Dicotomias, pontos e contrapontos Luiz Carlos Correa Soares Desnecessário será revisitar Marx ou qualquer continuador de suas ideias para constatar que o sistema capitalista continua cada vez mais submetido às suas contradições e dicotomias. Ou seja, o fato do sistema estar cada vez mais prisioneiro de componentes intrínsecos de seu DNA não pode causar qualquer surpresa dado que as situações estão aí, na crise, por toda a parte. Vejamos alguns exemplos ilustrativos. A Grécia é identificada como o olho do furacão, sob razões muito significantes: empréstimos de 100 bilhões de euros para redução da dívida com credores privados; programas de austeridade; queda 6% no PIB em 2011; desemprego de 22% em geral e 50% entre os jovens; 20 mil pessoas sem teto somente em Atenas; redução do salário mínimo entre 22% e 32%, conforme as classes; adiamento das eleições deste ano. São algumas imposições dos "donos do euro" a um país e a um povo que já foram marcos do conhecimento e de civilização no planeta. Um exemplo acabado de perda total da soberania. Na União Europeia, o desemprego é de cerca de 11%, o maior em mais de uma década. A França e a Alemanha, motores econômicos da UE, esperam crescer pouco mais de 1% neste ano. A China está reduzindo exportações, aumentando o consumo interno e talvez desvalorize a sua moeda. No Oriente Médio, o petróleo continua muito valorizado e a ameaça de guerra Israel (EUA) x Irã é uma perspectiva constante. Nos EUA, o presidente Obama acaba de obter poderes quase ditatoriais, por um ato garantido na Constituição denominado Ordem Executiva, não usado desde Harry Truman, em 1950. Sua aplicação não se limita a tempos de guerra porque compreende também controles sobre contratos com fornecedores e trabalhadores. Em várias partes do mundo o povo tem ocupado as ruas para manifestar seus protestos. Todavia, parece que o velho continente europeu é que apresenta as mais significantes bases para análises do momento sistêmico atual, tanto negativas e reais quanto positivas e possíveis. Respeitáveis analistas, tais como Ignacio Ramonet, do Le Monde Diplomatique, Immanuel Wallerstein, da Universidade de Yale, Atilio Borón, analista político argentino, Alexandro Nadal, economista mexicano e outros têm destacado aspectos nada desprezíveis do atual momento da crise mundial, não apenas quanto a aspectos econômicos e financeiros, mas também sociais, políticos e ideológicos. No Brasil, destaco o analista Saul Leblon, de cujas matérias correlatas ao tema, sempre ácidas e mordazes, recorto e transcrevo o trecho a seguir. "Para o bem dos interesses rentistas seria preciso colocar sob regime de exceção toda uma Europa incinerada pelo incêndio neoliberal que excreta recessão, desemprego e desespero da Grécia à Espanha, de Portugal à Irlanda. Em meio às labaredas, as urnas ainda respiram: dia 22 de abril, antes do escrutínio grego, a França elege um novo presidente; na Espanha triturada por cem dias de governo direitista, acontecem eleições regionais. A evocação rebelde do farmacêutico Dimitris Christoulas convoca a consciência europeia a empunhar o voto com a determinação de quem maneja um lendário fuzil Kaláshnikov." Cabe destacar que o processo eleitoral em trânsito na França apresenta características e perspectivas diferenciais em relação aos processos anteriores, situação que Leblon chama de "respiro das urnas". É que a Frente de Esquerda, de Jean-Luc Mélenchon, começou a atropelar nas pesquisas e nas movimentações de massa nas ruas. Entre outras coisas porque promete "tingir de verde o capitalismo" e impor um forte controle estatal do sistema financeiro. Pode não ganhar, mas já produziu um caos no centro-direitismo de Sarkozy, no frágil socialismo de François Hollande e no radicalismo de direita de Marine Le Pen, a qual parece ser preferida em parte pela juventude. O processo grego caracteriza-se como a peça mais frágil, neste momento, do dominó capitalista. E se tombar, poderá derrubar muitas outras peças cujas fragilidades estão aparentes ou ainda ocultas. Aliás, é de se perguntar se o nosso Brasil se enquadra entre as peças verdadeiramente sólidas, ou as sólidas só na aparência, ou as disfarçadas, ou as enrustidas ou o quê? Receio que estejamos enquadrados na última hipótese, ou seja, não existem condições reais para ter qualquer certeza. Por quê? Porque vivemos sob muitas contradições, dicotomias, pontos e contrapontos. Começa-se pelo fato do Brasil não ter um projeto de Nação e sempre se comportar como empresa voltada para o mercado. Isso, desde há mais de cinco séculos, quando o capitalismo europeu engatinhava e esta terra foi "descoberta" sob a orientação dos veneráveis da Escola de Sagres. Desde lá, existe algo que parece pertencer ao nosso DNA: o vírus da permanente dominação, exploração e subalternidade. Acho exagero chamar isso de "síndrome de vira-latas". Mas parece... São as 290 empresas que têm em caixa R$ 280 bi, equivalentes a 1/3 dos investimentos totais do PAC até 2014; a desoneração de empresas em R$ 97,8 bi, equivalentes a duas vezes o PAC 2012 e quatro vezes o programa Brasil Sem Miséria; as mudanças nas classes socioeconômicas com medição pelo consumo (ou consumismo) e não pelo real acréscimo na qualidade de vida; o tratamento dado à Conferência sobre o Clima ("Rio+ou-20") e o atribuído à Conferência Paralela dos Povos; as incoerências entre os investimentos para a Copa e para as necessidades reais da sociedade; o pacote de R$ 60,4 bi para estimular a economia, com redução de R$ 3,1 bi nas receitas fiscais e repasse de R$ 45 bi do Tesouro para o BNDEs, que não financia empresas estatais; o corte de R$ 55 bi no Orçamento Geral da União para garantir meta do superávit primário; a reforma do Código Florestal, em si e de per si, dicotômica e facilitadora da agressão ao meio ambiente; a controversa política energética quanto ao uso de energias renováveis e fósseis e com obscuros ou falsos benefícios sociais. E por aí vai, tanto no Brasil como no mundo, uma lista enorme, impossível de esgotar e analisar no espaço de um artigo. Matérias sobre temas aqui tratados e outros têm sido destacadas e comentadas no meu blog (www.lccsoares.blogspot.com). Parte-se do principio de que o debate a respeito das realidades do mundo deve obedecer à premissa da disponibilidade de informações corretas. Evitam-se, assim, dissertações fúteis e/ou tendenciosas sobre assuntos que não se conhece.