GLOBALIZAÇÃO: um modelo de desenvolvimento a serviço

Propaganda
1
GLOBALIZAÇÃO:
um modelo de desenvolvimento a serviço da emancipação e da soberania?
Cândida da Costa*
RESUMO
Analisam-se as principais características do processo de globalização da
economia e suas repercussões no plano cultural e político, com ênfase para a
soberania do Estado e dos cidadãos. Destacam-se as especificidades da
inserção subordinada do Brasil na globalização e a necessidade de
construção de alternativas. Conclui-se que a globalização é um processo de
escolha, que se delineia e define no plano da política.
Palavras-chave: Globalização; estado-nação; movimentos anti-globalização
ABSTRACT
The main characteristics of the process of globalization of the economy and
its repercussions in the cultural plan and politician are analyzed, with
emphasis in the sovereignty of the State and the citizens. The subordinated
insertion of Brazil in the globalization and the necessity of construction of
alternatives are distinguished. One concludes that the globalization is a choice
process, that if delineates and defines in the plan of the politics.
Keywords: Globalization;; state-nation; movements anti-globalization
1 INTRODUÇÃO
Na bibliografia sobre desenvolvimento, encontra-se uma predominância da
dimensão econômica do desenvolvimento, em detrimento das dimensões política e social.
De certa forma, pode-se dizer que essa bibliografia está analisando modelos de
desenvolvimento nos quais tem sido dominante a lógica do desenvolvimento econômico,
quando não do crescimento econômico. Pretende-se analisar, neste trabalho, como o
processo de globalização da economia se insere nesta lógica.
Um breve passeio pela literatura que analisa o processo de globalização tem
evidenciado como a internacionalização da economia tem obrigado ou levado os países a
acentuarem a dimensão econômica em detrimento das dimensões social e política, ao
definirem suas políticas de atuação.
Ao analisar a relação entre globalização e desenvolvimento, pretende-se dar
destaque às relações entre economia e política (aqui entendida em sua dimensão ampla,
que diz respeito às relações entre Estado e sociedade).
2 O MOVIMENTO DE GLOBALIZAÇÃO DA ECONOMIA
*
Doutora em Ciências Sociais
São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005
2
A partir dos anos 70, novos elementos passam a marcar o cenário internacional,
com destaque para as relações comerciais, inovações tecnológicas e papel do Estado. O
que estava subjacente às mudanças do que se convencionou nomear como globalização da
economia, era o engendramento de um novo processo societário, fundado no
questionamento ao socialismo, ao Estado de bem-estar social e na tentativa de entronizar o
capitalismo como a única alternativa possível. A globalização da economia envolve as
seguintes mudanças: a)a eliminação de barreiras comerciais entre os países, ou seja,
internacionalização dos mercados; b) a redefinição das prioridades de investimento, com
uma brutal transferência de capitais da esfera produtiva para a esfera financeira; c) a
organização de blocos econômicos regionais; d)a adoção de novas formas de produção e
gestão da força de trabalho; e) a redefinição do papel do Estado, com vistas à redução do
seu papel na esfera da economia.
Na visão predominante, que considera a globalização como irreversível, os
processos a ela associados devem ser a normativa para o padrão das relações entre
mercado e sociedade, entre capital e trabalho, entre Estados.
Jameson (2000, p. 17- 28), questionando as interpretações sobre a globalização
que a tem colocado como irreversível, apresenta uma densa e original abordagem sobre o
fenômeno da globalização, centrando-a em cinco eixos:
a) tecnológico, demonstrando que embora a revolução da informática altere as
formas de produção e organização industriais bem como a comercialização
de produtos, não existe um determinismo tecnológico;
b) político, no qual perde espaço a autonomia do Estado-nação; há o
questionamento dessa importância, face ao crescimento do poderio
econômico e militar dos EUA, limites à imigração e ao fluxo livre da força de
trabalho e à propagação do mercado livre por todo o globo;
c) cultural, já que a estandartização da cultura mundial anda de braços dados
com a globalização, chocando-se com os modos de vida étnico-nacionais;
d) econômico, no qual aparece o controle das novas tecnologias, reforço dos
interesses geopolíticos, dissolução do econômico no cultural e vice-versa; a
atuação das corporações transnacionais com sua capacidade de devastar os
mercados de trabalho nacionais ao transferir suas operações para locais mais
baratos em outros países e continentes; a enorme expansão dos mercados e
a especulação destrutiva das moedas estrangeiras;
e) social, no qual a disseminação da cultura de consumo, “que ameaça destruir
formas alternativas de comportamento rotineiro em outras culturas”, passa a
se incorporar no tecido social.
São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005
3
Chesnais (1998, p. 25), define esse movimento
como um “novo regime de
acumulação mundializado, sob a dominância financeira, fruto do liberalismo e da
desregulamentação. Este regime se
caracteriza por um capital
que não é o capital
industrial, mas “capital portador de juros’, subordina-se à dominação do capital financeiro e
gera taxas de crescimento baixas” (CHESNAIS ,1998,p.26-27).
Considerando o formato da globalização, coloca-se em questão a capacidade do
mercado livre, a possibilidade de destruição de economias e culturas inteiras e a importância
dos Estados-nações na definição de suas políticas econômicas e sociais.
Thurow (1997, p.15), analisando a internacionalização da economia, destaca que
as novas forças econômicas em curso (o fim do comunismo, mudanças tecnológicas,
aumento demográfico, economia globalizada e era multipolar) podem destruir o capitalismo
como ideologia, fazendo desaparecer suas “verdades eternas”.
Castells (2000) traz à tona a emergência do quarto mundo e sua relação com o
capitalismo informacional, explorando as novas faces do sofrimento humano: a
desumanização da África, o novo dilema norte-americano (exclusão social e pobreza) e a
exploração sexual das crianças e adolescentes, atingindo especialmente a África
subsaariana e áreas empobrecidas da América Latina e Ásia; aparece, ainda, como parte de
uma nova geografia da exclusão social em países desenvolvidos, a exemplo dos guetos
norte-americanos. De forma que a globalização produz novas clivagens e aprofunda as
antigas.
Tal processo desenfreado leva à caracterização da globalização, por Souza,
como uma panacéia, cujo sentido pode ser transformado:
A globalização pelo alto nos leva à panacéia: mostra o que é global e esconde o
que é particular e local. Mas pode existir a globalização a partir da dimensão
planetária de nossa realidade, que assume o particular e o local e projeta no plano
global o que é comum a toda a humanidade (SOUZA, 1996, p. 2).
3 O PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO DA ECONOMIA E AS IMPLICAÇÕES PARA A
SOBERANIA : Estados nacionais, cidadãos e organizações internacionais em xeque
A idéia de desenvolvimento ligada à atuação do agente estatal supunha a
existência de indutores e coordenadores de processos de desenvolvimento. Esse papel foi
assumido pelos Estados de bem-estar social, nos moldes keynesianos, na Europa, EUA e
pelos Estados desenvolvimentistas, em países latino-americanos e asiáticos.
No que se refere ao desenvolvimento econômico, cabe assinalar que a relação
entre Estado e economia é tensa, porque a relação entre Estado é tensa. Tal tensão é
São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005
4
agravada pela democracia, pois o debate faz emergir os elementos presentes na relação.
(PRZEWORSKI,1989).
Esta tensão leva a enfocar o papel do Estado no desenvolvimento político, tendo
presente a dificuldade atual de definir o papel do Estado. Para Offe (1996), a coexistência
entre democracia e capitalismo nas sociedades desenvolvidas foi possível pela existência
do Estado de bem-estar social e pelos partidos de massa. Assim, pode-se afirmar que o
Estado de bem-estar foi produto de um consenso pós-guerra entre o ideário democrático e a
economia de mercado.
Se esta afirmativa é verdadeira para o chamado Primeiro Mundo, Hobsbawm
(1995, p. 399) demonstra que não havia ligação intrínseca entre livre mercado e a
democracia política (ex: Chile/Brasil: ditadura e crescimento econômico).
No percurso traçado por Tilly (1996, p. 275), percebe-se como a idéia de
“desenvolvimento político” sintetizava a concepção de um caminho padrão ao longo do qual
os Estados se movem rumo a uma plena participação e eficiência. Entretanto, as hipóteses
de que haveria uma transição de uma “sociedade tradicional” para uma “sociedade
moderna” eram inadequadas.
Na América Latina, tem-se o melhor exemplo de que capitalismo e crescimento
econômico prescindem da democracia. Assim, a história dos responsáveis pela
transformação no 3º mundo é a história das minorias da elite, com a quase total ausência de
políticas democráticas (HOBSBAWM, 1995, p.195).
Quanto ao desenvolvimento social, foi um determinado tipo de contexto histórico
que propiciou a luta e conquista de direitos sociais. Expressando-se através de diferentes
movimentos sociais, a sociedade acrescentou à idéia de desenvolvimento a dimensão
social, via políticas públicas. Essa dimensão foi mais ampla na Europa, dada a experiência
de luta dos trabalhadores e mais restrita nos EUA.
Pode-se afirmar, então, que os Estados de bem-estar conseguiram relativo êxito
no
desenvolvimento
social
de
suas
populações
assim
como
alguns
Estados
desenvolvimentistas, a exemplo do Japão. Outra foi a situação nos países latinoamericanos, que não conseguiram construir modelos semelhantes, de vez que estavam
mergulhados em ditaduras políticas e adotando modelos que priorizavam o crescimento
econômico.
Ainda que seu papel no processo de desenvolvimento continue sendo
demandado, as atribuições do Estado estão sendo sistematicamente atacadas pelos
conservadores, na perspectiva de sua redução.
As novas dimensões da política, incluindo o componente supranacional, limitam
a participação dos cidadãos no processo decisório frente a Comitês supranacionais.
São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005
5
Esses atores estão em xeque: as organizações internacionais, pela incapacidade
de efetivamente coordenarem relações mais igualitárias entre os países, dada a limitação de
sua atuação e a dinâmica assumida pela globalização da economia, que tem aumentado o
poder das empresas frente aos Estados; os Estados nacionais diante da limitação de seu
poder de articulação e de definição de políticas, frente à financeirização da economia e
mobilidade do capital.
Além disso, embora o capital tenha se globalizado, ainda não houve uma
globalização comparável do movimento dos trabalhadores. Ao contrário, a extrema
flexibilidade do capital tem sido acompanhada da rigidez do trabalho, resultado inclusive das
restrições impostas à mobilidade do trabalho no mundo.
Analisando o papel desempenhado pelo Estado nos anos 80 e 90, no interior do
processo de globalização da economia, Castells (2000, p. 287) afirma que
o controle do Estado sobre o tempo e o espaço vem sendo sobrepujado pelos fluxos
globais de capital, produtos, serviços, tecnologia, comunicação e informação [...] a
tentativa de o Estado reafirmar seu poder na arena global pelo desenvolvimento de
instituições supranacionais acaba comprometendo ainda mais a sua soberania.
A própria legitimidade do Estado passa a ser colocada em xeque.
Não seria demais incluir aqui a recente crise Argentina e de alguns países
africanos. Tendo seguido à risca as orientações do Fundo Monetário Internacional, levaram
suas economias ao colapso. Assim, vê-se que a integração é “global”, mas os custos são
individuais.
Entretanto, cabe notar que as diferentes inserções dos países na busca do
desenvolvimento não prescindiu da ação do Estado. O tão decantado modelo japonês, por
exemplo, foi possível devido a uma coordenação centralizada e definição de setores
estratégicos de investimento pelo governo.
Por fim, cabe assinalar que os blocos regionais passam a se constituir como
novos modelos de desenvolvimento, mas a geopolítica não favorece a todos. Temos, assim,
a consolidação da União Européia e as dificuldades de articulação do MERCOSUL,
ampliadas com o esforço norte-americano para criação da ALCA.1 BARLOW (2001) assinala
que a proposta de criação da ALCA não expressa as questões explicitadas pela sociedade
civil (p.53), pois não leva em conta a democracia, sustentabilidade, diversidade e
desenvolvimento.
1
A Área de Livre Comércio das Américas, prevista para 2005, envolve 34 países da Américas. É o nome dado
ao processo de expansão do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) a todos os países do
Hemisfério Ocidental, exceto Cuba. Seria a maior área de livre comércio do mundo (BARLOW, 2001).
São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005
6
4 A INSERÇÃO DO BRASIL NO PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO
Há dois aspectos centrais a destacar na inserção brasileira: sua inserção
subordinada e o aumento da vulnerabilidade externa.
Os estudos de Pochmann (2001), Matoso (1994) e Dupas (2000) sobre o
processo de precarização das relações trabalhistas no Brasil demonstram que esta
estratégia faz parte de uma opção de inserção subordinada do país na globalização da
economia e se insere em uma cultura de extrema informalização do trabalho. Nesse
contexto, a eliminação de postos de trabalho, a introdução de contrato temporário na
legislação trabalhista, a modernização conservadora presente na reestruturação produtiva
são as evidências de que os custos da globalização econômica recaíram sobre os
trabalhadores.
A opção tomada pelo país foi influenciada pelas correntes neoliberais que
insistem em ligar a crise do Estado em países desenvolvidos às políticas de bem-estar
social implementadas, desconhecendo que a ampliação da esfera pública e o fortalecimento
do poder de regulação do Estado estavam ligadas ao enfrentamento dos efeitos do
“mercado livre”.
Ao mesmo tempo em que é exigida uma atuação forte do Estado para a
instauração da economia globalizada, dissemina-se um discurso de sua redução, de forma a
desestimular sua atuação nas esferas da economia cobiçadas pela iniciativa privada. Esse
discurso tem encontrado eco na sociedade.
Considerando a tradição política brasileira, há que se assinalar que a crise do
Estado brasileiro não pode ser atribuída apenas aos condicionantes externos da nova ordem
mundial, mas deve ser analisada integrando as causas internas e externas. A relação entre
Estado-sociedade assume relevância na medida em que o caso brasileiro, no contexto
latino-americano, demonstra o esgotamento de uma atuação do Estado que se confrontava
com as iniciativas da sociedade civil em busca de processos de democratização.
Diniz (1997, p. 21) observa, ainda, que ao lado do esgotamento de um modelo
de desenvolvimento econômico (baseado no Modelo de Substituição de importações), se
impunha, no plano político, a necessidade de consolidar uma ordem democrática, impondo
uma nova agenda, cujos objetivos prioritários incluíam, além da estabilização econômica e
da reinserção internacional, a institucionalização da democracia. Entretanto, tal agenda não
se materializou, já que a atuação do governo se afastou das prioridades sociais e optou por
privilegiar a agenda econômica.
Dentro dessa opção, desencadeou-se o processo de desnacionalização da
economia brasileira de forma rápida, profunda e ampla a partir de 1995, atingindo alguns
São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005
7
segmentos produtivos: mineração, indústria de transformação, autopeças, laticínios,
seguros, energia elétrica, supermercados, meios de comunicação e aviação civil. Para
Gonçalves, (1999, p. 192), a desregulamentação e a privatização ampliam a vulnerabilidade
externa do país no processo de globalização, na medida em que o Brasil.
não tem uma política regulatória do Investimento Estrangeiro Direto. Reconhecendo
a contribuição desse tipo de investimento, deve-se estabelecer pragmaticamente
mecanismos que, por exemplo, inibam práticas comerciais restritivas, estimulem a
produtividade, a transferência de tecnologia para o país e a geração de emprego, e
induzam um impacto positivo sobre as contas externas do país.
Ao mesmo tempo em que se amplia a vulnerabilidade externa, o governo
brasileiro promoveu o esvaziamento das agências de desenvolvimento, através da extinção
da SUDENE e da SUDAM. Exatamente em um momento em que
as desigualdades
regionais precisam ser superadas, via políticas nacionais de desenvolvimento regional ,
capazes de impulsionar os pólos competitivos e estimular as regiões sem competitividade
(BACELAR, 2000).
Na ausência de uma política coordenada da União, instaura-se uma guerra fiscal
entre os estados para atrair investimentos.
Assim, pode-se dizer que o Brasil, influenciado pelo cenário internacional, deu
um grande salto em relação à globalização, sem resolver problemas históricos, de que são
testemunhas a permanência de lutas por reforma Agrária e modernização das relações de
trabalho, empreendidas pelo Movimento Sem Terra
e pela Central Única dos
Trabalhadores.
O Brasil também sofre os efeitos do protecionismo de mercado praticados pela
Europa e EUA O afastamento da sociedade do jogo político também é um elemento a ser
notado no tipo de inserção brasileira. Concorda-se com Cruz (1997, p.28) quando este,
analisando a construção da política industrial no Brasil considera como “não natural um
estado no qual os trabalhadores apareçam como um pólo passivo na relação: o fato de
estarem ou não envolvidos em seu debate diz bastante sobre a referida política e sobre a
sociedade em que ela se plasma”.
Permanece em aberto, portanto, a necessidade de uma agenda democrática,
que incorpore o enfrentamento das desigualdades sociais, da fragilidade da democracia e
da insustentabilidade do nosso padrão produtivo. O que exige a quebra da inserção
subordinada do Brasil na economia internacionalizada.
São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005
8
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS: uma outra globalização é possível?
A globalização da economia não é inexorável, nem a única alternativa, pois já
foram e/ou estão sendo postos em prática vários modelos de desenvolvimento e sua
materialização varia conforme as condições históricas existentes em cada sociedade.
Esta afirmação não legitima as concepções de desenvolvimento que o
transformaram em sinônimo de crescimento econômico, apenas se reconhece as diferentes
possibilidades de interpretação do conceito. Cabe referir, ainda, que é preciso efetivamente
romper com a ilusão do progresso embutida na idéia de desenvolvimento, que promoveu a
“naturalização do homem” de forma a torná-la indissociável do progresso social.
Diante de um futuro incerto, o progresso aparece como uma forma de superar
essas incertezas e a idéia de Estado como agente de desenvolvimento de certa forma
afasta a sociedade do processo.
Essa situação se agrava mais ainda no contexto do neoliberalismo que, como
coloca Boron (1994) traz como questão central no plano ideológico, a retirada da sociedade
do jogo e no plano político, ataca os direitos da classe trabalhadora.
Entretanto, a “opção posta pelo neoliberalismo entre Estado e mercado é falsa;
na verdade, a opção é entre mercado e democracia” (BORON,1994, p.82).
A globalização se assenta na lógica de um modelo único de desenvolvimento
(teoricamente), mas na prática se realiza de forma diferenciada em cada país, privilegiando
setores econômicos ou potenciais regionais. Sua aparente lógica de expansão tem se
materializado na regionalização da economia. Entretanto, também a regionalização se
configura de forma diferenciada. Se, na Europa, a unificação das economias nacionais via
União Européia leva ao fortalecimento, no caso das Américas, a criação da ALCA tende a
privilegiar os interesses norte-americanos e submeter econômica e politicamente os países
latino-americanos.
Nesse sentido, além das variáveis internas de cada país, deve ser levada em
conta a relação entre as nações, a política externa e interna, a divisão internacional do
trabalho e as práticas protecionistas, para se perceber até que ponto qualquer estratégia de
desenvolvimento rompe os limites dos Estados ou das empresas e de fato, atinge a
humanidade. Cabe recuperar, assim, que
o fatalismo das leis econômicas mascara em realidade uma política , ainda que
paradoxal, já que se trata de uma política de despolitização. Esta política aspira a
outorgar um domínio fatal às forças econômicas ao libera-las de todo controle; tem
como meta obter a submissão dos governos e dos cidadãos às forças econômicas e
sociais ‘liberadas’ desta forma. Tudo que nomeia com a palavra descritiva e
normativa de ‘mundialização’ é o efeito não de uma fatalidade, sim de uma política,
São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005
9
consciente e deliberada, porém muitas vezes sem ter consciência de suas
2
conseqüências. (BOURDIEU, 2002, p.1)
O movimento da globalização, integrando setores/regiões e excluindo outros,
exige cada vez mais a adoção de modelos de desenvolvimento integrados que respeitem a
humanidade e a natureza. A busca de alternativas passa pela recuperação da dimensão
política.
Assumindo que o atual movimento de globalização é fruto de uma escolha,
permanece aberto o desafio à sociedade, à invenção. Nesse sentido, se vê com otimismo o
movimento “por uma outra globalização”, enquanto antítese e busca da globalização de
direitos.
Este movimento se assemelha ao tipo de organização que Bourdieu (2002, p.3),
considera necessário no enfrentamento dos efeitos da globalização desenfreada:
A organização de tipo completamente novo que se trata de criar deve ser capaz de
superar a fragmentação por objetivos e por nações, assim como a divisão em
movimentos e sindicatos, escapando aos riscos de monopolização que obcecam o
conjunto dos movimentos sociais, sindicais e outros, e ao imobilismo criado pelo
medo quase neurótico do risco.
Esse movimento se expressa através do Fórum Social Mundial e em
movimentos sociais que se organizam para protestar contra a atual forma de globalização
excludente.
O Movimento dos não globais, segundo Evangelista (2001, p.14), é a reunião de
muitas organizações do mundo unidas por três pilares:
1. Objetivos em comum: Cancelamento das dívidas dos países pobres, a
proteção ao meio ambiente, a modificação das regras do comércio
internacional, com a limitação do “poder do capital global” e a denúncia contra
o superpoder das multinacionais;
2. Inimigos em comum: instituições como o Fundo Monetário Internacional
(FMI), Banco Mundial, organização para Cooperação e Desenvolvimento
econômico (OCDE) e Organização Mundial do Comércio (OMC);
3. A Internet: o movimento tem um meio de comunicação “global” que oferece
instrumentos de luta, debate e formação.
2
Texto em espanhol no original. Tradução de minha responsabilidade.
São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005
10
O movimento opera com duas estratégias-chaves: a) organização de passeatas
e manifestações durante as reuniões do G-8 e da Organização Mundial do Comércio - OMC
e b) realização do Fórum Social Mundial, que ocorre paralelamente às reuniões do Fórum
Econômico Mundial. Neste fórum, são propostas alternativas para uma outra globalização:
“a globalização do conhecimento, da informação, da arte, da cultura” (EVANGELISTA, 2001,
p.15).
A resistência à globalização excludente passa pela recusa à demissão da
democracia e pelo resgate da política. Pois, como bem expressou Bomfim (1993, p. ): “os
conservadores [...] querem encerrar a vida em fórmulas que dispensem de viver”.
E o
resgate do direito à vida passa pelo reconhecimento de que a humanidade tem o direito de
escolha, de aderir a projetos que valorizem o ser humano em sua dimensão integral.
REFERÊNCIAS
ADORNO/HORKHEIMER. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro:Zahar, 1985.
ARAÚJO, Tânia Bacelar de.
Janeiro: Revan:Fase, 2000.
Ensaios sobre o desenvolvimento brasileiro. Rio de
AZEVEDO, Sérgio de; ANDRADE, Luiz Aureliano G. de. A reforma do Estado e a questão
federalista; reflexões sobre a proposta Bresser Pereira. In: DINIZ, Eli; AZEVEDO, Sérgio de
(Org.) Reforma do Estado e democracia no Brasil. Brasília: Editora da UNB, 1997.
BARLOW, Maude. A ALCA e a ameaça aos programas sociais, à sustentabilidade ambiental
e à justiça social nas Américas. In: SADER, Eder (Org). ALCA: integração soberana ou
subordinada ? São Paulo: Expressão Popular, 2001.
BEAUD, Michel. Histoire du capitalisme: de 1500 a nous jours. Paris: Points/Economie,
1984.
BIELCHOWSKY, Ricardo. Cinqüenta anos de pensamento na CEPAL: uma resenha.
Brasília: 1998.
BOMFIM, Manoel. A América latina: males de origem. Rio de Janeiro: Topbooks, 1993.
BONET, Henri. Les institutions du dévelopement. Paris: PUF, 1972.
BOURDIEU, Pierre. Contra la política de despolitización; los objetivos del movimento social
europeo. La insignia. México, 25 enero 2002.(capturado via Internet).
BORON, Atílio. Estado, capitalismo e democracia na América Latina . São Paulo:Paz e
Terra, 1994.
São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005
11
BUARQUE, Sérgio C. Metodologia de planejamento do desenvolvimento local e
municipal sustentável. 2 ed. Recife: IICA, 1999.
BURAWOY, Michel. A transformação dos regimes fabris no capitalismo avançado. São
Paulo: Revista Brasileira de Ciências Sociais, 13. jun 1990.
CASTELLS, Manuel. Fim de milênio. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
________. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
CHESNAIS, François et al. A mundialização financeira; gênese, custos e riscos. São
Paulo:Xamã, 1998.
CRUZ, Sebastião C. Velasco. Estado e economia em tempo de crise. Rio de
Janeiro:Relume-Dumará; São Paulo: Editora da UNICAMP,1997.
DINIZ, Eli. Governabilidade, democracia e reforma do Estado; os desafios da construção de
uma nova ordem no Brasil nos anos 90. In: DINIZ, Eli; AZEVEDO, Sérgio de (Org.) Reforma
do estado e democracia no Brasil. Brasília: Editora da UNB, 1997.
DUPAS, Gilberto. Economia global e exclusão social: pobreza, emprego, estado e futuro
do capitalismo. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
EVANGELISTA, Fernando. O recado da juventude; Gênova 2001. Caros Amigos, São
Paulo, n. 57, ago 2001.
FURTADO, Celso. O capitalismo global. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
GUIMARÃES, Roberto P.A ética da sustentabilidade e a formulação de políticas de
desenvolvimento. In: VIANA, Gilney et al (Org.). O desafio da sustentabilidade. São
Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo, 2001.
GONÇALVES, Reinaldo. Globalização e desnacionalização.
1999.
São Paulo: Paz e Terra,
HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
JAMESON, Fredric. A cultura do dinheiro. Petrópolis: Vozes, 2001.
LECHNER, Norbert. Los pátios interiores da democracia. Santiago: Fondo de Cultura
Economica, 1990.
LIPIETZ, Alain. Miragens e milagres: problemas da industrialização no terceiro mundo. São
Paulo:Nobel, 1988.
MATTOSO, Jorge et al. Mundo do trabalho. Teoria e Debate. São Paulo, Partido dos
Trabalhadores, 1996. v. 15, n. 50, p. 32-37, set/1991.
MELLO, Fátima V. A ALCA e a renuncia ao desenvolvimento. In: SADER, Eder (Org).
ALCA: integração soberana ou subordinada ? São Paulo: Expressão Popular, 2001.
MISHRA, Ramesh. O estado providência na sociedade capitalista. Oeiras: Celta Ed,
1995.
São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005
12
OFFE, Claus. Problemas estruturais do Estado capitalista. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro,1984.
OHMAE, Keinich. O fim do estado-nação: a ascensão das economias regionais. Rio de
Janeiro: Campus, 1996.
PRATS, Joan.La construccion histoprica de la Idea de desarrollo. Instituto inetrnational de
governabilidade; paper 34. Disponível em: www.iigov.br.
POCHMANN, Marcio. Globalização e desemprego. São Paulo: Boitempo, 2001.
PRZEWORSKI, Adam. Estado e economia no capitalismo.
Dumará, 1999.
Rio de Janeiro: Relume-
SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro:
Garamond, 2000.
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras,
2000.
THUROW, Lester c. O futuro do capitalismo: como as forças econômicas moldam o
mundo de amanhã. Rio de Janeiro:Rocco, 1997.
TILLY, Charles.Coerção, capital e estados europeus. São Paulo: EDUSP, 1996.
TOURAINE, Alain. Les societés dépendants. Paris: Ed j.Duculot, 1976.
VELLOSO, João Paulo dos Reis (Org). Mercosul e Nafta; o Brasil e a integração
hemisférica. Rio de Janeiro: José Olympio, 1995.
São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005
Download