O USO DE ESPAÇOS DE TRANSIÇÃO COMO ESTRATÉGIA À ARQUITETURA SUSTENTÁVEL DAVID, Priscila L (1); RIOLI, Thyssie O. (2); FONTES, Maria S.G. Fontes (3). (1) Arquiteta e Urbanista, Mestranda pelo Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAAC-UNESP. [email protected] (2) Arquiteta e Urbanista, Mestranda pelo Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAAC-UNESP. [email protected] (3) Arquiteta e Urbanista, Doutora em Ciências da Engenharia Ambiental pela EESCUSP, com Pós Doutorado em Conforto Térmico Urbano pela Universidade de Bath, Docente do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAACUNESP. [email protected] RESUMO A questão da conscientização ambiental tem se solidificado ao longo das últimas décadas, mobilizando a sociedade na busca por um modelo de desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, a Arquitetura Sustentável vem em resposta à atividade que mais consome recursos e energia no planeta: a construção civil. A Arquitetura Sustentável adota soluções menos agressivas ao sítio, possibilitando a redução e a otimização dos recursos utilizados durante todo o ciclo de vida do edifício. Esse artigo discute a importância do uso do espaço de transição como estratégia à Arquitetura Sustentável. Este tipo de ambiente é caracterizado por ser um intermediário entre o interior e o exterior do edifício, sendo influenciado pelo ambiente de ambos esses espaços. Desempenha ainda um importante funcional ao contribuir para os aspectos social, econômico, ambiental e estético do edifício, além do significativo valor histórico para a Arquitetura Brasileira. Palavras-chave: Arquitetura Sustentável; Espaços de Transição; Arquitetura Brasileira. ABSTRACT The issue of environmental awareness has strengthened over the past few decades, mobilizing society towards sustainable development. In this sense, Sustainable Architecture comes in response to the activity which consumes more energy and resources on the planet: construction. Sustainable Architecture adopts less aggressive solutions to the site, enabling the reduction and optimization of resources used during the lifecycle of the building. This paper discusses the importance of using transitional space as a tool for Sustainable Architecture. This type of space is characterized as an intermediation between the indoor and outdoor spaces of the building, influenced by the environment of both spaces. It also play an important functional role, as it contributes towards social, economic, environmental and aesthetics aspects of the building. Besides this, the transition spaces have significant historical value in Brazilian architecture. Keywords: Sustainable Architecture; Transitional Spaces; Brazilian Architecture. 1. INTRODUÇÃO Ao longo de toda a história do homem, foram vistas iniciativas isoladas de preservação ambiental. No entanto, foi a partir da década de 70, em meio à crise do petróleo, que surgiu um movimento de conscientização ambiental, com a percepção dos limites dos recursos do planeta e a preocupação com as futuras gerações (KAZAZIAN, 2005). Dessa forma, com o passar do tempo, o conhecimento acerca do atual modelo de desenvolvimento e, consequentemente, o movimento de conscientização ambiental, cresceram, tornando-se mais sólidos. As questões ambientais chegaram à população em geral, provocando discussão em diversos setores da atividade humana. Isso ocorreu principalmente nos setores que provocam impactos diretos na natureza, exigindo posicionamento do Estado e da Indústria. Assim, diversos setores da sociedade se mobilizaram para implantar políticas de direcionamento das ações do homem sobre o meio natural, visando à manutenção do equilíbrio da natureza, à preservação da biodiversidade e à equitativa distribuição dos benefícios entre os indivíduos (SECOVI; CBCS, 2011). Na construção civil, o setor da atividade humana que mais consome recursos naturais e energia no planeta, chegando a 40% do total utilizado pela sociedade (JOHN, 2000), a resposta chegou de forma lenta. Apenas nos últimos anos os princípios da Arquitetura Sustentável ganharam força, chamando atenção para soluções menos agressivas ao sítio, que possibilitem a redução e otimização do consumo de materiais e energia. Nesse contexto, é fundamental o uso de ferramentas que garantam que o ciclo de vida do edifício, indo desde sua construção, passando pela operação até a demolição, impactem minimamente o meio natural. Dentre as ferramentas disponíveis, o uso do espaço de transição tem se mostrado muito válido, já que atua para o aumento da eficiência energética do edifício e do conforto do usuário, atuando nos três pilares para a sustentabilidade (social, ambiental e econômico). Soma-se a isso seu valor histórico, já que no Brasil, a varanda, um tipo de espaço de transição, está presente na arquitetura desde o período colonial. 2. CONSIDERAÇÕES SOBRE A ARQUITETURA SUSTENTÁVEL Ainda que comumente associado à questão ambiental, o conceito de sustentabilidade tem diversas abordagens. No entanto, a mais comum é a ideia da sustentabilidade baseada em 3 princípios, que constituem o “tripé da sustentabilidade”, que incluem o viés social, ambiental e econômico, todos agindo de forma equilibrada. O assunto é abordado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1991) que defende a sustentabilidade como “satisfazer as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades.” Assim, uma construção sustentável é aquela cuja produção e utilização promova um resultado socialmente justo, ambientalmente correto e economicamente viável. Kim e Rigdon (1998) estabelecem um guia para a arquitetura sustentável a partir de três princípios: a economia de recursos, o design para o ciclo de vida e o design humano. O princípio da economia de recursos sugere estratégias para a conservação de energia, água e materiais a partir de, por exemplo, o reuso de águas cinza. Já o principio do design para o ciclo de vida sugere estratégias para as 3 fases de vida do edifício: pré-construção, construção e pós-construção, com o uso de por exemplo, materiais renováveis e de pouca manutenção. Por último, o princípio do design humano, estabelece diretrizes para a preservação das condições do sítio, para o planejamento urbano regional e para o conforto do homem. Nesse item, pode-se destacar o uso de materiais não tóxicos e estratégias para o conforto térmico, acústico e lumínico. Assim, o arquiteto se torna um dos principais agentes na busca pela construção sustentável, já que é o responsável em adotar as soluções adequadas. Barnett e Browning (1995) elaboraram uma checklist com critérios que uma construção deve seguir para ser considerada sustentável, visando facilitar o trabalho dos arquitetos: • Fazer um uso apropriado do sítio; • Uso de água, energia, materiais de construção e outros recursos eficientemente; • Aumento da saúde e conforto humano; • Fortalecer a economia e comunidades locais; • Conservar a biodiversidade natural. As ferramentas desenvolvidas pelos pesquisadores formam um guia importante para os profissionais da área. Dentre elas, o uso de espaços de transição vem sendo bastante estudado (JITKHAJORNWANISH; PITTS, 2002; CHUN et al., 2004; CHUN; TAMURA, 2005; NASCIMENTO; LABAKI, 2005; PITTS; SALEH, 2007; HWANG et al. 2008; SKULBS, 2009), dada suas características de conforto e eficiência energética. 3. ESPAÇO DE TRANSIÇÃO COMO ESTRATÉGIA À ARQUITETURA SUSTENTÁVEL Espaços de transição são definidos por Chun et al. (2004) como espaços arquitetônicos que intermedeiam espaços internos e externos do edifício, sendo considerados uma de suas áreas mais importantes. Isso porque influenciam nas sensações e percepções da arquitetura pelo usuário e têm papel fundamental para circulação, estética e meio ambiente (PITTS; SALEH, 2007). Além disso, esse tipo de espaço desempenha forte função social, sendo considerado um vão ampliado da porta, ou seja, um prolongamento da barreira interior/exterior, que age de maneira mais branda, e acaba se tornando um local de convívio muito importante para as interações sociais, sendo acessível aos usuários de ambos os locais que intermedeia e propiciando diversas atividades como uma despedida de negociantes, o encontro de fumantes, ou um lugar de espera e conversa entre amigos (UNWIN, 2010). Seu microclima é um misto de ambos os espaços adjacentes, sujeitando seus usuários a efeitos de instabilidade climática, já que não possuem sistemas artificiais de controle das variáveis ambientais. Como os usuários desses espaços não têm expectativas de encontrar temperaturas frescas, como em um edifício de escritório, se torna dispensável o controle de temperatura, o que evita gastos energéticos com o condicionamento de ar, contribuindo para a sustentabilidade do edifício. Além disso, os usuários tem a ciência de que se trata de um espaço tipicamente de passagem, usado para encontros e despedidas, e o microclima, mesmo que apresente temperaturas mais elevadas, é considerado confortável. Nos casos em que há condicionamento do ar nos espaços de transição, esses podem apresentar elevado consumo de energia, e em situações extremas, se assemelhar ao consumo de todo o restante do edifício, deixando de ser uma estratégia sustentável. Isso ocorre porque demandam grande quantidade de energia para manter a temperatura, sobrecarregando o sistema de condicionamento de ar (PITTS; SALEH, 2007). Dessa maneira, para que o espaço de transição atue em diálogo com a sustentabilidade, este deve ter seus atributos físicos projetados de acordo com o clima local e as intenções do arquiteto (CHUN et al., 2004), possibilitando a criação de um espaço de qualidade muito útil ao cotidiano do edifício. Isso ocorre devido ao comportamento térmico do espaço de transição variar de acordo com sua tipologia e características arquitetônicas - materiais, orientação solar, presença de água e vegetação. A partir da associação desses elementos é possível proporcionar um espaço de microclima agradável ao usuário. As tipologias dos espaços de transição foram classificados em 3 tipos por Chun et al. (2004), considerando basicamente a relação que esses espaços possuem com o ambiente interno, como pode ser visto na figura 1. Tipo 1 Tipo 2 Tipo 3 Figura 1 – Tipologias de espaços de transição. Fonte: Chun et al. (2004) O tipo 1, um espaço contido dentro de um edifício, como um lobby ou hall de entrada, apresenta uma mescla das condições climáticas internas e externas ao edifício, sofrendo mudanças conforme a entrada e saída de usuários. Já o tipo 2, um espaço anexo ao edifício, ou seja, espaço coberto conectado ao edifício, como corredores e varandas, mostra condições climáticas que sofrem maiores influências pelo clima externo. Finalmente o tipo 3, um espaço essencialmente externo, como pergolados, quiosques e pontos de ônibus, apresenta condições climáticas quase idênticas ao clima externo. Na figura 2 é possível ver um exemplo de espaço de transição do tipo lobby e na figura 3, um espaço avarandado. Figura 2 – Espaço de transição do tipo lobby na UNESP – Bauru. Figura 3 – Espaço de transição do tipo varanda na UNESP – Bauru. Assim, em climas extremos como no Brasil, é indicado o uso de tipologias avarandadas, favorecendo os aspectos da sustentabilidade e ainda possibilitando uso efetivo em todos os períodos do dia, inclusive como espaço de permanência. A tipologia avarandada de espaço de transição tem grande tradição e valor histórico na arquitetura brasileira (BRANDÃO; MARTINS, 2008). É um elemento que funciona como um recurso para proporcionar conforto térmico, acústico e lumínico ao usuário da edificação. Ela atua como um sistema de sombreamento que possibilita a oferta adequada de iluminação e ventilação, protegendo o edifício da incidência solar direta, dos ventos e das chuvas, ajudando assim na conservação e aumentando de sua vida útil. Isso diminui a necessidade de soluções artificiais de iluminação e de condicionamento que aumentam o consumo de energia e prolonga a vida útil do edifício. Portanto, quando o projeto e os materiais construtivos são usados de forma adequada ao local, o espaço de transição atua como um elemento de adequação climática, colaborando para a eficiência energética da edificação, uma vez que atua como um filtro a incidência solar direta e ventos fortes e diminui as perdas de energia ao longo do dia. Esse tipo de ambiente atua ainda como um recurso ao conforto térmico do usuário, contribuindo principalmente para a diminuição do choque térmico do usuário no percurso interno/externo e externo/interno, já que seu desempenho climático é uma gradação entre ambos. No entanto, o uso de um material incorreto como uma estrutura metálica com cobertura de polietileno em um espaço de transição pode prejudicar suas funções. Esse fato foi constatado em pesquisa realizada por Skulbs (2009) em um espaço de transição da ESALQ em Piracicaba - SP. Nesse caso, houve uso do espaço apenas durante as primeiras horas da manhã, no entanto, no decorrer do dia, seu desempenho térmico ineficiente, com altas temperaturas, impede que o usuário utilize o espaço para convivência, se restringindo apenas a espaço de circulação entre os edifícios. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS O uso do espaço de transição se mostra uma importante estratégia quando se trata de uma proposta de construção sustentável, principalmente se situada em clima quente como o Brasil. Seu uso pode contribuir para o papel ambiental, social e econômico do edifício, a partir do aumento de sua eficiência energética, prolongamento de sua vida útil e geração um importante espaço de convivência com condições de conforto agradável ao usuário. No entanto, é necessário maior incentivo à sua aplicação, principalmente nas Escolas de Arquitetura do país. É fundamental a retomada de conceitos da arquitetura vernacular e colonial brasileira, que construíram ao longo da história uma arquitetura adequada ao clima, que não dependia de dispositivos elétricos para adaptação do usuário. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS KAZAZIAN, T. Design e Desenvolvimento Sustentável: Haverá a idade das coisas leves. São Paulo: SENAC, 2005. SECOVI; CBCS. Condutas de Sustentabilidade no Setor Imobiliário Residencial. São Paulo, 2011. Disponível em <http://www.cbcs.org.br/_5dotSystem/userFiles/Projeto/CBCS_Secovi_Condutas_Sust entabilidade.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2014. JOHN, V.M. Reciclagem de resíduos na construção civil: contribuição à metodologia de pesquisa e desenvolvimento. São Paulo, 2000. 102p. Tese (livre docência) – Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, 2000. KIM, J-J.; RIGDON. Introduction to Sustainable Design. Ann Arbor: University of Michigan, 1998. Disponível em: <http://www.umich.edu/~nppcpub/resources/compendia/architecture.html>. Acesso em: 21 dez. 2011. COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1991. BARNETT, D. L.; BROWNING, W. D. A primer on sustainable building. Rocky Mountain Institute, 1995. JITKHAJORNWANICH, K.; PITTS, A. Interpretation of thermal responses of four subject groups in transitional spaces of buildings in Bangkok. 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