Um novo e imenso Vietna para o imperialismo

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Dossiê
Oriente Médio
Um novo e imenso
Vietna~ para o
imperialismo
Azerbaijão
Uzbequistão
Turquia
Líbano
Jordânia
Turcomenistão
Síria
Iraque
Irã
Afeganistão
Israel
Paquistão
bernardo cerdeira
ediTor de MarxisMo vivo
Arábia
Saudita
O Dossiê deste número de Marxismo Vivo está dedicado a uma vasta
região do planeta que é o Oriente Médio, que vive uma aguda situação da
luta de classes. O tema não poderia ser mais atual, e abordá-lo exige explicar
alguns dos principais aspectos da situação mundial: a derrota da ofensiva
Bush, a política atual do imperialismo, o governo Obama, o fundamentalismo
islâmico e outros.
Em 2009, ano pródigo em datas históricas do calendário revolucionário
(60 anos da revolução chinesa, 50 anos da revolução cubana e 30 anos da
nicaraguense), também se comemoram trinta anos da revolução iraniana que
em janeiro de 1979 derrubou a ditadura do Xá Reza Pahlevi. Em dezembro
daquele mesmo ano, pouco depois da revolução, a União Soviética invadiu
o Afeganistão. Em setembro de 1980, o Iraque, armado e incentivado pelos
Estados Unidos, declarou guerra ao Irã. Estes três acontecimentos, estreitamente ligados entre si, continuam a marcar a situação no Oriente Médio
até os dias de hoje.
A situação política e militar da região é o centro dos problemas e das
preocupações atuais do imperialismo americano no mundo. Os Estados
Unidos continuam lutando duas guerras ao mesmo tempo. No Afeganistão,
o governo de Barack Obama vive o dilema de incrementar a escalada militar,
ou correr o risco de perder a guerra para o Talibã. Enquanto isso, a situação
militar piora a cada dia.
Além disso, a guerra atravessou a fronteira do Afeganistão com o Paquistão, quando o Talibã estendeu sua organização para aquele país. Não
há dúvidas de que a guerra vem provocando a desestabilização da situação
interna do Paquistão.
Por outro lado, a guerra do Iraque não terminou. Os recentes atentados
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ao ministério da Justiça em plena Zona Verde, a mais protegida da capital,
mataram mais de 100 pessoas e são uma amostra viva da instabilidade do país.
Os soldados norte-americanos continuam ocupando o Iraque e, mesmo que
não patrulhem mais as cidades e que uma boa parte se retire em 2010, deixarão
como “garantia” 50 mil soldados aquartelados em grandes bases militares.
E isso só para falar nos três países polarizados pela guerra. Mas a luta
de classes na região não para por aí. A questão palestina também não sai de
cena. Israel, um agente direto do imperialismo americano, atacou a Faixa de
Gaza em 2008 e o Líbano em 2006, de onde saiu derrotado pelo Hezbollah.
Por outro lado, relacionado com a situação em todos estes países, intensifica-se dia a dia a pressão americana contra o Irã, um país relativamente independente das ordens de Washington e que ameaça produzir armas nucleares.
A importância do Oriente Médio para o imperialismo
A região que chamamos de Oriente Médio na verdade é tão vasta que se
compõe de diferentes sub-regiões que vão desde o Norte da África e a margem leste do Mediterrâneo até a fronteira do Paquistão com a Índia, em seu
extremo oeste e a Ásia Central até a fronteira da União Soviética. O próprio
imperialismo cunhou a expressão Grande Oriente Médio, hoje utilizada pelo
G-8 e que abarca toda esta extensão.
Podemos dividir o Oriente Médio em 4 regiões. O Magreb (norte da
África): Egito, Líbia, Sudão, Tunísia, Argélia, Marrocos e Saara Ocidental. O
chamado Crescente Fértil (ou Oriente Próximo, se a Turquia for considerada)
composto por Síria, Líbano, Iraque, Palestina, Israel e Jordânia. A Península
Arábica: Arábia Saudita, Iêmen, Bahrein, Omã, Qatar, Emirados Árabes
Unidos, Kuwait. O Oriente Médio propriamente dito: Irã, Afeganistão, Paquistão e as antigas Repúblicas do Sul da ex-URSS, hoje países independentes:
Turcomenistão, Cazaquistão, Tajiquistão, Uzbequistão e Quirquistão.
Historicamente os países do Oriente Médio foram parte do império
do Islã e mantêm influências culturais e religiosas entre si, sendo em sua
maioria países islâmicos. Politicamente, a região tem sido o centro das preocupações, das agressões militares e também de derrotas do imperialismo
norte-americano pelo menos nestas últimas três décadas.
A atual prioridade do Oriente Médio na ação contrarrevolucionária do
imperialismo é evidente tanto em termos militares quanto políticos e diplomáticos. Esta é a parte do planeta que concentra o maior deslocamento de
tropas norte americanas, aproximadamente 50% dos cerca de 350 mil soldados norte-americanos em atividade no estrangeiro. Por fim, a prioridade
diplomática fica clara com o recente número de enviados especiais do governo
Obama e da secretária de Estado Hillary Clinton à região.
A preocupação do imperialismo americano não é casual. Esta é a parte do
mundo que concentra 60% das reservas conhecidas do petróleo do planeta.
O imperialismo não só necessita controlar o acesso e a garantia de saque do
petróleo, como também a possibilidade de transportá-lo em forma segura
até os locais de refino e consumo.
Além disso, esta é uma região estratégica que tem fronteiras e laços étnicos
e culturais com três dos maiores países do mundo. Calcula-se que existam
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entre 15 a 20 milhões de muçulmanos dentro das atuais fronteiras da Rússia,
sem contar os laços econômicos e culturais com os países da Ásia Central
que faziam parte da ex-URSS. Na China - que tem cerca de 105 milhões de
habitantes pertencentes a 56 etnias minoritárias oprimidas pelo governo da
maioria han - existem várias nacionalidades muçulmanas como os cazaques,
uigures e mongóis. E, finalmente, a Índia tem uma “minoria” de 165 milhões
de muçulmanos e uma disputa de décadas com o Paquistão pelo controle
da Caxemira, região de maioria muçulmana reivindicada pelo país vizinho.
Mas o problema fundamental para o imperialismo é que, como fruto destes
problemas estruturais e também da exploração e agressões imperialistas, esta
região tem sido o centro da resistência revolucionária das massas, o centro
da luta de classes no mundo, pelo menos nas últimas três décadas.
Uma guerra permanente do imperialismo contra o Islã
A partir do fim da Segunda Guerra Mundial – quando se tornou a potência
dominante no mundo, superando a hegemonia dos imperialismos inglês e
francês no Oriente Médio – os Estados Unidos vêm travando uma guerra
permanente contra o mundo islâmico para saquear suas riquezas, principalmente o petróleo.
Um marco nesta guerra foi a criação do Estado de Israel em 1948, um
enclave de população européia e um verdadeiro “porta-aviões” ancorado no
Oriente Médio, armado e financiado pelos EUA. Sua função é a de reprimir
a resistência dos povos e atacar e invadir países islâmicos que tentem rebelarse contra a exploração e romper o jugo do imperialismo. A maior de suas
agressões é, sem dúvida, a expulsão dos palestinos de suas terras e a ocupação,
colonização e selvagem repressão sobre os territórios de Gaza e Cisjordânia
ocupados desde 1967 e hoje transformados em verdadeiros guetos para mais
de 3,5 milhões de habitantes.
A criação do Estado de Israel significou uma grande derrota para os povos
islâmicos. Não é casual que os árabes refiram-se a este acontecimento como
a Naqba, ou a Desgraça. No entanto, contraditoriamente, as monstruosas
ações e a própria existência do Estado de Israel, geraram uma resistência permanente dos povos árabes. Esta luta foi encabeçada, nas décadas de 50 e 60,
pelo nacionalismo pan-árabe (cujo máximo expoente foi Nasser, presidente
do Egito) que dominou a maioria dos países da região, principalmente Síria,
Iraque, Líbia e Argélia.
Mas o nacionalismo pan-árabe entrou em decadência depois de sucessivas derrotas e capitulações diante de Israel e, a partir do fim dos anos 60
até meados dos anos 80, uma variante deste nacionalismo, representado pela
OLP de Yasser Arafat e uma guerrilha palestina muito progressista, tornouse a maior referência da resistência anti-imperialista. Atualmente, a maior
expressão desta luta contra Israel são o Hezbollah no Líbano e o Hamas nos
territórios palestinos ocupados.
Um marco: a Revolução de 1979 no Irã
Esta luta de resistência dos povos islâmicos teve um marco em 1979: a
revolução iraniana que derrubou a sangrenta ditadura do Xá Reza Pahlevi.
A revolução desencadeou uma série de novas forças na região. Por um lado,
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enfraqueceu o imperialismo americano e seu agente Israel, por outro, criou
um país relativamente independente que hoje influencia vários outros, do
Iraque, através dos xiitas, até o Líbano, por meio do Hezbollah e Gaza, onde
atua o Hamas.
No entanto, a revolução iraniana foi marcada desde o seu início por uma
contradição: uma direção nacionalista burguesa, mas de ideologia religiosa
islâmica, composta por uma burocracia de clérigos muçulmanos, os aiatolás.
Esta burocracia assumiu o poder e transformou o Irã numa república
islâmica, que apesar de manter uma relativa independência do imperialismo,
assumia características extremamente reacionárias e repressivas em relação
aos trabalhadores, às mulheres e às minorias nacionais. Em pouco tempo,
o regime dos aiatolás reprimiu o movimento de massas no Irã e prendeu e
assassinou milhares de ativistas operários e oposicionistas em geral.
A revolução iraniana marcou a ascensão de um novo movimento nacionalista no Oriente Médio: o fundamentalismo islâmico. Este se aproveitou da
decadência do velho nacionalismo laico pan-árabe de Nasser, da OLP de Yasser
Arafat e do partido Baas que governava o Iraque e governa até hoje a Síria.
No entanto, a força da revolução iraniana e a relativa independência do
país provocaram a reação imediata do imperialismo americano que armou,
financiou e estimulou o Iraque governado por Sadam Hussein a atacar o Irã,
levando a uma guerra de oito anos de duração entre os dois países.
A invasão soviética do Afeganistão
Entre suas muitas repercussões, a revolução iraniana também foi um dos
fatores fundamentais para provocar a invasão do Afeganistão pela ex-União
Soviética. A burocracia stalinista, que governava este último país, apavorou-se
com a possibilidade de que a revolução islâmica se estendesse ao Afeganistão
e daí às repúblicas da Ásia Central, que naquela época faziam parte da URSS,
constituindo sua fronteira sul. Este foi um dos motivos fundamentais da
invasão da URSS ao Afeganistão em fins de 1979, colocando um governo
títere à frente do país.
O exército soviético teve de enfrentar a resistência armada dos mujaheddines, os chamados “guerreiros da liberdade”, que começaram como uma
guerrilha que lutava contra o invasor, mas depois passaram a ser armados e
controlados pelo imperialismo americano. Milhares de combatentes muçulmanos de vários países foram combater no Afeganistão, entre eles Osama Bin
Laden. Outros atores principais da guerrilha foram os “senhores da guerra”,
oligarcas que dirigem as principais nacionalidades do país.
A URSS foi finalmente derrotada e retirou-se do país em 1989. A guerrilha
islâmica tomou o poder, mas, em seguida, os grupos se dividiram, passaram
a se enfrentar e o país mergulhou na guerra civil.
O Afeganistão foi chamado com razão de “o Vietnã da URSS”, pela
semelhança com a longa guerra e a derrota militar e política dos Estados
Unidos no Extremo Oriente. Certamente, o desgaste da guerra e a derrota
do exército soviético ajudaram a enfraquecer a União Soviética e aceleraram
a decisão da burocracia de restaurar o capitalismo no país.
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A ofensiva imperialista e a ocupação militar do Iraque e Afeganistão
Durante os quinze anos que se seguiram à sua derrota militar no Vietnã em
1975, o imperialismo americano tentou retomar a ofensiva contra os trabalhadores e os povos explorados de todo o mundo. A restauração do capitalismo
na ex-URSS, na China e em todos os ex-estados operários burocráticos abriu
a possibilidade de concretizar esta contraofensiva.
A primeira grande oportunidade apresentou-se no Oriente Médio em
1991com a Guerra do Golfo. Sadam Hussein, que havia atuado como um
agente dos Estados Unidos contra o Irã na guerra Irã-Iraque, invadiu o Kuwait
esperando que a reação do imperialismo não chegasse à guerra. Mas os Estados
Unidos não podiam permitir que a situação saísse de controle, principalmente
por se tratar de um país, o Kuwait, detentor da quarta maior reserva conhecida
de petróleo do mundo. Os EUA organizaram uma coalizão de todos os países
imperialistas, que contou com o apoio da ex-URSS, e derrotaram o Iraque,
iniciando doze anos de bloqueio econômico e militar ao país.
A década de 90 caracterizou-se por uma ofensiva recolonizadora do
imperialismo em todo o mundo, que culminou na tentativa do governo de
George W. Bush, Dick Cheney, Donald Rumsfel, Paul Wolfewitz e outros de
impor um “século americano” de domínio mundial. A doutrina que dava base a
este projeto fundava-se no suposto direito de intervenção militar dos Estados
Unidos, inclusive de forma preventiva, em qualquer país que representasse
uma “ameaça” aos interesses americanos. Ou seja, o objetivo era impor uma
espécie de regime bonapartista mundial. A oportunidade para executar este
plano surgiu com os atentados de 11 de setembro de 2001, pois deram ao
governo Bush um pretexto para desatar uma “guerra contra o terror”, que
na verdade disfarçava uma “guerra contra os povos”.
As maiores expressões da ofensiva militar de Bush foram as invasões e
ocupações militares do Afeganistão e do Iraque. Em outubro de 2001, usando
como pretexto que o governo do Talibã abrigava Osama Bin Laden, Bush
ordenou a invasão do Afeganistão. Finalmente, em março de 2003, Bush
invadiu o Iraque, acusando o governo de Sadam Hussein de deter armas de
destruição em massa a partir de provas forjadas. Desde então, 128 mil soldados americanos se mantêm no Iraque e 68 mil no Afeganistão (de um total
de cerca de 100 mil soldados da OTAN).
As invasões do Afeganistão e, principalmente, do Iraque representaram
uma tremenda derrota para os povos islâmicos. Hoje em dia, são países
ocupados por tropas dos Estados Unidos e seus governos não passam de
fantoches manipulados por Washington, que trata de encobri-los através
de processos eleitorais farsescos. Os dois países retrocederam à situação de
verdadeiras colônias. Além disso, a ofensiva de Bush possibilitou a presença
de tropas americanas na região durante um longo período.
A reação das massas e a derrota da ofensiva militar de Bush
Contraditoriamente, se, por um lado, as ocupações do Iraque e do Afeganistão constituíram uma grande derrota, por outro, atearam fogo na região
e hoje constituem o maior pesadelo do imperialismo americano.
As invasões desencadearam guerras de libertação nacional em ambos os
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países. No Iraque, a resistência encabeçada pela resistência sunita levou os
Estados Unidos a sofrerem pesadas perdas que chegaram ao auge em 2006.
A longa ocupação militar tem sido um fator de crise porque as Forças
Armadas dos Estados Unidos se meteram em um “atoleiro” do qual não
sabem como sair. Não só perdem homens e dinheiro, como também não
têm perspectivas de ganhar a guerra nem podem se retirar. Desta maneira,
esgotam-se soldados que são obrigados a servir no front por até três anos, já
que o contingente do exército profissional dos EUA, que já não emprega o
recrutamento obrigatório, é limitado.
Os Estados Unidos foram obrigados, então, a fazer concessões às organizações xiitas, entregando o governo do país a uma coalizão entre estes
e os principais partidos curdos. Hoje o presidente do país é curdo, Jamal
Talabani da União Patriótica do Kurdistão, e o primeiro ministro é xiita,
Nuri Al-Maliki, representante do Partido Islâmico Dawa, da coalizãoxiita
Aliança Popular Iraquiana.
Mas, a principal concessão do governo americano que permitiu uma trégua
nos combates e uma “estabilidade” relativa no país, foi feita à resistência sunita.
O imperialismo foi obrigado a pagar somas que se calculam em 60 milhões de
dólares ao mês para que as milícias sunitas não ataquem as tropas americanas.
Mesmo assim, esta política só funcionou sob a perspectiva de que os
Estados Unidos marcassem a data para a retirada do Iraque. Esta foi a promessa de Obama, ainda em sua campanha eleitoral, assumindo na prática uma
derrota na guerra do Iraque.
Depois de assumir, Obama ordenou que as tropas norte-americanas se
recolhessem às suas bases, não patrulhassem mais as cidades e marcou para
agosto de 2010 a retirada definitiva do país. Mas, a instabilidade atual do país,
que pode se complicar à medida que se aproxime a data da retirada, ameaça
o cumprimento deste cronograma e o próprio compromisso de Obama. A
hipótese de prolongar a permanência da maioria do contingente militar é,
sem dúvida um cenário de crise para o imperialismo.
Mas o problema não termina aí: a situação do Afeganistão também virou
um atoleiro para os Estados Unidos. O Talibã voltou a se organizar e desencadeou uma guerra de guerrilhas contra as tropas de ocupação. Este país
é hoje é o centro das dores de cabeça de Obama e do Pentágono. E, como
dissemos ao princípio, a guerra agora se estendeu ao país vizinho, o Paquistão.
Por último, mas não menos importante, a ofensiva bonapartista do governo Bush potencializou o problema das nacionalidades no Oriente Médio,
muitos deles provocados artificialmente, desde o domínio britânico.
Povos oprimidos e divididos rebelam-se e as guerras atingem diferentes
etnias. Um exemplo é o dos pashtuns no Paquistão, divididos artificialmente
do resto de seu povo no Afeganistão. Por outro lado, há vasos comunicantes
dos povos que vivem no Afeganistão e nas repúblicas da Ásia central com
as minorias muçulmanas na China: uzbeques, cazaques, uigures e quirguizes.
A conclusão é clara: não só fracassou o projeto do “século americano” e
da grande ofensiva bonapartista de George W. Bush e seus “neocons”, como
as invasões e ocupações militares incendiaram a região e o atoleiro das guerras
enfraqueceu o imperialismo. Este é o motivo das novas táticas de negociação
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e das indecisões, ou seja, da debilidade do governo Obama.
Uma situação crítica: ficar não é recomendável, mas não é possível sair
O imperialismo americano enfrenta uma situação crítica na maior parte
dos países deste Grande Oriente Médio. A resistência das massas, as guerras
e os problemas nacionais não resolvidos geraram uma relação estreita e uma
combinação entre processos de distintos países.
O imperialismo enfrenta duas guerras simultâneas. Não resolveu ainda a
situação do Iraque e ainda não se retirou. E a guerra do Afeganistão está no
seu ponto mais alto desde 2001.
Esta situação gera um impasse para o governo de Barack Obama. A
prudência recomenda sair o mais rápido possível, antes que a situação destas
guerras impopulares piore e gere uma crise interna nos Estados Unidos. No
entanto, a própria possibilidade de uma derrota vergonhosa, que provoque
uma situação de instabilidade em dois ou três países do Oriente Médio, não
só impede o imperialismo de retirar-se totalmente como até pode fazer com
que aumente o número de suas tropas no Afeganistão.
Neste Dossiê abordamos três países que nos parecem hoje os centros da
luta de classes na região. O problema central para o imperialismo é a guerra
do Afeganistão. Obama encontra-se em uma encruzilhada: precisa encontrar
uma saída negociada com o Talibã, mas não pode negociar em uma posição
de fraqueza como a atual. Por outro lado, para fortalecer sua posição e não
perder a guerra precisaria de muito mais soldados. Mas uma escalada militar
teria sérias repercussões internas nos Estados Unidos onde a guerra já é
tremendamente impopular.
Por outro lado, a guerra atravessou a fronteira com o Paquistão e está
desestabilizando o país vizinho. A guerra está em curso num país tremendamente instável, com um governo débil e em crise.
Por fim, um país chave para todo o Oriente Médio é o Irã, o mais poderoso econômica e militarmente da região. Sua influência política estende-se
a países fundamentais do Oriente Médio tais como o Iraque (onde a maioria
do governo baseado em partidos xiitas tem ligações com o Irã); Líbano,
onde apóia o também xiita Hezbollah e inclusive na Palestina, onde apóia o
movimento sunita Hamas.
Os planos de “paz” de Obama
A nova tática do governo Obama para toda a região, e para o mundo é
tentar frear e depois fazer retroceder situações explosivas através de negociações e planos de paz. Em especial, o governo dos EUA tenta um acordo
com o regime dos aiatolás para aceitar o desenvolvimento da indústria nuclear
do país, mas impondo um controle internacional que não permita que este
desenvolva armas nucleares. A outra cara desta negociação tem como objetivo
obter a colaboração do regime iraniano para ajudar a estabilizar a região, por
exemplo, pressionando o Hamas para negociar com Israel um acordo de paz
na Palestina e o Hezbollah para chegar a um acordo que estabilize o Líbano.
A atual política dos EUA, não é a de invasão do Irã tal como se planejou
na época de George W. Bush e Dick Cheney. Ao contrário, o imperialismo
tenta atrair a burguesia e o governo iranianos para que estes cumpram o papel
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de estabilizador da região. Tenta o mesmo com o Hezbollah. E tem conseguido avanços do ponto de vista imperialista. O governo iraniano aceitou
negociar o beneficiamento do seu urânio na Rússia, sob controle da AIEA.
E o Hezbollah já faz parte do governo do Líbano há um ano e tem sido um
fator de estabilidade para a burguesia do país.
No entanto, o grande problema do imperialismo é que a política de negociação e acordos de paz está cruzada pela guerra no Afeganistão, que por
sua vez influencia a situação no Paquistão. E aí reside o dilema do governo
Obama. Não aumentar qualitativamente o número de suas tropas significa
arriscar a ser derrotado militarmente e não ter condições de negociar nada.
Mas, se aceitar dobrar o número de soldados, como pedem seus generais,
envolver-se-á ainda mais no conflito e provavelmente sofrerá um aumento
da oposição à guerra nos Estados Unidos.
Um envolvimento mais longo do que já foi até agora (oito anos) e numa
escala tão ampla ameaça transformar-se num novo e enorme Vietnã do Século
XXI para os EUA. É, portanto, no terreno político, social e militar da guerra
que se resolverá a luta de classes na região.
As guerras e revoluções no Oriente Médio exigem uma direção
revolucionária
As massas de trabalhadores e camponeses dos diferentes países do Oriente
Médio – que há décadas enfrentam heroicamente o imperialismo americano e
seus agentes, com enormes sacrifícios contados em milhões de vidas humanas
e enormes riquezas naturais saqueadas – vivem um drama. Durante várias
décadas, sucessivas direções nacionalistas burguesas e pequeno-burguesas
mostraram-se incapazes de enfrentar o imperialismo até o fim e terminaram
por capitular a ele. A atual direção colaboracionista de Abbas e da OLP é a
mais grotesca das caricaturas destas lideranças oportunistas.
A situação atual não é melhor. As direções islâmicas, atualmente à frente
dos mais importantes movimentos de resistência, já deram mostras de que
são uma direção burguesa que não hesita em reprimir os trabalhadores e seus
aliados populares, inclusive seus setores mais explorados, como as mulheres e
as nacionalidades oprimidas. E também, como toda classe privilegiada, podem
capitular ao imperialismo a qualquer momento.
Por isso, mais do que nunca, o problema da independência da classe operária diante das organizações burguesas e pequeno-burguesas é fundamental
para que esta assuma a vanguarda da luta para expulsar o imperialismo do
Oriente Médio.
E, para orientar a classe operária neste combate e dirigi-lo rumo a uma
Revolução Socialista, que acabe com a exploração dos trabalhadores e a
opressão dos povos, é imprescindível construir uma direção revolucionária
socialista em toda a região. Este é um grande desafio para os revolucionários
de todo o mundo.
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