Dados publicados originalmente em: SANTOS, L. C.. Verbos de Forma Larga y de Forma Corta en Suyá. In: VI Simposio Internacional de Comunicación Social, 1999, Santiago de Cuba. Atas do VI Simposio Internacional de Comunicación Social. Santiago de Cuba: Editorial Oriente, 1999. v. II. p. 512-518 Dados publicados originalmente em: SANTOS, L. C. Eliminação de segmentos fonológicos na língua suyá. In: Ludoviko dos Santos; Ismael Pontes. (Org.). Línguas jê - estudos vários. Londrina: Editora da Universidade Estadual de Londrina, 2002, v. 1, p. 131-146. Edição esgotada. Republicado em: SANTOS, Ludoviko dos. Eliminação de Segmentos Fonológicos na Língua Suyá. Revista Eletrônica do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Número 8 – março a junho de 2009. Págs. 18-28. VERBOS DE FORMA LONGA E NOMES EM SUYÁ1 Ludoviko dos Santos UEL Há, na língua Suyá (Família Jê), um processo morfofonológico que optei por tratar como um caso de eliminação de segmentos fonológicos por considerar que dessa forma é possível dar um tratamento descritivo unificado para o processo que envolve, principalmente, as classes de nomes e verbos. Há um primeiro momento deste processo que consiste na eliminação de vogal de palavras paroxítonas, tanto para nomes quanto para verbos: I) a forma ʹtygy "preto", perde a vogal final quando sufixada ou seguida por uma palavra qualquer, ou seja, [ʹtygy] + [tʃi] + [ʹtyktʃi]; II) a forma tɛm ̃ ɛ ̃ "ir", perde a vogal final quando seguida por outra palavra, ou seja, [ʹtɛm ɛ ] + [mã] "marca de fut." = [tɛm ̃ ̃ ̃ mã]. No caso de verbos, há a possibilidade de eliminação de uma sílaba inteira: a mesma forma [ʹtɛm ̃ ɛ]̃ acima, quando não seguida por nenhum elemento, ocorre como [ʹtɛ]̃ . Guedes (1993) trata o mesmo processo como reduplicação e o coloca nos seguintes termos: “Na língua Suyá há um predomínio de palavras monossilábicas sobre outros tipos. Quando a palavra monossilábica termina em consoante, costuma ocorrer o acréscimo de uma vogal eco no final da palavra. Essa vogal eco tem a mesma qualidade fonética da vogal anterior. Quando a palavra aparece na sua forma monossilábica, dá-se o nome de forma breve, curta ou reduzida e quando aparece na forma dissilábica, dá-se o nome de forma longa.” (GUEDES, 1993, p. 78). Guedes aponta tal reduplicação tanto para nomes quanto para verbos. Dá, entre outros, os seguintes exemplos de nomes: “/ʹpəm/ [ʹpəmə] “pai”; “pássaro”; /ʹmur/ [ʹmburu] “pescoço” (op. cit. p. 79). Quanto aos verbos, Guedes coloca que “...apresentam uma forma curta ou reduzida e uma longa, .... As formas reduzidas são sempre formas verbais transitivas. Nestas o objeto ocorre redundantemente, sendo anteposto imediatamento ao verbo o pronome objeto ku-.” (op. cit. p. 131). Para formas curtas de verbo dá alguns exemplos dentre os quais escolhemos os que seguem: I. ɤwĩsɨ oʹa kuʹku “eu como fruta” fruta – eu – obj. (a) / comer II. ʹrͻpra kãʹŋa ʹpĩ “a onça matou a cobra” onça – cobra – matar 1 Este texto completo corresponde à soma de dois artigos que foram publicados separadamente, embora tratem do mesmo assunto: a possibilidade de verbos de forma longa funcionarem como nomes. As referências de “Verbos de Forma Larga y de Forma Corta en Suyá” e “Eliminação de segmentos fonológicos na língua suyá” constam na bibliografía. Dados publicados originalmente em: SANTOS, L. C.. Verbos de Forma Larga y de Forma Corta en Suyá. In: VI Simposio Internacional de Comunicación Social, 1999, Santiago de Cuba. Atas do VI Simposio Internacional de Comunicación Social. Santiago de Cuba: Editorial Oriente, 1999. v. II. p. 512-518 Dados publicados originalmente em: SANTOS, L. C. Eliminação de segmentos fonológicos na língua suyá. In: Ludoviko dos Santos; Ismael Pontes. (Org.). Línguas jê - estudos vários. Londrina: Editora da Universidade Estadual de Londrina, 2002, v. 1, p. 131-146. Edição esgotada. Republicado em: SANTOS, Ludoviko dos. Eliminação de Segmentos Fonológicos na Língua Suyá. Revista Eletrônica do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Número 8 – março a junho de 2009. Págs. 18-28. Segue expondo que as formas longas “...é que podem ocorrer como verbos transitivos ou não. ... Além disso, as formas longas não ocorrem necessariamente como o último elemento da oração.” (op. cit. p. 132). Salientamos os seguintes exemplos dados pela autora: III. ʹirɛ ɤwĩʹsɨ ʹkur ʹker “eu não como fruta” eu – fruta – comer – não IV. joko miʹči ʹpĩr mã “Yoko vai matar o jacaré” yóko – jacaré – matar – intenção Assim, Guedes trata a eliminação de elementos vocálicos, tanto para nomes quanto para verbos, como reduplicação. Deve-se notar que não há indicações sobre a ausência de consoante final na forma curta do verbo no dado II, assim como não há explicação da presença de consoante final nos verbos de forma longa dos dados III e IV. Por outro lado, Guedes faz uma relação entre as classes de verbos longos e curtos e sua transitividade. Não nos parece que tal relação seja relevante porque tanto verbos de forma longa quanto os de forma curta podem ser transitivos ou intransitivos. Vejam-se os seguintes exemplos de verbos intransitivos de forma curta: liana ra n. próp. ms ʹtɛ ̃ “Liana foi”; ir ou, ainda, o exemplo: wa ʹŋgrɛ “Eu dancei”. Ou seja, diferentemente do que afirma Guedes, verbos de forma curta podem ser também intransitivos. Trataremos do mesmo processo descrito por Guedes, fazendo-se um contra-ponto, quando possível, com a exposição desta autora. A eliminação vocálica em suyá é um processo simples e muito abrangente, uma vez que se estende às principais classes de palavras. Podemos reduzir o processo à seguinte regra que se aplica à composição de palavras (sândi interno) e entre palavras (sândi externo): palavras paroxítonas com sílaba final CV perdem a vogal final quando seguidas de qualquer elemento. Vejamos alguns exemplos em diferentes classes de palavras: Dados publicados originalmente em: SANTOS, L. C.. Verbos de Forma Larga y de Forma Corta en Suyá. In: VI Simposio Internacional de Comunicación Social, 1999, Santiago de Cuba. Atas do VI Simposio Internacional de Comunicación Social. Santiago de Cuba: Editorial Oriente, 1999. v. II. p. 512-518 Dados publicados originalmente em: SANTOS, L. C. Eliminação de segmentos fonológicos na língua suyá. In: Ludoviko dos Santos; Ismael Pontes. (Org.). Línguas jê - estudos vários. Londrina: Editora da Universidade Estadual de Londrina, 2002, v. 1, p. 131-146. Edição esgotada. Republicado em: SANTOS, Ludoviko dos. Eliminação de Segmentos Fonológicos na Língua Suyá. Revista Eletrônica do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Número 8 – março a junho de 2009. Págs. 18-28. ELEMENTOS 1. ʹmbɛri tʃi bom ASSIMILAÇÃO RESULTADO >ʹmbɛr tʃi >mbɛt + tʃi ʹmbɛtʃi “muito bom” quantificador 2. kiʹkrɛ ʹtũmũ + ra ʹsere casa E. VOCÁLICA velho >ʹtũm + ra kiʹkrɛ ʹtũm ra ʹsere “A casa velha queimou” ms queimar 3. ʹsᴧgᴧ + ʹndͻ >ʹsᴧg + ʹndͻ >sᴧg + ndͻ >ʹrͻw + ʹpĩ >rͻp + pĩ 4. kujuʹsi ra ʹrͻwͻ + ʹpĩ n. próp. ms onça sᴧgʹndͻ “ninho” pássaro olho/ponta 5. ʹkĩ + ʹsere + je kujuʹsi ra ʹrͻp ʹpĩ “Kujusi matou a onça” matar >ʹser + je >sed + je aldeia queimar pluralizador 6. liʹana ra ʹtɛm ̃ ɛ ̃ ʹkere mã >´tɛm ̃ + ʹker >ʹked mã n. próp. ms ir negação fut. + mã kĩʹsedje “auto-denominação grupo suyá” do liʹana ra ʹtɛm ʹked ̃ ʹmã “Liana não virá” Nos dados 1 e 2 temos exemplos do processo envolvendo adjetivos na formação de palavras e entre palavras. Como resultado temos uma ressilabificação do morfema lexical ʹmbɛri, que passa de duas para uma sílaba e, por assimilação regressiva, a variação do som final do morfema lexical, num primeiro momento, e a assimilação total posteriormente. Em 2 ocorre apenas a eliminação vocálica, uma vez que as nasais não são afetadas pelo ambiente que as segue. Nos dados 3 e 4 o mesmo processo ocorre, em nomes, com as seguintes alterações: em 3, eliminação da vogal e manutenção da som final do morfema lexical, uma vez que o ambiente que o segue é sonoro; em 4, mudança de [w] para [p], porque o ambiente seguinte é surdo, caso contrário [w] torna-se [b]. Os dados 5 e 6 exemplificam o processo ocorrendo com verbos e com palavra negativa. Resumidamente, os sons que sofrem alteração, após a eliminação vocálica, são os seguintes: [r] [t] quando seguido por som surdo; [d] quando seguido por som sonoro. [g] [k] quando seguido por som surdo; [g]quando seguido por som sonoro. [w] [p] quando seguido por som surdo; [b] quando seguido por som sonoro. Portanto, o processo envolve várias classes de palavras. No entanto, a classe de verbos comporta-se diferentemente das demais. Enquanto nomes, adjetivos e outras classes sofrem apenas o processo de eliminação vocálica, os verbos de forma longa, após a ressilabificação, perdem a consoante final da palavra. Veja-se os exemplos abaixo: Dados publicados originalmente em: SANTOS, L. C.. Verbos de Forma Larga y de Forma Corta en Suyá. In: VI Simposio Internacional de Comunicación Social, 1999, Santiago de Cuba. Atas do VI Simposio Internacional de Comunicación Social. Santiago de Cuba: Editorial Oriente, 1999. v. II. p. 512-518 Dados publicados originalmente em: SANTOS, L. C. Eliminação de segmentos fonológicos na língua suyá. In: Ludoviko dos Santos; Ismael Pontes. (Org.). Línguas jê - estudos vários. Londrina: Editora da Universidade Estadual de Londrina, 2002, v. 1, p. 131-146. Edição esgotada. Republicado em: SANTOS, Ludoviko dos. Eliminação de Segmentos Fonológicos na Língua Suyá. Revista Eletrônica do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Número 8 – março a junho de 2009. Págs. 18-28. 7. ʹhɛn ̃ ʹwa asp ʹrwə 1ps descer “Eu desci” 8. ʹhɛn ̃ asp ʹwa i- rwək ʹtɛ ̃ 1ps 1ps descer ir “Eu estou descendo” 9. ʹhɛn ̃ asp ʹwa 1ps hwĩʹsɨ fruta ʹre colher “Eu colhi fruta” 10. i- rɛ 1ps erg hwĩʹsɨ ʹren fruta mã colher fut. “Eu colherei fruta” 11.liʹana n. próp. ra ʹtɛ ̃ ms ir “Liana foi” Os dados 7 e 8 exemplificam, respectivamente, a ocorrência da forma curta e longa do verbo “descer”, assim como o fazem os exemplos 9/10 e 6/11. Note-se que a forma longa do verbo apenas sofre a eliminação vocálica (dados 8, 10 e 6), enquanto que a forma curta se submete, após a ressilabificação, à eliminação da consoante final (dados 7, 9 e 11). A observação dos dados acima pode sugerir uma distribuição complementar entre verbos de forma curta que ocorreriam como último elemento da oração e os de forma longa que ocorreriam em orações negativas, no futuro e progressivas (Santos, 1999, p. 68). No entanto, as orações abaixo demonstram que a tendência de as formas longas ocorrerem em ambiente condicionado não se estende à totalidade dos dados de que disponho. 12. pɨʹrɛje tͻ̃ ra ʹhrͻ̃n menina sing. ms correr ʹmbɛri bem “A menina correu bem” 13. ŋgajʹmͻ ra n. própio ms ʹhrͻ̃nͻ̃ correr “Ngajmo correu” 14. liʹana kaʹfɛ n. própio café “Liana fez café” ɲrel ĩʹhwere fazer Dados publicados originalmente em: SANTOS, L. C.. Verbos de Forma Larga y de Forma Corta en Suyá. In: VI Simposio Internacional de Comunicación Social, 1999, Santiago de Cuba. Atas do VI Simposio Internacional de Comunicación Social. Santiago de Cuba: Editorial Oriente, 1999. v. II. p. 512-518 Dados publicados originalmente em: SANTOS, L. C. Eliminação de segmentos fonológicos na língua suyá. In: Ludoviko dos Santos; Ismael Pontes. (Org.). Línguas jê - estudos vários. Londrina: Editora da Universidade Estadual de Londrina, 2002, v. 1, p. 131-146. Edição esgotada. Republicado em: SANTOS, Ludoviko dos. Eliminação de Segmentos Fonológicos na Língua Suyá. Revista Eletrônica do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Número 8 – março a junho de 2009. Págs. 18-28. 15. maʹku kaʹren exo cigarro ʹhwe fazer “Vamos fumar!” 16. i- ʹt- a ʹkuru ʹsĩrɛ 1ps rel coisa comer pouco “Eu como pouco” 17. miʹtʃi -n jacaré top ʹwa ku1ps ku obj. comer “Foi jacaré que eu comi” 18. maʹku exo a- ku mã ? comer fut. “Vamos comer!” Em 12, a forma longa do verbo está seguida por um advérbio, ou seja, fora do ambiente característico para tais verbos. Em 13, o mesmo ocorre porque o verbo de forma longa está em ambiente de verbo de forma curta. Os dados 14 e 15 demonstram a ocorrência das formas verbais longa e curta no mesmo ambiente; para atender a distribuição, em 14 o verbo deveria estar em sua forma curta, como ocorre em 15. O dado 16 demonstra, novamente, um verbo de forma longa fora de seu ambiente característico, uma vez que a oração não é negativa, não está no futuro (orações não marcadas estão no passado), e nem está na forma que indica o progressivo. Desse modo, esperarse-ia a forma curta do verbo (igual à encontrada no dado 17) no lugar da longa. Em 18, temos um verbo de forma curta em oração marcada para o futuro, numa clara violação da ocorrência de verbos de forma curta em tal ambiente. A forma esperada em 18 seria aquela forma verbal exibida no dado 16. A abordagem de Guedes para tratar a eliminação vocálica tem, ao que me parece, dois problemas. a) Na reduplicação, tomar a forma curta como básica/fonológica implica em poder reconstituir, a partir dela, a forma final da palavra acrescentando a vogal eco a partir dos traços da vogal da raiz. Entretanto, tal procedimento não é possível em alguns casos porque a vogal a ser acrescentada não é a mesma da raiz, como se pode constatar pelos exemplos abaixo: 19. ʹrͻwo “onça” 20. ʹmbɛri “bom/bem” 21. ʹsᴧgə “pássaro” 22. ʹdʒuni “beija-flor” Dados publicados originalmente em: SANTOS, L. C.. Verbos de Forma Larga y de Forma Corta en Suyá. In: VI Simposio Internacional de Comunicación Social, 1999, Santiago de Cuba. Atas do VI Simposio Internacional de Comunicación Social. Santiago de Cuba: Editorial Oriente, 1999. v. II. p. 512-518 Dados publicados originalmente em: SANTOS, L. C. Eliminação de segmentos fonológicos na língua suyá. In: Ludoviko dos Santos; Ismael Pontes. (Org.). Línguas jê - estudos vários. Londrina: Editora da Universidade Estadual de Londrina, 2002, v. 1, p. 131-146. Edição esgotada. Republicado em: SANTOS, Ludoviko dos. Eliminação de Segmentos Fonológicos na Língua Suyá. Revista Eletrônica do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Número 8 – março a junho de 2009. Págs. 18-28. 23. ʹmdʒeni “marido” 24. ʹmburu “pescoço” Para cada um desses dados, há eliminação da vogal final da palavra, confira: 19a. rͻpʹtʃi 20a. ʹmbɛtʃi “onça;” “muito bom/bem;” 21a. sᴧgʹndͻ “ninho;” 22a. dʒunʹtʃi “tipo de beija-flor;” 23a. i- ʹmdʒeni 1p.p. marido ra ms ʹmbɛtʃi bonito “Meu marido é bonito” 24a. ʹmbud ra ʹrɨtʃi pescoço top comprido “O pescoço é comprido” Assim, temos em 19 uma vogal posterior semiaberta na primeira sílaba e uma vogal posterior semifechada na segunda sílaba; em 20, vogal anterior semiaberta e vogal anterior fechada; em 21, vogal central semiaberta e vogal central semifechada; em 22, vogal posterior fechada e vogal anterior fechada; em 23, vogal anterior semifechada e vogal anterior fechada e, finalmente, em 24, vogal posterior fechada e vogal posterior fechada. Desse modo, percebe-se que os traços vocálicos das vogais ditas reduplicadas não são os mesmos da vogal da sílaba acentuada (a variação das vogais pode ser apenas dos traços semifechado/semiaberto até os traços anterior/posterior), o que torna a tarefa de predizer a ocorrência da vogal eco bastante difícil. Ou seja, se tomarmos as formas curtas das palavras (ʹrͻp, ʹmbɛt, ʹsᴧk e ʹdʒun), tratando-as como básicas, não seria possível determinar qual a vogal a ser acrescentada pelo processo de reduplicação. b) Por outro lado, a dificuldade de previsão da vogal dita reduplicada dos nomes não ocorre para a classe de verbos. Isto é, a vogal da sílaba átona final da palavra tem, com raras exceções, os mesmos traços da vogal da sílaba acentuada, o que pode ter sido o ponto de partida para que Guedes tratasse a vogal final de palavras paroxítonas como reduplicação para ambas as classes. Isso nos coloca um problema: devemos tratar a vogal final de verbos como reduplicação e a de nomes por outro processo? Parece-me que não seria adequado tratar a vogal final de verbos e nomes por processos diferentes porque: b1) nomes e verbos têm em comum um processo morfofonológico que Dados publicados originalmente em: SANTOS, L. C.. Verbos de Forma Larga y de Forma Corta en Suyá. In: VI Simposio Internacional de Comunicación Social, 1999, Santiago de Cuba. Atas do VI Simposio Internacional de Comunicación Social. Santiago de Cuba: Editorial Oriente, 1999. v. II. p. 512-518 Dados publicados originalmente em: SANTOS, L. C. Eliminação de segmentos fonológicos na língua suyá. In: Ludoviko dos Santos; Ismael Pontes. (Org.). Línguas jê - estudos vários. Londrina: Editora da Universidade Estadual de Londrina, 2002, v. 1, p. 131-146. Edição esgotada. Republicado em: SANTOS, Ludoviko dos. Eliminação de Segmentos Fonológicos na Língua Suyá. Revista Eletrônica do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Número 8 – março a junho de 2009. Págs. 18-28. afeta a vogal final da palavra; b2) no entanto, verbos não estão submetidos apenas ao processo que afeta a última vogal da palavra paroxítona, mas também a um processo de eliminação consonântica; b3) assim, se insistir-se em tratar a vogal final de verbos como reduplicação, seria necessário lançar mão de outro processo que explicasse o acréscimo de uma consoante na forma curta do verbo. Desse modo, teríamos: 25. ʹhwe (forma curta) — ʹhwere (forma longa) “fazer” Ou seja, seria necessário explicar o acréscimo da vogal através de um processo (a reduplicação) e o acréscimo da consoante (que com a vogal acrescentada formará sílaba) através de outro processo, uma vez que não é possível predizê-la. Enfim, o tratamento da vogal de sílaba final tipo CV de palavras paroxítonas como reduplicação levanta mais problemas do que os resolve. Assim, considero que tal processo deve ser tratado como eliminação vocálica e o processo que afeta a consoante final de verbos deve ser tratado como eliminação consonântica. Há conseqüências desse tratamento: I) a forma básica considerada será a longa; II) o processo de eliminação afetará a palavra em estágios: no caso de verbos, a eliminação se estende por dois estágios, ou seja, primeiro a eliminação vocálica e depois a eliminação consonântica; nas demais palavras, a eliminação ocorre apenas no seu primeiro estágio, isto é, somente a eliminação da vogal. O quadro abaixo resume a atuação do processo: Forma Básica Verbos Outras Palavras Estágio – 1 Ressilabificação Eliminação Vocálica X X Estágio – 2 Eliminação Consonântica X X X Portanto, teremos: Forma Básica ʹtɛm ̃ ɛ̃ ʹrͻwͻ Estágio – 1 Estágio – 2 Eliminação Vocálica Eliminação Consonântica ʹtɛm ̃ ʹrͻw ʹtɛ ̃ O tratamento de tal fenômeno por meio de apenas um processo, a eliminação de segmentos vocálicos/consonânticos, não é o único móvel que me levou a utilizá-lo em detrimento do mesmo processo tratado como Dados publicados originalmente em: SANTOS, L. C.. Verbos de Forma Larga y de Forma Corta en Suyá. In: VI Simposio Internacional de Comunicación Social, 1999, Santiago de Cuba. Atas do VI Simposio Internacional de Comunicación Social. Santiago de Cuba: Editorial Oriente, 1999. v. II. p. 512-518 Dados publicados originalmente em: SANTOS, L. C. Eliminação de segmentos fonológicos na língua suyá. In: Ludoviko dos Santos; Ismael Pontes. (Org.). Línguas jê - estudos vários. Londrina: Editora da Universidade Estadual de Londrina, 2002, v. 1, p. 131-146. Edição esgotada. Republicado em: SANTOS, Ludoviko dos. Eliminação de Segmentos Fonológicos na Língua Suyá. Revista Eletrônica do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Número 8 – março a junho de 2009. Págs. 18-28. reduplicação. Há, pelo menos, um motivo mais que parece corroborar o acerto desse tratamento. O segundo estágio da eliminação, que atinge somente verbos, parece ocorrer pela necessidade de acomodação fonológica. Confira-se os dados abaixo: 26. i- tɛm ̃ mã 1p.s. ir fut. “Eu irei.” 27. ʹŋum na mɛʹŋgɛrɛ int. top. festa mã ʹtɛ ̃ -n posp. mã ir top.? fut. “Quem irá à festa?” 28. ʹhwaj jirau tͻ kuʹkwəj -n posp. top. macaco ʹtɨk ta ʹnͻ̃ morto ms deitar “É no jirau que o macaco morto está deitado” 29. kuʹkwəj ra macaco ʹtɨ ʹnͻ̃ -n ms morto top. deitar “O macaco morto está deitado” Ou seja, em 26, podemos observar a forma longa do verbo, que predomina em orações com marca de futuro. No entanto, em 27, numa oração marcada para o futuro, ocorre a forma curta do verbo, porém, com o acréscimo de morfema que marca tópico. Novamente, em 28, temos a raiz verbal de verbo de forma longa submetida apenas ao primeiro estágio de eliminação ʹtɨk. Entretanto, em 29, o mesmo verbo é afetado pelo ciclo completo da eliminação para que possa receber o morfema de tópico constituindo-se, desse modo, uma palavra fonológica. Isto é, há uma proibição fonológica para seqüência de duas consoantes em final de sílaba na língua suyá, conseqüentemente, há eliminação da consoante final da forma longa do verbo para que se possa acomodar o morfema {-n}. O significado gramatical deste morfema não está claro para mim. Provavelmente, trata-se de um morfema cumulativo, uma vez que, aparentemente, acumula as funções de marcação de tópico e de aspecto, conforme sugerem os dados abaixo: 30. tuʹre pai ra ms ʹhuru roça mã posp. ʹtɛ ̃ ir “O pai foi para a roça” 31. ʹhuru roça mã -n ʹture posp top pai ra ms “Para a roça é que o pai foi” ʹtɛ ̃ ir Dados publicados originalmente em: SANTOS, L. C.. Verbos de Forma Larga y de Forma Corta en Suyá. In: VI Simposio Internacional de Comunicación Social, 1999, Santiago de Cuba. Atas do VI Simposio Internacional de Comunicación Social. Santiago de Cuba: Editorial Oriente, 1999. v. II. p. 512-518 Dados publicados originalmente em: SANTOS, L. C. Eliminação de segmentos fonológicos na língua suyá. In: Ludoviko dos Santos; Ismael Pontes. (Org.). Línguas jê - estudos vários. Londrina: Editora da Universidade Estadual de Londrina, 2002, v. 1, p. 131-146. Edição esgotada. Republicado em: SANTOS, Ludoviko dos. Eliminação de Segmentos Fonológicos na Língua Suyá. Revista Eletrônica do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Número 8 – março a junho de 2009. Págs. 18-28. 32. ʹludo ra n. próp. ms ʹŋgo rͻ rio ʹre posp cruzar “O Ludo cruzou o rio (há muito tempo)” 33. ʹludo ʹŋgo -n n. próp. top?/asp? rio rͻ ʹre posp cruzar “O Ludo cruzou o rio (imediatamente após o momento da fala)” 34. ʹludo ra n. próp. ms ʹŋgo rͻ ʹre -n ʹtɛ ̃ rio posp cruzar asp? Ir “O Ludo está cruzando o rio (no mesmo momento em que se está falando)” Em 30 e 31 o morfema {-n} está claramente relacionado à marcação de um elemento da oração deslocado de sua posição canônica. Há, portanto, razoável certeza de que marca a topicalização do elemento deslocado. Por outro lado, nos dados 32, 33 e 34, o morfema {-n} parece estar ligado à marcação de tempo/aspecto. Em 32, a oração está no passado, que se caracteriza por ser, na língua, o elemento não marcado. Em 33 e 34, a mesma manifestação fonológica do morfema parece marcar o fato com relação ao momento do diálogo. Enfim, qualquer que seja o estatuto desse morfema, ao que se quer chamar a atenção é que a forma curta do verbo pode ter, como uma de suas características, a acomodação da palavra fonológica. É interessante notar-se que o mesmo não ocorre para nomes, que não perdem a consoante final para acomodação de morfemas em palavras fonológicas. O dado abaixo exemplifica: 35. ʹrͻp onça na mbrɨjaritkaʹnde top caçador ra ms ku- pĩ obj. matar “Foi a onça que o caçador matou” A variante {na} é utilizada quando a palavra precedente termina por consoante. Ora, seria possível esperar que, assim como os verbos, os nomes perdessem a consoante final para receber a variante {-n}, que ocorre depois de palavras terminadas por vogais. No entanto, isso não ocorre para os nomes, apenas para os verbos. Assim, considerando-se que a eliminação se dá em dois estágios que atingem diferentemente nomes e verbos, acrescido do fato que o segundo estágio de eliminação consonântica, que atinge verbos, estar ligado a um processo de acomodação fonológica que não parece ocorrer para nomes, é possível sugerir que o processo de eliminação seja utilizado como critério auxiliar para distinguir nomes de verbos na língua suyá. Isto é, nomes são afetados pelo primeiro estágio da eliminação; verbos são afetados pelo primeiro e segundo estágios da eliminação. Dados publicados originalmente em: SANTOS, L. C.. Verbos de Forma Larga y de Forma Corta en Suyá. In: VI Simposio Internacional de Comunicación Social, 1999, Santiago de Cuba. Atas do VI Simposio Internacional de Comunicación Social. Santiago de Cuba: Editorial Oriente, 1999. v. II. p. 512-518 Dados publicados originalmente em: SANTOS, L. C. Eliminação de segmentos fonológicos na língua suyá. In: Ludoviko dos Santos; Ismael Pontes. (Org.). Línguas jê - estudos vários. Londrina: Editora da Universidade Estadual de Londrina, 2002, v. 1, p. 131-146. Edição esgotada. Republicado em: SANTOS, Ludoviko dos. Eliminação de Segmentos Fonológicos na Língua Suyá. Revista Eletrônica do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Número 8 – março a junho de 2009. Págs. 18-28. Finalmente, a descrição acima aponta para a possibilidade de verbos de forma longa comportarem-se como nomes, uma vez que nomes e verbos de forma longa compartilham do mesmo processo morfofonológico. Também do ponto de vista sintático há um comportamento semelhante de verbos de forma longa e nomes. Para desenvolvermos tal interpretação é necessário discorrer sobre as partículas e posposições do suyá. No entanto, num artigo como este, seria impossível tratar de todos esses elementos. Assim, restrinjo-me apenas à partícula mã que mais facilmente contribuirá para esclarecermos o ponto de vista aqui abordado, embora sua distribuição seja mais complexa do que outras partículas e posposições. A partícula mã tem diferentes funções que lhe são atribuídas pela posição sintática que ocupa. Segue a distribuição desse elemento. I- Como posposição seguindo nomes: 6. 8. karuʹpi ra ʹŋga mã ʹtɛ ̃ ʹnira –n i- mã ʹkrwa ʹŋͻ̃ 7. n. próp. ms c. h. posp ir 3ps top 1ps posp flecha dar "Karupi foi para a casa dos homens" "Ele deu flecha para mim" ʹpa -n ʹwa a- mã ʹtɛp ŋͻhoʹhogo 1ps top 1ps 2ps posp peixe limpar "Eu que limpei o peixe para você" Os exemplos demonstram que, como posposição, a partícula manifesta o direcional (dado 6), o dativo (dado 7) e o benefactivo (dado 8). II- Imediatamente após o constituinte nominal sujeito para expressar o aspecto habitual. Cabe esclarecer que quando o constituinte nominal sujeito tem por núcleo um nominal, ele virá sempre marcado pela partícula ra “marca de sujeito” independentemente de o constituinte ser sujeito de verbo transitivo ou de verbo intransitivo, ou seja, as orações simples do suyá configuram um sistema nominativo-acusativo2. 9. ʹmbotʃi ʹkãm na mɛ veado ra mã po rͻ saʹrĩ posp top pessoal ms hab veste posp pular/dançar "Na festa do veado o pessoal dança com pô (tipo de vestimenta feita com folhas de buriti)" III) Como primeiro elemento da oração, associada à marca de tópico, a partícula indica que o falante está junto ao fato ou à coisa referida. 2 O suyá é uma língua de nominativo marcado (que configura um sistema nominativo/acusativo) nas orações simples quando o constituinte nominal tem como núcleo um nome. No caso de o núcleo ser um pronome, o sistema é parcialmente ergativo/absolutivo e parcialmente nominativo/acusativo. Para maiores detalhes consulte Santos (1997). Dados publicados originalmente em: SANTOS, L. C.. Verbos de Forma Larga y de Forma Corta en Suyá. In: VI Simposio Internacional de Comunicación Social, 1999, Santiago de Cuba. Atas do VI Simposio Internacional de Comunicación Social. Santiago de Cuba: Editorial Oriente, 1999. v. II. p. 512-518 Dados publicados originalmente em: SANTOS, L. C. Eliminação de segmentos fonológicos na língua suyá. In: Ludoviko dos Santos; Ismael Pontes. (Org.). Línguas jê - estudos vários. Londrina: Editora da Universidade Estadual de Londrina, 2002, v. 1, p. 131-146. Edição esgotada. Republicado em: SANTOS, Ludoviko dos. Eliminação de Segmentos Fonológicos na Língua Suyá. Revista Eletrônica do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Número 8 – março a junho de 2009. Págs. 18-28. 10. ʹhɛn ̃ ʒaʹnu ra kuʹkwəj pass n. próp. ms macaco ʹpĩ 11. ʹmã -n ʒaʹnu ra kuʹkwəj ʹpĩ matar part. top n. próp. ms macaco matar "O Janu matou macaco" "O Janu matou macaco" Em 10, independentemente de o falante ter testemunhado ou não o fato, a oração deve ser utilizada quando se discorre sobre a situação depois de ela ter acontecido (horas depois, no dia seguinte ou dias depois). A oração 11 somente pode ser utilizada se o falante estiver junto ao fato, presente como testemunha. IV) A partícula ocorre também como último elemento da oração para manifestar o futuro próximo ou remoto. 12. kujuʹsi ra mã faʹzẽda mã -n ʹtɛm ̃ 13. i- ʹrɛ hwĩsoʹsok ʹpɨrɨ ʹked mã 1ps erg n. próp ms fazenda "Kujusi irá à fazenda (num futuro remoto para tratar de problemas de poluição do rio Sujá-Missu) 14. ʹludo ra hwĩsoʹsok ʹpɨ n. próp ms caderno caderno pegar neg fut "Eu não pegarei o caderno (Ele já está na iminência de pegá-lo, sua mão já se dirige ao caderno)" posp top ir fut 15. i- pegar rɛ 1ps erg "Ludo pegou o caderno" hwĩsoʹsok ʹpɨrɨ caderno ʹkere pegar neg "Eu não peguei o caderno " Os dados 12 e 13 demonstram que mã (fut) é usada, indiscriminadamente, para referência a um futuro remoto ou próximo. Os dados 14 e 15 exemplificam o uso da negação neutra3 que se liga à oração. Comparando-se os dados 13 e 15 percebe-se que a partícula de futuro ocorre após a negação neutra, apontando, desse modo, para o fato de não estar ligada diretamente ao verbo já que a seqüência – v. de forma longa + futuro – pode ser interrompida. 16. pɨʹrɛje tͻ̃ ra mɛʹmbɨje tͻ̃ menina sing ms homem pot sing chegar sͻ̃ʹmũn ʹked mã ver neg fut “A menina não verá o homem que chegou” Como pode ser observado pelo dado 16 a partícula de futuro atinge apenas a oração principal e não a oração subordinada, assim como a negação neutra atinge apenas a oração principal (a proposição) e não a subordinada (a pressuposição). Caso seja necessário colocar ambas as orações no futuro, uma outra partícula ocorre no início da oração e afeta, quanto ao tempo, tanto a oração principal quanto a subordinada: 3 O termo negação neutra está sendo usado conforme Givón (1984). Dados publicados originalmente em: SANTOS, L. C.. Verbos de Forma Larga y de Forma Corta en Suyá. In: VI Simposio Internacional de Comunicación Social, 1999, Santiago de Cuba. Atas do VI Simposio Internacional de Comunicación Social. Santiago de Cuba: Editorial Oriente, 1999. v. II. p. 512-518 Dados publicados originalmente em: SANTOS, L. C. Eliminação de segmentos fonológicos na língua suyá. In: Ludoviko dos Santos; Ismael Pontes. (Org.). Línguas jê - estudos vários. Londrina: Editora da Universidade Estadual de Londrina, 2002, v. 1, p. 131-146. Edição esgotada. Republicado em: SANTOS, Ludoviko dos. Eliminação de Segmentos Fonológicos na Língua Suyá. Revista Eletrônica do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Número 8 – março a junho de 2009. Págs. 18-28. 17. ʹke mɛʹndije ʹtͻ̃ ra mɛʹmbɨje tͻ̃ fut mulher sing ms homem ʹpot sing chegar ʹkãm sͻ̃ʹmũn part ver “A mulher verá o homem que chegará” Ou seja, assim como a partícula mã liga-se à oração e não ao verbo, a partícula ke liga-se à oração complexa. Desse modo, as partículas de tempo ocupam posições sintáticas contíguas à oração, seja ela simples ou complexa. V) Por último, a partícula pode ocorrer imediatamente após verbos de forma longa. 18. kaoʹmi ra aʹŋgro ʹpĩrĩ mã ʹtͻ n. próp ms porco matar ? ʹta part v. pos. “Kaomi está matando o porco” É justamente nesta posição sintática que o estatuto da partícula requer maior reflexão. A definição de seu caráter deve ajudar-nos a esclarecer o papel dos verbos de forma longa. Vejamos, primeiramente, a posição sintática ocupada pela partícula que pode estar ligada ao verbo de forma longa ʹpĩrĩ ou estar ligada à construção que manifesta o progressivo ʹtͻ ʹta. Esta dúvida se esclarece quando acrescentamos à oração a marca de tópico na (-n, quando segue vogal) que se liga a constituintes, e não a palavras específicas, como demonstrado nos exemplos que seguem. 19. mbaʹt ra iʹta ʹpĩ febre 20. mbaʹtᴧ -n iʹta ms 3ps matar febre “A febre matou ele” 21. tuʹre pai ra ʹhuru ms “Foi a febre que matou ele” ʹmã ʹtɛ ̃ 22. ʹhuru mã -n tuʹre ra ʹtɛ ̃ roça posp ir roça “O pai foi para a roça” 23. pɨʹrɛje ʹpĩ top 3ps matar posp top pai ms ir “Foi para a roça que o pai foi” ra hwĩsosokʹtᴧ kãm na ʹta crianças ms escola posp top v. pos. “Na escola é que as crianças estão” Em 19 temos uma oração neutra, sem topicalização. Em 20 o constituinte nominal sujeito está topicalizado pela partícula que, neste caso, acumula a função de marcador de sujeito. A comparação de 21 e 22 demonstra que o constituinte pode ser deslocado quando recebe a marca de tópico ou, ainda, não ser deslocado como exemplificado no dado 23. Portanto, a marca de tópico não se liga a uma palavra específica, mas ao constituinte que pode ser deslocado de sua posição canônica ou não. Visto isso, compare o dado 18 com o que segue: Dados publicados originalmente em: SANTOS, L. C.. Verbos de Forma Larga y de Forma Corta en Suyá. In: VI Simposio Internacional de Comunicación Social, 1999, Santiago de Cuba. Atas do VI Simposio Internacional de Comunicación Social. Santiago de Cuba: Editorial Oriente, 1999. v. II. p. 512-518 Dados publicados originalmente em: SANTOS, L. C. Eliminação de segmentos fonológicos na língua suyá. In: Ludoviko dos Santos; Ismael Pontes. (Org.). Línguas jê - estudos vários. Londrina: Editora da Universidade Estadual de Londrina, 2002, v. 1, p. 131-146. Edição esgotada. Republicado em: SANTOS, Ludoviko dos. Eliminação de Segmentos Fonológicos na Língua Suyá. Revista Eletrônica do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Número 8 – março a junho de 2009. Págs. 18-28. 24. kaoʹmi ra aʹŋgro ʹpĩrĩ mã -n ʹtͻ ʹta n. próp ms porco matar ? top part v. pos. “Matando o porco é o que Kaomi está fazendo” Ou seja, a partícula mã está ligada ao verbo de forma longa e não à construção que manifesta o progressivo ʹtͻ ʹta. Outra questão que se coloca é se a partícula nessa posição poderia estar manifestando um futuro próximo/remoto, já que pelo contexto da oração (cf. 24) o animal ainda não morreu. Para elucidarmos esse ponto, considere o exemplo abaixo: 25. mɛʹndije tͻ̃ ra sͻ̃ʹhwed mã ʹtɛm mã ̃ mulher sing ms trabalhar ? ir fut “A mulher trabalhará (num futuro próximo)” Ou seja, a marca de futuro (cf. item IV, dados 12 a 15) coocorre com a partícula (dado 25). Além disso, compare ainda os dados 24 e 25 com o dado 12 onde a partícula ocorre como posposição. Ou seja, após verbo de forma longa a partícula não indica futuro, seja ele próximo ou remoto. Isso posto, como devemos considerar a partícula que segue verbos de forma longa? Parece-nos que uma interpretação possível seja, como já dissemos, considerar que os verbos de forma longa são nomes e, portanto, a partícula que os segue são posposições. Expomos abaixo os argumentos para tal interpretação. a) Como já demonstrado, para cada função da partícula há uma posição sintática diferente. Caso consideremos o verbo de forma longa como verbo, a partícula estaria em uma posição sintática nova sem uma função associada, uma vez que, nesta posição, não manifesta tempo/aspecto ou qualquer outra função. No entanto, se considerarmos o verbo de forma longa como nome a partícula estaria em uma de suas posições sintáticas características, qual seja, posposição. b) Há uma classe de verbos transitivos no suyá cujos objetos quando apagados ou deslocados fazem surgir uma marca: o prefixo –ku. 26. ʹhɛn ̃ kaoʹmi ra ʹhrͻ̃ mã ʹmbrɨ ʹɲɨ ɲͻ̃ pass n. próp ms esp. posp bicho carne dar “Kaomi deu carne de bicho para a esposa” 28. ʹpa –n ʹwa miʹtʃi ʹku 27. wəʹtən kaoʹmi ra ʹhrͻ̃ mã ku- ʹɲͻ̃ int. n. próp. ms esposa posp obj dar “O que Kaomi deu para a esposa” 29. miʹtʃi -n ʹwa ku- ku 1ps top 1ps jacaré comer jacaré top 1ps obj comer “Eu que comi jacaré” “Foi jacaré que eu comi” Dados publicados originalmente em: SANTOS, L. C.. Verbos de Forma Larga y de Forma Corta en Suyá. In: VI Simposio Internacional de Comunicación Social, 1999, Santiago de Cuba. Atas do VI Simposio Internacional de Comunicación Social. Santiago de Cuba: Editorial Oriente, 1999. v. II. p. 512-518 Dados publicados originalmente em: SANTOS, L. C. Eliminação de segmentos fonológicos na língua suyá. In: Ludoviko dos Santos; Ismael Pontes. (Org.). Línguas jê - estudos vários. Londrina: Editora da Universidade Estadual de Londrina, 2002, v. 1, p. 131-146. Edição esgotada. Republicado em: SANTOS, Ludoviko dos. Eliminação de Segmentos Fonológicos na Língua Suyá. Revista Eletrônica do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Número 8 – março a junho de 2009. Págs. 18-28. Em 26 e 28 o objeto está contíguo ao verbo e, por isso, o prefixo não ocorre. Em 27 a ausência do objeto provoca o surgimento do prefixo assim como em 29 o deslocamento do objeto acarreta a presença do prefixo. Entre os verbos que recebem o prefixo inclui-se o verbo pĩ “matar (forma curta do verbo)”. Confira: 30. ʹpa –n ʹwa miʹtʃi ʹpĩ 31. miʹtʃi -n ʹwa ku- ʹpĩ 1ps top 1ps jácaré matar jacaré top 1ps pref matar “Eu que matei jacaré” “Foi jacaré que eu matei” Ora, quando este mesmo verbo assume sua forma longa ocorre sem o prefixo. 32. ʹhɛn ̃ ku- ʹpĩ asp 33. ʹkere, ʹpĩrĩ pref matar neg “Ele matou?” matar ʹkere neg “Não, não matou” Em sua forma curta (cf. 32) o verbo não pode prescindir do prefixo enquanto que no dado 33 (a forma longa do mesmo verbo) o prefixo não ocorre. Ou seja, o verbo perde seu caráter de transitividade verbal e, conseqüentemente, teríamos, nos dados 24 e 25, complementos nominais e não objetos. a) A estrutura de complemento, verbo de forma longa mais partícula que ocorre nos dados 18, 24 e 25 é semelhante a estruturas francamente nominais como a do dado seguinte: 34. aʹŋgro ʹpĩrĩ ra ʹmbɛri porco bem/bom matar ms “A matança do porco foi boa” 35. mɛʹndije ŋgɛre ra ʹmbɛtʃi mulheres dança ms bonito “A dança das mulheres é bonita” d) Verbos de forma longa partilham com nomes o mesmo tipo de estrutura com modificadores. 36. mɛʹndije ʹmbɛri ra ʹtãmã mulher cair bonito ms “A mulher bonita caiu” 38. 37. ʹhɛn ̃ pass ʹwa ʹpĩrĩ ʹmbɛri 1ps matar bem “Eu matei bem” ŋgᴧtɨʹrɛje tͻ̃ ra ndͻʹrɨn ʹtwə 39. ŋgᴧtɨʹrɛje tͻ̃ ra ʹswərə kuʹmɛni menino sing ms rápido banhar menino ms banhar muito “O menino banhou rápido” “O menino banhou muito” sing Em 36 temos um constituinte nominal cujo núcleo está modificado pelo adjetivo e o mesmo tipo de estrutura encontra-se no dado 37 com verbo de forma longa fora de seu contexto característico de condicionamento. No Dados publicados originalmente em: SANTOS, L. C.. Verbos de Forma Larga y de Forma Corta en Suyá. In: VI Simposio Internacional de Comunicación Social, 1999, Santiago de Cuba. Atas do VI Simposio Internacional de Comunicación Social. Santiago de Cuba: Editorial Oriente, 1999. v. II. p. 512-518 Dados publicados originalmente em: SANTOS, L. C. Eliminação de segmentos fonológicos na língua suyá. In: Ludoviko dos Santos; Ismael Pontes. (Org.). Línguas jê - estudos vários. Londrina: Editora da Universidade Estadual de Londrina, 2002, v. 1, p. 131-146. Edição esgotada. Republicado em: SANTOS, Ludoviko dos. Eliminação de Segmentos Fonológicos na Língua Suyá. Revista Eletrônica do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Número 8 – março a junho de 2009. Págs. 18-28. entanto, o dado 38 demonstra que o verbo de forma curta não partilha desse mesmo tipo de estrutura já que o modificador ndͻʹrɨn “rápido” - ocorre anteposto a ele. Por outro lado, no dado 39, a correspondente forma longa do verbo banhar tem a estrutura - núcleo+modificador - igual à dos dados 36 e 37. Percebe-se, assim, que a diferença entre verbos de forma longa e curta não é meramente morfofonológica, mas também sintática. d) Outras estruturas semelhantes apontam também para a possibilidade de as partículas que ocorrem após verbos de forma longa serem posposições, como o caso da partícula ʹkãm. Compare o dado 23 com os que seguem: 39. kaomi ra ʹpĩrĩ n. próp. ms matar ʹkãm na ʹmbra ? top 40. liʹana ra v. pos. “Kaomi está na época resguardo da matança” ʹkĩn ʹkãm na ʹmbra n. próp ms alegre posp top v. pos. do “A Liana é alegre” O contexto do dado 39 precisa ser explicado: suponhamos (em uma situação absolutamente hipotética) que meu informante, Kaomi, tenha matado uma pessoa. Neste caso, haverá um tempo, após a morte, no qual ele estará impedido de comer determinados alimentos ou fazer determinadas coisas, ou seja, ele deve guardar uma época de resguardo. Atente-se para a semelhança semântica de estar dentro de um espaço físico (cf. 23) e estar “dentro” de um período psico-cultural de tempo. Parece-nos que a partícula ocorre como posposição e, conseqüentemente, o verbo de forma longa seria nome. Ao dado 40 pode ser dado o mesmo tipo de interpretação semântica principalmente quando se atenta para o significado semântico-cultural do verbo posicional ʹmbra que denota o fato de uma pessoa estar em movimento “dentro” de algum lugar ou região (caso a pessoa estivesse parada o verbo posicional seria ʹta), ou seja, literalmente, o significado de 40 seria “A Liana permanece em movimento na alegria” o que, pode-se dizer, é muito semelhante ao conteúdo semântico do aspecto habitual que pode ser expresso, em português, por “A Liana é alegre”. Portanto, em ambos os exemplos consideramos que a partícula que ocorre após o verbo de forma longa é uma posposição. Parece-nos que, pela exposição feita, é possível considerar, em determinados contextos, o verbo de forma longa como nome. Assim, os elementos marcados como ? devem, na verdade, ser marcados como posposição. É evidente que isso não quer dizer que a língua suyá não tem verbos. O que desejamos é salientar a possibilidade de análise aqui iniciada que nos parece ter ficado, até esse momento, encoberta pela facilidade com que se estabelece a distribuição de ocorrência das formas longas do verbo 4 (cf. 4 Também a língua Caiapó (da mesma família lingüística que o suyá) tem verbos de forma longa e curta. No entanto, os estudos dessa língua, até o momento, apontam apenas a distribuição característica dos verbos de forma longa. Dados publicados originalmente em: SANTOS, L. C.. Verbos de Forma Larga y de Forma Corta en Suyá. In: VI Simposio Internacional de Comunicación Social, 1999, Santiago de Cuba. Atas do VI Simposio Internacional de Comunicación Social. Santiago de Cuba: Editorial Oriente, 1999. v. II. p. 512-518 Dados publicados originalmente em: SANTOS, L. C. Eliminação de segmentos fonológicos na língua suyá. In: Ludoviko dos Santos; Ismael Pontes. (Org.). Línguas jê - estudos vários. Londrina: Editora da Universidade Estadual de Londrina, 2002, v. 1, p. 131-146. Edição esgotada. Republicado em: SANTOS, Ludoviko dos. Eliminação de Segmentos Fonológicos na Língua Suyá. Revista Eletrônica do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Número 8 – março a junho de 2009. Págs. 18-28. dados 12 a 18). ABREVIATURAS ? elemento a ser definido 1PS primeira pessoa do singular 2PS segunda pessoa do singular 3PS terceira pessoa do singular ASP aspecto ERG formativo que acompanha pronomes na função de sujeito de verbo transitivo EXO exortativo FUT futuro HAB aspecto habitual INT palavra interrogativa MS marcador de sujeito de verbos transitivos ou intransitivos N. PRÓP nome próprio NEG negação OBJ objeto PART partícula PASS passado POSP posposição PREF prefixo REL relacional SING singular TOP tópico V. POS. verbo posicional BIBLIOGRAFIA GIVÓN, T. 1984. Syntax: a Functional-Typological Introduction. Vol. 1. Amsterdan: John Benjamins Publishing Company. GUEDES, Marymarcia. Suyá: a língua da gente. “Um estudo fonológico e gramatical”. Tese de Doutoramento. UNICAMP. São Paulo, 1993. JEFFERSON, K. 1989. Gramática Pedagógica Kayapó. Parte I e II. Brasília: Summer Institue of Linguistics (Arquivo 186). SANTOS, Ludoviko dos. 1979. Descrição de Aspectos Morfossintáticos da Língua Suyá, Família Jê. Tese de Doutoramento. Universidade Federal de Florianópolis-SC. Dados publicados originalmente em: SANTOS, L. C.. Verbos de Forma Larga y de Forma Corta en Suyá. In: VI Simposio Internacional de Comunicación Social, 1999, Santiago de Cuba. Atas do VI Simposio Internacional de Comunicación Social. Santiago de Cuba: Editorial Oriente, 1999. v. II. p. 512-518 Dados publicados originalmente em: SANTOS, L. C. Eliminação de segmentos fonológicos na língua suyá. In: Ludoviko dos Santos; Ismael Pontes. (Org.). Línguas jê - estudos vários. Londrina: Editora da Universidade Estadual de Londrina, 2002, v. 1, p. 131-146. Edição esgotada. Republicado em: SANTOS, Ludoviko dos. Eliminação de Segmentos Fonológicos na Língua Suyá. Revista Eletrônica do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Número 8 – março a junho de 2009. Págs. 18-28. SANTOS, Ludoviko dos. Aspectos do Sistema de Marcação de Caso da Língua Suyá. Revista Signum/Programa de Pós-Graduação em Letras. Universidade Estadual de Londrina, 1999. SANTOS, Ludoviko dos. Descrição de Aspectos Morfossintáticos da Língua Suyá, Família Jê. Tese de Doutoramento. Universidade Federal de Florianópolis-SC, 1979 SANTOS, Ludoviko dos. Verbos de Forma Larga y de Forma Corta en Suyá. Atas do VI Simposio Internacional de Comunicación Social. Vol. II, páginas 512 a 518. Santiago de Cuba, 1999. SANTOS, Ludoviko dos. Eliminação de segmentos fonológicos na língua suyá. In: Ludoviko dos Santos; Ismael Pontes. (Org.). Línguas jê - estudos vários. Londrina: Editora da Universidade Estadual de Londrina, 2002, v. 1, p. 131-146.