VANTAGENS COMPARATIVAS DO BRASIL NA PRODUÇÃO DE LEITE [email protected] APRESENTACAO ORAL-Estrutura, Evolução e Dinâmica dos Sistemas Agroalimentares e Cadeias Agroindustriais ANDRE ROZEMBERG PEIXOTO SIMÕES; MARCUS VINICIUS MORAIS OLIVEIRA. UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL, AQUIDAUANA - MS BRASIL. VANTAGENS COMPARATIVAS DO BRASIL NA PRODUÇÃO DE LEITE BRAZILIAN DAIRY PRODUTION COMPARATIVE ADVANTAGE Grupo de Pesquisa: Estrutura, Evolução e Dinâmica dos Sistemas Agroalimentares e Cadeias Agroindustriais. Resumo Considerando a importância social e econômica cadeia produtiva do leite no Brasil e as atuais mudanças estruturais a qual esta vem atravessando, este trabalho objetiva demonstrar quais são as vantagens comparativas que o Brasil apresenta frente ao mercado mundial de lácteos, bem como, simultaneamente analisar qual o seu potencial de competitividade deste setor da economia. Para isso, foi feita uma busca detalhada dos dados que revelam a competitividade setorial nos principais órgãos de estatísticas nacionais e internacionais, sendo estes organizados em séries temporais e cross-section. As principais conclusões são que o Brasil possui potencial de crescimento produção de leite e que é altamente recomendado que políticas de marketing e incentivo de consumo sejam elaboradas a fim de garantir a sustentabilidade da cadeia. Brasil pode demorar a se tornar realmente um exportador líquido de lácteos, uma vez que seu consumo per capita ainda é reduzido e apresenta potencial de crescimento. Palavras-chave: Produção, Exportação, Importação, Consumo, Cadeia Produtiva. Abstract Considering the social and economic importance of dairy production in Brazil and the structural changes that have been through, this work aims to demonstrate what are the Brazilian comparative advantages in the world market of dairy products and, simultaneously analyze what their competitiveness potential. For that, a detailed data search was made in the principal organs of international and national statistics. The data were organized and analyzed in time series and cross-section. The main conclusions are that Brazil has potential for growth the milk production and is highly recommended policies marketing and consumer incentives to ensure the sustainability of the supply-chain. Brazil can delay to become a dairy products net exporter once their per capita consumption is still low and has growth potential. Word-key: Production, Exports, Imports, Consumption, Supply Chain. 1 1 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural 1. INTRODUÇÃO A década de 90 foi marcada por um importante processo de mudanças na economia brasileira. Na esfera comercial, verificou-se a abertura do país ao mercado externo calcado na queda de tarifas comerciais e na desregulamentação do mercado. O maior fluxo de bens advindo da abertura comercial foi responsável pela nova ordem de competição do Agronegócio brasileiro. A partir de então, os produtores rurais, indústrias de processamento e redes varejistas tiveram que se reestruturar de maneira a produzir, comercializar e manter uma coordenação vertical mais eficientemente. Essa nova estrutura que se desenhou no cenário do agronegócio possibilitou que o Brasil competisse, tanto interna como externamente, com produtos de outros países. Em especial para o setor lácteo, observa-se que a década de noventa foi marcada por mudanças que redesenharam a estrutura produtiva das empresas agrícolas e as estratégias competitivas das indústrias. Dentre estas mudanças, as que mais afetaram a cadeia produtiva do leite foram: a desregulamentação do setor (liberação de preços), a redução tarifária de comércio entre países do MERCOSUL, retração da demanda promovida pelo Plano Collor e o deslocamento espacial da produção leiteira do eixo Sul-Sudeste para a região Centro-Norte do país em busca de custos de produção menores e sistemas de produção mais flexíveis. O deslocamento das indústrias para o Centro-Norte do país foi facilitado pela inovação do sistema logístico de coleta de leite, que passou a ser a granel, sendo o leite armazenado em tanques de resfriamento na própria fazenda ou tanques comunitários e transportado em caminhões isotérmicos até a indústria beneficiadora/transformadora. Associado a isto, a implantação da tecnologia de envasamento em caixas seladas e o processo UHT1 de eliminação de contaminantes (leite longa vida) geraram ganhos significativos de shelf life ao produto final e ainda possibilitou o escoamento da produção em grandes distâncias. As transformações mais recentes que vem ocorrendo na cadeia produtiva do leite estão diretamente relacionadas à presença, cada vez mais intensa, de capital internacional no segmento de beneficiamento e transformação (laticínios). Na década de noventa, foi notório o processo de aquisição de pequenos laticínios locais por empresas multinacionais, que buscavam uma rede cada vez maior de fornecedores de matéria-prima. Nos anos 2000, a tendência de concentração do setor de beneficiamento e transformação se mantém com compras e fusões de empresas de grande porte, entretanto, o diferencial em relação a década anterior é que os novos players vem de outras cadeias agro-alimentares como a avicultura, pecuária de corte e suinocultura. Estas empresas têm formas diferenciadas de governança em seus setores de origem e podem contribuir significativamente na alteração das formas de abastecimento e relacionamento dos agentes da cadeia do leite. Além disto, estas aquisições e fusões levam a formações de empresas cada vez maiores e com parcelas de mercado também maiores, levando a crer que têm ocorrido elevados ganhos de concentração das indústrias com a finalidade de alcançar novos níveis de competitividade e eficiência. Neste contexto, este texto objetiva demonstrar quais são as vantagens comparativas que o Brasil apresenta frente ao mercado mundial de lácteos, bem como, simultaneamente analisar qual o seu potencial de competitividade deste setor da economia. 1 Ultra-High Temperature 2 2 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural 2. MATERIAL E MÉTODOS Para atingir o objetivo proposto, foram levantados e interpretados dados de maneira a possibilitar uma contextualização recente da cadeia produtiva do no leite Brasil. A busca foi feita na literatura, bem como em órgãos oficiais de estatística nacional e internacional. Os principais órgãos consultados foram: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE - SIDRA) na Pesquisa Pecuária Municipal, Pesquisa Trimestral do Leite e Censo Agropecuário; Food Agriculture Organization (FAO - FAOSTAT), Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC - SECEX); Ministério da Saúde; Centro de Inteligência do Leite da EMBRAPA. Os dados foram analisados sob a forma de séries temporais, sendo pertinente avaliação da evolução dos indicadores por meio de variações e taxas de crescimentos. Além disto, alguns dados foram analisados em cross-section para determinados períodos. Os dados foram organizados de forma a possibilitar uma análise inter-relacionada e que e revelasse como o Brasil tem se comportado internamente nos setores da cadeia produtiva do leite, bem como, frente aos principais competidores mundiais. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO A produção total de leite produzida por um país se analisada individualmente e em um único período não resulta em um indicador relevante, entretanto, quando comparado em uma série histórica, com outros países, com o consumo interno (atual e potencial), volume comercializado internacionalmente e na eficiência dos fatores de produção, pode esclarecer a real vantagem comparativa e a competitividade que um país tem neste setor. Em aproximadamente 26% de seus 1.340.897 estabelecimentos agropecuários, o Brasil produziu 27,5 bilhões de litros de leite em 2008, representando um incremente de 47,8% em relação ao ano de 1997 segundo a Pesquisa Pecuária Municipal do IBGE. Entretanto, comparando os dados desta pesquisa, com a Pesquisa Trimestral do Leite realizada também pelo IBGE, referente o mesmo período, nota-se uma elevada participação de leite informal (leite que não passa pelas inspeções sanitárias SIF, SIE ou SIM). De acordo com a Tabela 1, nota-ase que a relação: leite formal vs. informal está diminuindo gradativamente, passando de 57% vs.43% em 1997, para 70% vs. 30% em 2007. Apesar desta evolução, isto não significa necessariamente que as políticas de combate a informalidade estão cumprindo seu papel plenamente. Analisando pormenorizadamente os dados, nota-se que a redução percentual da informalidade é creditada a elevação absoluta mais acentuada da produção formal do que a informal que também apresentou leve aumento no período de 1997 a 2008. Em resumo, o incremento de produção de leite observado no Brasil de 1997 a 2008 se deu pelo aumento do leite formal e informal, entretanto, este último em menor proporção. A informalidade da produção de leite leva à perigos sociais, sanitários, reduz a competitividade global da cadeia de lácteos nacional, causa prejuízos econômicos aos setores privados e governamentais. Os motivos que levam a permanência de produtores na informalidade são: desconhecimento tanto de produtores quanto de consumidores dos perigos sanitários do consumo do leite cru; maior valorização do produto vendido informalmente apesar do elevado custo social que isto implica; insatisfação com as condutas de preços praticadas pelas 3 3 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural empresas dos setores a jusante a produção agropecuária e; falta de efetividade da fiscalização e cumprimento da legislação sanitária por parte do poder público. Tabela 1 – Produção total de leite, produção formal e informal no Brasil no período de 1997 a 2008. Ano Total Leite Formal Leite Informal Mil Litros Mil Litros 1997 18.666 10.686 1998 18.694 10.995 1999 19.070 11.146 2000 19.767 12.108 2001 20.510 13.212 2002 21.643 13.221 2003 22.254 13.627 2004 23.475 14.495 2005 24.621 16.284 2006 25.398 16.670 2007 26.134 17.889 2008 27.579 19.285 Var. 97-07 47,8% 80,5% Fonte: IBGE-SIDRA, consultado em março 2010. % Mil Litros % 57,2 58,8 58,4 61,3 64,4 61,1 61,2 61,7 66,1 65,6 68,4 69,9 7.980 7.699 7.924 7.659 7.298 8.421 8.627 8.980 8.337 8.728 8.245 8.294 3,9% 42,8 41,2 41,6 38,7 35,6 38,9 38,8 38,3 33,9 34,4 31,6 30,1 Com relação a produtividade do rebanho, nota-se, que o Brasil é um país que possui na maioria de seu território capacidade de produção de leite em regime de pastejo com animais mestiços Europeus/Zebuinos nos diferentes cruzamentos e graus de sangue. Em algumas regiões do País, devido a condições climáticas particulares, podem ser encontrados graus genéticos mais próximos aos europeus puros e em sistema de confinamento. Estas características, aliadas ao grau de tecnificação das propriedades refletem-se em uma produtividade de 1.237 litros/vaca/ano ou 4 litros/vaca/dia em um período de 305 dias (Tabela 2). Calculando as taxas crescimento2 da produção, produtividade e efetivo de vacas ordenhadas, nota-se que o crescimento da produção de 3,4% ao ano se deveu, em sua maior 2 Taxa geométrica de crescimento ao ano i = n Vn − 1 onde, i= taxa de crescimento, n= número de períodos V0 analizados Vn=último período V0=primeiro período da série 4 4 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural parte, pelo aumento do efetivo do rebanho (2,2% ao ano) do que pelos ganhos de produtividade (1,2% ao ano). Isto leva a crer que o nível de adoção de tecnologias no Brasil “caminha em passo mais lento” do que o aumento do número de vacas ordenhadas, ressaltando então, que de maneira geral, os sistemas de produção não fazem uso intensivo de tecnologias (Tabela 2). Tabela 2 – Crescimento da produção, do número de vacas ordenhadas e da produtividade das vacas no Brasil de 1997 a 2008. Produção Vacas Ordenhadas Produtividade Ano (Litros/ano) (Cabeças) 1997 18.666.011 17.048.232 1998 18.693.915 17.280.606 1999 19.070.048 17.395.658 2000 19.767.206 17.885.019 2001 20.509.953 18.193.951 2002 21.642.780 18.792.694 2003 22.253.863 19.255.642 2004 23.474.694 20.022.725 2005 24.620.859 20.625.925 2006 25.398.219 20.942.812 2007 26.133.913 21.122.273 2008 27.579.383 21.599.910 Taxa de crescimento* 3,6% 2,2% Fonte: IBGE-SIDRA, consultado em março 2010. *Calculado pelo autor. (Litros/cab/ano) 1.095 1.082 1.096 1.105 1.127 1.152 1.156 1.172 1.194 1.213 1.237 1277 1,4% De acordo com os dados da FAO (2009), o Brasil vem apresentando nos últimos anos, uma queda acentuada das importações e alcançando cada vez mais incrementos no volume exportado de lácteos. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (2009), o Brasil apresentou seu primeiro saldo positivo da balança comercial de produtos lácteos no ano de 2004, quando as exportações superaram as importações em 15,16 milhões de dólares. Desde então, nos anos subseqüentes, a exceção de 2006, os saldos da balança vem ganhando cada vez mais consistência positiva, caracterizando o Brasil como um antigo importador de lácteos para um atual exportador. Em 2008, os principais produtos exportados foram o leite em pó, representando 89% do total exportado e queijos em geral com 6% do total. Nas importações, os produtos que se destacaram foram: leite em pó com 60% do total, soro de leite com 22% e queijos com 15% (Tabela 3). A América do Sul é o principal destino das exportações de leite em pó do Brasil, representando cerca de 63% do total exportado, sendo que deste valor, 94% destina-se à Venezuela, indicando que em termos de receita cambial, praticamente 70% do valor gerado pela 5 5 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural exportação de leite em pó é proveniente deste país. Em segundo lugar, aparece o continente africano, que absorve 24% do leite em pó exportado pelo Brasil e representa 20% das receitas geradas pelas exportações deste produto. Todos os outros países absorvem apenas 13% do exportado de leite em pó nacional (SECEX/MIDC, 2009). Tabela 3 – Receita de exportação, gastos com importação e saldo comercial de produtos lácteos no Brasil referente ao período de 1997 a 2007. Exportação* Importação* Sado Comercial Ano 1.000 US$ 1.000 US$ 1.000 US$ 1997 9.418 451.582 -442.164 1998 8.101 502.796 -494.695 1999 7.188 434.505 -427.316 2000 13.644 364.793 -351.150 2001 25.251 179.574 -154.323 2002 40.671 243.264 -202.593 2003 48.853 110.723 -61.870 2004 96.100 80.935 15.165 2005 130.608 115.905 14.704 2006 139.175 147.314 -8.139 2007 273.894 143.792 130.102 2008 509.969 199.642 310.327 *Capítulos 401, 402, 403, 404, 405, 406, 19019020 e 04031000 da Nomenclatura Comum do MERCOSUL Fonte: SECEX/MIDC, 2009 – elaborado pelo autor Por ser um produto com potencial de ser produzido em todas as regiões do globo e ter um impacto social de geração de renda e emprego no campo bastante elevado quando comparado a outras atividades agrícolas e pecuárias, o leite é um dos produtos mais protegidos e regulamentados no comércio internacional. Estas práticas protecionistas são verificadas principalmente em países desenvolvidos como os da União Européia, Estados Unidos e Japão, que utilizam frequentemente barreiras tarifárias e não tarifárias, subsídios a exportação e a produção como forma de proteger seus mercados e produtores de leite. Tal protecionismo prejudica a concorrência internacional, promovendo preços distorcidos do produto, bem como restringem o comércio e o desenvolvimento dos potenciais ganhos de países emergentes. Assim, o Brasil tem sentido marginalmente, o impacto das restrições artificiais no escoamento de seu produto. Fatores conjunturais como a taxa de câmbio também afetam significativamente a competitividade do produto nacional, entretanto, este não é um fator controlável pelos agentes da cadeia produtiva, tendo estes que se adaptar a cada situação desfavorável e aproveitar as oportunidades de desvalorização cambial. Segundo CARVALHO et al. 2005, o Brasil apresenta um grande potencial de crescimento das exportações, porém, precisa adequar alguns fatores controláveis pelo setor produtivo tais como: 6 6 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural melhoria da qualidade do leite; aperfeiçoamento de sistemas de produção, visando melhoria da produtividade e dos fatores de produção; maior participação em negociações internacionais, visando garantir o acesso aos mercados e diminuir os subsídios que distorcem os mercados; investimentos necessários para a defesa sanitária; entre outros. O consumo aparente per capita (ou disponibilidade per capita) de leite em um país pode ser estimado pela soma da sua produção interna às suas importações, subtraído das exportações. Assim, no Brasil, o consumo de leite por habitante por ano em 2007 foi de aproximadamente 137 litros (incluindo todos os tipos de leite e derivados). Note que nos anos apresentados na Tabela 4, o consumo de leite interno tem sido sempre, mesmo que pouco, superior à produção, e este déficit compensado pelo saldo comercial. Tabela 4 – Produção de leite, importação, exportação, população residente, consumo total e consumo per capita no Brasil referentes ao período de 1997 a 2007. Produção Importação Exportação População Consumo Consumo Ano 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 (Toneladas) (Toneladas) (Toneladas) Residente (Toneladas) per capita (Kg) 19.244.656 19.273.424 19.661.220 20.379.988 21.145.800 22.314.700 22.943.733 24.202.409 25.384.106 26.185.564 25.327.000 2,8% 1.429.721 1.850.023 1.960.910 1.561.859 733.785 1.286.409 549.095 399.682 515.160 573.309 686.635 -7,1% 24.013 12.165 9.599 17.258 56.786 107.573 134.228 279.432 328.826 313.185 331.561 30,0% 163.779.827 166.252.088 168.753.552 171.279.882 173.808.010 176.303.919 178.741.412 181.105.601 183.383.216 185.564.212 187.641.714 1,4% 20.650.364 21.111.282 21.612.531 21.924.589 21.822.799 23.493.536 23.358.600 24.322.659 25.570.440 26.445.688 25.682.074 2,2% 126 127 128 128 126 133 131 134 139 143 137 0,8% Tx aa* *Taxa de crescimento geométrica ao ano. Fonte: Food and Agriculture Organization – FAO 2009. Segundo dados do Ministério da Saúde, o consumo mínimo da população agregando todas as faixas etárias é de 210 litros per capita por ano, o que significa, por exemplo, dois copos de leite (200mL) mais duas fatias de queijo por dia. Na tabela 5, pode-se observar o consumo recomendado por extrato de idade e a demanda interna que seria gerada se fossem consumidos os valores ideais por habitante em 2009. Tabela 5 – Estimativa do consumo de leite no Brasil seguindo as recomendações do Ministério da saúde por faixa etária da população. Consumo ideal População 2009 Demanda Faixa etária Crianças (até 10 anos) Adolescentes ( 10 a 19 anos) Adultos (20 a 69 anos) (litros/pessoa/ano) (pessoas) (1.000 litros/ano) 146 256 219 33.053.248 33.287.512 116.831.575 4.825.774.208 8.521.603.072 25.586.114.925 7 7 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural Idosos ( maiores de 70 anos) Total 219 8.308.295 191.480.630 1.819.516.605 40.753.008.810 Fonte: Ministério da Saúde, IBGE 2009. Calculado pelo autor. Fazendo uma simulação, com o valor total demandado ideal de 40 bilhões de litros/ano e o número de vacas ordenhadas estimado de 22 milhões de vacas ordenhadas/ano, encontrase uma produtividade média necessária de 1.818 Litros/vaca/ano, o que representa um acréscimo de apenas 518 Litros em cada lactação em relação a produtividade atual (1.237 litros/vaca/ano - Tabela 2), o que significa um aumento de 2 litros/vaca/dia em 305 dias de lactação. Ou seja, caso haja um acréscimo de consumo para os níveis ideais recomendados, um pequeno incremento de produtividade das vacas seria suficiente para suprir tal demanda, sem a necessidade de nenhum litro a ser importado. Por outra ótica, fazendo uma simulação de incremento da oferta baseada em um pequeno ganho de produtividade de 1.237 litros/vaca/ano (4litros/vaca/dia3) para 2.000 litros/vaca/ano (6,55 litros/vaca/dia3), que é possível ser realizado sem uso de grandes investimentos e novas tecnologias e ainda, com os mesmos 22 bilhões de vacas ordenhadas, sobre o consumo de 137 litros per capita de 191milhões de pessoas, seria gerado um excesso de leite da ordem de 17,8 bilhões de litros/ano. Estes números levam a concluir que se processo de incentivo as exportações e as estratégias de abertura de novos mercados não forem eficientes neste cenário, as consequências para o setor produtivo podem ser “desastrosas” uma vez que os preços cairiam acentuadamente pelo excesso de produto no mercado interno. Como consequência, inúmeras famílias deixariam a atividade, o campo e agravariam os problemas urbanos. Corroborando, as projeções feitas por PONCHIO et al 2005, em vários cenários de crescimento da produção, consumo per capita e renda da população apontam que mesmo em um cenário otimista, existirá um excedente de leite no mercado interno de 3,3 bilhões de litros em 2015. Em outra situação, onde o cenário de crescimento da produção é mais elevado e a renda per capita se mantém estável, a projeção é que haja um excedente de 13,2 bilhões de litros em 2015. Complementando, o autor conclui que o setor leiteiro caminha para um excesso de produto no mercado interno e que é fundamental que as políticas de incentivo de consumo sejam eficientes, bem como o crescimento das exportações seja sustentado para que o aumento da produção não seja um fator gerador de uma crise de preços pagos ao produtor. Para se elaborar uma estratégia eficiente de elevação do consumo interno, é necessário conhecer todas as variáveis que afetam o consumo de leite, bem como cada variável pode impactar nas diferentes classes sociais. O conhecimento do impacto da renda da população sobre o consumo de lácteos é umas das variáveis mais importantes para a promoção de políticas de desenvolvimento e garantia da elevação do consumo de lácteos. No Brasil, em 2003, 58% da população ganhava até R$1.200,00/mês, 23% entre R$1.200,00 e R$3.000,00/mês e apenas 16% ganhava mais que R$3.000,00/mês segundo dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do IBGE. Segundo dados de Oliveira et al 2006 baseados na POF (2003) os produtos lácteos são considerados de maneira geral bens normais e/ou superiores, ou seja, o aumento da renda da população leva a incrementos do seu consumo. A exceção desta regra é o leite em pó em 3 Produção ajustada para 305 dias 8 8 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural famílias de rendas mais baixas, onde, o aumento da renda leva a uma redução do consumo deste produto. A Elasticidade-Renda de um produto é uma medida de sensibilidade que mostra a variação percentual do consumo caso haja uma variação na renda da população. Na Tabela 6, pode ser observado que à medida que a renda aumenta, o coeficiente da elasticidade diminui, indicando que as classes de menor poder aquisitivo são mais sensíveis ao aumento do consumo de lácteos quando ocorre variação de sua renda. Para o leite fluido, para cada aumento de 10% na renda da população que ganha até R$1.200,00/mês, o consumo cresce 6,1%. Os queijos são os produtos lácteos que tem maior sensibilidade de consumo em função da variação na renda. Para cada 10% a mais na renda da população que ganha até R$1.200,00/mês o consumo de queijo aumenta 11,4%. O meso raciocínio pode ser feito para as outras categorias de rendas e produtos conforme a Tabela abaixo. Tabela 6 – Elasticidade-Renda de produtos lácteos por estrato de renda da população. Elasticidade Renda (R$/mês) Derivados Leite fluido Queijos Leite em pó até 1200 0,54 0,61 1,14 -0,22 1200 a 3000 0,48 0,30 0,95 0,27 maior que 3000 0,38 0,19 0,70 0,14 Fonte: Oliveira et al 2006. Adaptado pelo autor. Em resumo, todas as políticas de aumento de renda da população podem contribuir para o aumento do consumo de leite e derivados, o que poderia ser um atenuante para uma possível queda acentuada de preços destes produtos caso houvesse um incremento da oferta como previsto anteriormente. Os gastos com propagandas e campanhas institucionais de incentivo ao consumo de produtos lácteos também são comprovadamente eficientes para tal finalidade. No Brasil, são escassas as iniciativas desta natureza para os produtos lácteos. Associado às ações de aumento de renda e incentivo ao consumo interno, o incremento das exportações possibilitariam a sustentabilidade à cadeia produtiva de lácteos no Brasil. Analisando o potencial do país em relação aos principais competidores, nota-se que são poucos os que apresentam possibilidades reais de competir de igual para igual com o produto Brasileiro e que tem o potencial para abastecer a demanda latente mundial. Na Tabela 7, são apresentados os principais competidores mundiais e seus potenciais competitivos com base em indicadores produtivos e sociais. Em linhas gerais, o mundo ainda tem potencial de crescimento do consumo de leite, principalmente de países emergentes, sendo este condicionado pelo crescimento populacional e principalmente pelo aumento da renda per capita. O Brasil figura entre os países que e destacam com maior potencial para abastecimento desta demanda. 9 9 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural Tabela 7 – Fatores determinantes da competitividade da produção de leite nos principais países produtores no ano de 2007. Variável Unidade EUA Índia China Rússia Alemanha Brasil França Pessoas PIB per capita US$/mês 3.919 232 495 1.317 2.963 858 2.855 2.251 37.478 14.354 Produção leite toneladas/ano 84.189 42.140 32.820 31.950 27.900 26.134 23.705 15.842 10.350 10.500 % 15,0 7,5 5,9 5,7 5,0 4,5 4,2 2,8 1,8 1,9 Fazendas de leite Unidade 78.300 75.000 98.000 1.994.000 110.400 1.340.897 103.850 12.271 9.200 13.648 Produção/fazenda Litros/dia 2.946 1.539 918 44 692 53 625 3.537 3.082 2.108 Vacas ordenhadas Cabeças 9.132.000 38.000.000 10.557.309 9.400.000 4.029.800 21.122.273 3.799.000 4.150.000 2.016.500 2.200.000 Produtividade kg/vaca/ano 9.219 1.109 3.109 3.399 6.923 1.237 6.240 3.817 5.133 4.773 Produtividade kg/vaca/dia 30,2 3,6 10,2 11,1 22,7 4,1 20,5 12,5 16,8 15,6 US$/L 0,4<=0,5 0,2<=0,3 0,3<=0,4 0,2<=0,3 0,5<=1,2 0,3<=0,4 0,5<=1,2 0,2<=0,3 0,2<=0,3 <=0,2 Leite/Ração 3,3 1,5 1,1 1,7 2,2 1,7 1,5 1,4 1,6 1,9 Litros/ano 257 103 28 219 311 139 349 >300 320 178 Exportação US$/ano 2.216.986 155.878 242.253 228.287 8.701.813 509.969 6.407.498 5.522.132 1.924.500 636.006 Importação US$/ano 1.611.553 13.635 744.157 1.169.115 6.239.325 199.642 3.238.226 73.304 360.554 17.560 Saldo Comercial US$/ano 605.433 142.243 -501.904 -940.828 2.462.488 310.327 3.169.272 5.448.828 1.563.946 618.446 Custo de Produção Termo de Troca Consum.per capita 4.173.460 Argentina População Participação 303.824.640 1.147.995.904 1.330.044.544 140.702.096 82.369.552 196.342.592 64.057.792 N. Zelandia Austrália 21.262.641 40.913.584 Fonte: Centro de Inteligência do Leite - Cileite, http://www.cileite.com.br/concorrencia/concorrencia.php. Acesso em: 29 de maio de 2009. Elaborado pelo autor 10 10 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural Os Estados Unidos, apesar de ser o maior produtor mundial de lácteos, é o país que apresenta uma das maiores produtividades, elevados custos de produção e a produção é concentrada em poucas fazendas, assim, sua capacidade de incrementar a produção é bastante restrita. A Índia, apesar de ser o segundo maior produtor de leite, ter uma baixa produtividade e um rebanho de vacas bastante elevado, é um país que não pode ser considerado como um player na produção internacional, uma vez que seus números são relacionados a costumes religiosos, onde a vaca é tida com animal sagrado e não como fator de produção. A China é o país mais populoso do mundo, seu consumo é bastante reduzido e vem apresentando a cada ano uma maior abertura comercial. Devido ao elevado potencial de aumento de renda per capita, claramente o seu potencial produtivo está aquém de sua necessidade latente. Certamente, a China é e será um dos grandes importadores mundiais de lácteos. A Rússia, é um dos grandes produtores mundiais, tem custos de produção relativamente baixos e a produção por fazendas é bastante reduzida. As condições climáticas deste país limitam a expansão de sua produção pelo aumento de áreas e a produtividade é mediana. Apesar da elevada produção, este país e um importador líquido de lácteos. No continente europeu, os dois países que se destacam são a Alemanha e a França. Estes países apresentam elevada produtividade dos animais, os maiores custos de produção observados e elevado consumo populacional. Estes países são atualmente exportadores de lácteos, porém estes volumes são baseados em políticas protecionistas e de subsídios a produção e exportações. A Nova Zelândia apesar de produzir leite essencialmente para exportação a custos baixos, sua competitividade é limitada pela indisponibilidade de áreas para aumento da base e condições climáticas que geram elevada sazonalidade. A Austrália possui elevado potencial competitivo para atendimento de uma possível demanda internacional, tem baixos custos de produção, sua demanda interna já é bem atendida pela sua produção, suas vacas tem algum potencial de crescimento da produtividade. O único fato que restringe a sua competitividade são as condições climáticas severas (secas) que vem assolando o país ano após ano. A Argentina tem algum potencial de crescimento percentual da sua produtividade a preços competitivos devido ao seu baixo custo de produção, entretanto, sua base produtiva é pequena para atender plenamente uma demanda maior no futuro. Neste contexto, o Brasil apresenta uma base produtiva elevada, porém resultante de um grande número de animais em produção, ou seja, o país possui capacidade de aumentar ainda mais sua produção via ganhos de produtividade. A produção é basicamente feita em pequenas propriedades de maneira pulverizada, fato este que pode ser um dificultador de ações de coordenação da cadeia produtiva. O custo de produção está entre os mais baixos observados, por ser baseado em sistemas de pastejo. Os principais fatores de produção, terra e trabalho, são vantagens comparativas naturais do Brasil para a produção de leite. Apesar de tudo, sua competitividade só será capaz de ser refletida em abastecimento mundial a partir do momento que sua demanda interna tiver expressado seu potencial e tiver sido atendida pelos ganhos de produtividade dos sistemas de produção. 11 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural 4. CONCLUSÃO É notório que são necessários maiores investimentos públicos em políticas de “combate” a produção informal para que haja ganhos de competitividade da cadeia. O potencial de crescimento produção de leite no Brasil é um dos maiores do mundo. Caso este potencial se expresse pela adoção de tecnologias básicas, é altamente recomendado que políticas de marketing e incentivo de consumo sejam elaboradas a fim de garantir a sustentabilidade da cadeia de lácteos nacional. Políticas de maior inserção no mercado internacional são também urgentes no sentido de escoamento da produção. O Brasil apresenta uma demanda latente que pode se revelar caso haja políticas de incrementos da renda per capita da população, o que pode ajudar a garantir o equilíbrio de preços em um cenário de excesso de oferta de leite. Contrariando a tendência de aumento das exportações e redução das importações, o Brasil pode demorar a se tornar realmente um exportador líquido de lácteos, uma vez que seu consumo per capita ainda é reduzido e apresenta potencial de crescimento. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANÁLISE da Concorrência. Centro de Inteligência do Leite - Cileite, Juiz de Fora/ Brasília, 2009. Disponível em: http://www.cileite.com.br/concorrencia/concorrencia.php. Acesso em maio de 2009. BRASIL - Ministério da Saúde. [http://portal.saude.gov.br/saude] Acesso em maio de 2009. BRASIL - Ministério do Desenvolvimento, Indústria [aliceweb.desenvolvimento.gov.br] acesso em maio 2009. e Comércio Exterior FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS – FAO. [faostat.fao.org] Acessado em maio de 2009. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sistema de recuperação de informações – SIDRA. [http:/www.sidra.ibge.gov.br] acesso em maio de 2009 OLIVEIRA R. F.; CARVALHO G. R. Evolução das Elasticidades-Renda dos Dispêndios de Leite e Derivados no Brasil. In: XLIV Congresso da Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural, 2006 Fortaleza. PONCHIO L. A.; GOMES A. L.; PAZ E. Perspectiva de Consumo de Leite no Brasil Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada CEPEA – ESALQ –USP, 2005. [http://www.cepea.esalq.usp.br/leite/page.php?id_page=158]. Acesso em maio de 2009. 12 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural