CONFLITOS E SENTIMENTOS FAMILIARES NO CONVIVER COM

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CONFLITOS E SENTIMENTOS
FAMILIARES NO CONVIVER
COM O PACIENTE PORTADOR
DE HIV/AIDS*
ROGÉRIA APARECIDA R. DOS S. ACADROLI,
MARIA APARECIDA DA SILVA
Resumo: revisão integrativa com abordagem qualitativa de oito estudos
publicados no período de 2003 a 2013. Teve-se como objetivo descrever as
percepções da família frente ao paciente portador de HIV/Aids, destacando
os aspectos positivos da convivência familiar. Tanto o paciente, quanto a família passam por mudanças e dificuldades inesperadas, especialmente após o
diagnóstico da soropositividade, necessitando de maior atenção profissional
nesta etapa.
estudos, Goiânia, v. 41, especial, p. 101-112, out. 2014.
Palavras-chave: HIV. AIDS. Família. Preconceito. Percepção.
N os dias atuais, em um mundo globalizado, falar sobre Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) ainda causa impactos negativos nas pessoas, por se
tratar de um assunto rodeado de estigmas e preconceitos. Nesse sentido, observa-se que há diversos aspectos sobre os questionamentos e as curiosidades referentes
ao assunto, como, por exemplo, saber como é o cotidiano de uma família cujo integrante
é portador do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV); conhecer suas dificuldades,
seus medos e anseios e como faz para conviver dia a dia, no contexto familiar.
Pensando em buscar respostas para nossas próprias dúvidas e questionamentos, e de
muitas outras pessoas, surgiu o interesse em estudar essa temática, no que concerne ao
cotidiano das famílias que convivem com o paciente portador de HIV/Aids no contexto
familiar. Nesse sentido, é importante que se provoque a seguinte reflexão a respeito:
Como é a rotina de uma família que convive com o paciente portador de HIV/Aids?
Quais as dificuldades enfrentadas pela família ante a condição do seu ente querido
com HIV/Aids?
101
OBJETIVOS
102
Descrever as percepções da família frente ao paciente portador de HIV/Aids, destacando os aspectos positivos da convivência familiar.
estudos, Goiânia, v. 41, especial, p. 101-112, out. 2014.
Assim, considera-se relevante aprofundar essas e outras questões, uma vez que se
pretende ajudar aos profissionais de enfermagem a conhecer o cotidiano da família que
convive com o paciente portador do HIV/Aids, já que esta categoria de trabalho está
envolvida diretamente com o cuidado ao cliente, à família, especialmente no que se
refere às orientações a serem cumpridas no âmbito domiciliar, envolvendo o autocuidado, o acolhimento, o aconselhamento, a prevenção e até mesmo as diferentes fases
da evolução da doença.
Sabe-se que a Aids é uma manifestação clínica avançada da infecção pelo vírus da
imunodeficiência humana (HIV), e se caracteriza pela depleção das células com marcador fenotípico CD4+, principalmente os linfócitos T, o que leva à imunodepressão e ao
consequente desenvolvimento de doenças oportunistas (LAZZAROTTO et al., 2010).
Carvalho e Galvão (2008) ressaltam que o fato de saber o diagnóstico sobre uma
doença letal gera vários sentimentos nos pacientes, dentre eles a vergonha, a ansiedade
e a depressão, pois existe a dificuldade de enfrentamento da doença, o que prejudica o
referido tratamento. Por isso, é necessário que se destaque a importância do envolvimento da família, no apoio ao paciente, durante seu tratamento.
Alguns estudos mostram que a adesão ao tratamento é um dos problemas mais frequentes enfrentados pelos pacientes. Sendo assim, ressalta-se que é de competência do
enfermeiro instruir o paciente sobre os possíveis sintomas e sobre as mudanças físicas
que ocorrerão, esclarecendo as dúvidas e possibilitando a criação de um elo entre o
profissional e o paciente (FERREIRA; NICHIATA, 2008).
Outros autores afirmam que a família é considerada uma unidade de cuidado e uma
fonte de ajuda para o indivíduo com Aids. Desta forma, ela contribui para o equilíbrio
físico e mental do paciente (SOUSA; KANTORSKI; BIELEMANN, 2004).
A família é um complexo sistema de organização, e apresenta crenças, valores e práticas ligadas às transformações da sociedade, em busca da melhor adaptação possível para
a sobrevivência de seus membros e da instituição como um todo (MINUCHIN, 1990).
É comum depararmo-nos com situações nas quais o paciente perde a vontade de
viver, pois muitas vezes se sente abandonado e sem motivação, tanto para começar,
quanto para continuar o tratamento. Pode-se afirmar, também, que o preconceito ainda
é um dos maiores problemas enfrentados tanto pelo portador do vírus HIV como pela
família, e este acaba se tornando responsável pela não adesão do paciente ao tratamento
(AYRES et al., 2004).
Pelo presente estudo pretende-se levar aos profissionais de saúde mais informações,
para melhor entendimento sobre o cotidiano de uma família que convive com um membro
portador do vírus HIV/Aids. Desta forma, a equipe de enfermagem poderá identificar como
e quais são as alterações da rotina do paciente e da própria família, no contexto familiar,
após a descoberta da soropositividade, as quais servirão como apoio na elaboração de
medidas e estratégias de atenção, tanto para o paciente, quanto para a sua família.
estudos, Goiânia, v. 41, especial, p. 101-112, out. 2014.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Adotou-se, no presente estudo, a revisão integrativa, considerada um método de
revisão mais amplo, por permitir a inclusão de estudos de abordagem quantitativa
e qualitativa. Esse método foi desenvolvido em seis fases/etapas: escolha do tema e
questão da pesquisa; critérios de inclusão e exclusão; busca na literatura; categorização
dos estudos; análise dos dados; interpretação dos resultados e apresentação da revisão.
O objetivo é reunir e sintetizar os estudos realizados sobre o assunto, proporcionando
maior entendimento a partir dos resultados evidenciados em cada referencial teórico
(SOUZA; SILVA; CARVALHO, 2010).
Com o suporte desse método, fez-se a delimitação do tema tendo como perspectiva
conhecer o contexto familiar frente à convivência com o paciente portador do HIV/
Aids, para o qual se formulou a seguinte pergunta norteadora: Quais as percepções da
família frente à convivência com o paciente portador do HIV/Aids?
Em seguida, procedeu-se com a busca dos estudos publicados no período de
2003 a 2013, cujo levantamento foi realizado nas bases de dados virtuais, Literatura
Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Centro Latino Americano
e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (BIREME), Scientifc Eletronic Library
On Line (SciELO) e Base de Dados de Enfermagem (BDENF), com acesso por meio
de palavras-chave, previamente estabelecidas para a busca, usadas individualmente e/ou
associadas, dentre elas: família, HIV, Aids, percepção e convivência, no processo de busca.
Na fase de coleta dos dados, utilizou-se um roteiro caracterizado em quadros I e II,
cujo objetivo foi facilitar a extração das informações-chave dos artigos selecionados,
as quais foram analisadas detalhadamente. Para compor o estudo, foram incluídos os
artigos originais que fizeram referência ao tema e que apresentavam abordagem qualitativa do tipo descritiva, exploratória descritiva.
Finalmente, a análise e discussão do referencial teórico consistiram na leitura dos
resumos de cada artigo, o que possibilitou a identificação do conteúdo descrito para
a inclusão e a composição da pesquisa. Feito isso, realizou-se a leitura, na íntegra, de
cada texto, e o registro dos pontos principais para análise. Após esta tarefa, fez-se a
organização, a codificação, a caracterização dos estudos e a categorização do conteúdo,
por meio de fichamentos, resumos e apontamentos, a fim de facilitar o desenvolvimento
da presente pesquisa e de sua respectiva síntese.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
No decorrer das investigações, foram encontrados 3.861 artigos, cujo número, após o
refinamento temático, foi reduzido para um total de 74. Desses, 29 foram pré-selecionados
para a leitura criteriosa dos títulos, resumos, resultados e das conclusões, conforme os
critérios estabelecidos no método. A partir dessa estratégia, incluíram-se oito artigos
no estudo, por apresentarem coerência com os critérios de inclusão e com a temática
proposta. Os oito (100%) artigos foram encontrados nas seguintes bases de dados:
quatro (50%) no SciELO e quatro (50%) na LILLACS, sendo que dois desses estudos
apareciam simultaneamente em ambas as bases.
103
104
estudos, Goiânia, v. 41, especial, p. 101-112, out. 2014.
Os estudos foram codificados de A1 a A8, para melhor visualização dos dados, e em
seguida ordenados de forma decrescente em relação ao ano de publicação, como mostra o
quadro I. Ante a leitura dos títulos, identificou-se que os autores apontam o enfrentamento
à HIV/Aids pelos pacientes soropositivos como um aspecto importante para a família, e este
foi destacado em três (37,5%) artigos. Esses estudos enfatizam a convivência e as expectativas
vividas pelos pacientes em três (37,5%) publicações, enquanto em dois (25%) estudos os
autores salientam que muitos pacientes ainda vivem no anonimato. Observa-se, portanto,
a preocupação dos autores em mostrar o cotidiano dos pacientes, assim como o cuidado
e as expectativas despertadas nos soropositivos, juntamente com a família.
Como a seleção do material correspondeu somente à abordagem qualitativa, como
descrito no método, ressalta-se que os oito (100%) são pertinentes a esta modalidade,
e desses, cinco (62,5%) correspondem ao estudo descritivo e três (37,5%) ao tipo exploratório descritivo, mostrando que os estudiosos pautaram suas pesquisas nesse tipo
de estudo, que deve ter atendido às suas expectativas.
Ao analisar a formação dos autores e área em que o estudo foi desenvolvido, observa-se
que a área de enfermagem sobressaiu com sete (87,5%), das publicações, sendo os autores
enfermeiros, mestres doutores e docentes, seguida da psicologia, com um (12,5%). Cinco
(62,5%) artigos têm autores com formação de enfermeiro, mestre e doutor, dois (25%)
têm enfermeiros graduados e um (12,5%) psicólogo doutor. Desta forma, pode-se afirmar
que a enfermagem tem participado dos estudos referentes a essa temática, aumentando,
consequentemente, o interesse em agregar conhecimentos e desenvolver pesquisas.
Apesar dessa evidência, ainda há carência nessa área em publicações, o que exige maior
empenho desses profissionais em ampliar as publicações nessa temática.
Em relação às cidades de origem das publicações, Brasília/DF publicou três (37,5%)
artigos, seguida de São Paulo/SP, com duas (25%); Rio de Janeiro/RJ, com duas (25%)
e Porto Alegre/RS com uma (12,5%). Assim, observa-se a dedicação dos profissionais
nessas regiões, ao publicarem artigos referentes ao HIV/Aids e sobre as percepções da
família no cuidado ao paciente soropositivo. Logo, percebe-se a ausência de materiais
publicados sobre o referido tema em outras cidades e/ou capitais, uma vez que não foi
encontrado nenhum estudo em outras localidades.
Quanto aos anos de divulgação do material, nos anos de 2012, 2011, 2009, 2008,
2007, 2006, 2005 e 2003 foi encontrado apenas um artigo publicado em cada ano. De
2005 a 2009, observou-se a continuidade de publicações, no entanto, verificou-se a
necessidade de aumentar esse quantitativo, pois um assunto de tamanha magnitude
requer um olhar mais atento, já que em 2004, 2010 e 2013 nenhum artigo referente à
temática foi encontrado. Apesar de o pesquisador encontrar nas bases consultadas oito
artigos associados ao tema, entende-se que este não é um número satisfatório para um
assunto tão importante.
Portanto, pode-se afirmar que, neste contexto deve-se levar em conta a necessidade
de estudos nessa área, não só pela enfermagem, mas também pelas outras áreas, pois
essa temática merece a atenção dos profissionais de saúde, e não deve se esgotar nunca.
Embora tenham sido encontrados muitos estudos relacionados a esta temática, o problema ainda encontra-se muito presente, revelando que, além de pesquisar, é também
necessário colocar em prática as respostas encontradas neste estudo.
Quadro 1: Caracterização dos artigos
estudos, Goiânia, v. 41, especial, p. 101-112, out. 2014.
Cód.
artigo
Título
Formação
dos autores
A1
Enfrentamentos
experienciados por
homens que vivem com
HIV/Aids no ambiente
de trabalho
- Enfermeira. Mestre.
Doutoranda em
Enfermagem
-Enfermeira. Doutora
em Doenças Tropicais,
docente
-Enfermeira. Doutora em
Enfermagem
-Enfermeira. Mestranda
em Enfermagem
-Enfermeira. Mestranda
em Enfermagem
A2
Vivências para o
enfrentamento do
HIV entre mulheres
infectadas pelo vírus
Ano de
publicação
Fonte
Publicação
Abordagem /
tipo de
estudo
2012
Rev. Esc.
Enferm.
USP/SP
LILLACS
Qualitativa/
Exploratório
descritivo
-Enfermeira
2011
Rev Bras
Enferm.
(REBEn)
Brasília/ DF
LILLACS
Qualitativa/
Descritivo
A3
Convivência e
percepção do cuidado
familiar ao
Portador de HIV/Aids
-Enfermeira mestre e
docente
-Enfermeira mestre e
docente
-Enfermeira doutora em
filosofia da enfermagem
e docente
-Enfermeira mestrando
-Enfermeira, doutora em
filosofia da enfermagem.
2009
Rev. Enferm
UERJ/ RJ
LILLACS
Qualitativa/
Exploratório
Descritivo
A4
O impacto da
descoberta da sorologia
positiva do portador de
HIV/Aids e sua família
-Mestre em enfermagem
-Enfermeira, doutora
em Filosofia da
enfermagem.
2008
Rev. Enferm.
UERJ/ RJ
SciELO
Qualitativa/
Exploratóriodescritivo
Mulheres com HIV/
AIDS: fragmentos de
sua face oculta
-Mestre em enfermagem,
docente e pesquisadora.
-Doutora em Ciências
da Saúde, Mestre em
enfermagem, docente e
pesquisadora.
Transmissão vertical
do HIV: expectativas
e ações da gestante
soropositiva
-Enfermeira obstetra.
Enfermeira obstetra.
A7
Aspectos psicossociais
da vivência da
soropositividade ao HIV
nos dias atuais
-Psicóloga.
-Psicóloga, doutora.
-Psicóloga, doutora.
-Psicóloga.
A8
Mulheres e Aids:
rompendo o silêncio da
adesão
Enfermeira. Mestre em
Enfermagem, docente.
Professora Adjunto,
doutora em saúde
publica e pesquisadora.
A5
A6
Fonte: Dados coletados dos estudos divulgados no período de 2003 a 2013.
2007
Rev. Bras.
Enferm.
(REBEn)
Brasília/DF
SciELO
Qualitativa/
Descritivo
2006
Rev Latinoam Enferm.
USP/ SP
SciELO
Qualitativa/
Descritivo
2005
Psico, Porto
Alegre.
PUC RS
LILLACS
Qualitativa/
Descritivo
2003
Rev. Bras.
Enferm.
Brasília/DF
SciELO
Qualitativa/
Descritivo
105
106
estudos, Goiânia, v. 41, especial, p. 101-112, out. 2014.
Ao realizar a síntese dos artigos, especialmente quanto aos objetivos dos estudos
(quadro II), observa-se que em sete (87,5%) deles foi observada convergência no alcance
dos objetivos. Porém, no artigo A3 não há clareza quanto às necessidades de cuidados
que as famílias sentem na convivência com os pacientes soropositivos.
No que diz respeito ao interesse em conhecer e compreender os impactos e os conflitos
causados aos pacientes e à família, após receber o diagnóstico de HIV/Aids, notou-se
que em quatro (50%) dos estudos os autores buscam respostas para esses aspectos, uma
vez que os familiares são as pessoas mais próximas que convivem junto com o paciente.
Logo, percebe-se que, em sua maioria, os objetivos são coerentes com os resultados,
quando, nos artigos A3, A4, A5, A7, os autores descrevem os sentimentos e os conflitos
vivenciados pelos pacientes e familiares, ao apontarem os sentimentos gerados após o
diagnóstico, quais sejam: medo da morte, impotência, culpa e até isolamento, porém
alguns pacientes, mesmo após o diagnóstico, não desistem de continuar lutando para
melhorar a qualidade de vida (BOTTIL et al., 2009; CARDOSO et al., 2008; CECHIM;
SELLI, 2007; CASTANHA et al., 2005).
Nos oito (100%) artigos analisados, aparece o medo do preconceito e da morte como
os sentimentos mais relatados pelos participantes das pesquisas. Então, observa-se que
há uma concordância, entre todos os autores, em relatar esses sentimentos despertados.
O artigo A1, por exemplo, mostra que o medo de perder o emprego e de ser soropositivo leva o paciente a omitir o seu diagnóstico, e esse medo, muitas vezes, o leva ao
isolamento. O A2 afirma que a revelação do diagnóstico restringe-se apenas às pessoas
íntimas, devido ao medo do preconceito e aos conflitos advindos dele. O artigo A3 mostra
que a família é o porto seguro do soropositivo, e é nela que eles encontram forças para
continuar a viver, pois quando o paciente recebe o diagnóstico a família, geralmente,
assume o papel de cuidador durante o tratamento (FREITAS et al., 2012; GALVÃO;
PAIVA, 2011; BOTTIL et al., 2009).
Nesse caso, identifica-se convergência entre o artigo A3 e o A2, quando os autores
apontam que, após o diagnóstico de HIV/Aids, os pacientes procuram motivações para
enfrentarem a doença, na religiosidade, presença dos filhos e no suporte social e familiar, evidenciando, assim, a importância da família, antes e durante a fase da doença
(GALVÃO; PAIVA, 2011; BOTTIL et al., 2009).
Os artigos A1, A7 e A8 apontam que os pacientes soropositivos se isolam, após o
diagnóstico do HIV/Aids, correspondendo a um percentual de (37,5%) do material encontrado, e esse sentimento aparece como uma característica comum após a descoberta
da soropositividade (FREITAS et al., 2012; CASTANHA et al, 2005; REIS; XAVIER,
2003).
O artigo A4 aponta as dificuldades enfrentadas pelos pacientes no ambiente familiar,
com um artigo (12,5%), tais como medo de revelar o diagnóstico da doença até mesmo
dentro da própria família, e, por isso, eles sentem necessidade de usar as medicações
escondidas. Desta forma, a família não consegue apoiar e sustentar o seu ente nos momentos em que ele mais necessita. Observa-se, aqui, uma semelhança entre os aspectos
discutidos no artigo A7, no qual os autores mostram que, devido à falta de suporte
familiar e de apoio o paciente se isola, prejudicando, então, o tratamento (CARDOSO
et al., 2008; CASTANHA et al., 2005).
estudos, Goiânia, v. 41, especial, p. 101-112, out. 2014.
Quanto às percepções das famílias, destacadas no artigo A5 (12,5%), os autores
mostram o ponto de vista dos pacientes, porque a experiência de receber o diagnóstico
é única, por ser uma notícia inesperada e que mudará sua vida, pois a confiança é algo
que eles depositam nos parceiros, e, ao receberem o diagnóstico se deparam com a
traição e o desrespeito do parceiro (CECHIM; SELLI, 2007).
Em relação às recomendações e conclusões, os artigos apontam tanto para as consequências do diagnóstico, como para as expectativas apresentadas pelos pacientes, pois
os conflitos gerados após a descoberta da soropositividade causam dor, medo, angústia
e impotência. Mesmo assim, com tantas dificuldades os pacientes ainda têm forças para
continuar a viver, porque, apesar dos conflitos vivenciados e das mudanças no cotidiano,
eles se adaptam ao novo estilo de vida, porém não excluem dela o medo (CASTANHA
et al., 2005; MOURA; PRAÇA, 2006; CARDOSO et al., 2008).
Diante dessas constatações, entende-se que é competência do enfermeiro buscar
informações para melhorar o atendimento ao paciente e à família cujo membro é portador do HIV/Aids, pois esse profissional encontra-se diretamente ligado ao cuidado,
sendo o elo para a melhoria e qualidade de vida do paciente e de sua família. Por isso,
é de extrema importância que esses profissionais tomem consciência da necessidade da
realização de pesquisas e publicação de artigos sobre esse tema, pois, dessa forma, eles
contribuirão para a melhoria no cuidado prestado aos pacientes e aos familiares. Sabe-se
que eles necessitam de ajuda para enfrentar os conflitos gerados após o diagnóstico da
soropositividade e que isto os leva a mudanças inesperadas, tanto na vida do paciente,
quanto na da família.
Quanto ao conteúdo discutidos pelos autores, foram identificadas, especialmente,
as dificuldades no cotidiano familiar do paciente portador do HIV/Aids, e essas aprecem como um dos pontos mais importantes, discutidos pelos autores. Notou-se que os
sentimentos são as dificuldades mais destacadas pelos autores, entre eles o medo do
preconceito e da morte. Entretanto, ao descobrir o diagnóstico de HIV/Aids, toda a
família é afetada. Alguns familiares ajudam, dando apoio ao paciente, enquanto outros
mostram indiferença. Ao receber o diagnóstico da soropositividade, o sentimento despertado é considerado único, porque para a Aids não existe cura. Logo, pode-se afirmar
que as dificuldades são grandes devido ao preconceito da sociedade e, muitas vezes, da
própria família (FREITAS et al., 2012; GALVÃO; PAIVA, 2011; CASTANHA et al.,
2005; CECHIM; SELLI, 2007).
No que diz respeito ao convívio com a família, tem-se que esta é a base para uma
vida de qualidade, e para o paciente soropositivo ela se torna importante também para o
tratamento, pois, ao se deparar com um diagnóstico ruim, o paciente necessita de amparo,
incentivo e de alguém que mostre que, mesmo a doença não tendo cura, ele pode ter uma
vida de qualidade, aderindo, primeiramente, ao tratamento correto (BOTTIL et al., 2009).
Os autores abordam as mudanças no cotidiano da vida do paciente e da sua família,
após o diagnostico de HIV/Aids, quando se observam alterações significativas de hábitos, rotinas e de concepções sobre saúde e sobre a própria vida (GALVÃO; PAIVA,
2011; CARDOSO et al., 2008; MOURA; PRAÇA,2006).
Após a descoberta da sorologia, as mudanças acontecem tanto positiva, quanto
negativamente. O fato de o paciente ter um bom relacionamento familiar gera resulta-
107
dos significativos para ele, quanto à adesão ao tratamento, influenciando em seu modo
de viver. Assim, faz-se necessária a convivência harmoniosa entre os familiares, para
que se possa ter, como resultado, uma vida saudável nesse contexto, pois uma convivência sem harmonia traz sofrimento para o paciente, porque isso gera o abandono e o
preconceito, dentro da família, afastando, assim, um dos outros (CARDOSO; SILVA;
WAIDMANI, 2008).
O paciente precisa, então, buscar motivos para enfrentar a doença, pois além de tudo
pode surgir também o sentimento de impotência, de inutilidade diante do diagnóstico,
especialmente quando ele é responsável pelo sustento do lar. Nesse caso, a sorologia
o leva ao sentimento de incapacidade para exercer suas funções diárias, como cuidar
dos filhos, por exemplo. Por causa desse sentimento de culpa, a depressão pode ser
inevitável (GALVÃO; PAIVA, 2011).
Assim, ao fazer a síntese do conteúdo apresentado pelos autores, destaca-se que
ainda existem diversas dificuldades enfrentadas pelo paciente soropositivo ao HIV,
sendo necessário, portanto, um olhar mais crítico em busca de soluções para a melhoria
da qualidade de vida desse pacientes e de seus familiares, uma vez que o enfermeiro
cuida do paciente e da sua família. Mesmo diante de tantos obstáculos, nota-se que a
maioria das famílias, e os próprios pacientes, têm esperança de construírem uma vida
melhor, deixando de lado, muitas vezes, o medo do preconceito, e passando a encarar
a vida de forma natural, não deixando que a doença acabe com suas expectativas e com
seus sonhos.
Cód.
Artigo
Título
Objetivos
Resultados
Recomendações / Conclusões
A1
Enfrentamentos
experienciados
por homens que
vivem com HIV/
Aids no ambiente de trabalho
- Apreender situações de enfrentamento experienciadas por homens
que vivem com
HIV/Aids no ambiente de trabalho.
O medo da descoberta sobre a
soropositividade leva muitos trabalhadores a se demitirem, se isolarem ou até mesmo a omitirem
sobre sua saúde, com receio do
preconceito.
As consequências, ao
revelar o diagnóstico,
vão desde o constrangimento no ambiente de
trabalho à demissão.
Por medo do preconceito, a revelação do diagnóstico restringe-se
às pessoas intimas. Para que elas
enfrentem o HIV/Aids, algumas
motivações foram ressaltadas,
como religiosidade, presença de
filhos, suporte social e familiar e
cumplicidade profissional.
Presença da esperança
em algo sobrenatural
como a religiosidade
revelou-se como alento
para o enfrentamento
positivo, aliada à perseverança no tratamento
com vistas a sobreviver,
para poder cuidar dos
filhos, mesmo ante a
impossibilidade de cura.
As mulheres perseveram em busca de novas
alternativas e possibilidades, para enfrentarem
a doença e sobreviverem
dignamente.
A2
108
Vivências para
o
enfrentamento do HIV
entre mulheres
infectadas pelo
vírus
- Descrever relatos
e situações vivenciadas por mulheres infectadas
pelo HIV para o
enfrentamento da
infecção.
continua...
estudos, Goiânia, v. 41, especial, p. 101-112, out. 2014.
Quadro 2: Categorização e síntese dos artigos: objetivos, resultados e conclusões
A família, além de constituir
o porto seguro, para onde seus
membros sempre retornam, para
revigorar suas forças, serve ainda de confiança e apoio para o
enfrentamento dos momentos difíceis acarretados pela condição
crônica. Ela, que assume o cuidado no cotidiano até a completa
recuperação do doente ou a sua
continuidade por toda a vida, nos
casos de doenças crônicas.
Observar-se o envolvimento da família com
a situação vivida e o
cuidado prestado ao
portador de HIV/Aids, o
qual é permeado por vários sentimentos, entre
eles os de impotência,
compaixão, tristeza e
até mesmo de conformismo.
Com o passar do tempo,
as dificuldade enfrentadas pelos pacientes
vão dando lugar a outros sentimentos, como
valorização da vida e
mudanças no cotidiano,
com vistas à melhora na
qualidade de vida.
A3
Convivência e
percepção do
cuidado familiar para o portador de HIV/
Aids
A4
O impacto da
descoberta da
sorologia positiva pelo portador de HIV/
Aids e pela sua
família
- Compreender o
impacto da sorologia positiva na
vida do portador
de HIV/Aids e seu
familiar.
Com o diagnostico do HIV, muitos
pacientes mudaram o cotidiano,
seja de forma positiva ou negativa. Alguns enfrentam dificuldade
na família, e outros não deixaram
que o diagnóstico interferisse na
sua rotina de vida.
Mulheres com
HIV/AIDS:
fragmentos de
sua face oculta
- Conhecer fatores geradores do
medo que assola
as mulheres soropositivas e as
consequências nas
relações do cotidiano familiar, do
trabalho e do convívio social.
Receber o diagnóstico da soropositividade significa, muitas vezes,
para a mulher, um indicativo de
morte. A perspectiva de morte
iminente é o maior dos medos
sentido pelo homem. Este sentimento foi expresso pelos sujeitos
da pesquisa, manifestando medo
diante da perspectiva da morte,
pois esta é uma experiência única,
solitária e alienante.
A confiança no parceiro
constitui uma situação
que ofusca o
risco da contaminação.
Ao tomar conhecimento
do diagnóstico de soropositivo, a mulher se
defronta com a traição
e o desrespeito de seu
parceiro, tido, até então,
como companheiro fiel
na vida a dois.
- Identificar as expectativas e ações
da gestante HIV
positivo quanto à
gravidez e ao concepto.
Para muitas mulheres, a criança
seria uma força motivadora para
as suas vidas. Um filho as ajudaria a se sentirem mais fortes,
dando-lhes razão para resistirem
ao vírus.
Vários sentimentos são
despertados, assim como
a expectativa pelo nascimento de um recém-nascido saudável e não infectado, que dava forças
à gestante HIV positivo,
entrevistada, para prosseguir com a gravidez e
manter-se viva.
- Compreender os
aspectos psicossociais da vivência
da soropositividade e suas consequências na vida
diária.
As pessoas com HIV/Aids são,
muitas vezes, discriminadas, isoladas do convívio com outras
pessoas. A discriminação ocorre,
muitas vezes, no próprio núcleo
familiar, o que é bastante alarmante, pois a família e os amigos são
fundamentais para se configurar
uma rede de apoio. O abandono
gera sentimentos de culpa, isolamento e até mesmo descuido com
a aparência, sendo estes necessários para se continuar a viver.
Através das representações sociais da Aids,
apreendidas
neste estudo, pode-se ter
acesso às crenças, às interpretações, ao conjunto de relações sociais.
Essas
representações
ultrapassaram o aspecto
biológico e atingiram os
aspectos psicossociais,
tais como o preconceito,
a segregação, o estigma
e a inserção social, aspectos próprios da Aids.
A5
A6
estudos, Goiânia, v. 41, especial, p. 101-112, out. 2014.
- Conhecer aspectos da convivência
familiar do portador do
Hiv/Aids.
- Identificar as necessidades de cuidado que as famílias sentem diante
desta convivência.
A7
Tr a n s m i s s ã o
vertical
do
HIV: expectativas e ações
da gestante soropositiva
Aspectos psicossociais da
vivência
da
soropositividade ao HIV nos
dias atuais
continua...
109
conclusão
A8
Mulheres
e
Aids: rompendo o silêncio
da adesão
- Discutir a relevância ao grupo
de adesão em relação á qualidade de
vida das mulheres
soropositivas.
Todas as mulheres entrevistadas
relataram mudanças significativas
após o diagnóstico da soropositividade. O sentimento mais forte é
de terem sido traídas pelo homem
em quem confiavam. Elas relatam
que se sentem fracas e oprimidas
pela presença do vírus HIV. O
medo, a revolta e a insegurança
passam a preencher o cotidiano
dessas mulheres. No início, elas
buscam isolamento e solidão no
próprio lar. Com o grupo de adesão coletivo foi possível permitir a
troca de experiências, contribuindo, assim, para a melhoria da qualidade de vida dessas mulheres.
A incorporação da família das mulheres no
grupo de adesão, sendo
esta a peça essencial na
resposta ao tratamento, como a melhoria na
qualidade de vida das
pacientes. O grupo de
adesão ajuda as mulheres a enfrentarem o
HIV/Aids por meio de
debates, informações e
orientações relacionada
à doença e ao cotidiano
feminino.
Fonte: Dados coletados dos estudos divulgados no período de 2003 a 2013.
110
Para o desenvolvimento deste estudo, teve-se como eixo central o ato de conviver da
família com o paciente portador de HIV/Aids, destacando-se suas dificuldades, sentimentos
e conflitos. Nesse sentido, o material analisado mostrou que, historicamente, o preconceito
ainda é um problema que acompanha a família e o paciente desde a sua descoberta na
sociedade até os dias atuais. Ligados ao preconceito também emergem vários outros sentimentos, tanto na família, quanto no doente e nas pessoas próximas ao paciente. Observa-se
que, devido ao medo da doença, do preconceito e da exclusão social o paciente se isola,
muitas vezes, em sua própria casa, prejudicando ainda mais seu tratamento.
Diante desse contexto, e como forma de amenizar as dificuldades vivenciadas pela
família, tem-se no enfermeiro, em especial, e na equipe de enfermagem um ponto de
apoio importante, por ser, reconhecidamente, a equipe mais presente no cotidiano da
assistência à saúde e com maior possibilidade de aceso à família do paciente, quando o
objetivo é a obtenção de determinadas informações, sobre a convivência com o paciente,
que possam ser trabalhadas junto à família e ao paciente. Assim, a enfermagem pode
agir de forma mais adequada e eficiente, indicando/adotado as melhores estratégias
para o paciente e a família lidarem com as dificuldades provenientes de tal condição.
Logo, faz-se necessária a intervenção da enfermagem, com domínio de conhecimento
técnico e científico e com capacidade para estabelecer elo com a família e o paciente,
uma vez que o tratamento mais eficaz só poderá ser alcançado se o paciente estiver
inserido no ambiente familiar com menos conflitos e mais apoio.
Apesar das limitações na realização deste estudo, principalmente na localização do
referencial teórico, nota-se que o tema é, ainda, pouco divulgado entre os profissionais
de saúde, sinalizando a necessidade de um olhar mais crítico dos pesquisadores, em
especial os da enfermagem, quanto ao interesse de contribuir com a área da saúde e
da categoria, para que possam registrar, por meio de estudos, suas experiências nesse
contexto temático.
estudos, Goiânia, v. 41, especial, p. 101-112, out. 2014.
CONSIDERAÇÕES
Portanto, espera-se que as impressões contidas neste estudo possam chegar até os
profissionais de saúde e gerar reflexão crítica e humanística sobre como eles podem
agir no seu trabalho, para melhorar a assistência aos pacientes e aos seus familiares,
uma vez que esses necessitam de apoio para enfrentar os conflitos gerados após a descoberta da soropositividade ao HIV, porque isto pode levar a mudanças inesperadas no
cotidiano da família.
CONFLICTS AND EMOTIONAL TOLL IN FAMILIES LIVING WITH HIV PATIENTS
Abstract: integrative review containing a qualitative approach on eight studies published
in the period 2003-2013 with the objective to describe the perceptions held by family
members toward patients with HIV/AIDS, mainly highlighting positive aspects of family
living. Both patient and family undergo through changes and unexpected difficulties
after HIV seropositivity diagnosis which requires even more professional attention at
this stage.
Keywords: HIV. Aids. Family. Prejudice. Perception.
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* Recebido em: 10.10.2014
Aprovado em: 17.10.2014
ROGÉRIA APARECIDA R. DOS S. ACADROLI
Acadêmica Graduanda em Enfermagem pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás
(PUC Goiás). E-mail: rogé[email protected].
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MARIA APARECIDA DA SILVA
Enfermeira. Mestre pela Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG). Docente do Curso de Graduação em Enfermagem da PUC Goiás.
Orientadora do estudo.
estudos, Goiânia, v. 41, especial, p. 101-112, out. 2014.
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