Caracterização petrofísica da episienitização no granito da Guarda Petrophysical characterisation of episyenitisation in Guarda granite (Central Portugal) SANT’OVAIA , Helena (1) JAQUES, Luís (1), NORONHA, Fernando (1) & BOBOS, Iuliu(1) (1) GIMEF, Departamento de Geologia FCUP; Centro de Geologia UP (1) [email protected], [email protected], [email protected], [email protected] SUMÁRIO A circulação de fluidos hidrotermais ao longo de fracturas no granito provoca alterações. Um dos processos de alteração é a “episienitização” e caracteriza-se mineralogicamente pela perda de quartzo, por dissolução, e por uma alteração dos feldspatos e da biotite. Esta alteração traduz-se por uma diminuição do teor de SiO2 e um incremento em Na2O, Al2O3 e MgO. Os resultados de susceptibilidade magnética indicam uma descida de 190x10-6 SI para valores inferiores a 140x10-6 SI. Palavras-chave: episienito, alteração hidrotermal, susceptibilidade magnética SUMMARY The circulation of hydrothermal fluids by open fractures in granite implies alterations. One of these is the episyenitization which is characterised by a quartz leaching and an alteration of feldspars and biotite. The process implies a decreasing of SiO2 and an increase of Na2O, Al2O3 and MgO. Furthermore the alteration of ferromagnesian minerals implied the incorporation of Fe and Mg in new mineral phases in oxidizing conditions such as hematite and chlorite. Because of that, the episyenitization affects also the petrophysical characteristics of the granite. The analysis of magnetic susceptibility variations shows a decrease of values from 190 x 10-6 SI (in fresh granite) to 140 x 10-6 SI (in altered granite). Key-words: episyenite, hydrothermal alteration, magnetic susceptibility [4]. Em Portugal, foram identificadas e estudadas rochas com aspecto e características semelhantes na região da Guarda e no maciço granítico do Gerês [5]. O objectivo deste trabalho consiste em determinar a relação entre a alteração químicomineralógica e as características petrofísicas, nomeadamente, a susceptibilidade magnética no processo de “episienitização” no granito da Guarda. Introdução A ocorrência de processos de alteração hidrotermal em rochas graníticas encontra-se bem documentada. É o caso de rochas em que ocorrem processos de dissolução do quartzo, em combinação com metassomatismo alcalino. Este processo é designado por “episienitização”, e foi descrito pela primeira vez por [1]. É um processo pós-magmático e implica a alteração da composição químico-mineralógica primária, bem como, das características petrofísicas da rocha granítica original. Em alguns casos, verifica-se uma relação genética e/ou espacial deste tipo de alteração com mineralizações de U [2] [3] Enquadramento Geológico O granito da Guarda ocupa uma vasta área da Zona Centro-Ibérica na região das Beiras, na parte central de Portugal. É um granito biotítico, porfiróide e de grão grosseiro, tardio relativamente à fase de deformação D3 da orogenia Varisca, intruindo séries 237 Geologia da UP, para se obter o respectivo valor de susceptibilidade magnética por volume (K). Foi utilizada uma balança de susceptibilidade (modelo Kappabridge KLY4-S), que opera em campo alterno fraco de intensidade 4x10-4 T e frequência de 920 Hz. metassedimentares do Complexo Xisto-Grauváquico [6]. Na mesma região ocorrem, também, filões de quartzo e de rochas filonianas básicas, ocupando estruturas frágeis tardias de orientação NE-SW e NW-SE, respectivamente. Na região da Guarda, verifica-se a ocorrência de zonas com “episienitização” que afectam a rocha granítica (Figs. 1a e b). Ocorrem em corredores que podem ter cerca de 10 metros de espessura e que ocupam estruturas regionais com orientação N40ºE [7] [8]. Macroscopicamente, exibem a mesma textura da rocha granítica, distinguindo-se apenas, através da sua coloração avermelhada intensa, acompanhada de uma maior concentração em feldspatos e ausência de quartzo magmático (Figs. 1c e d). Podem apresentar textura vacuolar devido à dissolução do quartzo e/ou preenchimento das cavidades de dissolução com associações minerais mais tardias. Resultados Mineralogia e Petrografia As alterações pós-magmáticas que afectaram as rochas graníticas da Guarda, relacionadas com o processo hidrotermal de “episienitização” evidenciam transformações importantes ao nível das características petrográficas e mineralógicas das fases minerais primárias da rocha granítica [7] [8]. Assim, durante esta alteração hidrotermal da rocha granítica verifica-se a dissolução do quartzo magmático, que é acompanhada por metassomatismo do tipo alcalino, nomeadamente, com albitização das plagioclases e desenvolvimento de “chessboard” de albite na microclina. Ocorre também, a alteração parcial da ilmenite para óxidos de Ti, nomeadamente, anatase e rútilo e a biotite sofre transformação total para clorite, libertando-se Fe. A cor avermelhada intensa apresentada pelas rochas episieníticas, deriva da deposição do Fe sob a forma de hematite, na estrutura da microclina. Nos espaços vazios, cristalizou albite e adulária de neoformação. Posteriormente, as cavidades das rochas alteradas foram colmatadas por clorite e quartzo, mais tardios. Figura 1: Aspecto macroscópico das rochas episieníticas a b c d Geoquímica de rocha total da região da Guarda. (Legenda: a – coluna avermelhada, episienítica; b – pormenor dos locais de amostragem na zona alterada; c – aspecto da rocha granítica; d – aspecto das rochas episieníticas.) As transformações mais importantes ao nível do quimismo destas rochas indicam que, a “episienitização” está associada a um aumento em Na2O, Al2O3 e MgO, o qual foi acompanhado pela redução substancial de SiO2. O Fe não sofre variação notável (Tabela I). Metodologia As amostras de rocha foram preparadas para estudos petrográficos, mineralógicos e geoquímicos. Na análise dos minerais, recorreu-se ao seu estudo através de lâminas delgadas, Microssonda Electrónica e Difracção de Raios-X. Para a determinação do quimismo de rocha total, as amostras foram analisadas por ICP-AES para os elementos maiores. Para o estudo petrofísico, foram recolhidas amostras cilíndricas com uma sonda portátil, cujo amostrador é constituído por um tubo não magnético que termina numa coroa diamantada. As amostras foram retiradas ao longo de um perfil perpendicular à zona avermelhada, tendo-se realizado 10 estações de amostragem, compreendendo as fácies de granito são e granito com rubefacção (Figs. 1a e b). As dezoito amostras obtidas, foram posteriormente medidas no Laboratório de Petrofísica do Centro de Tabela 1: Análises de elementos maiores através de ICPAES dos granitos e das rochas episieníticas da região da Guarda. Elementos maiores (%) SiO2 Al2O3 Fe2O3 MgO CaO Na2O K2O TiO2 P2O5 MnO Cr2O3 LOI TOTAL 238 GRANITO Ga-Q5 72,40 13,53 2,79 0,61 1,01 2,62 4,75 0,36 0,27 0,04 0,011 1,1 99,49 EPISIENITO Ga-Q6 Ga-Q2 Ga-Q3 Ga-Q4 72,32 13,72 3,08 0,63 1,02 2,84 4,80 0,39 0,26 0,05 0,017 0,7 99,83 66,81 15,95 2,87 0,76 0,96 4,11 5,63 0,40 0,28 0,04 0,004 1,9 99,71 66,12 16,41 2,67 0,75 0,95 4,31 5,8 0,40 0,30 0,04 0,008 2 99,76 64,69 16,63 3,19 1,07 1,29 5,13 4,78 0,35 0,31 0,06 0,012 2,4 99,91 200 -6 K (x 10 SI) Susceptibilidade magnética Os valores da susceptibilidade magnética que foram obtidos nas estações de amostragem são fracos e estão compreendidos entre 108,9 e 152,5 x 10-6 SI para as zonas de rubefacção. No caso do granito são, foi obtido o valor de 181,2 x 10-6 SI (Tabela 2). No granito da Guarda, o valor médio de susceptibilidade magnética, a nível regional, é de 190 x 10-6 SI. Os valores registados no granito são comparáveis aos de granitos sem magnetite, permitindo enquadrálos na série dos “ilmenite type-granites” [9]. Este comportamento magnético é devido essencialmente ao Fe contido na biotite e na ilmenite. O mesmo acontece relativamente às rochas episieníticas. LM1 LM2 LM3 LM4 LM5 LM6 LM7 LM8 LM9 LM10 K (x 10-6 SI) 133,3 108,9 121,1 152,5 125,2 122,5 111,6 140,0 134,1 181,2 180 170 160 150 140 130 120 110 LM 10 G rG ua rd a Estações de Amostragem LM 9 LM 8 LM 7 LM 6 LM 5 LM 4 LM 3 LM 2 LM 1 100 Figura 2: Variação da susceptibilidade magnética (K) ao longo do perfil estudado na região da Guarda. nomeadamente, alterações da ilmenite e da biotite. A nova fase mineral formada, importante do ponto de vista magnético, é a hematite. A susceptibilidade magnética deste mineral é mais fraca comparativamente com a da ilmenite [10], o que poderá explicar a variação encontrada. Um padrão semelhante de susceptibilidade magnética foi determinado no granito de Bohus [11], embora com diferenças mais acentuadas relativamente aos resultados por nós obtidos, uma vez que se trata de um granito com magnetite. Tabela 2: Resultados de susceptibilidade magnética por volume (K), obtidos no perfil estudado na região da Guarda. Amostra 190 Alteração Rubefacção Rubefacção Rubefacção Rubefacção Rubefacção Conclusões Rubefacção Ligeira Rubefacção Os resultados que foram obtidos neste trabalho permitem inferir uma evolução químicomineralógica associada com o processo de “episienitização”, a qual implicou uma distribuição dos elementos principais, resultando na cristalização de novas fases minerais de alteração hidrotermal. Esta situação terá sido facilitada pelo aumento da porosidade que se verificou nas zonas alteradas. O processo de “episienitização” reflecte-se nos resultados de susceptibilidade magnética que foram obtidos, através da redistribuição do Fe em fases minerais mais estáveis, mas com menor susceptibilidade magnética intrínseca. Rubefacção Granito são Granito são Discussão Os resultados químico-mineralógicos que foram obtidos, indicam que o processo de “episienitização” que afectou as rochas graníticas da Guarda, implicou globalmente uma mobilidade importante de SiO2 e Na2O, associados à dissolução do quartzo e à alteração dos feldspatos. Relativamente aos minerais ferromagnesianos, a sua alteração implicou a incorporação do Fe e do Mg na estrutura de novas fases minerais tardias em condições oxidantes, nomeadamente, hematite e clorite. Agradecimentos Este trabalho foi realizado no âmbito do projecto POCTI /0039/2003 designado por “Centro de Geologia da Universidade do Porto”. Luís Jaques beneficiou da bolsa SFRH/BD/4646/2001. A análise da variação da susceptibilidade magnética mostra uma tendência para a sua diminuição nas áreas de rubefacção (Figura 2). Esta tendência é devida às alterações mineralógicas acima referidas, Referências Bibliográficas [1] Lacroix, M. A. (1920) Les roches éruptives du Crétacé pyrénéen et la nomenclature des roches éruptives modifiées, C. R. Acad. Sci. Paris - Serie II, Vol 170, pp. 690-695. [2] Leroy, J. (1984) Episyénitization dans le Gisement d’Uranium du Bernardan (Marche): Comparaison avec des Gisements Similaires du Nord-Ouest du Massif Central Français, Mineralium Deposita – Vol 19, pp. 26-35. 239 [3] Cheilletz, A. & Giuliani, G. (1982) Role de la Déformation du Granite dans la Genèse des Episyénites Feldspathiques des Massifs de Lovios-Geres (Galice) et des Zaër (Maroc Central), Mineralium Deposita – Vol 17, pp. 387-400. [4] Cathelineau, M. (1986) The Hydrothermal Alkali Metasomatism Effects on Granitic Rocks: Quartz Dissolution and Related Subsolidus Changes, Journal of Petrology – Vol 27, pp. 945-965. [5] Ávila Martins, J. & Saavedra, J. (1976) Estudo do processo de enrubescimento do granito da Serra do Gerês (Norte de Portugal), Memórias e Notícias, Publicações do Museu e Laboratório Geológico e Mineralógico da Universidade de Coimbra – Vol 82, pp. 79-93. [6] Bravo Silva, P., Neiva, A. M. R. & Farinha Ramos, J. M. (2003) Geoquímica de rochas graníticas da região de Guarda-Sabugal: Vol. IV Congresso Ibérico de Geoquímica/XIII Semana de Geoquímica, Departamento de Ciências da Terra, Universidade de Coimbra, pp. 130132. [7] Jaques, L., Bobos, I. & Noronha, F. (2003) Episyenitization and Hydrothermal alteration in the Guarda granites from the Uraniferous Province of Portugal: -Vol. 7th Biennial SGA Meeting - Athens, Mineral Exploration and Sustainable Development, Eliopoulos et al. (eds), pp. 287-289. [8] Jaques, L.; Bobos, I. & Noronha, F. (2005) Geoquímica dos processos pós-magmáticos no granito da Guarda: Vol. XIV Semana de Geoquímica/VIII Congresso de Geoquímica dos Países de Língua Portuguesa, Departamento de Geociências, Universidade de Aveiro, pp. 271-275. [9]Takahashi, M., Aramaki, S. & Ishihara, S. (1980) Magnetite-series/ilmenite-series vs. I-type/S-type granitoids. In: Granitic Magmatism and Related Mineralization, Ed. S. Ishihara & S. Takenouchi, pp. 1328. [10] Borradaile, G. J. (1988) Magnetic susceptibility, petrofabrics and strain. Tectonophysics – Vol 156, pp. 120. [11] Petersson, J. & Eliasson, T. (1997) Mineral evolution and element mobility during episyenitization (dequartzification) and albitization in the postkinematic Bohus granite, southwest Sweden. Lithos – Vol 42, pp. 123-146. 240