na mitologia greco-romana, no entanto é no uso das Balaustradas35 que irá ainda mais ajudar ao significado de riqueza e poder que o edifico já acarreta. Em Versalhes os lagos de Apolo e Latona, além das esculturas de Baco, Ceres, Flora ou o rapto de Proserpina, entre a infinidade de tantas outras esculturas e representações da mitologia greco-romana. (Centeno e Freitas, 1991. p. 176) Ilustração 63 – Estatuaria. (Benayas, 2012-2013) Estas Balaustradas eram um dos elementos que constituíram os chamados parterres de broderie, sendo uma das inovações da arte francesa da jardinagem de seiscentos. Tais parterres de broderie, eram sinónimo de riqueza por parte de quem os mandava cultivar, tornando-se significado de luxo e civilização. 35 BALAUSTRADA Parapeito constituído por fila de balaústres dispostos regularmente coroado de corrimão ou imposta. Usa-se como remate de uma construção, ou como anteparo de um vão, de uma varanda, de um balcão ou terraço. Rui Alexandre Castanho Sequeira 97 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Ilustração 64 – Desenho referente a um modelo de Balaustradas. (Bonifácio, 2002) Se por um lado, a construção destes parterres com estes vários elementos, como balaustradas, estátuas, fontes, lagos etc, requeriam custos elevados, por outro era igualmente feita uma plantação das mais variadas flores, espécies-florícolas, sugerindo que o parterre se parecesse-se com uma carpete de flores multicolor. 36 Ilustração 65 – Balaustradas e relação com a paisagem. (Google streetview, 2009) 36 “ (…) O uso das balaustradas nos parterres foi uma das inovações da arte francesa da jardinagem na centúria de seiscentos, ensaiada com êxito nos jardins de Liancourt, Reuil e do Luxemburgo. Estes novos parterres, denominados parterres de broderie, tornaram-se símbolos da riqueza daqueles que os mandavam cultivar ( aliás, os jardins dos séculos XVII e XVIII são, na opinião do redactor do artigo Jardins (Acts) I da Encyclopédie, sinónimo de luxo e civilização), e isto porque, para além dos custos elevados da parte construída ( balaustradas, estatuária, fontes, lagos, etc.), era requerida a plantação de uma enorme variedade de espécies-florícolas, de modo a que o parterre se assemelhasse a uma carpeta de flores multicolor, segundo expressão utilizada por Jacques Boyceau no Traité du jardinage. As quadras do parterre do Trianton de Versalhes são um bom exemplo da grande quantidade de diferentes tipos de flores e da magnificência dos arranjos florais que distinguem os parterres de broderie(…)” (Centeno e Freitas, 1991, p. 177) Rui Alexandre Castanho Sequeira 98 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Bosques Um dos outros elementos que ajudam a definir a paisagem destes parterres é o uso do Bosque. Sempre através de um geometrismo simétrico, estes bosques eram constituídos por outros elementos agrupados. Como é visível na seguinte citação de Lima de Freitas: Em França, nos meados do século XVIII, o jardim inglês teve alguma aceitação; os enciclopedistas elogiaram a concepção da natureza que lhe estava subjacente, e muitos deles, como por exemplo Montesquier, plantaram bosques frondosos nas imediações dos seus palácios. Ainda assim, os franceses jamais se desabituariam do geometrismo simétrico que tanto caracterizava a sua jardinagem, acabando por estruturar o bosque com sebes de buxo, alamedas, largos, lagos, bancos, colunas com vasos, estátuas, cascatas, grutas, pavilhões e, até, ciprestes (estas árvores também eram plantadas nos parterres para estabelecerem, tal como os demais ornamentos, o geometrismo das áreas ajardinadas. (Centeno e Freitas, 1991, p. 178) Os parterres não tinham como objectivo relações meramente visuais entre o edifício e entre os terraços, afirmando-se antes como o palco de momentos lúdicos aos cortesãos setecentistas. Uma das principais finalidades destes terraços em parterre era o recreio, proporcionando momentos de lazer com actividades lúdicas. Ilustração 66 – Imagem retirada do filme “Last Year at Marienbad”. (Resnais, 1961) Rui Alexandre Castanho Sequeira 99 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem A pintura rococó está, aliás, pejada de exemplos demonstrativos de que a maior utilidade dos jardins – diríamos, até, a sua principal finalidade -, era precisamente o recreio, e nós sabemos como este magistralmente retratado por Watteau nas Festas Venezianas e na maravilhosa tela de Fragonard conhecida por O Baloiço. (Centeno e Freitas, 1991, p. 182) Dentro destes bosques, e pegando nesta ideia do recreio, eram inseridos vários tipos de momentos proporcionados por diversos pequenos edifícios espalhados pelo jardim que ajudavam e criavam uma estruturação no jardim como: pavilhões, palcos para representação de peças teatrais, casas de ópera, labirintos de buxo37 ou grutas que albergavam complicados mecanismos accionados hidraulicamente. Estes são apenas alguns exemplos das inúmeras construções que eram feitas nestes jardins, tudo para possibilitar aos utilizadores dos palácios o máximo de diversão, ainda para mais quando eram grandes amantes daquilo que a natureza e do prazer que dava aos homens. Versalhes, neste aspecto, é mais uma vez o modelo que influenciou toda a Europa; nos seus bosques existem vários pavilhões (o Grande Trianon, o Petit Trianon, o Templo do Amor, a Casa de Verão, o Belvedere, a Casa da Ópera e a Casa da Rainha) e várias «salas» ao ar livre, como a Sala do Conselho (onde Luís XIV fazia reuniões com os seus conselheiros), a Sala de Baile (um redondel cercado por um anfiteatro ornado com colunas e vasos de flores), a Colunada (peristilo circular cujas arcadas estão decoradas com jogos infantis) e o Teatro de Água (um palco rodeado de cascatas, fontes e canais). (Centeno e Freitas, 1991, p. 182) 37 “[…] O labirinto do buxo, e o embrechado são também duas importantes edificações desta zona do parque que fica junto à ribeira do Jamor. No labirinto brincava-se às «escondidas» e à «cabra-cega» - na parede fronteira ao jardim do labirinto e junto à alameda que dá acesso ao pavilhão Robillion, hoje coberta por uma soberba buganvília, houve em tempos um fresco cujo tema era precisamente o jogo da «cabracega» -, duas diversões muito apreciadas no século XVIII, não só na corte de Queluz mas também nas estrangeiras, pois existem vários jardins seiscentistas e setecentistas que possuem labirintos de buxo para esse efeito, como é o caso, por exemplo, do de Versalhes ou de Aranjuez. […]”(Centeno e Freitas, 1991, p. 184) Rui Alexandre Castanho Sequeira 100 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Ilustração 67 – Obra de Étienne Allegrain referente à relação entre o Palácio de Versalhes e a Natureza proporcionada pelos seus jardins. (Million, 1999, p.298-299) Uma crítica a estes jardins, embora negativa, mas que ajuda a perceber a complexidade destas várias construções é a do historiador e arqueólogo Vilhena Barbosa. 38 38 «Eleva-se a cascata a grande altura, rematando em um pavilhão oitavado com três janelas e uma porta, todas de vidraças. No centro do pavilhão levanta-se, a um metro, ou pouco mais, do pavimento, um tanque de mármore, todo lavrado em delicadas esculturas, tendo em cada uma das faces um bom espaço aberto no mármore, e tapado com vidro, de modo que quem está sentado em qualquer dos assentos de veludo carmesi, que estão cortando os quatro ângulos da casa, vê os peixes multicores, que nadam e brincam dentro do tanque. Do meio deste ergue-se um lindo obelisco de mármore de cores, por onde sae água para o tanque. Das três janelas, principalmente da que se abre na frente da cascata, goza-se uma vista encantadora, que tem por primeiro plano o jardim e a quinta, depois o Tejo com os montes que lhe debruam a margem sul, além a serra da Arrábida, e depois, um pouco para a direita, o vulto sem fim do Oceano. A parte da entrada deia para um terrado, onde está o depósito de agua da cascata, e para a qual dão comunicação as duas galerias superiores.» (Barbosa, 1863, p. 379) Rui Alexandre Castanho Sequeira 101 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem 6.4 CENTRO CULTURAL DE BELÉM Esta obra contemporânea, projectada pelos Arquitectos Vittorio Gregotti e Manuel Salgado situada em Belém, Lisboa, teve uma grande referência como caso de estudo para o projecto individual de Projecto III, assim como para a abordagem do assunto desta dissertação. Este projecto será apresentado segundo uma visão muito específica e não na sua totalidade, visto não pretender desviar-me do assunto devido às inúmeras características que este edifício acarreta. Mais concretamente, pretendo incidir esta investigação nas estratégias levadas a cabo nos espaços de jardins em terraço que foram construídos no CCB, não deixando ainda de devidamente as contextualizar. Ilustração 68 – Centro Cultural de Belém – terraço sul. (Ilustração nossa, 2013) Vários foram os factores que motivaram a edificação do Centro Cultural de Belém no ano 1987. O primeiro deles tem a ver com a situação urbanística desta zona, uma vez que se tratava de uma extensa área abandonada na zona nobre da cidade constituída por depósitos de máquinas velhas, o que coincidia com a falta de um lugar onde se pudesse ser apresentada uma grande exposição internacional. À data, existia apenas a Fundação Calouste Gulbenkian, no entanto, esta não possuía as dimensões e as condições museológicas que uma exposição deste carácter acarreta. Acresce a tudo Rui Alexandre Castanho Sequeira 102 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem isto a necessidade de existir em Lisboa um grande espaço de depósito de documentos de carácter geográfico, geológico, científico e arqueológico. O Centro Cultural de Belém foi construído em curto prazo para que Portugal pudesse assegurar convenientemente o funcionamento da sua primeira presidência da Comunidade Europeia. Não era possível encontrar sitio mais adequado para a realizar. No enquadramento da Praça do Império, o Centro apresenta-a ao observador atento e delimita-a a poente com a solidez poderosa da forma de baluarte. (…) Nunca terá sido possível ter tudo isto ao alcance da mão para ser abrangido apenas num olhar reflectido, como acontece na Praça do Império, em Lisboa, em que se vislumbra o relacionamento do povo português com povos diferentes. A longa fachada dos Jerónimos voltada para a praça torna tudo presente e considerada no pormenor – das ornamentações densas do estilo manuelino, que vestem, aqui e ali, a nudez imensa do monumento – dá, num relance, a memória dos séculos portugueses antes dos descobrimentos e, para o homem de memória, dos oito séculos anteriores, isto é, de Portus Cale. (Gomes, 1993, p. 67) Em 1988 surgia um concurso lançado pela Associação Portuguesa de Arquitectos que visava uma intervenção para toda a zona ribeirinha de Lisboa, a qual incluía a reconversão do espaço onde se ergueria o futuro CCB. Esta zona possuía um grande carácter histórico, social e cultural, devido à presença de edifícios com um grande peso histórico, entre os quais o Mosteiro dos Jerónimos, um palácio seiscentista (que existia naquele local), a Torre de Belém e o jardim da Praça do Império ser uma zona junto ao Rio Tejo. No entanto, este edifício definiu-se como um sucesso na integração com esta envolvente. Portanto, antes de fazer desenhos já havia três ou quatro elementos que eram muito claros: não fazer um edifício mas um sistema urbano, ter uma relação com a geografia e com o Tejo, utilizar a pedra e fazer essa sequência, de um lado mais monumental do outro mais íntimo. (Gregotti apud Amorim, 2001, p. 63) O programa para este edifício definia a existência de cinco módulos funcionais, no entanto, só foram construídos três: o Centro de Exposições, o Centro de Reuniões e o Centro de Espectáculos. A nossa proposta assentou exactamente na ideia dos módulos. Aliás é muito curioso, no concurso internacional, houve um conjunto de 10 arquitectos estrangeiros, grandes nomes da arquitectura que foram convidados para fazer o concurso. O concurso era público, então qualquer outro arquitecto poderia se inscrever e concorrer. E o professor Rui Alexandre Castanho Sequeira 103 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Gregotti convidou-me para fazer equipa com ele, eu tinha feito o concurso da frente Ribeirinha, já conhecia o Gregotti desde 1974 e ele convidou-me para fazer equipa com ele. Mas a primeira fase, claramente foi o professor Gregotti que marcou o passo e que definiu o conceito. (Salgado, 2013, minuto 13:50) Esta intervenção, que incidiu nesta zona da cidade, apesar de estar inserida num cenário onde estavam presentes diversos edifícios de grande carácter histórico e cultural, iria alterar uma zona já de si frágil por ter sido deixada de parte sem qualquer tipo de valor ou ligação urbana. Para além de todas funcionalidades que tem enquanto equipamento cultural, o CCB tem ainda uma forte componente ligada a espaço público. Traz vivências urbanas de Lisboa nos percursos exteriores entre os módulos, lembrando as ruas estreitas de Lisboa, assim como as pequenas praças, núcleos que se vão descobrindo neste Centro. O projecto traduz, na sua imagem e no seu desenvolvimento, a função primeira, que é a de um grande Centro Cultural, integrando, de modo coerente, as outras múltiplas funções que dão ao complexo toda a dimensão de ambiente urbano, de vitalização e Ilustração – Relação das ruas com oAmorim, Rio Tejo e Margem (Ilustração nossa, 2013) valorização da 69 zona. (Duarte apud 1989, Sul. p. 68) Rui Alexandre Castanho Sequeira 104 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Ilustração 70 – Terraço Norte – Reflexo dos Jerónimos no espelho de água. (Ilustração nossa, 2013) Através de uma inspiração romana e neoclássica, pela valorização da natureza que se verifica no modo como foi feita a composição dos jardins existentes a Norte e Sul. O jardim a Norte se por um lado tem uma vista para a Rua de Bartolomeu Dias onde é possível ver a Fundação de Arte Moderna e Contemporânea, por outro, dali é possível avistar-se o Mosteiro dos Jerónimos, tanto ao longe, como reflectido num espelho de água existente neste terraço. Entre a Rua de Bartolomeu Dias e o copo lateral do Centro, no recanto com a torre do Grande Auditório, há um terraço ajardinado, com relvados e flores e um espelho de água. É visto das janelas e dos postigos abertos nas paredes que limitam, a sul e a poente, o espaço rectangular ocupado, onde se entra por uma porta de jardim. Este jardim é o elemento decorativo que sobressai na nudez maciça da construção, a jóia do pormenor, como Boitaca e Rodrigo Afonso cinzelaram paradigmaticamente na Ermida de São Jerónimo. Vittorio Gregotti e Manuel Salgado chamaram a Natureza a colaborar: Vegetação, água, luz, óptica, com os Jerónimos a reflectir-se no espelho de água do terraço. (Gomes, 1993, p. 66-67) Por outro lado, estes arquitectos tiveram a atenção da existência de um rio que está muito próximo da implantação deste edifício, o rio Tejo. Este rio, detentor de um grande carácter histórico e cultural, é marcadamente fulcral nesta área, pois foi de Belém que partiram as naus pra os Descobrimentos, episódio esse da nossa História que amplamente se reflecte neste edificio. A sua relação aparece nessas tais ruas perpendiculares e paralelas aos módulos do edifício que têm sempre como visão ao fundo, um enquadramento com o Rio Tejo, assim como na plataforma sobre elevada Rui Alexandre Castanho Sequeira 105 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem que tenta esconder o nosso olhar para a forte presença tanto da linha do comboio como das densas faixais de rodagem, direccionando-o para o Rio e para a Margem Sul, como um cenário. Ilustração 71 – Relação visual entre o Terraço Sul e os elementos da paisagem de Lisboa. (Ilustração nossa, 2013) Faz então um remate urbano, devido à relação que estabelece com aquilo que já existe nas suas direcções, norte, sul, nascente, fazendo com que esteja inserido física e visualmente na envolvente, definindo um lugar. Eu lembro-me a primeira visita que ele fez a Lisboa, que foi na véspera do 25 de abril e que fez a Lisboa, a propósito deste concurso, trazia um papelinho do tamanho de um bilhete do elétrico em que tinha marcado os módulos, módulos organizados, com ruas perpendiculares à encosta, para permitirem relações de vistas da encosta para o rio. Rui Alexandre Castanho Sequeira 106 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Tinha o esquema, desta plataforma sobre elevada que permite, de alguma maneira, reduzir o impacto da linha do comboio e da estrada. (Salgado, 2013, minuto 14:30) Rui Alexandre Castanho Sequeira 107 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem 6.5 CONCLUSÃO CASOS DE ESTUDO Os casos de estudo tiveram a mesma base de estruturação na sua relação com o assunto desta dissertação. Nos quatro projectos apresentados, aqui, só interessou apresentá-los na óptica desta investigação. A escolha destes casos de estudo deveuse ao facto de cada um deles apresentar tipos de estratégias diferentes através de um mesmo modo: em terraço. É claro que todos os terraços têm como objectivo principal a relação com a paisagem. Foi percebido que, embora surja com um caso utópico, os Jardins Suspensos da Babilónia sugeriam a utilização do terraço como gerador de um edifício que tentaria definir uma topografia, criando a ilusão de uma falsa montanha. As novas topografias utópicas e realizadas foram uma resposta ao novo paradigma urbano modernista trazido pelas vanguardas. Tanto a atmosfera dos “céus construídos” na obra cinematográfica de Metropólis, como do terraço com a função de pista de corrida para os automóveis na obra arquitectónica da fábrica da Fiat de Lingotto, assumiam-se como propostas às novas topografias na cidade. Topografias essas que era sugeridas pelos próprios edifícios através do modelo: arranha-céus e transformavam-se nas montanhas da cidade. Por outro lado, no caso referente ao Parterre de Versalhes, a paisagem é construída no próprio terraço através da criação destes jardins, constituídos por diversos elementos organizados geometricamente que ajudam a criar uma atmosfera dentro destes terraços. Por último, o caso do Centro Cultural de Belém acabou por se traduzir num exemplo de como através da criação de um terraço se pode tentar resolver o impacto que os sistemas ferro e rodoviário têm na paisagem de uma cidade, escondendo esses sistemas e relacionando o edifício com o rio Tejo e com a Margem Sul. Rui Alexandre Castanho Sequeira 108 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem 7. PROPOSTA DO ANO LECTIVO A proposta lançada no ano lectivo 2011/1012 no âmbito da disciplina de Projecto III do 5ºano de Arquitectura iniciou-se a partir de uma primeira fase, a de trabalho de grupo, que deu lugar à proposta individual que aqui tenho vindo a desenvolver. Tanto a primeira como a segunda fase deste trabalho do ano sempre se basearam nos temas desta cadeira: “ A cidade como paisagem” e o “espaço público”. Começarei pelo levantamento do referencial de situação, a apresentação do Sítio, que foi principalmente realizado em grupo e que tendeu à identificação de um problema existente em Alcântara. Após esta apresentação, irei abordar concretamente aquilo que foi o caso prático desta dissertação, o projecto individual realizado por mim. Este projecto não será apresentado pormenorizadamente, mas sim pela sua relação e ideias-bases que deram origem ao tema desta dissertação. 7.1 APRESENTAÇÃO DE ALCÂNTARA SEGUNDO UM PROBLEMA Alcântara, freguesia pertencente ao concelho de Lisboa , foi o sitio escolhido para o desenvolvimento deste projecto. O projecto individual teve início num trabalho de grupo que incidiu na leitura de Alcântara segundo a identificação de um problema existente. O problema identificado teve a ver com o facto de desde o aparecimento dos sistemas rodoviários e ferroviários na paisagem de Lisboa, a evolução da frente Ribeirinha de Lisboa ter sido influenciada por estes sistemas. Esta evolução deu-se sobretudo a partir da época em que a Revolução Industrial se expandiu até Portugal e, nesta zona ribeirinha em particular, tal se deve à importância do Tejo e do seu porto marítimo, o qual dá à cidade uma ligação ao mundo. Rui Alexandre Castanho Sequeira 109 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Estes sistemas geraram, com o avançar dos anos, limites arquitectónicos de difícil passagem para as pessoas, culminando numa débil articulação entre a zona junto ao rio Tejo e a cidade de Lisboa. Ilustração 72 – Montagem a várias horas do dia dos sistemas Ferroviárias e Rodoviários em Alcântara e Algés. (Ilustração nossa, 2011) Geraram-se áreas abandonadas, muito ligadas à indústria e muito pouco ligadas ao potencial, às relações e às vivências espaciais que o Rio Tejo tem para oferecer. Rui Alexandre Castanho Sequeira 110 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem 6 Imagens, 6 palavras Rio "O Tejo é o único testemunho da nossa vida, mais que a cidade" (Lisbon Story, 1994). O rio, sendo um elemento tão importante para a cidade de Lisboa, a qual nasceu e desenvolveu-se devido ao seu contacto com o mundo através do porto, não é devidamente apreciado enquanto parte estruturante da cidade. “ […]a noção de água não é tão clara, pois é apagada por muitas estruturas e pelo afastamento das actividades diárias […]” (Lynch, 1982, p. 45). Em Alcântara nem a ligação visual com o rio está presente, devido às unidades industriais aí localizadas e, por isso, o rio enquadra-se como um elemento forte pela utilização do porto, no entanto revela-se como sendo um elemento desligado do espaço urbano de Alcântara. Limite Os limites são elementos lineares não usados nem considerados pelos habitantes como vias. São as fronteiras entre duas partes, interrupções lineares na continuidade, costas marítimas ou fluviais, cortes do caminho-de-ferro, paredes, locais de desenvolvimentos… podem ser barreiras mais ou menos penetráveis que mantêm uma região isolada das outras, podem ser «costuras», linhas ao longo das quais regiões se relacionam e encontram. (Lynch, 1982, p. 56) A linha do comboio impõe limites em Alcântara, fazendo com que a presença do limite manipule a extensão da cidade até ao rio e transformando-se em limites arquitectónicos que não permitem a relação entre ambos. Transição Em Alcântara existe uma estreita relação entre o edificado e a sua natureza industrial dos dois lados das vias, fazendo com que, apesar dessa relação, Alcântara se torne numa zona de transição entre Lisboa e o Rio, marcada pelas vias ferro e rodoviárias que antecedem a chegada à zona fluvial. Muito embora não possua uma identidade interessante que possa criar vivências espaciais, existe uma “[…] identidade, mas não no sentido de igualdade com outra coisa qualquer, significando individualidade ou particularidade. […]” (Ascher, 2010, p. 45) Rui Alexandre Castanho Sequeira 111 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Ilustração 73 – Rio (Ilustração nossa, 2011) Ilustração 74 – Desenho diagramático referente à relação ente Lisboa e o Rio Tejo. (Ilustração nossa, 2011) Ilustração 75 – Limites. (Ilustração nossa, 2011) Ilustração 76 – Desenho diagramático referente à ideia de Limite em Alcântara. (Ilustração nossa, 2011) Ilustração 77 – Transição. (Ilustração nossa, 2011) Ilustração 78 – Desenho diagramático referente à transição entre espaços em Alcântara. (Ilustração nossa, 2011) Rui Alexandre Castanho Sequeira 112 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Escala “[…] Escala não é dimensão, mas sim a dimensão que um edifício reivindica, implicitamente, aos nossos olhos. […]” (Cullen, 1990, p. 23) Em Alcântara, a escala énos apresentada de um modo um pouco descontrolada devido ao facto destes edificios não seguirem uma mesma lógica de escala que os relacione. Ruptura A falta de continuidade provocada pelos limites arquitectónicos, sem a preocupação de servir a cidade, fazem com que elementos-chaves, como o rio Tejo ou a ponte 25 de Abril, percam igualmente interesse na relação com Alcântara. Os constantes momentos de ruptura provocam uma fraca ligação entre alguns lugares existentes, já para não falar novamente das próprias vias ferro e rodoviárias. Fluxos Os fluxos, ao “chocarem” com a linha do comboio, distribuem-se ao longo dessa barreira, mas não a atravessam. Pela intensidade, estes tornam-se também barreiras na livre circulação, “[…]uma auto-estrada pode ser uma artéria de comunicação para o motorista e um limite para o peão. […]” (Lynch, 1982, p. 74). Rui Alexandre Castanho Sequeira 113 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Ilustração 79 – Escala. (Ilustração nossa, 2011) Ilustração 80 – Desenho diagramático referente à relação ente a escala dos vários edifícios em Alcântara. (Ilustração nossa, 2011) Ilustração 81 – Ruptura. (Ilustração nossa, 2011) Ilustração 82 – Desenho diagramático referente aos momentos bruscos de Ruptura em Alcântara. (Ilustração nossa, 2011) Ilustração 83 – Fluxos. (Ilustração nossa, 2011) Ilustração 84 – Desenho diagramático referente aos Fluxos em Alcântara. (Ilustração nossa, 2011) Rui Alexandre Castanho Sequeira 114 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem 7.2 APRESENTAÇÃO DO OBJECTIVO PARA ALCÂNTARA No que diz respeito ao projecto de Alcântara, apercebi-me de que estava a lidar com uma realidade mineral, densa e sólida, levando-me a assimilar o tipo de estereotomia a ser carregado pelo meu projecto. A área de intervenção em Alcântara que englobou o estudo do Quartel da Marinha de Alcântara, conhecido como 31 da Armada, possui uma carga cultural pelas diversas malhas, ruas e edifícios culturais como o Museu do Oriente ou o Palácio das Necessidades. Para além disso, esta área é também marcada pela densa avenida 24 de Julho e pela linha de comboio, que como já referido, fazem com que este lado de Alcântara, Lisboa, esteja “desligado” de relação com o Rio Tejo. Ilustração 85 – Desenho diagramático do objectivo de relacionar Lisboa como Rio Tejo através da ideia operativa: Terraço. (Ilustração nossa, 2012) Rui Alexandre Castanho Sequeira 115 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem É com estes elementos obtidos num levantamento que me ocorre a ideia de criar um grande terraço que se por um lado, vai articular todo o espaço do 31 da Armada com as ruas existentes, vai igualmente articular visualmente o Rio Tejo com Lisboa. Este é, de facto, o objectivo do meu projecto: criar um espaço público que se desenvolve e vive num terraço, relacionando-se com os diversos elementos físicos que marcam a paisagem de Lisboa. Ilustração 86 – Os vários elementos que compõem a paisagem de Alcântara na vista a partir do terraço proposto. (Ilustração nossa, 2012) Rui Alexandre Castanho Sequeira 116 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Ilustração 87 – Desenho referente ao objectivo do projecto: Relacionar visualmente o terraço proposto com vários elementos de Lisboa e com o Rio Tejo. (Ilustração nossa, 2012) Quando se começa a desenhar este terraço, cobertura do edifício com um programa destinado a um Centro de Artes e Cinema, percebe-se que existem vários elementos da paisagem que ganham destaque - por outras palavras, que “espreitam” para este terraço. A chaminé da antiga Fábrica São Pedro de Alcântara, a torre pertencente ao Palácio das Necessidades de Lisboa, o Museu Fundação Oriente, Quartel da Marinha em Alcântara e a Ponte 25 de Abril, assumiram-se como elementos de escala que espreitavam para o terraço proposto. É através desta questão, e da pesquisa sobre o Tema de Terraço em diversos projectos Como o do Palácio Chaillot de Paris, França, ou o do Palácio de Versalhes em França, que nasce a ideia de criar igualmente um elemento que se assume na paisagem, que se relaciona com todos os outros referidos e que explora as ideias referentes ao “Aqui e ao Além”, um cubo sobre o Terraço. Ilustração 88 – Atmosfera da vivência no terraço proposto. (Ilustração nossa, 2012) Rui Alexandre Castanho Sequeira 117 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Ilustração 89 – Planta de implantação referente ao terraço proposto. (Ilustração nossa, 2012) Ilustração 90 – Corte explicativo da relação do terraço tanto com o resto do projecto como com a paisagem. (Ilustração nossa, 2012) Este cubo vai assumir-se em termos programáticos do projecto como o elemento gerador do programa do edifício. Um espaço alto e com uma vivência com grande Rui Alexandre Castanho Sequeira 118 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem influência no projecto de Louis Kahn, a Biblioteca de Exeter de 1972, espaço este que vai ser destinado à Escola de Artes e Cinema que proponho. Ilustração 91 – Atmosfera do projecto individual proposto. (Ilustração nossa, 2012) 7.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS DA PROPOSTA DO ANO LECTIVO A proposta individual teve como objectivo tornar-se num caso prático, tendo como suporte a investigação deste tema. Experimentou-se e questionou-se, de um modo prático, as questões inerentes à ideia operativa na criação de um Terraço em Alcântara. Este projecto individual, tendo como uma primeira fase um trabalho em grupo, tentou quebrar, mesmo que apenas visualmente, o impacto que os sistemas ferro e rodoviários têm nesta zona de Lisboa. Através do modo como esta plataforma se eleva e se relaciona com outros elementos mais destacantes desta paisagem, como a ponte 25 de Abril, o Rio Tejo, o Museu do Oriente, aqui se criou um espaço público que possui como pano de fundo todos estes elementos de Lisboa, tudo isto no âmbito de uma relação temporal vivenciável. Rui Alexandre Castanho Sequeira 119 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem Rui Alexandre Castanho Sequeira 120 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem 8. CONCLUSÃO Nesta dissertação procurei basear-me em ideias fundamentadas em casos, dentro deste tema: espaços acima do nível. Se, por um lado, tentei apresentar e abordar os vários elementos e aspectos associados ao modo como os espaços acima do nível proporcionam uma relação com a paisagem, por outro, percebeu-se que muitas vezes estes espaços estão associados a percursos, momentos estrategicamente montados na cidade, para tornarem a experiência de descoberta e surpresa verdadeiramente recompensadora. Orientada pela pergunta feita anteriormente no início deste estudo: Poderão os terraços, enquanto espaços elevados em edifícios singulares, equivaler-se aos miradouros, na relação com a paisagem urbana? Concluímos: Face ao estudo efectuado, a resposta que se impõe é afirmativa. Conseguiu-se perceber que, tanto o terraço como o miradouro, nascem de um mesmo pensamento, de uma igual vontade de proporcionar uma qualquer experiência espacial, relacionada com o olhar sobre a paisagem. Nestes espaços, é evidente a sua relação com aquilo que os rodeia. Essa interligação, incorpora uma vivência com os edifícios ou objectos urbanos, criando no observador a experiência de privilégio e de domínio. O miradouro apresenta-se como um espaço público de carácter urbano, criado estrategicamente em locais da cidade que se “projectam” para a paisagem, mas sem porta que possa sugerir a falsa passagem, de espaço público a espaço privado, tãosomente um espaço de eleição. O terraço sendo um espaço que se localiza na cobertura de um edifício, é comum a sua utilização ser de carácter privado. No entanto, e com base naquilo que se procurou fundamentar destacou-se com principal foque a tipologia de praça-terraço que assume um carácter de uso público. Assim sendo, o terraço complementa o miradouro. Com a investigação ficou assente que estes dois factos arquitectónicos são elementos de extrema importância em contexto urbano. O Homem, como ser complexo, precisa de momentos de pausa que lhe permitam reflectir e contemplar tanto o mundo exterior como o seu próprio mundo. A arquitectura através destas duas tipologias deverá estar preparada para servir estas necessidades e deste modo através deste estudo pode-se Rui Alexandre Castanho Sequeira 121 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem afirmar que esta proposta de tipologia – praça-terraço, responde a uma questão contemporânea da arquitectura da cidade. Rui Alexandre Castanho Sequeira 122 O terraço como exemplo de edifício definidor de uma topografia e de relação com a paisagem REFERÊNCIAS ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA (2001) - Dicionário da Língua Portuguesa contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa. Lisboa : Academia das Ciências de Lisboa : Editorial Verbo. ALBRECHT, Benno ; BENEVOLO, Leonardo (2002) – As origens da arquitectura. Lisboa: Edições 70. 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