AGENDA 21 ESCOLAR: UMA CONSTRUÇÃO SOCIOAMBIENTAL NA ESCOLA Rafael A. Orsi Professor Assistente Doutor Departamento de Antropologia, Política e Filosofia Faculdade de Ciências e Letras UNESP – Campus Araraquara Resumo O debate sobre os problemas socioambientais torna-se cada vez mais presente no mundo. Uma vez que a escola não pode ficar alheia a essas questões, ela deve buscar formas de discuti-las em suas várias dimensões, seja a do conhecimento, a da participação política e a dos valores éticos. Neste sentido, a Agenda 21 escolar parece-nos uma boa maneira de levar essa questão ao ambiente escolar e estimular um processo democrático de discussão e mudanças que visem a sustentabilidade socioambiental. Dessa forma, buscamos neste texto abordar diferentes dimensões, as quais devem estar presentes em um processo educativo que tenha como objetivo construir um sujeito crítico. A partir de algumas reflexões e leituras destacamos a importância e as potencialidades da Agenda 21 escolar na estruturação de um processo de educação ambiental na escola, o qual possa ser amplo e multiplicador. Palavras-chave Agenda 21 Escolar – Educação Ambiental – Problemas Socioambientais Introdução Compreender a sociedade que nos cerca com todas suas contradições e com a complexidade das estruturas que a engendram é uma tarefa desafiadora seja para os acadêmicos, para os jornalistas, para assessores políticos e, talvez muito maior, para os professores, que buscam levar algumas dessas discussões para as escolas e junto com os alunos construir um conhecimento crítico sobre o mundo que nos cerca. De forma contraditória, vivemos em uma sociedade onde os meios de comunicação e o acesso a informação tornam-se cada vez mais dinâmicos e massificados, entretanto, não são capazes de gerar novos movimentos que questionem as estruturas sociais e busque alternativas e/ou novos comportamentos e compromissos. Dessa forma, a maior parcela da população torna-se espectadora de um conteúdo midiático, muitas vezes mal intencionado e distorcido, que gradativamente denuncia a falência de um modelo socioeconômico. Porém, apesar das evidencias dos vários problemas, a população, de uma forma geral, parece incapaz de perceber suas responsabilidades e seu papel dentro desse contexto. Ao tratarmos da questão ambiental, alguns desses pontos tornam-se centrais e bastante relevantes. Diariamente, somos “bombardeados” com informações dos mais variados problemas ambientais pelo mundo. Chega-nos as análises de renomados centros de pesquisas mostrando a insustentabilidade de nossa sociedade e o colapso que se aventa em um futuro próximo. Ao mesmo tempo em que os meios de comunicação em massa mostram-nos o mundo e seus inexoráveis problemas, sentimos e vemos ao nosso redor a deterioração das relações sociais e dos recursos naturais, porém continuamos julgando as questões socioambientais como de ordem unicamente global e distante de nosso cotidiano. A indignação que causa-nos uma série desses problemas, mesmo em tons alarmantes, parece incapaz de gerar ações de mudança, deixando-nos imóveis, apenas reprodutores de um discurso que esgota-se em si mesmo. Acreditamos que esses discursos e debates sobre os problemas socioambientais devam estar presentes no ambiente escolar, estruturando de maneira crítica um diálogo entre alunos e professores com os seus problemas imediatos e cotidianos e também com os mais distantes em uma escala espacial que pode ser até a planetária. Julgamos que o desenvolvimento da Agenda 21 na escola possa ser um importante processo na construção desse diálogo, já que ela aponta para uma tentativa de fortalecer valores importantes na formação de cidadãos responsáveis social e ambientalmente, criando no ambiente escolar um espaço propício para o desenvolvimento de valores sociais, culturais e éticos. Agenda 21 no Contexto Os sérios problemas ambientais que atingiram o planeta na segunda metade do século XX, resultado de ações impensadas e irresponsáveis do ser humano, como os acidentes de Chernobyl, Exxon Valdez, Bhopal, Three Miles Island, a poluição em Cubatão, a destruição das florestas tropicais e vários outros problemas, talvez menos visíveis e menos explorados pelos meios de comunicação em massa, trouxeram a questão ambiental para o centro do debate político e econômico internacional. Com forte apelo popular, os movimentos ambientalista que começam a surgir, gradativamente inserem-se nas mais diversas instâncias sociais, primeiro nos países desenvolvidos e posteriormente nas nações em processo de desenvolvimento. Diante do crescimento dos problemas e do reconhecimento de sua gravidade em termos sociais e econômicos a ONU (Organização das Nações Unidas) promove em 1972 a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, com o intuito de discutir os problemas e traçar caminhos para a promoção do desenvolvimento planetário em bases sustentáveis. Obviamente, houve posicionamentos discordantes em relação às medidas e aos rumos que a economia global deveria tomar. No entanto, apesar de não haver um consenso em torno da questão, alguns princípios preservacionistas foram estabelecidos. Vinte anos após este primeiro encontro, a ONU organiza na cidade do Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento. Revestida de muito mais prestígio que a Conferência de Estocolmo, a ECO-92, como ficou conhecida, reuniu chefes de Estado de inúmeros países. Mesmo com o agravamento dos problemas ambientais e a notoriedade de seus impactos sobre a sociedade, não houve consenso em vários pontos, sobretudo quando as ações propostas conflitavam com questões econômicas. Apesar das divergências, a ECO-92 consolidou a preocupação com as questões ambientais tanto dos órgãos públicos nacionais e internacionais como nos setores privados e na sociedade como um todo. Na ECO-92 alguns acordos foram firmados como a Convenção da Biodiversidade, a Convenção sobre Mudanças Climáticas e a Agenda 21 Global. De fato, mesmo com grande reconhecimento e importância, a Agenda 21 constitui-se em uma “grande carta” de boas intenções que busca uma mudança de eixo no processo de desenvolvimento para que este possa trazer equidade social e estabelecer limites no uso dos recursos naturais e respeito à capacidade de suporte da natureza. Como este documento não apresenta medidas que obriguem as nações à implementação de ações concretas, os acordos da Agenda 21 parecem estéreis, ficando apenas no nível da retórica e não se concretizando de fato. Novaes (2002), ao discutir as reuniões subsequentes (Rio+5 e Rio+10), destaca os poucos avanços práticos que houve desde a reunião de 1992. De qualquer forma, este constitui-se em um documento importante do ponto de vista do reconhecimento dos problemas e da elaboração de propostas para o seu equacionamento. Trabalhado em outras escalas e de forma democrática, certamente ele explicitará conflitos e posições antagônicas e poderá criar compromissos com a efetivação das propostas. Apesar de existirem Agendas 21 em várias escalas – global, nacional, estadual, municipal – destacamos a sua importância em uma escala mais próxima e perceptível das pessoas. Considerando que o mundo se realiza no lugar e os lugares apresentam características que o singularizam, como afirma Santos (2006), destacamos a importância do município, do bairro e especificamente da escola. O debate e a elaboração da Agenda 21 no ambiente escolar podem promover uma nova significação da convivência e dos relacionamentos sociais e das relações com a natureza. Dessa forma, sua elaboração pode ajudar no processo educativo e na formação de cidadãos. Certamente, aparecerão tensões e visões antagônicas durante o processo. Explicitar e solucionar estes conflitos são habilidades fundamentais para a convivência dentro da diversidade. Partimos, portanto, para uma questão ampla na elaboração da Agenda 21 escolar, que vai além de uma educação reprodutora de discursos, debatedora de problemas pouco significativos para os alunos ou com uma visão ingênua sobre a preservação da natureza. A partir da Agenda 21 escolar pode criar-se possibilidades de se discutir outras dimensões da educação. Dimensões da educação ambiental O processo de desenvolvimento da Agenda 21 escolar remete-nos a uma discussão acerca da educação ambiental e às dimensões que devem permear as ações com o intuito de obter um resultado que não seja limitado e simplista. Na maior parte das vezes, percebemos uma crítica voltada para a relação sociedade-natureza julgando as ações do homem sobre o meio físico como deletérias e responsáveis pela destruição dos recursos naturais. No entanto, poucas vezes se dá a devida importância às relações sociais e seus resultados nocivos à natureza. De fato, como apresenta-nos Rodrigues (1998), o problema da relação sociedade-natureza é antes um problema de relação sociedade-sociedade, o qual mostra-nos um quadro de exclusão, injustiças ambientais e sociais e fortes pressões sobre os recursos naturais. Como discutimos em outro texto – Orsi (2009) –, as grandes desigualdades sociais geram fortes injustiças ambientais em múltiplas escalas sejam espaciais ou temporais, o que pode causar impactos ambientais ainda maiores e realimentar o processo de exclusão social. Ficar alheio a esta discussão e estruturar o eixo da educação ambiental a atos conservacionistas, deslocados das questões sociais é muito simplista, quando não perigoso. Essa “educação ambiental conservacionista” é criticada – Guimarães (2006); Orsi (2008) – por apresentar-se como um instrumento de manutenção do status quo, logo incapaz de criar novas formas de relações sociedade-sociedade e sociedade-natureza. Oposta à educação ambiental conservadora, Carvalho apud Orsi (2008), defende uma “educação ambiental crítica” que possa estabelecer posturas sociais diferenciadas e voltadas para a cidadania e conscientes da problemática social presente nas discussões ambientais. Dessa forma, a Agenda 21 Escolar deve buscar esse caminho, da educação ambiental crítica, não aceitando uma visão cartesiana de sociedade e natureza, como instâncias segmentadas. Como defende Morin (2005), a apreensão dos fenômenos é complexa e a realidade não se estrutura apenas de forma social ou natural, mas as duas ao mesmo tempo. Assim, entendemos que a crise e o debate ambiental não são circunscritos apenas ao esgotamento dos recursos naturais e sua depredação, mas deve ser analisado de forma ampla e multifacetada, o que envolve várias dimensões como: a social, a política, a econômica, a tecnológica, a ideológica/cultural e a ecológica, como vemos abaixo. Dimensões do debate ambiental Extraído de: Orsi (2006) Considerando esta realidade multifacetada e a busca por uma educação ambiental crítica, destacamos a importância das Agendas 21 na escola, uma vez que, mais do que o produto, o processo de elaboração pode nos remeter a todas essas dimensões que permeiam o debate ambiental. A discussão sobre os problemas socioambientais com os alunos, professores, gestores, funcionários da escola em geral e sua expansão para a comunidade pode gerar sinergias positivas e encontrar soluções no nível local. Este deve ser um processo constante de construção e reconstrução coletiva que afeta diretamente o comportamento e a qualidade de vida das pessoas. Assim, uma educação ambiental que possa ser crítica envolve mais elementos que a pura questão do conhecimento. Orsi (2008), baseando-se em Carvalho (1999; 2006), apresenta-nos três dimensões da educação ambiental visando um processo educativo transformador. Dimensões da Educação Ambiental Extraído de: Orsi (2008). Vemos na figura acima a educação ambiental no centro de três dimensões que encontram-se intrinsecamente relacionadas. Observando a dimensão conhecimento, parece-nos claro que o exercício da cidadania pressupõe o conhecimento, não apenas o científico, mas o filosófico e o artístico. Selecionar informações, analisá-las e compará-las fazem parte da ação de um sujeito crítico e autônomo. Pela dimensão dos valores, somos remetidos a visão que temos do mundo, nossas concepções daquilo que julgamos importante e, como tal, cuidamos e preservamos. A escola parece ter um papel importante neste sentido, não como reprodutora de discursos e doutrinadora de posturas, mas como local de debate e trocas. Assim valores universais como a igualdade, a solidariedade, a justiça, o respeito são pontos cruciais para o fortalecimento de uma postura cidadã. Com relação à participação, esta é posicionada não como simples ativismo, mas sim como uma atividade refletida e consistente que possa gerar resultados e compromissos políticos. Considerando essas três dimensões destacadas por Orsi (2008), voltamo-nos para a Agenda 21 escolar acreditando que esta proposta possa ser um importante meio para a construção e fortalecimento das dimensões destacadas: conhecimento, valores e participação. Certamente, tratar da questão ambiental em suas múltiplas facetas exige um posicionamento crítico e um cidadão autônomo que tenha consciência e assuma responsabilidades sociais. Nas trilhas de implementação Toda vez que uma sequência ou metodologia de implementação de um projeto é apresentada, assume-se o risco de, inconscientemente, ser impositivo ou apresentar um modelo demasiadamente fechado que não se encaixa nas múltiplas realidades escolares com a quais podemos nos deparar. Cientes de que distintas realidades requerem diferentes processos de implementação de uma Agenda 21 escolar, que atenda aos interesses e necessidades de uma comunidade, apresentamos apenas algumas “linhas gerais” para sua elaboração. Baseando-nos nos estudos de Orsi (2008) sobre a proposta federal “Formando COM-VIDA: construindo Agenda 21 na escola” e na estadual “Água hoje e sempre: consumo sustentável”, apresentamos uma sequencia de passos que podem orientar as ações na unidade escolar. Normalmente o primeiro passo é dado por algum membro da escola, cujas preocupações com as questões ambientais se destacam e que funciona como um “catalisador” de todo o processo. A partir desse primeiro momento, faz-se necessária a criação de uma comissão para organizar a instituição da Agenda 21 escolar. Uma vez constituída esta comissão, os trabalhos devem ser direcionados para conhecer, de maneira detalhada, a estrutura da unidade escolar e sua comunidade (como o nível de conhecimento e conscientização em relação aos problemas ambientais, as relações com a escola, as ações já implementadas, levantar as potencialidades e os desafios e outras informações relevantes que a comissão julgar importantes nesta primeira fase). Um detalhe importante é deixar claro para toda a comunidade escolar, desde o início do projeto, os trabalhos que tem sido desenvolvidos, a necessidade de sua implementação e os fundamentos que guiam todas as atividades. Considerando, ainda que busca-se um processo participativo e democrático, deve-se estimular a participação da comunidade escolar no processo. Tal participação e conhecimento fortalece a legitimidade da Agenda 21 escolar em construção. Um segundo momento seria a análise criteriosa das informações coletadas e, a partir de então, traçar os objetivos e metas a serem alcançados. Desde ponto em diante, as estratégias de implementação devem ser discutidas e traçadas de forma objetiva e factível, com o intuito de não desperdiçar energia e não perder o foco. Como, com quem, quando e onde fazer deve estar muito claro para todos não somente para a comissão. Uma vez implementadas essas ações sua divulgação é essencial para o acompanhamento de toda a comunidade escolar sobre o desenvolvimento do projeto e também para possibilitar a participação ativa desta, tanto nas ações como nas propostas e revisões. Como busca-se um projeto que seja dinâmico, as ações e seus resultados devem ser constantemente observadas e revistas afim de adequarse a novas realidades e transformações ocorridas. Dessa forma, espera-se que o projeto possa ter continuidade no tempo e crie novas lideranças que de forma permanente renove as energias no grupo e dê prosseguimento a Agenda 21 escolar. Considerações finais Pensar e refletir sobre os problemas ambientais, de forma alguma pode ser deslocado das questões socioeconômicas vigentes. Da mesma forma, as escalas temporais e espaciais são de grande relevância e determinantes na compreensão das estruturas sociais e o consequente relacionamento com os sistemas naturais. Aqui destacamos, mais uma vez, a importância da Agenda 21 escolar como uma proposta capaz de fazer tais relações e, dentro de um processo contínuo de produção e reprodução, gerar debates e ações. Dessa forma, a elaboração da Agenda 21 escolar pode auxiliar na construção das dimensões destacadas por Orsi (2008) como essenciais na educação ambiental. Como apresenta-nos Serres (1991), precisamos encontrar um ponto de equilíbrio entre os sistemas sociais e os sistemas naturais. Certamente, a discussão sobre esse ponto de equilíbrio envolve toda a sociedade e a escola de forma alguma pode ficar fora desse debate. De fato, ela pode constituir-se em um dos pontos privilegiados dessas discussões. Sem ignorarmos todos os problemas estruturais que a escola, sobretudo a pública, apresenta, acreditamos que a elaboração da Agenda 21 na escola possa ser uma possibilidade de construir uma cidadania crítica e autônoma. Obviamente, encontramos imensos desafios para a implantação de uma proposta concisa, responsável e participativa, no entanto, é o caminho do desafio que devemos percorrer. Para tanto, a comunidade escolar deve estar presente e convergir forças para ações refletidas e pró-ativas a partir do local e do cotidiano que as mais distintas realidades possam apresentar. Referências Bibliográficas GUIMARÃES, M. Abordagem relacional como forma de ação. In: GUIMARÃES, M. (Org.) Caminhos da educação ambiental: da forma à ação. Campinas: Papirus, 2006. p. 9-16. 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