história do Antigo Egipto A história do Antigo Egipto divide-se em dez períodos distintos, não incluindo a sua pré-história: 1. Período pré-dinástico (Antes de 3100 a.C.) 2. Período Arcaico (1ª e 2ª dinastias) 3. Antigo Império (da 3ª à 6ª dinastias) 4. Primeiro Período Intermédio (da 7ª à 11ª dinastias) 5. Império Médio (12ª e 13ª dinastias) 6. Segundo Período Intermédio (da 14ª à 17ª dinastias) 7. Império Novo (da 18ª à 21ª dinastias) 8. Período Líbio (da 22ª à 25ª dinastias) 9. Período Tardio (da 26ª à 30ª dinastias) 10. Período Ptolemaico (304 a.C. - 30 a.C.) 11. Império Romano (31 a.C. - 337 d.C.) 12. Época Copta (337 - 641) 13. Conquista Árabe (641) As mudanças de período indicam épocas de agitação política e social. Tabela de conteúdo [esconder] 1 Período pré-dinástico 2 Período Arcaico 3 Antigo Império 4 Primeiro Período Intermédio 5 Império Médio 6 Segundo Período Intermédio 7 Novo Império 8 Período Líbio 9 Período Tardio 10 Ver também [editar] Período pré-dinástico O mais antigo indivíduo "mumificado" data de cerca de 3300 a.C., embora não seja uma verdadeira múmia. O corpo está patente no Museu Britânico e recebeu a alcunha de "Ginger" por ter cabelo ruivo. O Ginger foi enterrado nas areias quentes do deserto, talvez com algumas pedras empilhadas sobre o cadáver para evitar que este fosse comido por chacais. As condições quentes e secas dissecaram o corpo, evitando que os músculos e os tecidos moles se decompusessem. O Ginger foi enterrado com alguns 1 recipientes de cerâmica, que teriam contido comida e bebida para sustentar o morto na longa viagem até ao outro mundo. Não existem registos escritos sobre a religião ou deuses do tempo, e não se sabe se era intenção dos antigos egípcios que o corpo fosse preservado. Sabe-se apenas que quando começou a 1ª Dinastia já os egípcios tinham os seus costumes estabelecidos. [editar] Período Arcaico Sarcófagos no Museu do Louvre O mais antigo faraó da 1ª Dinastia que se conhece foi Menes. Conhecemos o seu nome porque está escrito numa paleta usada para a maquilhagem (só os homens usavam maquilhagem). As práticas funerárias dos camponeses teriam sido as mesmas dos tempos pré-dinásticos, mas os faraós mereciam algo melhor. Para eles inventou-se a tumba em Mastaba (esta palavra provém da palavra egípcia moderna para "banco", porque à distância se assemelham a um banco de lama). Numa tumba em mastaba, era escavada uma câmara profunda, que era depois revestida com pedra, tijolos de lama ou madeira. Na superfície, a lama era empilhada e ficava marcando o local uma forma semelhante a um croquete. Embora isto resultasse numa tumba muito maior, também resultava numa tumba muito mais fresca. O cadáver tinha tempo para se decompor e apodrecer. E este facto iria preocupar os sacerdotes primitivos, que tinham teorias muito claras acerca do Ka e do Ba do falecido. O Ka era aquilo a que hoje chamaríamos o espírito, e era uma parte essencial da pessoa, quer ainda viva, quer depois de morta, se bem que só depois da morte o Ka passasse a ser encarado como uma entidade. O Ba da alma é mais semelhante a um fantasma. Era a parte da alma que vagueava pela terra, composta pelo Ka e pelos restos físicos do corpo. A ausência de portas nas tumbas (ou, pelo menos, a ausência de portas reais em contraponto às que eram pintadas nas paredes) pode indicar que os antigos egípcios pensavam que o Ba podia atravessar material sólido. Numa tentativa de preservar os corpos dos faraós falecidos, eles eram 2 envolvidos em ligaduras e enrolados em posição fetal, mas nada podia evitar que se decompusessem. [editar] Antigo Império O Antigo Império foi um tempo de prosperidade no Egito. Os faraós uniram firmemente a terra com um governo bastante centralizado. O Egito foi dividido em nomos, cada um deles administrado por um monarca. Em geral, os monarcas eram parentes próximos dos faraós e muito leais a eles. Com a união entre o Alto e o Baixo Egito solidificada, os faraós voltaram sua atenção para as expedições ao exterior com a intenção de aumentar a riqueza da nação. O Egito olhava principalmente para o sul, em busca de ouro, e par o leste, em especial para Serabit el- Khadim, no Sinai, onde havia cobre e turquesa. Os egípcios fundaram assentamentos nesses locais e lutaram contra os beduínos, núbios, sírios, cananeus e palestinos. Também estabeleceram assentamentos no oeste, no oásis de Bahariya no deserto ocidental. Esse local era determinante para facilitar o comércio por terra. As expedições às essas áreas tiveram o efeito desejado: a riqueza do Egito aumentou e os faraós puderam gastar a recente fortuna conquistada em imensos monumentos. O Antigo Império também presenciou o surgimento do culto solar. As pirâmides têm a forma do benben***, onde Aton-Rá, o deus criador no culto solar, apareceu pela primeira vez. Mais tarde no Antigo Império, o culto solar tornou-se mais dominante com a construção de templos do sol em várias cidades por todo o Egito. O Antigo Império começou com a subida ao trono da Terceira Dinastia, e a construção das pirâmides teve início quase imediatamente. O segundo faraó da dinastia, Dsojer, mandou construir a primeira pirâmide em Sacara. Imhotep, seu vizir, conhecido por sua inteligência, também serviu como sumo sacerdote do culto solar em On (Heliópolis), supervisionou a construção da pirâmide e foi seu arquiteto. A pirâmide, chamada de "pirâmide de degraus", é, em essência, seis mastabas, uma sobre a outra, com cada nível menor que o anterior. Ninguém sabe muito bem o que a pirâmide pretendia representar, mas alguns arqueólogos imaginam que a idéia era de que o monumento tivesse a aparência de uma escada para o céu. ***A colina que foi a primeira terra a se levantar das águas, de acordo com a mitologia egípcia antiga. Por volta da 4ª Dinastia, a arte do embalsamamento teve o seu início. Mas antes, uma nota de cautela sobre embalsamamento, mumificação e preservação: Embalsamar e mumificar, na essência, são a mesma coisa. Embalsamar (do latim in balsamum, que significa "pôr em bálsamo", que é uma mistura de resinas aromáticas) é muito semelhante ao processo de mumificação no sentido em que os cadáveres são untados com unguentos, óleos e resinas. A palavra múmia provém de um mal-entendido acerca do processo. Os corpos mal embalsamados (do Período tardio) são com 3 frequência negros e muito quebradiços, e pensou-se que tinham sido preservados por imersão em betume, sendo que a palavra árabe para betume é mumiya. Existem muitas técnicas modernas para embalsamar um corpo, mas nenhuma estava disponível no tempo dos antigos egípcios (congelamento, salmoura, etc.). O único método que conheciam era a secagem do corpo na areia quente, o que deixava o corpo bastante diferente de um corpo vivo e o transformava num local não muito apropriado para o Ka. Essa também não era uma maneira muito referente para tratar o faraó. Mas a resposta para estes problemas veio do Nilo. O Nilo tem cheias anuais. Sem ele, o Egipto não seria mais do que um deserto atravessado por um rio. As inundações trouxeram às margens do rio a argila indispensável para tornar as terras férteis. Além disso, quando a cheia recua deixa ficar atrás de si poças de água que secam ao sol e que, quando evaporam por completo, deixam o solo coberto por uma substância cristalina branca, chamada natro. Uma análise moderna desta substância revela-a uma mistura de bicarbonato de sódio e sulfato de sódio ou carbonato de sódio com cloreto de sódio (sal). A qualidade mais notável desta substância é a sua elevada hidroscopia. Atrai e absorve humidade. Além disso, também é um pouco antisséptica. No Reino Antigo já se conheciam as propriedades antissépticas do natro, e os órgãos internos da rainha Hetepheres foram retirados do corpo e colocados numa solução de natro (de cerca de 3%), mas quando a caixa foi aberta continha apenas lama. As primeiras tentativas de mumificação foram falhanços completos, e isto era reconhecido pelos embalsamadores, que trataram de preservar a forma do corpo, o que fizeram envolvendo-o em ligaduras embebidas em resina. Tornaram-se tão bons nesta arte que um exemplar da 5ª dinastia, um músico da corte chamado Waty, ainda mostra detalhes de verrugas, calos, rugas e características faciais. A moda seguinte nas tradições funerárias começou com uma Mastaba glorificada. O arquitecto desta edificação construiu seis Mastabas quadradas, cada uma um pouco menor que a anterior, empilhadas umas sobre as outras. O arquitecto deste edifício revolucionário foi Imhotep e o faraó para quem o túmulo foi construído chamou-se Zoser (ou Djoser). Zoser pode ter sido o primeiro faraó da 3ª dinastia, mas este facto não está confirmado. O desenho de Imhotep é actualmente conhecido como pirâmide de degraus, e é encarado como protótipo para as pirâmides posteriores. Imhotep deve ter sido um homem fora do comum. Numa terra onde o faraó era a personificação viva de Deus, a grandeza do arquitecto foi reconhecida mesmo no seu próprio tempo (algo a que muitos génios não tiveram o prazer de assistir) e foi-lhe atribuído o título de "Chanceler do Rei do Baixo Egipto, Primeiro Depois do Rei do Alto Egipto, Administrador do Grande Palácio, Nobre Hereditário, Sumo-Sacerdote de Heliópolis, Chefe Construtor, Escultor e Fazedor de Vasos". É um título e peras para qualquer época. Um parênteses sobre o Baixo e o Alto Egipto. O Baixo Egipto situa-se a norte e corresponde à zona onde o Delta do Nilo deságua no Mar Mediterrâneo, e o Alto Egipto situa-se a sul, desde o Deserto da Líbia até pouco depois de Abu Simbel. A razão para esta designação aparentemente invertida é que o Egipto é o "Presente do Nilo" e como tal tudo é medido em relação ao rio. O Nilo entra no Egipto no topo, e segue para baixo, até sair através do fértil delta, para o Mediterrâneo, no Baixo Egipto. Depois da primeira, várias outras pirâmides de degraus foram construídas, e algumas foram abandonadas antes de estarem concluídas. Um exemplo notável é o da pirâmide 4 torta. Com cerca de metade do edifício construído parece que os construtores recearam que não iriam conseguir manter o ângulo a que estavam a construir, e decidiram mudálo para outro menos inclinado. O resultado foi uma pirâmide estranha, com o topo subitamente encurtado. Há sinais de que cerca de 2675 a.C., o Egipto começou a importar madeira do Líbano. Cerca do ano 2575 a.C., o faraó Khufu (mais conhecido como Queóps) põe a sua marca na paisagem. Foi para ele que a maior e a mais famosa de todas as pirâmides foi construíuda; a Grande Pirâmide de Gizé. Esta pirâmide, quando se olha para o grupo de pirâmides do planalto de Gizé, não parece ser a maior. Isto é assim porque aquela que parece mais alta foi construída em terreno mais elevado; na realidade, é 10 metros menor. O faraó Khufu também foi responsável pelo envio de expedições à Núbia em busca de escravos e outros valores. É pouco provável que estas pessoas tivessem sido utilizadas na construção dos monumentos, pelo menos não de imediato, porque não existiriam em quantidade suficiente. A Grande Pirâmide deve ter levado muitos anos a ser construída. Uma teoria popular e convincente diz que os camponeses do Egito teriam construído, eles mesmos, todos os templos e monumentos durante as cheias. Esta teoria é atraente por muitos motivos. Quando o Nilo enche, o povo do Egipto não teria tido onde viver. As cheias do Nilo chegam até à beira do deserto e as suas cheias teriam inundado todas as áreas de cultivo e habitação. Se houvesse trabalho na construção dos monumentos durante a estação das cheias, então os agricultores teriam a possibilidade de alimentar e abrigar as suas famílias. Claro que tudo isso teria sido pago com bens provenientes dos impostos que os agricultores teriam pago durante a época das colheitas, mas era essa a natureza do governo. Esta ideia também explica como foi possível que o país se tivesse tornado, e mantido, estável durante várias centenas de anos. A construção de pirâmides continuou durante algum tempo. De facto, conhecem-se 80 sítios de pirâmides, embora nem todas permaneçam de pé. Ainda no Antigo Império, o Egipto controlava as importações de cobre do Sinai, especiarias e marfim da Mesopotâmia, vinho e azeite de Creta, ouro da Núbia e madeira de Biblos. [editar] Primeiro Período Intermédio Isto leva-nos pelas 5ª e 6ª dinastias, até ao Primeiro Período Intermédio. Há poucos registos da época, uma vez que se trata de um período muito agitado. [editar] Império Médio O faraó Amenemhat I pôs fim a este período agitado, voltou a unificar o país e mudou a capital para o Egipto do Norte (o Baixo Egipto. Sesóstris I (filho de Amenemhat I) co- 5 reinou com ele até ao seu assassinato. Sesóstris I foi capaz de tomar imediatamente o controlo sem deixar que o país voltasse a resvalar para a agitação. Sesóstris I continuou a travar guerra com a Núbia. Em 1878 a.C., o faraó Senusret III tornou-se rei. Prosseguiu as campanhas militares na Núbia e foi o primeiro a tentar estender o poder do Egipto até à Síria. Mais tarde, Amenemhat III chegou ao poder. É visto como o maior monarca do Reino Médio e fez muito em benefício do Egipto. Governou durante 45 anos. Muitas das maiores acções dos reis da 12ª dinastia tiveram lugar fora do vale do Nilo. Tal como antes, houve muitas expedições à Núbia, Síria e ao Deserto Oriental, em busca de valores a minar e de madeira para transportar para o Egipto. Para além disso, estabeleceu-se comércio com a Creta minóica. Durante o Reino Médio, a fase seguinte em desenho funerário foram as tumbas escavadas na rocha. Os melhores exemplos destas tumbas podem ver-se no Vale dos Reis. Ainda se construíam grandes templos em áreas mais visíveis. A 13ª dinastia é incluída frequentemente no Reino Médio, se bem que o período parece ter sido um tempo de confusão e de príncipes estrangeiros provenientes da Ásia, conhecidos por Hicsos, que se aproveitaram da instabilidade política no Delta do Nilo para obter o controlo da área e mais tarde estender o seu poder para sul. Os Hyksos trouxeram consigo a carruagem de guerra puxada a cavalo. Os egípcios não levaram muito tempo a reconhecer o poder desta carruagem e a começar, eles próprios, a usá-la. Seja como for, esta quebra no controlo central marca o início do Segundo Período Intermédio. [editar] Segundo Período Intermédio Foram os membros da 17ª dinastia que puseram fim à 13ª dinastia. Queriam manter a cultura e tradições do Reino Médio e por isso expulsaram os Hicsos. [editar] Novo Império A 18ª Dinastia anuncia o início do Novo Império. Neste Novo Reino, a forma dos caixões mudou da forma rectangular do Império Médio para a familiar forma de múmia, com cabeça e ombros arredondados. A princípio, eram decorados com penas esculpidas ou pintadas, mas mais tarde passaram a ser pintados com uma representação do falecido. Também eram sobrepostos como bonecas russas: um caixão externo de grandes dimensões continha um outro mais pequeno, que por sua vez continha um terceiro quase moldado ao corpo. Cada um dos caixões interiores era decorado de forma mais elaborada que o imediatamente exterior. Datam desta época a maioria das múmias que chegaram até nós. 6 As técnicas de mumificação foram sendo gradualmente aperfeiçoadas com o uso de natrão cristalino. Todos os tecidos moles, como o cérebro e os órgãos internos, eram removidos, após o que as cavidades eram lavadas e enchidas com natrão, e o corpo enterrado numa pilha de natrão. Os intestinos, pulmões, fígado e estômago eram preservados separadamente e armazenados em vasos protegidos pelos quatro filhos de Horus: Duamutef (estômago), Qebhsenuef (intestinos), Hapy (pulmões) e Imsety (fígado). Tanto era o poder destes vasos que mesmo quando os órgãos passaram a regressar ao corpo após a preservação (21ª dinastia), os vasos continuaram a ser fornecidos. Vários faraós conseguiram estender o domínio egípcio até mais longe do que quaisquer dos seus antecessores, retomando o controlo da Núbia e estendendo o seu poder para norte até ao Alto Eufrates e às terras dos Hititas e dos Mitanni. É uma época de grande riqueza e poder para o Egipto. Ao tempo de Amenophis III (1417 a.C. - 1379 a.C.), o Egipto tornara-se tão rico que deixou de procurar aumentar o seu poder, e passou a descansar no seu trono coberto de ouro núbio. Sucedeu-lhe o seu filho, Amenophis IV, que mudou de nome para Akhenaton. Mudou a capital para uma nova cidade que construiu e a que chamou Akhetaten. Aqui, com a sua nova esposa Nefertiti, concentrou-se em construir a sua nova religião e ignorou o mundo fora do Egipto. Este facto permitiu que várias facções clandestinas, descontentes com o seu novo mundo, crescessem. Uma nova religião era algo que nunca antes tinha acontecido no Egipto. Antes, tinham chegado novos deuses, que foram absorvidos na cultura egípcia, mas a nenhum deus novo foi permitido substituir os deuses antigos. Akhenaton, por seu lado, criou uma religião monoteísta, o Aton. A adoração de todos os outros deuses foi banida, e foi esta a causa da maior parte da agitação interna. Foi tembém introduzida uma nova cultura artística, mais naturalista, e totalmente revolucionária relativamente à tradição do friso estilizado que tinha dominado a arte egípcia ao longo de 1700 anos. Tutankhamon 7 Para o fim do seu reinado de 17 anos, tomou como co-regente o seu irmão Smenkhkare. O co-reinado durou apenas dois anos. Quando Akhenaton morreu, alguns dos velhos deuses ressurgiram. Na verdade, nunca chegaram a desaparecer: o seu culto tinha apenas passado à clandestinidade. Smenkhkare morreu depois de poucos meses de reinado solitário, e seguindo à sua morte, foi coroado um jovem que não estava preparado para as pressões de governar um país tão grande. Por isso, eram os seus conselheiros que tomavam as decisões. O seu nome de baptismo foi Tutankhaton mas, com o ressurgimento de Amon, foi rebaptizado Tutankhamon. Um dos conselheiros mais influentes de Tutankhamon era o General Horemheb. O faraó morreu ainda adolescente, e sucedeu-lhe Ay, o qual é possível que tenha casado com a viúva de Tutankhamon a fim de reforçar o seu direito ao trono. É possível que Horemheb tenha feito de Ay monarca para servir de rei de transição até que ele próprio estivesse pronto para assumir o poder. Seja como for, quando Ay morreu foi Horemheb quem o substituiu, dando início a um novo período de governo positivo. O novo faraó tratou de estabilizar internamente o país e de restaurar o prestígio que ele tinha antes do reinado de Akhenaton. A 19ª dinastia foi fundada por Ramsés I. Ramsés I reinou durante pouco tempo, e foi Seti I (também conhecido como Sethos I) que lhe sucedeu. Seti I continuou o bom trabalho de Horemheb na restauração do poder, controlo e respeito do Egipto. Também foi responsável pela creação do fantástico templo de Ábidos. Seti I e o seu filho, Ramsés II, são os únicos dois faraós que se sabe terem sido circuncisados. Ramsés II prosseguiu o trabalho do seu pai e creou muitos outros templos magníficos. Percy Bysshe Shelley escreveu um poema em torno dele, chamado Ozymandias. O reinado de Ramsés II é frequentemente citado como a data mais provável do êxodo dos Israelitas do Egipto. No entanto, não existem registos na história do Egipto de nenhum dos acontecimentos descritos na Bíblia, e também não existem provas arqueológicas que os corroborem. A Ramsés II sucedeu Ramsés III, que travou algumas batalhas e deu lugar a uma série de reinados curtos, todos sob a direcção de faraós chamados Ramses. Depois da morte de Ramsés XI, os sacerdotes, na pessoa de Herihor, tomaram por fim o controlo do Egipto das mãos dos faraós. O país foi de novo dividido em dois, com Herihor a controlar o Alto Egipto e Smendes a controlar o Baixo Egipto. Foram estes os novos governantes, da 21ª Dinastia. Estes reis também foram conhecidos como Tanitas, já que a capital do Império ficava em Tânis. O seu reinado não parece ter tido nenhum outro marco, e foram subjugados sem luta aparente pelos reis líbios da 22ª Dinastia. [editar] Período Líbio O Egipto tinha laços antigos com a Líbia, e o primeiro rei da nova dinastia serviu como general o último governante da 21ª dinastia. Sabe-se que ele nomeou o seu próprio filho para a posição de Alto Sacerdote de Amun, posto que anteriormente era hereditário. A raridade e aglomeração dos registos escritos deste período sugerem que se tratou de uma época instável. Parece ter havido muitos grupos subversivos, o que acabou por levar ao 8 aparecimento da 23ª dinastia, que se desenrolou em simultâneo e em concorrência com a 22ª. Depois da retirada dos egípcios do Sudão, um príncipe núbio tomou o controlo da Baixa Núbia. A este príncipe sucedeu Piankhi, e foi este rei que tomou a decisão de atacar o norte, num esforço de esmagar o seu oponente, que governava na região do Delta do Nilo. Alcançou conquistas até Mênfis. A dado ponto o oponente de Piankhi, Tefnakhte, aceitou submeter-se-lhe, mas foi-lhe permitido que permanecesse no poder no Baixo Egipto, onde fundou a curta 24ª Dinastia. [editar] Período Tardio Mênfis e a região do Delta tornaram-se alvo de muitos ataques dos assírios até que Psammetichus conseguiu reunificar sob o seu controlo o Médio e o Baixo Egipto, criando a 26ª dinastia e iniciando o Período Tardio. Em 656 a.C. tinha conseguido estender o seu controlo por todo o Egipto. A dado ponto, sentiu-se suficientemente forte para cortar todos os laços com a Assíria, e o controlo assírio desapareceu. Este período é também conhecido como uma époda de esplendor renovado no Egipto. Durante o reinado de Apries, foi enviado um exército para ajudar os líbios a eliminar a colónia grega de Cyrene. A desastrosa derrota deste exército deu origem a uma guerra civil que resultou na ascensão de Amosis II ao trono. Não se sabe muito acerca do seu reinado, à excepção das notas gregas sobre o seu interesse primordial nas questões domésticas do Egipto e na promoção de boas relações com os vizinhos. Amosis morreu em 526 a.C. e um ano mais tarde, em 525 a.C., o Egipto caiu perante o poderio persa. Cambises tornou-se então o primeiro rei da 27ª Dinastia. A partir do século XVIII de nossa era A Â B C C F G H H H I J começaram a surgir na Europa objetos de arte egípcios, oriundos principalmente de escavações realizadas em Menfis, e encarados ainda como meras curiosidades. Amuletos, pequenas estatuetas funerárias, fragmentos de manuscritos e sarcófagos de pedra, alguns carregados de longas inscrições hieroglíficas, foram, pouco a pouco, chamando a atenção dos eruditos para o sistema de escrita dos antigos egípcios. Referências esparsas feitas por autores gregos e latinos sobre a natureza dos sinais empregados pelos egípcios aumentavam ainda mais a curiosidade a respeito do assunto. A escrita dos obeliscos que haviam sido trazidos para Roma começou a ser estudada e assim surgiu um novo ramo da arqueologia o qual, entretanto, permaneceu estéril por muito tempo em virtude da falsa direção que os eruditos imprimiram às suas pesquisas. 9 K L M N O P Q R S T T W Y Z A tabela acima mostra os sinais monocon-sonantais ou, por assim dizer, alfabéticos, da escrita egípcia. As letras indicam o valor sonoro aproximado de cada figura. O Â indica um som que só existe nas línguas semíticas: é o ayin hebraico. O C soa como em ciência, enquanto que o C soa como em Chile. O H indica um H gutural, enquanto que o H indica um H áspero. O L só apareceu na época ptolomaica. O M também aparecia na forma de um sinal hierático bem simplificado: dois traços horizontais paralelos unidos, à esquerda, por um traço vertical inclinado. Tomou-se como regra geral aquilo que os autores clássicos haviam dito referindo-se apenas a uma determinada classe de sinais e concluiuse que cada caracter hieroglífico represen- tava uma idéia distinta, ou seja, que a escrita era meramente ideográfica e não reproduzia — de forma alguma — o som das palavras da língua falada. Baseado nesse princípio equivocado, o jesuíta Athanasius Kircher (1602-1680), conhecido por ter sido o inventor da lanterna mágica, publicou, sob o título de Oedipus Aegyptiacus, pretensas traduções dos textos hieroglíficos esculpidos nos obeliscos romanos. Champollion acusou-o de ter abusado da boa fé de seus contemporâneos ao apresentar traduções com frases incoerentes, repletas de misticismo e às vezes obscuras e ridículas, nas quais nem o autor acreditava, pois muitas vezes ousou apoiá-las sobre citações de autores que jamais existiram. Uma de tais traduções, de um conjunto de sete hieróglifos, dizia: O criador de toda a fecundidade e todo o crescimento é o deus Osíris, cuja força vivificante tira Santa Mofta do Céu para seu império. A tradução real, hoje se sabe, era: Autocrata, senhor absoluto. O fato é que durante muito tempo se acreditou que a escrita egípcia só era compreendida outrora pelos iniciados religiosos e que seu teor referia-se unicamente a assuntos misteriosos, objeto de estudos reservados a uma pequena casta privilegiada, e continha somente doutrinas ocultas e filosofia egípcia. Considerar a escrita totalmente 10 ideográfica só fazia reforçar a tese de que se tratava de uma doutrina sacerdotal secretíssima explicada através de enígmas. Partindo de tais hipóteses, os estudos dos hieróglifos não podiam mesmo fazer qualquer progresso. Faltava aos pesquisadores a única coisa que poderia levar ao sucesso da empreitada, isto é, o conhecimento prévio da língua falada pelos antigos egípcios. Nem se cogitava em usar o conhecimento da língua como ferramenta da decifração dos hieróglifos, embora se soubesse, mesmo nos primórdios do século XVII da nossa era, que os manuscritos coptas trazidos do Egito por viajantes haviam sido concebidos na língua egípcia escrita com caracteres legíveis, já que o alfabeto copta, ou seja, o alfabeto adotado pelos egípcios convertidos ao cristianismo, nada mais era do que o alfabeto grego acrescido de alguns outros símbolos. O padre Kircher publicou, em 1643, sob o título de Lingua Aegyptiaca Restituta, o texto e a tradução de manuscritos árabes recolhidos no Oriente que continham a gramática da língua copta e um vocabulário copta-árabe, obra que, apesar das imperfeições que apresentava, muito contribuiu para difundir o estudo da lingua copta. O estudo desse idioma propagou-se na Europa atrelado ao interesse de interpretação da literatura bíblica. Estudiosos demonstraram a vantagem que a filologia poderia retirar das noções encerradas nos textos coptas e explicavam por tais meios um bom número de antigas palavras egípcias citadas por escritores gregos. Um filologista de nome Paul-Ernest Jablonsky, homem dotado de vasta erudição, tentou explicar o sistema religioso do antigo Egito reunindo e classificando as passagens esparsas dos autores gregos e latinos referentes às atribuições das divindades egípcias e interpretando os nomes de tais divindades à luz dos vocabulários coptas. Tal tentativa, aparentemente bem fundamentada, não obteria os resultados almejados pois, na verdade, os escritores gregos e latinos apresentaram apenas noções parciais, locais e incompletas do sistema religioso egípcio e a interpretação dos nomes das divindades feita por Jablonsky baseou-se em pequeno número de textos coptas, o que não garantiu a inclusão no estudo de todos os radicais das palavras que formavam os nomes dos deuses egípcios e também porque os gregos e latinos ao transcreverem os nomes fizeram alterações substanciais neles. Na segunda metade do século XVIII de nossa era surgiram novas tentativas do mesmo gênero e todas infrutíferas. O estudo dos hieróglifos acabou caíndo em descrédito e os resultados propalados atingiram as raias da estravagância. Segundo uns, todas as inscrições egípcias eram relativas à astronomia. Outros achavam que referiam-se aos preceitos sobre o conjunto ou os detalhes dos trabalhos nos campos e que cada divindade egípcia representava uma das épocas da faina agrícola. Houve quem tentasse provar a origem comum dos povos da China e do Egito e que a escrita chinesa era proveniente da escrita egípcia e, então, pretendeu-se interpretar os hieróglifos com a ajuda unicamente dos dicionários da língua chinesa. Finalmente, um excêntrico pretendeu ter provado, racionalmente, que as diferentes imagens que formam os hieróglifos nada tinham a ver com a escrita egípcia e apenas eram simples ornamentos sem qualquer significado a não ser o estético. Por essa época, um estudioso dinamarquês, de nome Zoëga, profundo conhecedor dos clássicos gregos e da língua copta, publicou uma grande e importante obra sobre os obeliscos de Roma, na qual reuniu os principais resultados de suas pesquisas sobre o antigo Egito. Ao tratar dos hieróglifos esculpidos sobre aqueles monumentos, procurou compatibilizar entre si as noções fornecidas pelos escritores da antiguidade sobre o sistema gráfico dos egípcios. Ainda que não tenha acertado completamente, conseguiu reduzir a questão a seus termos reais e foi o primeiro a supor, vagamente, a existência de elementos fonéticos dentro do sistema de escrita egípcia. Entretanto, não deu extensão maior a tais elementos e reduziu-os a alguns caracteres que precediam as expressões correspondentes, como se os egípcios usassem o mesmo método do nosso jogo conhecido como carta enigmática. Esse autor, que conhecia todos os tratados sobre interpretação dos hieróglifos publicados antes dele, combateu a 11 idéia tão difundida de que aqueles sinais eram empregados por um pequeno número de adeptos e destinados apenas à transmissão de segredos sacerdotais. Ele intuia que a mesma escrita usada nos monumentos, conhecida e praticada pela parte letrada da população egípcia, também fora utilizada na redação habitual de textos relativos a todos os assuntos, sacros ou profanos. Intuia, também, que uma escrita tão complicada e que exigia conhecimentos de desenho não poderia ser introduzida facilmente no seio da massa da população. De fato, hoje sabemos que os egípcios lançaram mão de dois métodos taquigráficos — o hierático e o demótico — empregados com o objetivo de traçar os caracteres mais rápida e facilmente. Apesar de seus esforços, Zoëga não chegou a bom termo na decifraço dos hieróglifos porque não abandonou totalmente o falso ponto-de-vista de que a maior parte dos sinais da escrita egípcia eram meramente ideográficos. A publicação da obra de Zoëga sobre os obeliscos se deu um pouco antes da expedição de Napoleão ao Egito. Tal empreitada bélica e científica, já que vários eruditos avançavam junto com a tropa, deu um vivo impulso às pesquisas arqueológicas sobre o império dos faraós. Os sábios franceses, por meio de desenhos fiéis, fizeram a Europa conhecer a importância e o prodigioso número de monumentos antigos que existiam no Egito. Visões em perspectiva, plantas e cortes mostravam o conjunto e os detalhes dos templos, palácios e túmulos e foram publicados sob o título de Description de l'Egypte. Pela primeira vez o mundo erudito tinha uma idéia fiel da civilização egípcia e da inesgotável riqueza dos documentos históricos contidos nas inúmeras esculturas e ornamentos de tão imponentes construções. Saltava ainda mais aos olhos a necessidade de entender o sistema de escrita egípcio. Por sua vez, a abundância dos textos recolhidos forneceu precioso material para novas pesquisas sobre o assunto. Um verdadeiro frenesi percorreu os círculos cultos da Europa quando se divulgou a descoberta de um monumento bilingue encontrado em Roseta. Em agosto de 1799 um oficial de nome Bouchard, que fazia parte das tropas francesas que ocupavam a cidade egípcia de Roseta (Rachid, em árabe), à beira do braço oeste do Nilo, em escavações realizadas em um antigo forte, encontrou uma pedra de granito negro, de forma retangular, na qual uma das faces, bem polida, mostra três inscrições em três caracteres diferentes. A inscrição superior, destruída ou fraturada em grande parte, é uma escrita hieroglífica; o texto intermediário contém uma escrita egípcia cursiva e a terceira e última divisão da pedra é ocupada por uma inscrição em língua e caracteres gregos. A tradução desse último texto, contendo um decreto do corpo sacerdotal do Egito, reunido em Mênfis, em 196 a.C., para conferir grandes honras ao rei Ptolomeu V Epifânio (205 a 180 a.C.), deu a plena certeza de que as duas inscrições egípcias superirores continham a expressão fiel do mesmo decreto em língua egípcia e em duas escritas egípcias distintas: a escrita sagrada em hieróglifos e a escrita vulgar em demótico. É compreensível o entusiasmo pelo achado: a posse de textos egípcios acompanhados por sua tradução em uma língua conhecida vinha, enfim, estabelecer pontos de partida e de comparação tão numerosos quanto incontestáveis. Isso poderia levar com segurança ao conhecimento do sistema gráfico egípcio, através da análise combinada das duas inscrições egípcias com a inscrição grega. As hipóteses foram abandonadas e os estudiosos concentraram-se na pesquisa dos fatos. Marcharam, então, ainda que lentamente, em direção aos resultados positivos. Em 1802 um ilustre erudito francês, o barão Silvestre de Sacy, examinou o texto demótico da pedra de Roseta e comparou-o com o texto grego. Nos resultados que publicou estabeleceu as primeiras bases da decifração do texto intermediário ao determinar os grupos de caracteres que correspondem aos nomes próprios de Ptolomeu, Arsinoe, Alexandre e Alexandria, mencionados em diversas ocasiões no texto grego. Logo após um orientalista sueco, de nome Johan David Ackerblad (1763-1819), homem de grande erudição e 12 profundo conhecimento do copta, também comparou os dois textos e publicou uma análise dos nomes próprios gregos citados na inscrição em demótico e de tal análise extraiu um curto alfabeto egípcio demótico ou popular. Entre os dez nomes que ele identificou estavam o de Berenice e de Ptolomeu e também reconheceu, através do conhecimento que tinha de seus equivalentes em copta, as palavras gregos e templos e os pronomes lhe e seu. Entretanto, esse pesquisador, embora tenha sido feliz ao analisar os nomes próprios gregos, não obteve resultado ao tentar aplicar à leitura das outras partes da inscrição em demótico o conjunto de sinais dos quais ele acabara de constatar o valor na expressão escrita desses nomes próprios gregos. Não tendo deduzido, de um lado, que os egípcios ao escreverem as palavras suprimiam em grande parte as vogais mediais e não supondo, por outro lado, que muitos dos sinais empregados no texto podiam pertencer à classe dos caracteres ideográficos, o sueco, cansado de vãs tentativas, colocou a pesquisa de lado. Entretanto ficou provado, pelos estudos do erudito francês e do orientalista sueco, que a escrita vulgar dos antigos egípcios exprimia os nomes próprios estrangeiros por meio de sinais verdadeiramente alfabéticos. Seria compreensível que o primeiro texto a ser estudado na pedra de Roseta fosse o que está grafado em hieróglifos. Seria lógico compará-lo com o texto grego para se obter algumas noções exatas sobre a essência daqueles sinais. Entretanto, não foi o que ocorreu. Provavelmente a demora no estudo do texto em hieróglifos foi devido ao mau estado da pedra, pois as fraturas fizeram desaparecer uma grande parte daquela escrita. Para se ter uma idéia, basta dizer que enquanto o texto em grego apresenta 54 linhas, o texto em hieróglifos tem apenas 14. Se esse setor estivesse inteiro, com certeza teria sido poupado muito trabalho aos pesquisadores. Os autores da obra Description de l'Egypte não se ocuparam dos diversos tipos da escrita egípcia. Entretanto, publicaram excelentes fac-símiles de manuscritos hieroglíficos e hieráticos, bem como cópias bastante fiéis de um grande número de inscrições encontradas nos monumentos egípcios. Reconheceram, no meio delas, a existência de alguns caracteres simbólicos mencionados pelos autores gregos, mas trataram apenas de forma genérica as questões relativas à natureza e às combinações dos sinais elementares. Um cientista inglês, Thomas Young (1773-1829), soube aplicar ao exame comparativo dos três textos da pedra de Roseta um espírito de método geralmente só adotado nas ciências físicas e matemáticas. Ele reconheceu nas partes ainda existentes das inscrições demótica e hieroglífica, através de comparação totalmente material, os grupos de caracteres correspondentes às palavras empregadas na inscrição grega. Tal trabalho, resultado de uma abordagem sagaz, estabeleceu finalmente algumas noções exatas sobre os dois ramos do sistema gráfico egípcio e de suas respectivas ligações. Ele acabou fornecendo provas materiais da assertiva dos antigos de que os egípcios empregavam caracteres tanto figurativos quanto simbólicos na sua escrita. Mas a natureza íntima dessa escrita, suas relações com a língua falada, o número, a essência e as combinações de seus elementos fundamentais ainda restavam incertos e hipotéticos. Young, assim como os autores da Description de l'Egypte, não separou de maneira marcante a escrita demótica da hierática e encarou como semelhates dois sistemas de natureza inteiramente opostos. Em 1816 ele acreditava na natureza alfabética da totalidade dos sinais que formavam o texto intermediário da pedra de Roseta e se esforçou em determinar, por meio do alfabeto estabelecido por Ackerblad acrescido de vários novos sinais aos quais ele atribuiu um valor fixo, a leitura de 80 grupos de caracteres demóticos extraidos daquela estela. Por outro lado, em 1819, abandonando inteiramente a idéia da existência real de sinais verdadeiramente alfabéticos no sistema gráfico egípcio, Young afirmou, ao contrário, que a escrita demótica e a dos papiros hieráticos pertenciam, assim como a escrita hieroglífica, a um sistema composto de caracteres puramente ideográficos. Entretanto, convencido de que a maior parte dos nomes próprios mencionados no texto demótico da pedra eram suscetíveis de uma espécie de leitura com o alfabeto de Ackerblad, ele concluiu que os egípcios, somente para transcrever os nomes próprios 13 estrangeiros, usavam, como os chineses, sinais realmente ideográficos mas desviados de sua expressão usual para que, incidentalmente, pudessem representar sons. Persuadido disso, o cientista inglês tentou analisar dois nomes próprios escritos em hieróglifos: Ptolomeu e Berenice. Tal análise, baseada em um falso princípio, em nada resultou. Apesar de tais titubeios, Young demonstrou que a hipótese aventada por outros estudiosos de que os grupos de hieróglifos escritos no interior de anéis ovalados, os assim chamados cartuchos, eram nomes de reis, estava correta. Nessa época a questão relativa à natureza elementar do sistema hieroglífico permanecia inalterada: os escribas egípcios grafafam de forma ideográfica ou exprimiam as idéias anotando o próprio som das palavras? Os trabalhos de Champollion demonstraram, então, que a verdade se achava precisamente entre essas duas hipóteses extremas, ou seja, o sistema gráfico egípcio como um todo empregava, simultaneamente, sinais ideográficos e sinais representando sons. Ele demonstrou, também, que os caracteres fonéticos, da mesma maneira que as letras do nosso alfabeto, longe de se limitarem apenas a exprimir os nomes próprios estrangeiros, formavam, ao contrário, a parte mais considerável dos textos hieroglíficos, hieráticos e demóticos egípcios e representavam, combinando-se entre si, os sons e as articulações das palavras próprias da língua falada egípcia. Tais pontos fundamentais foram expostos pelo decifrador dos hieróglifos pela primeira vez em 1824, na sua obra intitulada Précis du système hiéroglyphique. Esses princípios foram aplicados a inumeráveis monumentos quando Champollion passou 16 meses por entre as ruínas do Alto e do Baixo Egito e revelaram-se exatos e precisos. Ao aplicá-los, ele foi capaz de ler as porções fonéticas dos textos, que na realidade constituem três quartas partes ou mais de cada texto hieroglífico. Disso me resultou a plena convicção — afirmou Champollion — de que a língua egípcia antiga não difere em nada de essencial da língua vulgarmente chamada copta; que as palavras egípcias escritas em caracteres hieroglíficos sobre os mais antigos monumentos de Tebas e em caracteres gregos nos livros coptas têm um valor idêntico e não diferem em geral a não ser pela ausência de certas vogais mediais, omitidas, segundo o método oriental, na ortografia primitiva. Os caracteres ideográficos ou simbólicos, misturados aos caracteres de sons, são bastante diferentes; eu pude deduzir as leis de suas combinações, seja entre eles, seja com os sinais fonéticos e cheguei sucessivamente ao conhecimento de todas as formas e notações gramaticais expressas nos textos egípcios, sejam hieroglíficos, sejam hieráticos. O texto acima é uma tradução livre de trechos do discurso que Champollion proferiu, em 10 de maio de 1831, no Collège Royal de France, na aula inaugural de seu curso sobre a gramática egípcia. A Decifração dos Hieróglifos — Parte 2 Retorna 14 Mas afinal, de que maneira Champollion chegou à decifração dos hieróglifos? A primeira palavra do texto em grego da pedra de Roseta que ele identificou entre os hieró-glifos foi o nome de Ptolo-meu, formado por oito sinais envolvidos por um cartucho. Inicialmente teve dificuldades em interpretar os símbolos porque continuava apegado à idéia de que a escrita egípcia era ideográfica. Quando raciocinou que por ser um nome grego, ou seja, estrangeiro, dificilmente poderia ter sido grafado com ideogramas, e que provavelmente fora escrito da maneira como era pronunciado, procurou transpor o nome da língua grega para a egípcia. Para alcançar esse objetivo o linguista francês percorreu um caminho reverso. Partindo da forma grega do nome, Ptolemaios, verteu o nome, som a som, do grego para o copta, deste para o demótico, daí para o hierático e, finalmente, para os hieróglifos. O resultado a que chegou foi Ptolmys. Embora ele soubesse que sinais inscritos em uma elípse indicavam o nome de um faraó, não sabia estabelecer o sentido da leitura e, assim, não era possível descobrir a correspondência entre as letras e os hieróglifos. Quando Champollion teve acesso à inscrição de um obelisco descoberto em Philae, as coisas se tornaram mais claras. O monumento também continha um texto grafado em hieróglifos, demótico e grego, no qual aparecia o nome de outro faraó, Ptolomeu Evergetes II, e, pelo que pode ser deduzido pela inscrição grega ao pé do obelisco, o de sua esposa Cleópatra III. Comparando os cartuchos de Ptolomeu e Cleópatra, notou que possuíam em comum os sinais que representavam as letras P, T, O e L. Havia um pequeno complicador porque os dois sinais para a letra T eram diferentes em ambos os cartuchos. Ele deduziu, porém, acertadamente, que eram sinais homófonos, isto é, eram símbolos iguais para o mesmo som como o que acontece, por exemplo, com F e PH. A conclusão lógica foi a de que alguns hieróglifos tinham mesmo o valor de letras. Desse ponto em diante seus trabalhos tomaram rumo decisivo. A partir das quatro letras conhecidas foi possível deduzir, por suas posições, as que faltavam. Passou a contar, então, com um total de 12 fonogramas identificados. Aplicou-os a um terceiro cartucho e conseguiu decifrar o nome de Alexandre, escrito como Alksentrs. Na evolução dos estudos, Champollion começou a deduzir os princípios da escrita egípcia. Considerando os símbolos isoladamente e tomando seus nomes em copta, percebeu a equivalência entre o valor do hieróglifo e a primeira letra da palavra naquela língua. Por exemplo, o leão, pronunciado labor em copta, tinha o valor da letra L; 15 o desenho da mão, toot em copta, tinha o valor da letra T; o desenho da boca, ro em copta, tinha o valor da letra R, e assim sucessivamente. Partindo de sons simples assim isolados e aplicando seus valores fonéticos em todos os trechos em que apareciam, ele buscava, a seguir, ajuda no texto grego para imaginar que som, em copta, poderia ter a tradução de determinada palavra grega. Até aqui ele estava convencido de que o seu método de tradução funcionaria com todos os nomes não egípcios. Tendo reunido cartuchos do período greco-romano da história egípcia, Champollion conseguiu decifrar 79 nomes de reis para os quais identificou todas as letras. Quando, finalmente, em setembro de 1822, examinou cartuchos de nomes de faraós puramente egípcios — Ramsés e Tutmés (Tutmósis) — e conseguiu decifrá-los, percebeu que havia encontrado realmente a chave do entendimento da escrita hieroglífica. Decifrar o significado dos sinais hieroglíficos e mesmo ler nomes de reis de pouco adiantaria se não fosse possível traduzir os textos nos quais esses elementos estavam inseridos. Um dos principais fatores que permitiram a tradução foi o fato da língua copta ter sobrevivido até o século XVI da nossa era como a língua da população cristã do Egito. Mesmo na atualidade ela ainda é lida, embora não entendida, nas igrejas coptas. Seu vocabulário é constituido de palavras egípcias suplementadas por um considerável número de palavras emprestadas diretamente do grego. Profundo conhecedor do copta que era, Champollion tinha condições de traduzir palavras gregas da pedra de Roseta para aquela língua. Depois que descobriu os princípios da escrita egípcia, passou a procurar nos locais adequados do trecho em hieróglifos as palavras cujas "letras" correspondiam àquelas das suas traduções em copta. A tarefa era dificultada pelo fato dos egípcios não separarem as palavras umas das outras. Na medida em que aumentou o número de hieróglifos decifrados, ele inverteu o processo e passou a traduzir para o copta palavras que ele podia ler em hieróglifos e, assim, entender o seu significado. Havia limitações nesse esquema porque eram poucas as palavras egípcias que haviam sido preservadas em copta e outras haviam sido tão deturpadas nessa última linguagem que era difícil reconhecer suas origens no idioma egípcio. Nos casos em que o copta não podia ajudar na interpretação de uma palavra, Champollion recorria a métodos dedutivos, baseado nas várias ocorrências de uma mesma palavra em contextos diferentes, ou ao hebreu, idioma no qual foram preservadas muitas palavras do tronco comum semítico, as quais também foram incorporadas à linguagem egípcia. Desta maneira os egiptólogos puderam fazer a leitura de praticamente todos os sinais hieroglíficos e entender o significado de grande parte do vocabulário egípcio. O grande mistério que envolvia a decifração dos hieróglifos era devido ao fato de que a estrutura desse sistema de escrita combina três categorias de símbolos: os fonogramas (do grego phone = som + gramma = caracteres escritos), os ideogramas (do grego idea = idéia + gramma = caracteres escritos) e os determinativos. Ao contrário do que geralmente se pensa, a escrita hieroglífica é em parte fonética. Muitos dos símbolos funcionam como fonogramas, ou seja, são sinais gráficos que representam um som fundamental (fonema) ou uma sequência de fonemas. Nesses casos se emprega uma imagem não para significar o que ela representa, mas apenas pelo valor fonético daquilo que ela representa. Por exemplo: a figura de uma lebre não é usada geralmente para escrever lebre, mas sim para grafar os dois sons fundamentais que entram na palavra que significa lebre em egípcio, isto é, o W e o N. Os fonogramas são sempre consonantais, pois a escrita hieroglífica não grafa as vogais. A prática usual dos estudiosos ao traduzirem um texto hieroglífico consiste em intercalar entre as consoantes as letras e ou o, mas isso é meramente convencional. É por isso que os nomes próprios egípcios de faraós e personagens importantes são grafados por vezes de formas diferentes. Há três categorias de fonogramas. Aqueles que representam apenas um som são chamados de sinais "alfabéticos". Eles formam um pequeno conjunto cujos componentes equivalem, aproximadamente, do ponto de vista sonoro, às letras do nosso alfabeto. A figura da boca, por exemplo, representa a letra R; o desenho da mão, a letra T e um pedaço de tecido dobrado, a letra S. Os fonogramas que representam dois sons, isto é, sinais que grafam uma sequência de duas "letras", chamados de biliterais, são, teoricamente, mais de 600, considerando-se o número de 16 combinações possíveis com os diversos sinais "alfabéticos". Na prática, apenas 90 eram empregados. Alguns exemplos são o desenho de uma cesta, representando as letras NB; a figura de uma lebre, significando WN; um rosto, indicando as letras HR. Finalmente, os fonogramas que representam três sons, ou seja, grafam uma sequência de três "letras", denominados triliterais, são cerca de 60. Entre eles figuram um coração e uma traquéia, símbolo das letras NFR; uma tira de sandália, que era lida como NKH e um pão sobre uma esteira, grafia das letras HTP. Enquanto que os fonogramas grafam a palavra decompondo-na em seus sons fundamentais, os ideogramas escrevem-na de maneira global. Eles indicam o significado de uma palavra pictoricamente, sem mostrar como deve ser lida. Exemplificando: posso escrever Sol foneticamente; mas também posso escrever ideograficamente, empregando o desenho do Sol. Os símbolos empregados como ideogramas significam aquilo que eles representam e outras idéias que possam estar associadas a ele. O ideograma do Sol, por exemplo, pode significar o astro em si ou qualquer outra palavra de sentido associado ao Sol e suas características como luz, brilho, dia, pôr-do-Sol, etc. O ideograma de um barco pode significar vários tipos de embarcação como bote, barcaça, navio e também verbos referentes à navegação. Para distinguir uma palavra da outra os egípcios usavam os sinais determinativos, como veremos mais adiante. Nessa categoria dos ideogramas, quando a idéia é abstrata e difícil de exprimir com uma só figura, seria natural que os escribas criassem uma espécie de enigma figurado combinando duas ou mais imagens para escrever a palavra. E eles faziam exatamente isso. Em português, por exemplo, poderíamos desenhar a figura de um bochechudo deus dos ventos e um rosto contraído para escrever a palavra ardor. A relação entre representação e significado pode ser direta ou indireta. É direta, por exemplo, quando se mostra um contorno com um palácio no ângulo para significar recinto, palácio. É indireta, por exemplo, quando se mostra um falcão para significar o nome do deus Hórus. Dos aproximadamente 700 hieróglifos que eram de utilização frequente no cotidiano, pelo menos 100 sempre permaneceram ideográficos e nunca se tornaram símbolos fonéticos. É curioso notar que um sinal ideográfico, além de representar a palavra que retratava, também podia exercer o papel de um determinativo para a representação fonética da mesma palavra. Exemplificando: o desenho de um obelisco, palavra grafada tekhen em egípcio, podia significar exatamente isso — obelisco. Mas também podia vir após os hieróglifos fonéticos das consoantes t+kn+n como um determinativo do significado da palavra obelisco. Finalmente, os determinativos são sinais que, colocados no final de uma palavra, têm a função de indicar em que classe semântica se enquadra a palavra que eles determinam. São, portanto, classificadores, puramente gráficos, e sem correspondentes na língua falada. Por exemplo: tudo aquilo que implica a idéia de violência é seguido pelo sinal de um braço armado; termos que designam seres de prestígio se encerram com um homem barbudo sentado; o determinativo de água se emprega com as palavras que designam as grandes extensões de água, os líquidos, e mesmo com aquelas que significam ter sede ou matar a sede. Embora os determinativos não fossem de uso obrigatório, tinham importante papel na escrita. Permitiam, por exemplo, que se fizesse a distinção entre palavras homófonas. Os termos ser estabelecido e sofrer eram escritos da mesma maneira: MeN. O que distinguia as duas palavras era o determinativo de abstrato (um papiro selado), no primeiro caso, e o determinativo de mal (um pardal), no segundo. O professor Lionel Casson nos mostra um outro exemplo: As letras hnu podiam ser pronunciadas como qualquer coisa desde hiniu a ohanou e ter vários sentidos diferentes. Por isso a palavra nunca é encontrada sem um de vários determinativos: um vaso de cerveja para indicar a palavra de uma medida para líquidos; um homem fazendo o sinal ritual de regozijo para indicar a palavra correspondente a alegria, e as figuras de um homem e de uma mulher sobre um símbolo de plural (três traços paralelos) para indicar a palavra que significava vizinhos ou companheiros. Graças a esse sistema, os egípcios podiam usar o mesmo grupo de letras para indicar até 10 palavras inteiramente diferentes. 17 Ainda para esclarecer o emprego dos determinativos, façamos de conta que queremos escrever com hieróglifos palavras da língua portuguesa. Tomemos, por exemplo, a palavra ramo. O desenho de um ramo de árvore pode representar não só a palavra ramo em si, mas também todas as palavras que contenham o grupo consonantal RM: Roma, aroma, remo, arma, rima, Remo, etc. Ao escrever uma frase como cortei um ramo de árvore o hieróglifo do ramo seria usado sem qualquer determinativo. Nos demais casos o ramo seria acompanhado por um hieróglifo que representasse cidade, para a palavra Roma; um nariz, para a palavra aroma; um remo, para a palavra remo; um braço armado para a palavra arma; um sinal de conceito abstrato (um papiro selado), para a palavra rima e um homem sentado para o nome próprio Remo. Se quisséssemos esquever Rômulo, acrescentaríamos ao ramo a letra L (a figura de um leão) e mais um homem sentado para indicar tratar-se de um nome próprio. Além de servir muito adequadamente para distinguir palavras homófonas, o determinativo tinha a vantagem de delimitar as palavras dentro da sucessão contínua dos sinais da escrita, já que não havia espaços em branco entre elas. São essas, portanto, as três funções que os hieróglifos podiam desempenhar: fonogramas, ideogramas e determinativos. Alguns sinais exerciam apenas uma delas. Outros podiam exercer, alternativamente, duas ou até mesmo as três funções. Aparentemente isso tudo poderia gerar uma infinidade de combinações e uma grande confusão. Na prática as mesmas palavras eram quase sempre escritas do mesmo modo. Não havia regras fixas para a combinação das três categorias de sinais. Isso dependia dos usos e de tradições, as quais variaram ao longo do tempo. Entretanto, alguns princípios fundamentais permaneceram estáveis, como se segue: 1) Os sinais puramente ideográficos estavam essencialmente limitados aos nomes das divindades e aos termos do vocabulário fundamental. Frequentemente o ideograma é identificado como tal por um traço que o acompanha. Assim, o desenho de uma boca com o traço representa, ideograficamente, boca, fórmula, enquanto que o mesmo desenho sem o traço é o sinal alfabético para R; 2) Com muita frequência as palavras são escritas com a ajuda de fonogramas, geralmente seguidos de um ou vários determinativos, como já vimos nos exemplos dados acima. Assim, SeKHeR, que significa plano, diretiva, era escrito com os fonogramas S, KH e R, seguidos do determinativo de abstrato (um papiro selado); 3) Os fonogramas são correntemente empregados de forma redundante para explicitar parcial ou totalmente um ideograma, ou até mesmo um outro fonograma. A figura de um escaravelho pode significar, por si só, KHePeR, cujo sentido é nascer, vir a ser. Esse hieróglifo é frequentemente combinado com o sinal alfabético R e, nesse caso, não se lê KHePeR+R, mas apenas KHePeR, pois o R é uma redundância, ou seja, um complemento fonético. Os complementos fonéticos podem funcionar em vários graus. Um ideograma ou um fonograma de dois ou três sons podem ser explicitados por outros fonogramas. Por exemplo, a figura de um muro, ideograma para a palavra JeNeB, que significa exatamente muro, pode ser explicitado por JeN (um peixe) e o sinal alfabético B, enquanto que esse mesmo JeN é, por sua vez, explicitado pelos sinais alfabéticos J e N. Se tudo isso parece confuso para você, com certeza não o era para os escribas. Ao escrever uma palavra ele poderia, na maioria dos casos, adotar um dentre vários métodos diferentes. Podia simplesmente escrever o ideograma, geralmente acompanhado por um traço vertical sob ele, indicando que aquele sinal tinha valor de ideograma. Com maior frequência, entretanto, ele usaria fonogramas seguidos por um ideograma, ou seja, por um determinativo que esclareceria o sentido geral da palavra. Quando existisse um sinal biliteral ou triliteral adequado o escriba o empregaria e, frequentemente, lhe acrescentaria alguns sinais alfabéticos, mesmo que estes já estivessem incluídos no fonograma. Tão incômoda e ilógica parece ser essa multiplicidade de sinais, — comenta o egiptólogo T. G. H. James — que é difícil de entender o processo de raciocínio pelo qual eles evoluiram, e ainda mas difícil de imaginar porque teriam continuado com tão pouca alteração durante um período de tempo tão longo. Conforme já dissemos, os egípcios não escreviam as vogais. Elas apenas eram grafadas quando eram 18 semiconsoantes, ou seja, quando exerciam função de consoante. Tal fato não é surpresa para o mundo moderno que conhece as línguas árabe e hebraica, as quais também não escrevem as vogais. Porém, como diz com muita graça o escritor Federico Mella, em caso de necessidade, há sempre um árabe ou um israelense por perto para tirar-nos as dúvidas, ao passo que entre nós não existe nenhum antigo egípcio para nos ensinar. Na maioria dos casos as vogais não eram escritas e torna-se difícil para nós, e frequentemente impossível, imaginar qual teria sido a pronúncia correta de tais palavras. Quando viável, os estudiosos baseiam-se nas palavras coptas correspondentes. Vejamos os exemplos dados por aquele autor: O deus de Tebas se escreve IMN. Eis por que os gregos chamavam de Amenófis, Amenmenes, etc., os faraós que traziam nomes a ele dedicados; é provável que a dicção certa fosse Amen, como prefixo, e Amon sozinho. Outro exemplo é o nome de Nefertiti que se escrevia NFRTIITI, obviamente de difícil pronúncia. Visando somente superar estas dificuldades fonéticas, espalhou-se o uso de inserir entre as consoantes a vogal E e até mesmo outra se possível. Por esta razão nós chamamos a bela rainha Nefertiti ou Nefertite. É provável que a dicção mais adequada seja Nofretiti. Mas trata-se apenas de um método circunstancial, ao qual se recorre na falta de apontamentos, isto é, quase sempre; e também não constitui norma. Por exemplo, o nome do deus de Mênfis se escreve PTH, e se lê comumente PTAH, e não Peteh ou Petehe. Acrescentamos que esse H era áspero, mas permanece o fato de que não sabemos como soava no idioma egípcio — salvo em poucas exceções de que se tem conhecimento. E o autor conclui: Deparamos com diversas dificuldades diante da escrita etrusca: podemos lê-la, mas não traduzi-la. Aqui, pelo contrário, podemos traduzi-la, mas não pronunciá-la. Isto causa com frequência muitas desigualdades na maneira de escrever os nomes dos faraós e das cidades. NOTA: O nome de Ptolomeu era escrito PTOLMIIS. O de Cleópatra era grafado QLIOPATRAT. O T final era uma desinência feminina, comum a todos os nomes femininos egípcios, o que também se usava em copta e Champollion bem conhecia. O último sinal, um ovo, enfatizava novamente que se tratava de uma mulher. A Pedra de Roseta A Decifração dos Hieróglifos — Parte 1 Retorna A A A A A A Pedra Pedra Pedra Pedra Pedra Pedra de de de de de de Roseta Roseta Roseta Roseta Roseta Roseta A A A A A Pedra Pedra Pedra Pedra Pedra de de de de de Roseta Roseta Roseta Roseta Roseta 19 A expedição militar e científica que o imperador Napoleão realizou ao Egito trouxe consigo, entre outras inúmeras antiguidades, uma pedra encontrada em agosto de 1799 por soldados franceses que trabalhavam sob as ordens de um oficial chamado Bouchard. Na luta contra ingleses e turcos, eles estavam restaurando e preparando os alicerces para ampliação de um antigo forte medieval, posteriormente chamado de Forte de São Juliano, nas proximidades da cidade egípcia de Rachid (que significa Roseta, em árabe), localizada à beira do braço oeste do Nilo, perto de Alexandria, junto ao mar. Dois anos depois, pelo Tratado de Alexandria, o achado foi cedido aos ingleses e hoje se encontra no Museu Britânico de Londres. Tendo ficado conhecida como Pedra de Roseta, é uma estela de basalto negro, de forma retangular, medindo 112,3 cm de altura, 75,7 cm de largura e 28,4 cm de espessura e que numa das faces, bem polida, mostra três inscrições em três caracteres diferentes, em parte gastas e apagadas em virtude do contato com a areia por milênios. Na parte superior, destruída ou fraturada em grande parte, vê-se uma escrita hieroglífica com 14 linhas; o texto intermediário contém 22 linhas de uma escrita egípcia cursiva, conhecida como demótico, e a terceira e última divisão da pedra é ocupada por uma inscrição de 54 linhas em língua e caracteres gregos. Os três textos reproduzem o mesmo teor de um decreto do corpo sacerdotal do Egito, reunido em Mênfis, em 196 a.C., para conferir grandes honras ao rei Ptolomeu V Epifânio (205 a 180 a.C.), por benefícios recebidos. Apesar da aparência insignificante da pedra, os estudiosos logo perceberam o seu valor pelo fato de apresentar textos egípcios acompanhados por sua tradução em uma língua conhecida, o que vinha, enfim, estabelecer pontos de partida e de comparação tão numerosos quanto incontestáveis. Por ordem de Napoleão Bonaparte a estela foi reproduzida e litografada e várias cópias enviadas a diversos especialistas em línguas mortas. Entretanto, passaramse 23 anos desde a data de sua descoberta até que um homem, Jean-François Champollion, pudesse decifrar integralmente o seu conteúdo. A Pedra de Roseta estará eternamente ligada ao nome de Champollion, pois foi ela que serviu de base aos estudos que o levaram finalmente à decifração dos hieróglifos. A verdade é que, ajudado pelo fato de que aquela estela continha o mesmo texto grafado em hieróglifos, demótico e grego, ele reconheceu nela o nome de Ptolomeu em grego e demótico e, assim, pode identificar o cartucho com o mesmo nome em hieróglifos, dando, assim, um passo importantíssimo na solução do enígma. Mas afinal, o que estava escrito nessa famosa Pedra de Roseta? Pelo que diz o texto, o faraó Ptolomeu V Epifânio havia concedido ao povo a isenção de uma série de impostos e o fato, evidentemente, agradara a todos. Em sinal de agradecimento os sacerdotes resolveram erguer uma estátua de Ptolomeu V em cada templo e organizar 20 festividades anuais em sua honra. Para deixar registrada para sempre tal decisão, gravaram-na em várias estelas comemorativas e colocaram uma delas em cada templo importante da época. Os soldados de Napoleão toparam com uma dessas pedras. Apesar de estar mutilada, foi possível reconstituir a totalidade do texto original da estela graças a outras cópias do decreto que foram encontradas. Ele diz: No decorrer do reinado do jovem que sucedeu a seu pai na realeza, Senhor dos Diademas, mui glorioso, que estabeleceu o Egito e foi piedoso perante os deuses, triunfante sobre seus inimigos e que restaurou a paz e a vida civilizada entre os homens, Senhor dos Festivais dos Trinta Anos, semelhante a Ptah, o Grande, um rei como Rá, grande rei dos países Alto e Baixo, progênie dos Deuses Filopatores, aprovado por Ptah, a quem Rá deu a vitória, imagem viva de Amum, filho de Rá, PTOLOMEU, ETERNO, AMADO DE PTAH, no nono ano, quando Aetos, filho de Aetos, era sacerdote de Alexandria e os deuses Sóteres e os deuses Adelphoi e os deuses Evergetes e os deuses Filopatores e o deus Epifânio Eucaristo; Pyrrha, filha de Philinos, sendo Athlophoros de Berenice Evergetes, Areia, filha de Diogenes, sendo Kanephoros de Arsinoe Filadelfo; Irene, filha de Ptolomeu, sendo sacerdotisa de Arsinoe Filopator; aos quatro do mes de Xandikos, de acordo com os egípcios, o 18ª de Mekhir. O DECRETO. Estando reunidos os Sacerdotes Principais e Profetas e aqueles que adentram no templo interior para aparamentar os deuses, e os Portadores de Abano e os Escribas Sacrados e todos os demais sacerdotes dos templos da terra que vieram se encontrar com o rei em Mênfis para a festa da assunção de PTOLOMEU, ETERNO, O BEM AMADO DE PTAH, O DEUS EPIFÂNIO EUCARISTO, o sucessor de seu pai na realeza; estando todos reunidos no templo de Mênfis nesse dia, declaram que: considerando que o rei PTOLOMEU, ETERNO, O BEM AMADO DE PTAH, O DEUS EPIFÂNIO EUCARISTO, o filho do rei Ptolomeu e da rainha Arsinoe, os deuses Filopatores, foi um benfeitor tanto do templo quanto daqueles que vivem nele, bem como de seus assuntos, sendo um deus oriundo de um deus e de uma deusa amados de Hórus, o filho de Ísis e de Osíris, que vingou seu pai Osíris, estando propiciamente inclinado em relação aos deuses, destinou à renda dos templos riquezas e milho e empreendeu muitas despesas para a prosperidade do Egito e para a manutenção dos templos e foi generoso sobretudo com seus próprios meios; e isentou alguns e abrandou para outros os impostos e taxas cobrados no Egito, para que essas pessoas e todas as demais pudessem viver em prosperidade durante seu reinado; e considerando que ele anulou os débitos que numerosos egípcios e o restante do reino tinham com relação à coroa; e considerando que para aqueles que estavam presos e aos que estavam sob acusação há muito tempo, ele decidiu aliviá-los das cargas que pesavam contra eles; e considerando que ele confirmou que os deuses continuarão a viver das rendas dos templos e das dotações anuais recebidas, tanto de milho quanto de bens, bem como das rendas destinadas aos deuses pelos vinhedos, jardins e outras propriedades que pertenciam aos deuses durante o reinado de seu pai; e considerando que ele também decidiu, em respeito aos sacerdotes, que eles não devem, para admissão ao sacerdócio, pagar mais do que as taxas estabelecidas durante o reinado do seu pai e até o primeiro ano do seu próprio reinado; e desobrigou os membros das ordens sacerdotais da viagem anual a Alexandria; e considerando que ele decidiu que não haverá mais nenhum recrutamento compulsório para a marinha; e que da taxa sobre tecido de linho fino pago pelos templos à coroa ele reduziu dois terços; e que qualquer que tenham sido as negligências de tempos passados, ele as corrigiu devidamente, destacando-se muito particularmente as taxas tradicionais a serem pagas apropriadamente aos deuses; e igualmente a todos ministrou justiça, como Thoth, o grande e grande; e decretou que aqueles que retornam da guerra e aqueles que foram espoliados de seus bens nas épocas de turbulência, devem, no seu retorno, ser autorizados a ocupar suas antigas propriedades; 21 e considerando que ele autorizou o desembolso de grande quantidade de dinheiro e milho para enviar a cavalaria, a infantaria e a marinha contra aqueles que invadirem o Egito por mar e por terra, a fim de que os templos e todos aqueles que habitam na terra possam estar em segurança; e que tendo ido a Lycopolis, no nomo de Busirite, com um abundante arsenal e outras provisões, para constatar e dissipar o descontentamento provocado por homens ímpios que perpretraram danos aos templos e a todos os habitantes do Egito, ele a circunvalou de pequenas colinas, canais e complicadas fortificações; quando o Nilo, que habitualmente inunda as planícies, teve uma grande cheia no oitavo ano do seu reinado, ele a evitou construindo em numerosos locais desvios para os canais, por um custo irrisório, e confiando a guarda desses locais à cavalaria e à infantaria, em pouco tempo, ele tomou de assalto a cidade e matou todos os homens ímpios, tal como o fizeram Thoth e Hórus, o filho de Ísis e Osiris, em tempos passados, para subjugar os rebeldes no mesmo distrito; e como seu pai havia feito com os rebeldes que haviam molestado a terra e lesado os templos, ele veio a Mênfis para vingar seu pai e sua própria realeza e os puniu como eles mereciam; aproveitando-se de sua vinda, ele fez executar as cerimônias adequadas da sua coroação; e considerando que ele dispensou o que era devido à coroa pelos templos até o seu oitavo ano, não exigindo sequer uma pequena quantidade de milho ou dinheiro; e que fez descontos também nas multas para os tecidos de linho fino não entregues à coroa e para os que foram entregues diminuiu as taxas pelo mesmo período; e que ele também isentou os templos do imposto de uma medida de grão para cada medida de terra sagrada e, da mesma forma, de uma jarra de vinho para cada medida de terra dos vinhedos; e considerando que ele fez muitas oferendas a Ápis e a Mnevis e aos outros animais sagrados do Egito, pois ele é muito mais preveniente do que os reis que o precederam com relação a tudo que lhes dizia respeito; e que para seus funerais ofertou o que era conveniente com prodigalidade e fausto, e que o que foi pago aos seus santuários específicos o foi regularmente, com sacrifícios e festivais e outras observâncias costumeiras, e que ele manteve a honra dos templos do Egito de acordo com as leis; e que ornou o templo de Ápis com um rico trabalho, dispendendo com isso grande quantidade de ouro, prata e pedras preciosas; e considerando que ele fundou templos e santuários e altares e reparou aqueles que necessitavam de reparo, tendo o espírito de um deus benfeitor no que diz respeito à religião; e considerando que, após levantamento, ele vem reconstruindo, durante seu reinado, os mais honoráveis dos templos, como se fazia necessário; em recompensa pelo que os deuses lhe têm dado saúde, vitória e poder, e todas as demais coisas boas, e ele e seus filhos permanecerão na prosperidade por todos os tempos. COM FORTUNA PROPÍCIA: Foi decidido pelos sacerdotes de todos os templos da terra aumentar grandemente as honras devidas ao Rei PTOLOMEU, ETERNO, O BEM AMADO DE PTAH, O DEUS EPIFÂNIO EUCARISTO, igualmente as de seus pais, os Deuses Filopatores, e as de seus ancestrais, os Grandes Evergetes e os Deuses Adelphoi e os Deuses Sóteres e colocar no local mais proeminente de cada templo uma imagem do ETERNO REI PTOLOMEU, O BEM AMADO DE PTAH, O DEUS EPIFÂNIO EUCARISTO, que será chamado simplesmente "PTOLOMEU, o defensor do Egito", ao lado do qual deverá permanecer o deus principal do templo, entregando-lhe a cimitarra da vitória, e tudo será fabricado segundo os usos e costumes egípcios; e que os sacerdotes prestarão homenagem às imagens três vezes por dia, e colocarão sobre elas as vestimentas sagradas, e executarão outras devoções habituais como são devidas aos demais deuses nos festivais egípcios; e construir para o rei PTOLOMEU, O DEUS EPIFÂNIO EUCARISTO, descendente do Rei Ptolomeu e da Rainha Arsinoe, os deuses Filopatores, uma estátua e um santuário de ouro em cada um dos templos, e colocá-lo na câmara interior com os outros santuários; e nos grandes festivais nos quais os santuários são levados em procissão, o santuário do DEUS EPIFÂNIO EUCARISTO será levado em procissão junto com os demais. 22 E para que ele possa ser facilmente reconhecido agora e para todo o sempre, deverão ser colocadas sobre o santuário dez coroas reais de ouro, às quais será acrescida uma naja, à semelhança de todas as coroas ornadas com najas que estão sobre os demais santuários, no centro da coroa dupla que ele usava quando adentrou o templo de Mênfis para realizar as cerimônias de sua coroação; e na superfície que rodeia as coroas, ao lado da coroa acima mencionada, deverão ser colocados símbolos de ouro, em número de oito, significando que esse é o santuário do rei que uniu os países Alto e Baixo. E como o aniversário do rei é celebrado no 30º dia de Mesore e como também se celebra o 17º dia de Paophi, dia em que ele sucedeu a seu pai, esses dias foram considerados como dias de devoção nos templos, pois eles são fontes de grandes bençãos para todos; e foi decretado ainda mais que um festival terá lugar nos templos por todo o Egito nesses dias de cada mês, acompanhados de sacrifícios e libações e todas as cerimônias costumeiras dos outros festivais e oferendas serão feitas aos sacerdotes que servem nos templos. E um festival terá lugar em honra do Rei PTOLOMEU, ETERNO, O BEM AMADO DE PTAH, O DEUS EPIFÂNIO EUCARISTO, anualmente, nos templos por todos os cantos da terra no 1º dia de Thoth durante cinco dias, durante os quais eles usarão guirlandas e executarão sacrifícios e libações e outros sacramentos habituais, e os sacerdotes de cada templo serão chamados os sacerdotes do DEUS EPIFÂNIO EUCARISTO e mais os nomes dos outros deuses que eles servem; e seu sacerdócio será inscrito sobre todos os documentos oficiais e será gravado nos anéis que eles usam; e os particulares serão também autorizados a assistir os festivais e a instalar o santuário supra-mencionado em suas casas; executar as celebrações supra-mencionadas anualmente, a fim de que todos e cada um possa saber que os homens do Egito exaltam e honram o DEUS EPIFÂNIO EUCARISTO, o rei, de acordo com a lei. Este decreto será inscrito sobre uma estela de pedra nos caracteres sagrados e nativos e gregos e será erigida em cada um dos templos de primeiro, segundo e terceiro graus 23