PERSPECTIVAS SOCIOLÓGICAS I – INTRODUÇÃO 1. A sociologia é o estudo da vida social humana, dos grupos e das sociedades. É um empreendimento fascinante e irresistível, já que seu objeto de estudo é o nosso próprio comportamento como seres sociais. A abrangência do estudo sociológico é extremamente vasta, incluindo desde a análise de encontros ocasionais entre indivíduos na rua até a investigação de processos sociais globais. A sociologia nos ensina que aquilo que encaramos como natural, inevitável, bom ou verdadeiro, pode não ser bem assim e que os “dados” de nossa vida são fortemente influenciados por forças históricas e sociais. Como bem afirma Giddens, “entender os modos sutis, porem complexos e profundos, pelos quais nossas vidas individuais refletem os contextos de nossa experiência social é fundamental para a abordagem sociológica” (1). 2. Wright Mills lembra que o trabalho sociológico depende daquilo que ele chama de imaginação sociológica (2). Um sociólogo é alguém que é capaz de se libertar do imediatismo das circunstâncias e apresentar as coisas num contexto mais amplo. A imaginação sociológica nos permite ver que muitos eventos que parecem dizer respeito somente ao indivíduo, na verdade, refletem questões mais amplas. 3. Podemos dizer que na Antiguidade e durante a Idade Média, as tentativas de explicações da sociedade foram muito influenciadas pela filosofia e pela religião que propunham normas para melhorar a sociedade de acordo com seus princípios.A preocupação dos pensadores, em relação aos fenômenos sociais, nestes períodos, era mais filosófica do que cientifica. A libertação do pensamento, em relação ao dogmatismo católico, iniciou-se já no final da Idade Media, mas se efetivou realmente no período agitado do Renascimento, quando se abriram novas perspectivas ao saber humano. A influência teológica, que não permitia ver as coisas senão à luz dominante da salvação eterna, deu lugar a uma perspectiva muito mais independente que favorecia a livre discussão de questões do ponto de vista racional. Foi sendo elaborado um novo tipo de conhecimento, caracterizado por uma objetividade e realismo que marcaram a separação nítida do pensamento do passado, modificação tão claramente definida que poderia dizer que um novo estágio se iniciava na explicação dos fenômenos da natureza e, conseqüentemente, dos problemas sociais e humanos.A ciência vai, aos poucos, substituindo a filosofia, na explicação dos fenômenos da natureza, constituindo-se as denominadas “ciências naturais” ( 3 ) 3. A sociologia tem, desde suas origens, contribuído para a ampliação do conhecimento dos homens sobre sua própria condição de vida . Ela surge como um corpo de idéias que se preocupou e ainda se preocupa com o processo de constituição e desenvolvimento da sociedade capitalista e procura dar respostas às questões colocadas pelas transformações ocorridas desde as revoluções do século XVIII que alteraram toda a sociedade européia, e depois, o mundo todo. Segundo Quintaneiro, “sua origem mescla-se com os processos sociais e econômicos que há muito vinham se constituindo na Europa no campo da ciência e da tecnologia, da organização política, dos meios e processos de trabalho, das formas de propriedade da terra e dos instrumentos de produção, da distribuição do poder e da riqueza entre as classes e das tendências à secularização e racionalização que se mostravam em todas as áreas da atividade humana” (4). 4. O estudo objetivo e sistemático da sociedade e do comportamento social é, pois, um desenvolvimento relativamente recente cujos primórdios datam dos fins do século XVIII. É costume dizer que a Sociologia é a “ciência da crise”( 5 ) Um desenvolvimento chave foi o uso da ciência para compreender o mundo. A revolução cientifica, na Idade Moderna, marcou uma profunda reviravolta no modo de produzir conhecimento. Como diz Teodoro, “se antes o saber era desligado das questões práticas e era voltado para a contemplação teórica, agora as necessidades econômicas do capitalismo e a valorização do trabalho redirecionaram a ciência rumo á técnica.” (6). A ascensão de uma abordagem cientifica ocasionou uma mudança radical na compreensão da sociedade. A ruptura com os modos tradicionais de vida desafiou os pensadores a desenvolverem uma nova compreensão do mundo social. Giddens diz que os pioneiros da sociologia foram apanhados pelos acontecimentos que cercaram as revoluções do século XVIII, tentaram compreender sua emergência e conseqüências potenciais e buscaram responder as mesmas questões que os sociólogos tentam responder ainda hoje: o que é a natureza humana? Por que a sociedade é estruturada da forma que é? Como e porque as sociedades mudam? (7) . 5. Por outro lado, o estudo da relação entre o sujeito e o objeto do conhecimento científico da sociedade constitui um verdadeiro desafio para os cientistas sociais. Discute-se muito a maneira como é construída a realidade social, objeto da Sociologia. Há necessidade de se seguir determinadas metodologias e quase sempre estas metodologias se vinculam a Marx, Durkheim e Weber. São três posturas clássicas criadas na emergência da ciência social, mas que permanecem vivas até hoje. 6. Foi dentro destas transformações que brotou o manancial dos clássicos do pensamento sociológico: Karl Marx, Emile Durkheim e Max Weber. Karl Marx (1818-1883), embora não tenha nenhuma preocupação em definir uma ciência específica para estudar a sociedade, procurou entender a sociedade capitalista a partir de seus princípios constitutivos e de seu desenvolvimento. Emile Durkheim (1858-1917) procurou insistentemente definir o caráter científico da Sociologia, dedicando-se a delimitar e a investigar um grande número de temas. Já Max Weber (1864-1920) elaborou o seu pensamento num momento específico do desenvolvimento capitalista da Alemanha, buscando analisar o seu processo burocratizado e racionalista. 7. Pode-se dizer que as três vertentes, a marxista ou histórico-cultural, a durkheimiana ou funcionalista, a weberiana ou compreensiva, vão inspirar outros pensadores que, refletindo sobre a realidade em que viveram mesclandose ou não contribuições de diferentes linhas teóricas, demonstraram a possibilidade de responder aos desafios do homem contemporâneo. Marx, Durkheim e Weber buscavam desenvolver modos de estudar o mundo social que pudessem explicar o funcionamento das sociedades em geral e a natureza da mudança social empregando abordagens diferentes em seus estudos. 8. Percebe-se que são três modos diferentes de se posicionar diante da mesma questão. Para Marx, a preocupação é o conjunto dos indivíduos inseridos nas classes sociais. Para Durkheim, a sociedade é tudo e o individuo deve ser submetido ao que é geral. Para Weber, o individuo e sua ação é o elemento constitutivo das ações sociais 9.Apesar das posições diferenciadas, todos eles têm a preocupação de analisar como se dá o processo de constituição da sociedade e como os indivíduos se relacionam, procurando identificar as relações/ações/instituições fundamentais. 10. Marx e Durkheim se concentraram no poder de forças externas ao indivíduo. Weber tomou com ponto de partida a habilidade dos indivíduos em agir criativamente sobre o mundo exterior. Enquanto Marx assinalou a predominância das questões econômicas, Weber considerou uma gama muito mais ampla de fatores como relevante.(8) 11. Três das mais importantes e recentes perspectivas teóricas, a abordagem do conflito, o funcionalismo e o interacionismo simbólico, têm conexões diretas com Marx, Durkheim e Weber. 12. Podemos dizer que essas três vertentes, a marxista ou abordagem do conflito, a durkheimiana ou abordagem funcionalista e a weberiana ou a abordagem compreensiva, vão inspirar outros pensadores que, refletindo sobre a realidade em que vivem, demonstraram a possibilidade de responder aos desafios do mundo contemporâneo. 13. Foi a partir da obra realizada pelos clássicos que a sociologia moderna se configurou como um campo de conhecimento com métodos e objetos próprios. Com o tempo, nenhum tema escaparia ao seu conhecimento: o Estado, as religiões, os povos “não-civilizados”, a família, a sexualidade, a moral, a divisão do trabalho, os modos de agir, as estruturas da sociedade e seus modos de transformação, a justiça, a bruxaria, a violência. 14. Para Ianni, quando a globalização se constitui como “emblema da Sociologia”, as teorias sociológicas que ainda predominam, em suas implicações metodológicas e epistemológicas, são o funcionalismo, a teoria weberiana e o marxismo(9). 15. O marxismo, o funcionalismo e a teoria weberiana são “ as três poderosas matrizes do pensamento científico que nunca deixaram de contemplar o indivíduo, a ação social,o cotidiano e outras manifestações das diversidades da vida social” ( 10 ). Estas teorias “fertilizam a maior parte de tudo o que se produz e se discute sobre as configurações e movimentos da sociedade global” (11). 16. Marx : serve de inspiração a muitos autores modernos dedicados a interpretar as configurações e os movimentos da sociedade global, baseados no principio da contradição. Durkheim : está presente no estruturalismo e na teoria sistêmica, pois autores modernos redescobrem o principio da causação funcional com o qual nasceram e desenvolveram os funcionalismo e os neo-funcionalismos. Weber : torna-se presente na medida em que multiplicam os estudos sobre a mundialização e a racionalização do mundo, a ocidentalização de outras sociedades, tribos, nações e nacionalidades. 17. Temas como identidade nacional, teorias do desenvolvimento e globalização, qualidade de vida e meio ambiente, transformação da sociedade industrial e pósindustrial, as novas representações de temporalidade e espaço social, relações entre poder e saber, poder e corpo, indivíduo e subjetividade, pluralidade de sujeitos, de lutas sociais e de situações de dominação são tratados a paritir de um olhar que busque ao mesmo tempo resgatar o pensamento dos clássicos por meio dos autores contemporâneos. 18.Principais eixos da sociedade global, eixos que têm em cada um deles embutida uma contradição : a tecnologia, a globalização, a polarização econômica, a urbanização e a transformação do trabalho.(12) - enquanto as tecnologias avançam rapidamente, as instituições correspondentes avançam lentamente e esta mistura é explosiva. - a economia globaliza-se , mas os sistemas de governo permanecem no âmbito nacional, gerando uma perda geral de governabilidade. - a polarização econômica aumenta a distância entre ricos e pobres, enquanto o planeta encolhe. - a urbanização junta os pólos extremos da sociedade, levando a convívios contraditórios cada vez menos sustentáveis - as transformações no mundo do trabalho criam novas relações de produção e geram a exclusão social 1. GIDDENS,Anthony. Sociologia. 4ªedição. Porto Alegre: Ed. ArtMed, 2005 2. MILLS, Writh. A Imaginação Sociológica. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 1975 3. LEMOS FILHO, Arnaldo. A Sociologia como produto histórico. In Sociologia Geral e do Direito. 2ªedição, Campinas:Ed.Alinea, 2005 4. QUINTANERO,Tânia. Um toque de Clássicos. 3ªedição. Belo Horizonte: Ed. UFMG,2005 5. TOMAZZI, Nelson. Iniciação à Sociologia. São Paulo: Ed. Atual, 2001 6. TEODORO JR, José. As Ciências Humanas. In Lemos Filho, Arnaldo, obra citada. 7. GIDDENS, Anthony, obra citada. 8. GIDDENS, Anthony, obra citada 9. IANNI, Octavio. A sociologia numa era de globalismo. In Ferreira, Leila da Costa(org). A Sociologia no horizonte do século XXI. São Paulo : Ed. BoiTempo.1997 10.IANNI, Octavio, obra citada 11.IANNI, Octavio, obra citada 12.DOWBOR, Ladislau. Globalização e tendências institucionais.In Ianni, Octavio. Desafios da Globalização. Petrópolis: Ed. Vozes, 2001.