E STA D O D E M I N A S ● Q U A R T A - F E I R A , 6 4 D E A G O S T O D E 2 0 0 4 CULTURA LUALUARÁ O finlandês Heikki Sarmanto se rende à magia da música brasileira e entrega suas composições para Claudya cantar Um show de bossa bem temperada SÉRGIO GONZAGA AILTON MAGIOLI Irmãos na música. A definição do pianista e compositor finlandês Heikki Sarmanto soa a mais perfeita tradução para Lualuará, projeto do produtor Marcos Gonzaga, que será apresentado amanhã em Belo Horizonte, no Teatro Sesiminas. Mineiro radicado na Europa, Gonzaga convidou Sarmanto para compor o repertório do CD que seria letrado por Fernando Brant, arranjado por Juarez Moreira e interpretado pela cantora Claudya de Oliveira, acompanhada de músicos mineiros. A gravação, com a participação de todos os envolvidos, ocorreu no estúdio Bemol, em BH. A previsão é de que chegue às lojas brasileiras até 15 de setembro, pela Dubas Música. Originalmente lançado na Europa, já é Heikki Sarmanto e Claudya de Oliveira revelam muitas afinidades no trato com a bossa e o jazz sucesso em emissoras de rádio finlandesas, segundo o produtor, graças à popularidade de Heikki Sarmanto em seu país. No Brasil, a julgar a popularidade da intérprete de Evita nos palcos (Cláudia agora assina com y, além de adotar o sobrenome Oliveira), tem tudo para repetir a performance. ■ PAIXÃO PELOS RITMOS DO BRASIL Músico acompanhante de grandes damas internacionais do jazz – de Ella Fitzgerald a Sarah Vaughan –, Sarmanto detectou na brasileira o timbre ideal para cantar suas músicas que, além de letras em português de Fernando Brant, acabaram ganhando o suingue brasileiro, graças à direção musical do guitarrista Juarez Moreira. Ex-aluno do Berklee College of Music, em Boston (EUA), Sarmanto passou a admirar a música brasileira quando estudava na Academia de Música Sibelius, em Helsinki. Bem ao estilo do que os gringos classificam como brazilian jazz, a parceria Sarmanto-Brant resultou na mais pura bossa, com o auxílio de músicos experientes como o baterista Esdra “Neném” Ferreira e o baixista Kiko Mitre. Amanhã à noite, todos estarão juntos no palco do Teatro Sesiminas para mostrar canções como Apaixonado e Bate o Coração. A surpresa vai ficar por conta da participação de Fernando Brant, que promete cantar. “É um direito de todos”, justifica o poeta, que há 14 anos excursiona em show ao lado do amigo Tavinho Moura. Segundo Brant, a sonoridade da língua portuguesa é uma das razões para o sucesso da música brasileira no exterior. “A nossa língua tem um som musical”, explica. Juarez Moreira concorda, lembrando que, apesar da limitação, a aceitação da língua portuguesa é grande no mercado musical. “O disco tem um estilo que agrada muito ao público lá fora”, acredita Claudya de Oliveira, chamando a atenção para o fato de a bossa nova cativar fãs no exterior. “Além disso, os arranjos do Juarez Moreira são muito bem elaborados”, elogia a cantora, que acredita no potencial da faixa Senhora das Águas, calcada nos sambas afros de Baden Powell. Segundo ela, Heikki Sarmanto é um compositor muito versátil, que compõe do jazz ao blues, além de ter reconhecido veio clássico. “O Heikki faz uma fusão incrível entre o jazz e o clássico”, salienta Claudya, que classifica Lualuará de impecável. De BH, o grupo seguirá para Brasília (dia 11) e Goiânia (12), ficando São Paulo e Rio de Janeiro mais para a frente. No exterior, os shows foram realizados em março do ano passado, na Finlândia, Itália e Portugal. Com planos de um novo projeto no Brasil, com uma cantora de Brasília cujo nome prefere manter em sigilo, o produtor Marcos Gonzaga também foi o responsável pelo CD Sounds, feito originalmente para o mercado europeu, que reúne o violonista Weber Lopes, a cantora Ângela Evans e o baixista Ivan Corrêa e que até novembro deverá ser lançado também no Brasil. LUALUARÁ Show de lançamento do CD que reúne o finlandês Heikki Sarmanto, a cantora Claudya de Oliveira e músicos mineiros. Teatro Sesiminas (rua Padre Marinho, 60, Santa Efigênia). Amanhã, às 21h. Ingressos a R$ 12 (inteira) e R$ 6 (meia). Informações: (31) 3241-7132. MÚSICA ETC. CHICO AMARAL Email para esta coluna: [email protected] As listas Fazer lista dos “melhores qualquer coisa” é uma futilidade deliciosa. Recentemente, li que os ingleses escolheram, através de uma revista, os dez melhores discos da Inglaterra de todos os tempos. A impressão que a gente tem é de que toda semana sai uma lista dessas lá. Nesta, o primeiro lugar ficou com Stone Roses, disco de estréia da banda de mesmo nome, de 1989. Superaram todo mundo. Tentando entender a lógica dos ingleses, deve realmente encher o saco votar no Sgt. Pepper’s para primeiro, sempre. De eterno, já basta a rainha. E votaram num disco legal, redondo, cheio de frescor. Os Stone Roses disseram que queriam fazer algo tão bom quanto Eletric Ladyland, de Jimi Hendrix, e até hoje criticam a mixagem. O disco lembra realmente alguma coisa anos 60 mais rock anos 80, o que não é pouco, mas Hendrix fica fora da história, a não ser por alguns truques de estúdio. A banda terminou depois do segundo álbum –Second Coming, de 1994. Era uma banda boa. Nada como os Beatles, Stones, Pink Floyd ou Led Zeppelin, é claro. Prepararam o terreno para bandas como Oasis e Blur, através de sua revisão dos 60. Valeu a existência curta dos Stone Roses, nenhum pouco pela lista, mas pela inspiração concentrada em dois solitários discos. Uma curiosidade: se você tem o disco mais votado (a melhor banda da última semana), confira, na faixa dez, se o cantor não manda algo “tipo Caetano Veloso” num pequeno trecho melódico. Tentando entender a lógica dos ingleses, deve realmente encher o saco votar no Sgt. Pepper’s para primeiro, sempre. De eterno, já basta a rainha Sobre o imperdível Estava prestes a dizer que o disco Stone Roses não era imperdível, mas percebi que essa palavra não pertence ao universo – nem sublime, nem rasteiro – da arte. O disco é tão legal, é uma obra de arte, por que se privar de ouvilo? Ao mesmo tempo, “imperdível”, aplicado como o comentário cultural de revistas e jornais o faz, tem uma conotação consumista antipática. É preciso se defender disso. Tudo é altamente “perdível”; a não-lógica da arte é outra, e o encontro de cada um com ela – encontro que o artista nunca deixa de querer – é algo imprevisível e sagrado. A batida perfeita O nome do último trabalho de Marcelo D2 é pra lá de interessante (e já digo logo o mesmo do disco). Parece marqueteiro, mas existem as palavras “em busca da”, que lhe conferem sinceridade e clareza em sua afirmação estética. Outra vantagem é que “a busca” pode ser estendida para além do próprio Marcelo, e, assim, tratar-se de uma leitura abrangente dos movimentos musicais mais recentes ocorridos no Brasil. Marcelo distingue as linhas que lhe importam e propõe a mistura delas. Estas linhas são as do samba e do hip hop, que substitui na sua lente outras formas pop, como o soul e o funk. Ou o rock, que era um dos ingredientes da busca bem- sucedida de Chico Science: maracatu com hip hop com um pouco de Jimi Hendrix. É uma batida perfeita, o que Marcelo D2 sempre reconheceu. Marcelo bebeu em outras fontes, como o hip hop dos Beastie Boys, que realizam um dos trabalhos mais instigantes da música pop recente. Também encontraram a batida perfeita, por exemplo, no disco Ill Comunication. Beastie Boys, entre outras aproximações, estão a um passo do samba. A batida perfeita é uma batida de fusão nacional-internacional (“o cinema falado é o grande culpado da transformação”), e é perfeita para esse diálogo, ou para essa briga. É um sincretismo que basicamente transforma o binário do samba em quaternário, acentuando, como o faz a música pop, o segundo e o quarto tempo. Muitos buscaram (e alcançaram) uma batida perfeita: João Gilberto, Jorge Ben, o Milton dos sambas-rock como Viola Violar e Idolatrada, o Caetano de Transa, os Stones de Simpathy for the Devil, os Novos Baianos. Mais recentemente, Lenine e Marcos Suzano, Max de Castro, Bossa Cuca Nova e Marcelo D2, para ficar em alguns.