A social-democracia O advento do modo de produção capitalista, consolidado pelas "Revoluções Industriais" dos séculos XVIII e XIX, implicou, ao lado dos aspectos positivos no tocante à geração de riquezas e aumento da produtividade, a exploração do trabalho da classe operária. De fato, o progresso proporcionado pelo capitalismo foi pago pelo sangue e suor de homens, mulheres e crianças do proletariado. O panorama social do Ocidente, quando dos primórdios da industrialização, era dantesco: salários aviltados, mulheres precocemente envelhecidas pela opressão do monótono e exaustivo trabalho nas fábricas e crianças que, submersas nas minas de carvão, praticamente desconheciam as benesses da luz solar. Nesse contexto, surgiram ideologias e teóricos que propunham sociedades alternativas ao regime capitalista. Algumas lideranças operárias, na ingênua crença de que as máquinas eram responsáveis pela sua triste circunstância, quebravam-nas com seus "sabots" (tamancos, em francês), literalmente "sabotando" as fábricas. Outros proletários apelavam para a aparentemente radical solução anarquista, que propunha a eliminação de "tudo o que oprime o ser humano": a família, a religião, a propriedade e o Estado. Para muitos, o comentário de Proudhon de que "toda propriedade é um roubo" parecia ser a melhor maneira de se construir uma sociedade igualitária e calcada na solidariedade. Dentre todas as propostas revolucionárias, uma delas se destacou pelo rigor científico de sua análise do capitalismo: o materialismo histórico e dialético, popularmente conhecido como "socialismo marxista". Baseado numa brilhante análise da formação do capitalismo, Karl Marx, ao afirmar que esse sistema inevitavelmente conheceria uma "evolução catastrófica" em função da concentração da riqueza nas mãos de poucos e da proletarização de quase toda sociedade, propunha a edificação de uma sociedade socialista, onde a produção e a propriedade seriam coletivas. O socialismo – uma idílica espécie de "paraíso na Terra", onde e quando seriam superados e anulados os antagonismos, os egoísmos particularistas e as alienações gerados pelo capitalismo – seria realizado pela "Revolução", cujo agente deveria ser um "messias coletivo": a classe operaria. Na segunda metade do século XIX, firmava-se um dogma: a "humanização" do mundo seria revolucionária, pois, como dizia Engels, a "violência é a parteira da História". O mundo Ocidental se bipolarizava: de um lado, os teóricos ligados à burguesia dominante defendiam o capitalismo e o liberalismo político e econômico; de outro, intelectuais e operários organizavam partidos destinados a conduzir as sociedades pela via revolucionária. Em termos políticos e ideológicos, o cenário se apresentava de cunho maniqueísta: o "bem" contra o "mal", o "negro" contra o "branco", não havendo espaço para o matiz do "cinza". Eis que na passagem do século XIX para o XX, emerge uma "terceira via": a social-democracia. Lideranças intelectuais e operárias, agrupadas na Segunda Internacional, propunham uma solução política alternativa: nem o capitalismo "selvagem" e explorador; nem o "socialismo revolucionário", que implicaria o sangue e o terror. A única alternativa viável: a "socialização" e a "humanização" do capitalismo por meio de progressivas reformas. Nascia o "socialismo parlamentar": compete à classe operária eleger representantes que, controlando a máquina estatal, pudessem amenizar e diluir as agudas contradições classistas da sociedade capitalista liberal. O sonho realizado Em 1917, o processo revolucionário russo, pelo seu grau de radicalismo, assustava a burguesia ocidental. De fato, o socialismo de modelo soviético, em seus primórdios, entusiasmou a classe operaria mundial: a "solução" leninista parecia ser a edificação do "Paraíso" sob a Terra, onde estariam abolidas as desigualdades e o homem poderia ser solidário com seus semelhantes. Em vários países da 1 Europa Ocidental, os partidos socialistas conheceram dissidências que, seguindo o exemplo da URSS, transformavam-se em agremiações comunistas. As elites dominantes no mundo capitalista se viram diante de alternativas bem definidas: ou apelaram para soluções autoritárias ou totalitárias de extrema direita, a exemplo do nazi-fascismo ou, numa menor escala, procuraram fazer concessões à classe operária visando diluir a luta de classes. Os partidos socialistas europeus também foram obrigados a optar: uns, como na Suécia, tornaram-se bons administradores do modo de produção capitalista, amortecendo o "barril de pólvora" social; outros – como ocorreu na França e na Espanha dos anos 30 – buscaram alianças com os Partidos Comunistas, inaugurando a famosa política das "Frentes Populares", com o objetivo de barrar a progressão fascista. Terminada a Segunda Guerra Mundial, quando se tornou explícita a barbárie nazifascista e com a crescente revelação dos crimes "stalinistas", a social democracia enraizou-se na Europa Ocidental como a única maneira de se implantar um "capitalismo de face humana". Desde então, o moderado intervencionismo governamental, visando criar uma sociedade equilibrada através de Estados Previdenciários, define o contemporâneo "modo de ser europeu". Com o colapso da União Soviética e a conseqüente "crise de identidade" das "esquerdas", a social democracia comprovou ser a única postura "progressista" viável, fato confirmado até para os antigos países da "Cortina de Ferro", onde o crescente fracasso dos partidos de "direita" em resolver os problemas sociais vem provocando a ascensão dos "neocomunistas", todos protestando fidelidade aos ideais do socialismo democrático. Inegavelmente, a social democracia, apesar dos altos custos necessários à manutenção do bem estar social, criou, na Europa, um inédito equilíbrio político entre uma "esquerda" e uma "direita" moderadas e, como comentam vários analistas, "civilizadas". Hoje, apesar da existência de alguns núcleos xenófobos e "encantados pelo mumificado discurso da extrema direita", o espectro das soluções autoritárias ou totalitárias não paira mais sobre o Velho Continente. Brasil: uma outra realidade Em nosso país, onde se desenvolveu um capitalismo, não só "hipertardio", como também deformado, as concessões feitas à classe operária e aos segmentos populares tiveram um cunho populista e provieram de governos autoritários, a exemplo do "Estado Novo" varguista. Nunca tivemos uma tradição social democrata. Ao longo da "República Liberal Populista", que se estendeu de 1946 a 1964, o então Partido Social Democrata foi a expressão do oligarquismo agrário e de uma corrupta e parasitária burocracia de Estado. O Partido Comunista Brasileiro sempre oscilou entre o "canto de sereia" do stalinismo e, na prática, as benesses do poder, tornando-se uma agremiação partidária a reboque do Populismo. Durante o regime militar, inaugurado pelo golpe de 1964, o cenário político brasileiro, pouco a pouco, foi empobrecido por uma reles bipolarização: de um lado, os apologistas do regime, agrupados nas ARENAs e nos PDSs da vida e, de outro, uma heterogênea e esdrúxula "frente ampla", o MDB, que congregava de liberais conservadores a "esquerdistas" de todo gênero. Mais uma vez se confirmou que os regimes autoritários não são boas "escolas" de cidadania e participação política. No processo de redemocratização, a partir do final da década de 70, retornaram todos os vícios do populismo, de um conservadorismo cego e de um "esquerdismo" rançoso e vetusto, embora mascarado de "progressismo". O desgaste do PMDB, vitimado pela promiscuidade ideológica nele existente e a "doença infantil do esquerdismo" que acomete o Partido dos Trabalhadores abriu espaço para a emergência de uma agremiação partidária, até então desconhecida no país: o PSDB, que buscava e busca criar uma mentalidade social democrata entre nós. A incógnita permanece: um capitalismo eivado de problemas, deformações e 2 desconhecedor das efetivas regras de um desenvolvimento e de um mercado dinâmico pode vir a ser berço de uma solução de "esquerda" verdadeiramente progressista? Lançando mão da surrada frase, podemos dizer que "só o futuro responderá" a essa questão. Mas, a regeneração financeira e moral que hoje, aos trancos e barrancos, conhecemos e vivemos, é um sinal de esperança. A comoção provocada pela trágica morte do íntegro Governador Mário Covas pelo menos indica que tipo de liderança e ação políticas deseja a consciência nacional. Fonte A SOCIAL-DEMOCRACIA. Disponível em: <http://www.10emtudo.com.br/imprimir_artigo.asp?CodigoArtigo=12&tipo=artigo >. Acesso em: 06 mar. 2008. 3