economia criativa como plataforma de política

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IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL – POLÍTICAS CULTURAIS – 16 a 18 de outubro/2013
Setor de Políticas Culturais – Fundação Casa de Rui Barbosa – Rio de Janeiro – Brasil
ECONOMIA CRIATIVA COMO PLATAFORMA DE POLÍTICA CULTURAL
E SEUS DESDOBRAMENTOS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
Amanda Wanis1
RESUMO: Na última década temos visto o crescimento da chamada economia criativa nas
agendas de gestores tanto públicos quanto privados e o entendimento da economia criativa
como plataformas de políticas culturais. Este artigo tem como objeto de análise a percepção
da economia criativa como política pública na área de cultura e os impactos dos seus
desdobramentos na cidade do Rio de Janeiro no chamado ‘momento Rio’.
PALAVRAS-CHAVE: economia criativa; política cultural; disputas simbólicas; cultura
como negócio; megaeventos; Rio de Janeiro.
Na última década temos visto o crescimento da chamada economia criativa nas
agendas de gestores tanto federais quanto estaduais e municipais principalmente nas capitais
do país como o Rio de Janeiro, foco de análise deste artigo, e o entendimento da economia
criativa como plataformas de políticas culturais. Este artigo tem como objeto de análise a
percepção da economia criativa como política pública na área de cultura e seus
desdobramentos no Rio de Janeiro em momento de sediar grandes eventos internacionais.
Nesse contexto do chamado ‘momento Rio’, iremos desdobrar alguns possíveis impactos da
percepção da economia criativa como política pública no contexto da relação entre economia
e cultura.
A economia criativa vem se configurando como um conjunto de ideias que dão
suporte a atividades específicas produtoras de bens e serviços que têm como aspecto
estruturador o singular, o simbólico e o intangível – a arquitetura, o design e o audiovisual são
bons exemplos. O termo economia criativa tem sua origem em meados dos anos 90; no
entanto, sua prática não é recente e pode ser reconhecida anteriormente a esse período.
Ao nos referirmos à economia criativa, não podemos deixar de relacioná-la e comparar
seus processos de atuação com a dinâmica de valorização do modo de produção capitalista
que se baseia na reposição em jogo do capital no circuito econômico, para que dele se extraia
lucro e, consequentemente, aumente-se o capital e, então, se torne a jogá-lo na roda
(BOLTANSKI & CHIAPELLO, 2009). Sobre essa vertente recai a maior crítica à apropriação
dos valores culturais pelo capital, como já enunciavam Adorno & Horkheimer (2006), ao
1
Pesquisadora mestre do Laboratório Globalização e Metrópole / Grupo de pesquisa Grandes Projetos de
Desenvolvimento Urbano vinculado ao programa de graduação e pós-graduação do curso de arquitetura e
urbanismo da Universidade Federal Fluminense. [email protected].
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falarem, na década de 60, que o cinema e o rádio já não precisavam se apresentar como arte,
pois não passavam de um negócio.
Assim como as indústrias culturais2, ainda na década de 60, valorizaram e se
utilizaram de processos já legitimados por esse sistema, a chamada economia criativa – que
se constitui para além das indústrias criativas, também pelos impactos dos bens e serviços
gerados em outros setores da economia e seus correlatos (REIS, 2009a) - atualmente se utiliza
de estratégia semelhante. Conforme afirma Adorno e Horkheimer (2006): “a máquina gira
sem sair do lugar. Ao mesmo tempo em que já determina o consumo, ela descarta o que ainda
não foi experimentado porque é um risco”. A chamada economia criativa, em suas bases
capitalistas, reduz, portanto, uma das mais importantes características da criação e da cultura:
seu caráter inovador e experimental e acaba por circundar atividades lucrativas como o
design, a moda e a arquitetura.
Na relação entre cultura e economia, dois processos são fundamentais, o dinamismo e
a flexibilidade na produção de bens e serviços. Esses aspectos nos permitem compreender
grande parte das transformações, ou reinvenções, econômicas, não só fabris, mas no conjunto
de valores que nos guiam (PIRES, 2009). Esses processos vêm configurando o que chamamos
de uma sociedade de consumo e, consequentemente, uma sociedade do descarte com ênfase
no instantâneo (Ibidem). Neste contexto, a cultura ganha cada vez mais força como fator de
diferenciação no consumo (BOURDIEU, 2007). O estilo de vida se representa, atualiza e
afirma no consumo de produtos e serviços.
Para Harvey (2012), é esse estilo de vida que fornece meios para acelerar o ritmo de
consumo e são os produtos efêmeros que ultrapassam os limites da acumulação e do giro de
bens físicos. Segundo ele, nesse momento que o capitalismo faz sua rápida penetração em
muitos setores da produção cultural a partir da metade dos anos 60.
Podemos perceber também a mudança na relação entre economia e cultura quando, de acordo
com Arantes (2009), a cultura ganha um novo significado, um papel motor na sua relação
com a gestão de cidades. Segundo a autora, é na gestão de grandes projetos na Paris de
Mitterrand, nos anos 70, que percebemos: a ideia de cultura como diretamente vinculada à
mobilização de um star system arquitetônico e o início da “conjunção de empreendimento
urbano e investimentos culturais de porte industrial” (ARANTES, 2009, p. 49) como fortes
elementos de atração de investimentos para a cidade. Nesse mesmo momento, do outro lado
2
Empresas e instituições cuja principal atividade econômica é a produção de conteúdos simbólicos, em um
processo contínuo que gera impactos econômicos na produção de riqueza, trabalho e divisas de exportação.
2
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do Atlântico, a expressão Cultural Turn surge para designar as mudanças de paradigma no
que se refere à relação entre cultura, cidades e economia, na qual “a nova centralidade da
cultura é econômica e a velha centralidade da economia tornou-se cultural” (ARANTES,
2009, p. 47). Nesse mesmo processo, o conceito de cultura passa a incluir também o conceito
de cultura de massa, priorizando mais seu caráter mercadológico e econômico (VAZ &
JACQUES, 2001).
Já em meados dos anos 1990, é a criatividade que começa a ganhar destaque na
economia, passando a ser inserida nas agendas governamentais como alternativa possível para
a reestruturação do capital na economia moderna (PIRES, 2009). Dentro desse novo contexto,
surgem alguns autores que buscam entender e valorizar o papel da criatividade na economia,
como o autor John Howkins, em 2001, com o livro intitulado The Creative Economy: How
People Make Money From Ideas, publicado na Inglaterra. O autor reafirma, em recente
entrevista para o site da brasileira Ana Carla Fonseca Reis, chamado “Criaticidades”, a ideia
de a economia criativa está relacionada a uma questão de compra e venda de experiências
ainda não vividas, o que, na indústria criativa, é mais uma questão de produção do que de
venda. E, no caso brasileiro, é na venda dessas experiências onde se concentram os maiores
desafios, uma vez que encontramos uma rejeição de cerca de 80% na capitação de recursos
via lei de incentivo federal3.
Não podemos deixar de perceber, neste contexto da economia criativa, o processo de
produção de realidades e de construção de discursos. Conforme elucida Foucault (1996), no
processo de construção de verdades se estabelece um sistema de exclusão no qual são
evidenciados aspectos do desejo de quem produz o discurso, enquanto são silenciadas outras
realidades, culminando na exclusão de vozes heterogêneas.
Nessa tentativa de reconhecer outras realidades distantes do discurso dominante sobre
a chamada economia criativa, não podemos deixar de perceber que tanto o ideário quanto a
natureza das atividades baseadas nele emergem na realidade dos países desenvolvidos, numa
perspectiva de que a economia desenvolvida em seus territórios está baseada em inovação,
tecnologia e, sobretudo, serviços. No entanto, essa realidade dos países avançados não deve
ser pensada isoladamente. Trata-se de apenas uma peça ou parte de um conjunto de peças e
dinâmicas globais. Há uma relação direta destas áreas de economia ‘renovadora’ com aquelas
regiões caracterizadas por uma fortíssima atividade industrial, de produção pesada. Estas
3
Dados de 2006 do Ministério da Cultura.
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últimas carregam consigo grandes conflitos quanto à exploração do trabalho, incluindo o
infantil, e à poluição, como parece ser o caso de países como China, Coreia, Vietnã.
No entanto, a sociedade ocidental continua a atribuir valor ao processo de produção –
o produto ou serviço finalizado, entregue – e não ao processo de criação dos mesmos, à
tecnologia e ao conhecimento que os geraram. Mesmo que a ética tenha entrado em cena, em
parte na substituição da consciência religiosa, estimulando o crescimento do consumo de
produtos socialmente corretos e verdes (LIPOVETSKY, 2007), a valorização de aspectos
culturais e subjetivos no consumo ainda não é uma atitude corrente. A não valoração dos
processos criativos pelo consumidor final dos bens e serviços pode ser mais um fator de
estímulo a essa segregação espacial nos processos industriais/econômicos que ainda buscam
em países com fraca legislação social e ambiental a redução do custo da produção.
Portanto, embora autores como Castells (1999) defendam que estejamos na era do
conhecimento, e haja fortes indicadores nessa direção, trata-se, ao que parece, de um processo
de legitimação dessa leitura do mundo, já que, na sociedade capitalista, os mercados precisam
validar os modelos para que sejam considerados legítimos e, portanto, afirmam-se em
modelos seguros que não valorizam primeiramente o processo criativo, mas o de produção.
Portanto, enquanto valorarmos os processos de produção em vez dos de criação, que
envolvem todo o conhecimento necessário para tal, como em pesquisas de novas tecnologias,
novos medicamentos ou o próprio processo de criação artística, dificilmente a atribuição de
valor ressaltada por Howkins (op.cit.) será efetivamente estabelecida.
Não podemos, no entanto, deixar de perceber que a perspectiva econômica das
atividades criativas engendra-se, ainda, em um campo de disputa quanto às tecnologias de
produção, que são barateadas, assim como novos canais de distribuição de conteúdos, criados
para sua troca livre e gratuita. Desse modo, o controle sobre os ativos provenientes dos
direitos autorais, dos royalties se torna inviável, provocando disputas no mundo inteiro pelas
leis que regem os direitos autorais. De um lado, encontram-se os grandes produtores de
conteúdos, que detêm grande parte das propriedades intelectuais, grandes corporações que
compram as propriedades dos indivíduos criativos, e do outro, produtores independentes que
tentam divulgar para seus interlocutores suas produções de modo colaborativo e em rede. A
questão sobre os direitos autorais e patentes passa pela restrição de acesso, mediante licença
exclusiva concedia por meio de pagamento. Essa disputa, nas dinâmicas de mercado, chega ao
extremo de criminalizar a reprodução de trabalhos feitos coletivamente.
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Nesse sentido, essas disputas estão longe de terminar. Outras perspectivas precisam
entrar em cena para tensionar a disputa – que tende a favorecer as grandes corporações
produtoras de conteúdo e o processo de dependência das atividades culturais em relação às
empresas de outros setores quanto a sua viabilidade econômica/financeira, a fim de tornar
mais viável a participação dos indivíduos e trabalhadores criativos, redes e grupos sociais e
produtores independentes nesta dita “nova economia”.
Nesse sentido, a lógica que se mantém é a dos mercados capitalistas: a valoração passa
pela legitimação mercadológica, que tenta padronizar e espetacularizar também o intangível,
além de favorecer a produção desigual dos ativos econômicos, em geral concentrado nos
grandes produtores de conteúdo.
Desse modo, em consonância com Pires, avaliamos que a economia criativa tal qual se
apresenta hoje mescla disciplina e controle – referindo-se às disputas em torno dos direitos
autorais e produção em rede –, ação no espaço e no tempo, agenciamento de públicos e
subjetividades, imaterialidades e simbolismos, e age, sobretudo, com vistas a garantir a
reestruturação, reprodução e perpetuação do capitalismo (PIRES, 2009). Essa reestruturação
se baseia num aparato simbólico de construção de um consenso sobre o sentido de mundo
social, usando as culturas e a criatividade como propagadoras dessa nova ordem social, ou
seja, a chamada economia criativa, ainda em construção, como a grande plataforma de
marketing para um chamado desenvolvimento local. É nesse contexto que o ideário de cidade
criativa começa a se configurar.
A partir do entendimento da construção da chama economia criativa e do contexto ao
qual ela está inserido, poderemos analisar sua inserção nas agendas de atores nacionais e em
especial de agentes municipais do Rio de Janeiro. Desse modo, destacamos que a cidade do
Rio de Janeiro possui uma estreita relação com as atividades que hoje se entendem como
pertencentes à economia criativa e a introdução do tema nas agendas dos governos e
instituições iniciam-se próximo ao ano 2000 com a criação da Superintendência da Economia
da Cultura do governo do estado do Rio, em 2001, e se intensifica a partir de 2004 com a
primeira conferência sobre o tema realizada pela UNCTAD e nos anos seguintes com a
eclosão de inúmeras gerências de economia criativa de diversas instituições como SEBRAE e
BNDES. Em 2008, a publicação da pesquisa da FIRJAN sobre a cadeia da indústria criativa
no Brasil reafirma o papel destacando da economia criativa nas agendas das instituições do
estado do Rio de Janeiro. Houve ainda intensificação da discussão acerca da economia
criativa a partir de 2009, mesmo ano do anúncio da cidade como sede olímpica.
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A partir de matérias de jornais sobre economia criativa veiculadas nos anos 2011 e
2012, percebemos a relação entre a economia criativa e o chamado ‘momento Rio’ e sua
intensificação nas agendas estaduais e municipais. Após o anúncio da vitória do Rio de
Janeiro na disputa pela sede dos Jogos Olímpicos de 2016, observamos uma série de
mudanças que objetivaram promover transformações não apenas na dimensão urbanística,
mas também imaterial da cidade, para tomar o posto ‘virtuoso’ de cidade-sede. Esse processo,
no entanto, não constitui uma peculiaridade carioca. Os megaeventos esportivos têm se
tornado globais, sendo acompanhados de projeções midiáticas extraordinárias, de modo que
as “coalizões de atores vinculados ao projeto olímpico percebem o megaevento como um
espetáculo em escala mundial com vistas à promoção da cidade” (GOMES, 2012),
entendendo-o como grande janela de oportunidades.
Nessa perspectiva, a cidade passa a ser tratada como produto, difundido com o
objetivo de captar investimentos internacionais e para tal propósito irão se voltar as políticas
públicas implementadas nesse período. O projeto de desenvolvimento da cidade se volta
estritamente à sua performance econômica, pautando as ações na lógica do funcionamento de
uma grande empresa (op. cit.). Portanto, os megaeventos estão no centro da disputa de poder
no mercado internacional de cidades, utilizados como mola propulsora do desenvolvimento e
da recuperação econômica. Nesse sentido, os megaeventos se estendem a outras zonas que
não apenas a esportiva, e também aos mercados imobiliários, de entretenimento e turismo.
Nessa estratégia de promoção e venda da cidade, a criação de imagens-síntese é fundamental,
e de forma conexa a outras imagens acaba por construir a marca da cidade ou a ‘cidademarca’, redefinindo “representações sobre o espaço por meio de transformação e construção
de imaginários em diversas escalas” (op. cit.).
A partir da conquista da sede dos jogos, principalmente na cidade do Rio de Janeiro, o
clima de euforia se instaura entre os promotores do megaevento, desde governos locais a
empresas privadas, por considerarem que a cidade será o centro das atenções do mundo.
Nessa perspectiva, principalmente, a gestão municipal irá perseguir a imagem de estabilidade
política e econômica, inserindo a ideia de controle e segurança para investimentos: “uma
cidade pronta para receber o mundo”, conforme evidenciado no dossiê de campanha. A
estratégia da gestão municipal, mas também de outras instâncias de governo e instituições
privadas, passa a ser a de aproveitar ao máximo as oportunidades que o ‘momento Rio’
proporciona.
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Na tentativa de desdobrar alguns impactos da adoção da economia criativa como
plataforma de uma política cultural para a idade do Rio de Janeiro nas três instâncias de
governo, analisamos matérias de jornais e revistas relacionando a cidade do Rio de Janeiro, os
megaeventos, as relações internacionais.
A partir das matérias, percebemos a construção de quatro imagens-síntese, que
podemos classificar assim: 1) Economia criativa: a ‘vocação’ do Rio, 2) Megaeventos:
oportunidade para a economia criativa, 3) Economia criativa como plataforma de venda da
cidade, 4) Um Rio criativo: legado dos Jogos Olímpicos.
A imagem de que a economia criativa: a ‘vocação’ do Rio pode ter sua base na
relação entre a cidade e as instituições culturais nela existente desde a época de colônia,
afirmando sua centralidade por quase duzentos anos como capital da República. Essa imagem
é claramente percebida na fala citada por Marcos André Carvalho, superintendente de Cultura
e Sociedade da Secretaria de Estado de Cultura, ‘Criatividade é o forte o Rio4’, comentando o
resultado da pesquisa da FIRAJN, que apontava o Rio de Janeiro como detentor dos maiores
salários do país. Corroborando essa perspectiva, o governador Sérgio Cabral, ao comentar
sobre a economia criativa na cidade, afirma que “a economia do Rio de Janeiro vai do Pré-sal
ao carnaval. O Rio tem vocação para a economia criativa. Que gera renda e emprego a uma
vasta gama de trabalhadores”.5
Perceber a cidade do Rio de Janeiro a partir de ‘vocações’ supõe entender que há uma
unidade no que se entende por cultura e um consenso no que se refere às relações sociais. Ao
contrário dessa ‘unidade’, percebemos uma irrupção e copresença de diversas culturas, com as
quais também surgem novas disputas simbólicas em torno da imposição de uma nova
realidade, baseada na imposição de uma nova ordem (BOURDIEU, 1989). Essa é a situação
que a coalizão política da cidade do Rio de Janeiro atravessa nos últimos anos, com a
tentativa de se construir uma imagem de unidade, estabelecida como ‘natural’ através do
discurso de ‘vocação’, como uma máscara (Ibidem). Uma vez que uma produção cultural não
representa toda a população, esse processo ‘naturalmente vocacional’ atribuído à cidade do
Rio acaba por deixar à margem uma série de outras culturas minoritárias.
O impulso dessa imagem unificada em torno da ‘vocação’ pode estar relacionado com
a necessidade de governança na cidade, diante dos megaeventos que serão realizados nos
próximos anos. A cultura acaba por ser usada para dar uma sensação de consenso dentro de
4
5
O Globo, seção Boa Chance, publicado em 10/12/2011. Acesso em: 14/02/2013.
Portal do turismo Brasileiro, publicado em 11/02/2013. Acesso em: 12/02/2013.
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um território múltiplo e repleto de disputas. Nesse sentido, há a necessidade de se construir
uma imagem sobre a diversidade cultural, o que, no entanto, expressa apenas as imagens
representativas de uma coalizão dominante, associadas, no caso, ao samba, ao carnaval, às
belezas naturais e ao ‘jeito carioca’. Desse modo, vale ressaltar Molho (2012), que argumenta
como a construção de uma cidade dita criativa baseada em suas ‘vocações’ pode ser a
construção de um mito, como sinaliza o slogan da campanha do prefeito Eduardo Paes, em
2012: ‘Somos um Rio’. A tentativa é a de dar aparência coesa a este sistema complexo,
conflituoso e dissociado, no qual se encontram a cultura e a própria cidade.
Já o entendimento dos Megaeventos: oportunidade para a economia criativa, alude a
agentes tanto nacionais como internacionais que veem no chamado ‘momento Rio’ a
oportunidade de desenvolver a economia criativa, “mostrando ao mundo seus produtos e
serviços criativos”, conforme afirmou Edna dos Santos-Duisenberg, então chefe do programa
de economia criativa da UNCTAD
Nessa mesma perspectiva, o SEBRAE propõe criar showrooms nas cidades sedes da
Copa de 2014, para, segundo a instituição, ajudar os artesãos a desenvolverem e
comercializarem seus produtos, o que seria uma oportunidade de ‘abocanhar uma parcela dos
R$ 180 bilhões que devem ser injetados na economia brasileira com a Copa do Mundo de
2014’, conforme sinaliza a afirmação de Luiz Barreto, presidente do SEBRAE Nacional. O
Ministério da Cultura também prevê espaços nas cidades-sede da Copa 2014, chamadas de
‘arenas culturais’, com o objetivo de mostrar e circular a produção cultural brasileira,
“permitindo a quem visitá-la uma visão mais ampla da riqueza cultural do Brasil”6.
O atual secretário de Cultura da cidade do Rio de Janeiro, Sérgio Sá Leitão, também
percebe um ‘vasto leque de oportunidades’ e traz o modelo Britânico à cena ao citar o
aumento de vendas do álbum da banda Coldplay após participar da cerimônia de abertura e de
encerramento da Olimpíada.
Percebemos, portanto, que os megaeventos também são entendidos como uma ‘janela
de oportunidades’ para a economia criativa. No entanto, antes de nos encaminharmos para
uma conclusão acerca de sua relação com a ‘economia criativa’, é preciso avaliar se os
megaeventos constituem uma verdadeira ‘oportunidade’ de desenvolvimento de uma
economia criativa. Também cabe avaliar quais sujeitos sociais e setores podem estar se
beneficiando dessa ‘oportunidade’.
6
Notícias MINC, publicado em 27/10/2012. Acesso em: 02/02/2013.
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A terceira imagem-síntese, Economia criativa como plataforma de venda da cidade, é
percebida a partir de estratégias da gestão municipal para atrair empresas e investimentos para
a cidade, como é o caso do uso do audiovisual como plataforma de venda da cidade. A
empresa municipal Rio Filmes é o principal instrumento para construir a imagem da cidade
em escala internacional, acompanhando um modelo global inaugurado por Hollywood.
Utilizam-se elementos do programa australiano Creative Nation, assim como sua nova versão
barcelonesa, com a cidade alçada à condição de ‘Film Friendly’.7 Segundo o então diretor da
Rio Filmes Sergio Sá Leitão, “o objetivo é se preparar para o crescimento do setor nos
próximos anos no Rio, que atrai um número cada vez maior de produções internacionais”.
Ainda nessa linha, algumas matérias trazem à tona a importância do Rio como set de
filmagem de produções internacionais como nos Filmes Crepúsculo e Rio. Na plataforma de
campanha de Eduardo Paes à reeleição da prefeitura do Rio, o audiovisual é claramente visto
como plataforma de venda da cidade, entendendo o investimento em atrair novas produções
como grande estratégia para ‘vender’ a imagem do Rio e fomentar o turismo além de gerar
mídia espontânea ‘gigantesca’.
Nesse contexto de promoção da cidade, também percebemos que grupos
internacionais de entretenimento vêm se instalando no Rio, como é o caso da produtora de
eventos Veredas, noticiada como um dos indicadores de que a área de eventos também cresce
no Rio. Veredas é vinculada à GL Events, empresa francesa que em 2008 comprou a Arena
Multiuso dos Jogos Pan Americanos por 1% do valor gasto pela prefeitura para sua
construção, hoje HSBC Arena, na Barra da Tijuca (WANIS, 2011). Além desse emblemático
caso, observamos na cidade do Rio de Janeiro a grande eclosão de musicais da Broadway
estreados nos palcos cariocas. Esse processo passa pela participação de diretores norteamericanos na cena carioca do teatro, além da compra de direitos autorais das peças, como foi
o caso da atriz Claudia Raia, com o musical Crazy for you.8 Dentre os ‘intercâmbios’
internacionais, está a New York Films Academy e a CAL, Casa das Artes de Laranjeiras, O
Centro Carioca de Design e o Studio X, da Columbia University.
Desse modo, percebemos que o ‘momento Rio’ está sendo de utilização das cenas
cariocas, assim como sua produção cultural e ‘criativa’ para a promoção de “uma imagem de
7
Matéria vinculada em La Vanguardia.com ao apresentar o cinema como plataforma de promoção da cidade,
que é cenário de mais de 2000 filmes/ano. Publicado em: 31/01/2013. Disponível em:
www.lavanguardia.com/mon-barcelona/20130131/54363298389/barcelona.html Acesso em: 01/02/2013.
8
Revista Época, coluna Bruno Astuto, publicado em 23/01/2013. Acesso em: 02/02/2013. Disponível em:
revistaepoca.globo.com/blogs/Bruno-Astuto/Pessoas/noticia/2013/01/claudia-raia-compra-os-direitos-de-novomusical-da-broadway.html.
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país criativo, inovador, eficiente e confiável”, conforme afirmou Maurício Borges, presidente
da APEX – Agência Brasileira de Promoção de Exportação e Investimento. Nesta conjuntura,
também vêm sendo valorizados e produzidos grandes eventos culturais internacionais, como é
o caso do Rock in Rio, que, segundo o prefeito Eduardo Paes, referindo-se ao investimento
municipal de R$ 54 milhões, é ‘um ótimo negócio’. Para o prefeito do Rio, “além do retorno
direto que o Rock in Rio deu à cidade, há um retorno difícil de ser contabilizado, que é o
tempo de exposição do Rio na televisão e sua repercussão em todo o mundo”.
Portanto, com este breve panorama, percebemos como a cultura tem sido utilizada
para potencializar os mercados e atrair investimentos. Nunca foi mais atual a teoria de Adorno
e Horkheimer: o cinema, o rádio, a TV, o teatro, o design, a arquitetura e a moda são
apresentados como arte apenas para lhes agregar valor, a fim de que sejam tornados bons
negócios. Na lógica capitalista, é seguro utilizar-se do que já foi validado, com modelos que
estimulem o consumo, pois o que ainda não foi experimentado é um risco e deve ser
descartado (ADORNO & HORKHEIMER, 2006). É a cultura no centro da economia,
mostrando ao mundo, conforme já evidenciou Arantes (2009), que ela é em si um ‘ótimo
negócio’.
É nessa lógica que percebemos a valorização de atividades já consagradas e a
importação e supervalorização de uma cultura internacionalizada, como atestam as produções
internacionais, seja no cinema, no teatro, ou na arquitetura. Este é o caso, por exemplo, do
Museu do Amanhã, de autoria do arquiteto Espanhol Calatrava. Ao contrário da tese
defendida por Howkins, na qual é a arrecadação com a propriedade intelectual que movimenta
o mercado da economia criativa, as ações de sujeitos dominantes na cidade do Rio de Janeiro
têm demonstrado o contrário: não há um investimento para que se construam inovações
locais, com sua valorização internacional, mesmo na lógica capitalista. Percebemos a ação
inversa – na qual não vendemos, mas compramos direitos visando à realização de atividades
internacionais no Rio de Janeiro –, para tornar a cidade mais ‘globalizada’. Talvez na
tentativa de reforçar a imagem cosmopolita do Rio, o que pouco se vê são ações efetivas de
valorização do simbólico, intangível e singular das culturas cariocas. Nossos produtos e
serviços, teoricamente valorizados pelo ‘elo agregador da cultura’ não ganham destaque nessa
linha de atuação da gestão local e de alguns atores dominantes do setor privado. Parece que,
como previu Reis, singularidades locais vêm sendo “engolfadas pela massificação global”.
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A última imagem-síntese, Um Rio criativo: legado9 dos Jogos Olímpicos, é percebida
a partir do discurso de Abertura do evento CRIO 2012, com curadoria de Washington Fajardo,
diretor do Instituto Rio patrimônio da Humanidade, no qual se estende o legado às percepções
também subjetivas das transformações do urbano. O desenvolvimento de uma economia
criativa no Rio de Janeiro também se torna um dos inúmeros legados supostamente deixados
pelo processo de sediar megaeventos, na tentativa de amplificar ao máximo as vantagens em
sediar, por exemplo, os Jogos Olímpios de 2016. Fajardo atribui às indústrias criativas o
grande papel na ‘requalificação urbana’ e afirma que o “Rio é uma cidade em redesenho e
esse redesenho busca dar mais espaço à economia criativa no município”.10 Marcelo Haddad,
presidente da Rio Negócios, também fala em ‘legado’: “Legado da Copa e Olimpíada vai
além da reestruturação do espaço físico do Rio. Estudo da PwC (PricewaterhouseCoopers)
prevê que os eventos impulsionarão investimentos em áreas como a indústria criativa”.
Ao que tudo indica, o legado dos megaeventos será o avanço do entendimento da
cultura como negócio, não mais noticiada em cadernos de cultura, mas agora nas seções de
economia, conforme pode-se constatar pelas declarações do novo secretário de Cultura do
município, que terá a ‘economia criativa como Norte’ e, a pedido do prefeito, transformará a
Secretaria de Cultura “em uma Secretaria de Cultura e de Economia Criativa, que passará a
ser o nome da pasta, para incorporar a dimensão econômica”.
O destaque que economia criativa vem ganhando nas políticas culturais das três
instâncias de governo pode ser um indicativo da substituição de uma “política cultural que
insista na autonomia da cultura, em sua realidade como fim em si mesmo, e não como meio
para se alcançar outra coisa” (SAFATLE, 2013) por uma política pública, que entendendo a
cidade como empresa, priorize apenas ações lucrativas validadas pelo sistema capitalista que
reposicione o Rio de Janeiro no mercado internacional de idades (SÁNCHEZ, 2010)
corroborando a perspectiva de Safatle quando afirma que “na verdade o discurso sobre cultura
no Brasil está atualmente prensado entre a economia criativa e a assistência social”
(SAFATLE, 2013).
9
Legado é um termo amplamente utilizado para se referir aos benefícios gerados pelos megaeventos em cidades.
O Globo, seção Rio, publicado em 13/06/2012. Acesso em: 02/02/2013. Disponível em:
oglobo.globo.com/rio20/um-quarto-da-forca-de-trabalho-do-pais-se-dedica-industria-criativa-5189233.
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Referências Bibliograficas
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Rio
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Janeiro,
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Disponível
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www.unctad.org
www.cultura.gov.br
www.cultura.rj.gov.br
www.rj.gov.br
www.riocriativo.rj.gov.br
www.rio-negocios.com
www.criaticidades.com.br
www.eduardopaes.com.br
www.riocapitaldaenergia.rj.gov.br
Matérias em jornais e revistas
UM QUARTO DA FORÇA DE TRABALHO DO PAÍS SE DEDICA À INDÚSTRIA
CRIATIVA. O Globo, Rio de Janeiro, 13/06/2012.
SALLÁRIO MÉDIO DA INDÚSTRIA CRIATIVA DO RIO É MAIS ALTO DE TODO O
PAÍS. O Globo, Rio de Janeiro, 10/12/2012.
RIO É UMA CIDADE EM REDESENHO, DIZ SUBSECRETÁRIO DE PATRIMÔNIO. O
Globo, Rio de Janeiro, 13/06/2012.
RIO PREVÊ NOVA ORDEM BASEADA EM TECNOLOGIA E INOVAÇÃO. O Dia,
20/10/2012.
TIRANDO O ATRASO DA CRIATIVIDADE. O Globo, 05/02/2012.
NA ROTA DA ECONOMIA CRIATIVA, PAÍS COMEÇA A ENTENDER COMO A
CULTURA PODE VALORIZAR BENS E SERVIÇOS. O Globo, Rio de Janeiro,
05/02/2011.
RIO DE JANEIRO ESTÁ UM PASSO À FRENTE NA INDÚSTRIA CRIATIVA. Brasil
econômico, Rio de Janeiro, 16/01/2012.
CIDADES CRIATIVAS TERÃO MAIOR DIVULGAÇÃO DA EMBRATUR. Mercado e
eventos, Rio de Janeiro, 13/07/2012.
ARTESANATO TERÁ ESPAÇO GARANTIDO DURANTE COPA DE 2014. Jornal do
Brasil, Rio de Janeiro, 03/02/2013.
GOVERNO E SETOR PRIVADO QUEREM ECONOMIA CRIATIVA FLUMINENSE
MAIS COMPETITIVA. Agência do Brasil, Rio de Janeiro, 10/01/2012.
FESTIVAL INTERNACIONAL DE CRIATIVIDADE APORTA NO RIO. O Globo, Rio de
Janeiro, 21/11/2012.
AS CIDADES MAIS CRIATIVAS DO BRASIL. Época, Rio de Janeiro, 16/01/2011.
ECONOMIA CRIATIVA, A CARA DO CARIOCA. O Globo, Rio de Janeiro, 29/11/2012.
ESTADO DEVE DINAMIZAR, E NÃO INVENTAR A CULTURA. Valor Econômico, Rio
de Janeiro, 27/11/2012.
DISCURSO CRIATIVO. O Globo, Rio de Janeiro, 01/01/2013.
ECONOMIA CRIATIVA E REVITALIZAÇÃO DO PORTO SÃO FOCO DE SÉRGIO SÁ
LEITÃO NA SECRETARIA DE CULTURA. O Globo, Rio de Janeiro, 03/11/2012.
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ROCK IN RIO TERMINA HOJE E FAZ COM QUE A PREFEITURA CRIE UM
DECRETO COM NORMAS PARA EVENTOS DE GRANDE PORTE. O Globo, Rio de
Janeiro, 02/10/2011.
SUCESSO DA BROADWAY, MUSICAL “O REI LEÃO” TERÁ MONTAGEM
BRASILEIRA. Época, Rio de Janeiro, 03/10/2012.
MUSICAL ‘FAME’ NO BRASIL TEM ENERGIA QUE BROADWAY PERDEU, DIZ
DIRETOR. G1, Rio de Janeiro, 09/05/2012.
ATRIZ DE MUSICAIS DA BROADWAY MINISTRA CURSO NO. Época, Rio de Janeiro,
24/09/2012.
CLAUDIA RAIA COMPRA DIREITOS DE NOVO MUSICAL DA BROADWAY. Época,
Rio de Janeiro,, 23/01/2013.
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