Émile Durkheim: o fato social e a consciência coletiva, elementos de

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Émile Durkheim: o fato social e a consciência coletiva, elementos de Sociologia
Gianriccardo Grassia Pastore
Wellington Trotta
Resumo: O artigo procura abordar, de forma sucinta, a obra de Émile Durkheim, suas
influências, seus principais conceitos e método, tais como: fato social, consciência social,
solidariedade orgânica e mecânica. Destaca-se que o pensamento durkheimiano é essencial
para se compreender os fundamentos que sustentam as ciências sociais, por isso, ao lado de
Marx e Weber, é um clássico.
Palavras chaves: Durkheim. Sociologia. Fato social. Consciência coletiva. Solidariedade.
Abstract: The article addresses, briefly, the Emile Durkheim´s production, his influences, his
main concepts and methods, such as: social fact, social conscience, organic and mechanical
solidarity. It is noteworthy that the Durkheimian thought is essential to understand the
fundamentals that underpin the social sciences, so, along with Marx and Weber, it is a classic.
Keywords: Durkheim, Sociology. Social fact. Collective consciousness. Solidarity.
Introdução
Não obstante poderem-se encontrar raízes do pensamento sociológico em Platão e
Aristóteles, a Sociologia, enquanto disciplina, é filha do Iluminismo, da Revolução Francesa e
da Revolução Industrial. Da Filosofia da História de Saint-Simon, que tanto viria influenciar
August Comte, vem à ideia de desenvolvimento e progresso e a concepção de que a sociedade
iria além do sentido de Estado. Outro fator relevante é a adoção dos métodos das ciências
naturais para aquilo que viria a ser conhecido como Física Social. Aliado a isto estão as
preocupações com os resultados advindos da Revolução Industrial, notadamente o aumento da
população europeia e o seu empobrecimento. Pela primeira vez, os fenômenos deixavam de ser
encarados como fruto da providência ou castigos divinos ou tampouco seriam algo natural,
eram sim fruto de uma outra realidade que, por si só, era merecedora de um outro modo de ser
estudada.
Segundo Thomas Bottomore, a pré-história da Sociologia pode ser identificada entre os
anos de 1750 e 1850, mais precisamente com a publicação do livro de Charles-Louis de
Secondat, ou simplesmente Montesquieu, na sua famosa obra O espírito das leis, indo até os
primeiros escritos de August Comte, Spencer e Marx (BOTTMORE, 1975, p. 20). De início,
espelharam-se na Física e, posteriormente, na Biologia, já no século XIX. A sociedade, dessa
forma, era vista como um todo orgânico.
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Da relativa paz que a Europa vivia e com o progresso material que a II Revolução
Industrial trazia – apesar das mazelas sociais –, urgiam análises que fossem mais concretas que
as abstrações da Filosofia. Durkheim, fortemente influenciado pelo positivismo, cria viver no
topo da chamada civilização. Os conflitos existentes eram vistos como necessários para o
progresso e para a ciência.
Considerado um dos pais da Sociologia, Émile Durkheim procura o objeto que seria
próprio da desta área, tentando afirmá-la através da negação das ciências que até então vinha
se espelhando, por isso encontra nos fatos sociais o objeto de estudo da Sociologia. Fortemente
influenciado por Spencer, é marca de seus primeiros trabalhos a influência de modelos
biológicos. De Espinas, retira aquilo que mais tarde seria conhecido como “consciência
coletiva”, é dele, também, a influência de que o social não se reduz ao psicológico. Era
preciso tratar do objeto da Sociologia não o reduzindo ao psicologismo ou biologismo, como
acontece, por exemplo, em um de seus mais famosos estudos, no qual o suicídio é tratado
como objeto da Sociologia, para além de seus componentes biológicos e psicológicos1.
Ressalta-se que essa separação feita por Durkheim é meramente para efeitos de estudos e que,
de forma alguma, o autor considerava que isso acontecesse de fato em sociedade.
1 - Elementos históricos
Émile Durkheim, sociólogo francês, viveu entre 1858 a 1917. Nasceu em Epinai, na
Alsácia. Descendendo de uma família de rabinos, iniciou seus estudos filosóficos na Escola
Normal Superior de Paris, transferindo-se depois para a Alemanha. Lecionou Sociologia em
Bordéus, primeira cátedra dessa ciência na França. Transferiu-se, em 1902, à Sorbone, para
onde levou inúmeros cientistas, entre eles seu sobrinho, Marcel Mauss, formando um grupo
que ficou conhecido como Escola sociológica francesa. Suas principais obras são: Da divisão
do trabalho social, As regras do método sociológico, O suicídio, Formas elementares da vida
religiosa, Educação e sociologia, Sociologia e filosofia e Lições de sociologia (obra póstuma).
Embora Comte possa ser considerado o primeiro formulador da Sociologia, Durkheim
é apontado como um dos primeiros grandes teóricos a emancipá-la da filosofia e a colocá-la
como disciplina científica rigorosa, uma vez que criou as condições para a consolidação da
Sociologia como ciência empírica e como disciplina acadêmica. O pensamento durkheimiano
1
Ainda que trate a Sociologia como disciplina independente da biologia e da psicologia, a influência destas é
nítida com termos que perpassam toda sua obra, tais como: órgão, função, reino, organismo, morfologia, dentre
outros.
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foi fortemente influenciado pelos efeitos das revoluções Industrial e Francesa, bem como
pelas construções teóricas de Saint-Simon e Comte, além de ter clara influência do
racionalismo de Kant, do darwinismo, do organicismo alemão e do socialismo de cátedra.
Como legítimo representante da atmosfera filosófica do séc. XIX, Durkheim acreditava no
avanço gradual da humanidade para um estágio melhor de convivência, sustentando que a
sociedade industrial emergente exigia um novo sistema científico e moral, tendo a Sociologia
como “[...] a ciência das instituições, da sua gênese e do seu funcionamento”, ou seja, de
“toda a crença, todo o comportamento instituído pela coletividade”. Sua preocupação foi
definir com precisão o objeto, o método e as aplicações desta nova ciência. Em uma das suas
obras fundamentais, As regras do método sociológico, publicada em 1895, formulou com
clareza o tipo de acontecimento sobre o qual o sociólogo deveria se debruçar: o fato social
(objeto) como acontecimento registrado no interior da sociedade e que não depende da
vontade do indivíduo.
Durkheim buscou descobrir um método estritamente sociológico para estudar a
sociedade sob a ótica científica. A busca pela objetividade inspirou-se no procedimento
adotado pelas ciências naturais. Os cientistas sociais, na sua concepção, deveriam investigar
as relações de causalidade e regularidades com o fim de desvelar leis ou regras de ação para o
futuro. Esse procedimento segue rigorosamente certas limitações importantes, considerando
que: o cientista deve observar os fatos sociais percebendo-os como coisas, isso no sentido de
afastar sistematicamente as prenoções; deve também definir antecipadamente as coisas a
partir de características comuns e, em seguida, separar o seu objeto das manifestações
individuais. Analisar os fatos sociais como coisa significa observá-los como uma realidade
externa.
2 – Definição de fato social:
É um fato social toda a maneira de agir fixa ou não, suscetível de exercer
sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou então ainda, que é geral na
extensão de uma sociedade dada, apresentando uma existência própria,
independente das suas manifestações individuais que possa ter
(DURKHEIM, 1974, p. 11).
Para Durkheim, o fato social é objeto da Sociologia assim como o corpo o é para a
medicina, e o movimento é para a Física. O fato social deve ser coisificado, isto é,
transformado em coisa, algo objetivo, suscetível de ser analisado, apreciado, medido,
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quantificado2 e observado. O fato social deve ser desprovido de interioridade, não pertencendo
ao mundo subjetivo, mas sim ao mundo objetivo social. Nesse sentido, afirma-se que o fato
social é sempre anterior e exterior ao indivíduo, reconhecido pelo seu poder de coerção externa
que exerce ou é suscetível de exercer sobre os indivíduos. Não podemos, no entanto, esquecer
que a coerção do fato social sobre os indivíduos se dá na totalidade de um determinado
agrupamento humano.
Segundo Durkheim, internaliza-se o processo de socialização como uma ilusão, pois
não “educamos nossos filhos como queremos. Somos forçados a seguir regras estabelecidas
no meio social em que vivemos.” (DURKHEIM, 1955, p. 47). As maneiras de agir são
transmitidas por meio da aprendizagem, por isso que os valores, crenças e modos de ser
possuem uma realidade objetiva, independente dos sentimentos ou da importância que alguém
possa lhes conferir. Por isso,
O devoto, ao nascer, encontra prontas as crenças e as práticas da vida
religiosa; existindo antes dele, é porque existem fora dele. O sistema de
sinais de que me sirvo para exprimir pensamentos, o sistema de moedas que
emprego para pagar as dívidas, os instrumentos de crédito que utilizo nas
minhas relações comerciais, as práticas seguidas na profissão, etc.
funcionam independentemente do uso que delas faço. (DURKHEIM 1974, p.
04),
Existem fatos pertencentes ao âmbito da consciência individual denominados de
fenômenos psíquicos, não partilhados por uma cultura, mas por uma só pessoa em
consonância com as circunstâncias objetivas em que está colocada. Exercem coação interna e
diferem do que Durkheim chamou de consciência coletiva, que pressupõe crenças e práticas
constituídas que procedem de uma organização social definida, chegando a cada um de nós
exteriormente e sendo suscetíveis de nos arrastar, mesmo que não se perceba o seu conteúdo
concreto. A consciência social é comum a todos os membros da sociedade ou, pelo menos, à
maior parte deles. A sociedade não é um somatório de indivíduos, mas uma síntese que só
adquire sentido no todo e não nas partes.
A coação que o fato social exerce é mais fácil de constatar quando há uma reação
externa direta da sociedade, como é o caso do direito, da moral, das crenças, dos usos e até da
moda. A coação nem sempre é tão evidente, poderá ser indireta, como a que exerce uma
2
É importante observar que, mesmo valendo-se da Estatística, Émile Durkheim jamais se subordinou a esta em
seus estudos.
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organização econômica. A generalidade configura a exterioridade da consciência individual; é
geral por ser coletiva e mais ou menos obrigatória. É um estado do grupo e se encontra em
cada parte porque, em geral, “recebemo-las e adotamo-las porque, sendo ao mesmo tempo
uma obra coletiva e uma obra secular, estão investidas de uma particular autoridade que a
educação nos ensinou a reconhecer e a respeitar” (DURKHEIM, 1973, p. 393). A
consciência comum ou coletiva significa o conjunto de crenças e dos sentimentos comuns à
média dos membros de uma mesma sociedade, formando um sistema determinado que tenha
vida própria.
Durkheim procura mostrar que a mentalidade do grupo não é a mesma que a
dos indivíduos; que os estados de consciência coletiva são distintos dos
estados de consciência individual. (...) os fenômenos que constituem a
sociedade têm sua sede na coletividade e não em cada um dos seus
membros. É nela que se devem buscar as explicações para os fatos sociais e
não nas unidades que a compõem (QUINTANEIRO, 1995, p. 18).
Durkheim ressalta que é importante a Sociologia estudar os fatos sociais para desvelar
sua causa e, sobretudo, revelar a função que desempenham, ou seja, a correspondência entre o
fato considerado e as necessidades gerais do organismo social. Os fatos sociais são
representações coletivas, o modo como a sociedade vê a si mesma e o mundo que a rodeia,
lançando mão de suas lendas, mitos, concepções religiosas e morais. As representações
coletivas são as bases de onde se originam os conceitos, traduzidos no vocabulário da
sociedade. Portanto, é fato social toda maneira de agir, fixa ou não, suscetível de exercer
sobre o indivíduo uma coerção exterior, que é geral na extensão de determinada sociedade,
apresentando uma existência própria, independente das manifestações individuais que possa
ter.
1.a - Características do fato social:
São três as características que Durkheim distingue nos fatos sociais. A primeira delas
é a coerção social (coercitividade), ou seja, a força que os fatos exercem sobre os indivíduos,
levando-os a se conformarem com as regras da sociedade em que vivem, independentemente
de suas vontades e escolhas. Essa força se manifesta quando o indivíduo adota um
determinado idioma, quando se submete a um determinado tipo de formação familiar ou
quando está subordinado a determinado código de leis.
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O grau de coerção dos fatos sociais se torna evidente pelas sanções a que o indivíduo
está sujeito quando contra eles tenta se rebelar. As sanções podem ser legais ou espontâneas.
Legais são as sanções prescritas pela sociedade, sob a forma de leis, nas quais se identifica a
infração e a penalidade subsequente. Espontâneas seriam as que aflorariam na decorrência de
uma conduta não adaptada à estrutura do grupo ou da sociedade a qual o indivíduo pertence.
Durkheim exemplifica esse último tipo de sanção: “se sou industrial nada me proíbe de
trabalhar utilizando processos e técnicas do século passado: mas, se o fizer, terei a ruína
como resultado inevitável” (DURKHEIM, 1974, p.3). A educação desempenha, segundo
Durkheim, uma importante tarefa nessa conformação dos indivíduos à sociedade em que
vivem, a ponto de, após algum tempo, as regras estarem internalizadas e transformadas em
hábitos.
A segunda característica do fato social é que ele existe e atua sobre os indivíduos
independentemente de sua vontade ou de sua adesão consciente, ou seja, ele é exterior aos
indivíduos (exterioridade). As regras sociais, os costumes, as leis já existem antes do
nascimento dos indivíduos; são a eles impostos por mecanismos de coerção social, como a
educação. Portanto, os fatos sociais são ao mesmo tempo coercitivos e dotados de existência
exterior aos indivíduos.
A terceira característica apontada por Durkheim é a generalidade. É social todo fato
que é geral, que se repete em todos os indivíduos ou, pelo menos, na maioria deles. Desse
modo, os fatos sociais manifestam sua natureza coletiva ou um estado comum ao grupo, como
as formas de habitação, de comunicação, além dos sentimentos e da moral.
É preciso, então, que o sociólogo, no momento em que determina o
objeto de suas pesquisas ou no decorrer de suas demonstrações, proíba
resolutamente a si próprio o emprego de conceitos exteriormente à ciência e
para fins que nada têm de científico (Idem, p, 28).
Uma vez identificados e caracterizados os fatos sociais, a preocupação de Durkheim
dirigiu-se para a conduta necessária do cientista a fim de que seu estudo tivesse realmente
base científica. Para Durkheim, como para todos os positivistas, não haveria explicação
científica se o pesquisador não mantivesse certa distância e neutralidade em relação aos fatos,
resguardando a objetividade de sua análise. É preciso que o sociólogo deixe de lado suas
prenoções, isto é, seus valores e sentimentos pessoais em relação ao acontecimento a ser
estudado, pois eles nada têm de científico e podem distorcer a realidade dos fatos. Dessa
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forma, procura Durkheim garantir à Sociologia um método tão eficiente como o desenvolvido
pelas ciências naturais, garantindo às pesquisas sociológicas um estatuto de ciência
radicalmente contrário às formulações eivadas de opiniões, juízos de valor individuais, que
podem servir de indicadores dos fatos sociais, mas que mascaram as leis de organização
social cuja racionalidade só é acessível ao cientista. Para se apoderar dos fatos sociais, o
cientista deve identificar, dentre os acontecimentos gerais e repetitivos, aqueles que
apresentam características exteriores comuns. Assim, por exemplo, o conjunto de atos que
suscitam na sociedade reações concretas classificadas como penalidades constituem os fatos
sociais ditos como crime.
2.2 – Fato Social e Consciência Coletiva
Vê-se que os fenômenos devem ser sempre considerados em suas manifestações
coletivas, distinguindo-se dos acontecimentos individuais ou acidentais. A generalidade
distingue o essencial do fortuito e especifica a natureza sociológica dos fenômenos. Toda
teoria sociológica de Durkheim pretende demonstrar que os fatos sociais têm existência
própria e independem daquilo que pensa e faz cada indivíduo em particular. Embora todos
possuam suas consciências individuais, seus modos próprios de se comportar e interpretar a
vida, notam-se, no interior de qualquer grupo ou sociedade, formas padronizadas de conduta e
pensamento. Essa constatação está na base do que Durkheim chamou de “consciência
coletiva”.
Enquanto conceito, consciência coletiva designa um todo de crenças, de sentimentos,
de ideias e de valores próprios de uma sociedade. Durkheim postula consciência coletiva como
organização das representações coletivas sob a forma de síntese, de acordo com as suas
manifestações nas relações sociais e
históricas. Grosso modo, pode-se ponderar que
consciência coletiva é o conjunto de crenças e de sentimentos comuns à média dos membros
de uma mesma sociedade; o tipo psíquico da sociedade, a forma moral vigente na sociedade. É
a consciência coletiva que define o que, em uma sociedade, é considerado reprovável ou
criminoso.
A definição de consciência coletiva aparece pela primeira vez na obra Da divisão do
trabalho social: trata-se do “conjunto das crenças e dos sentimentos comuns à média dos
membros de uma mesma sociedade [que] forma um sistema determinado com vida própria”
(DURKHEIM, 1973, p. 342). A consciência coletiva não se baseia na consciência dos
indivíduos singulares ou de grupos específicos, mas está espalhada por toda a sociedade. Ela
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revelaria o “tipo psíquico da sociedade”, que não seria apenas o produto das consciências
individuais, mas algo diferente, que se imporia aos indivíduos e perduraria através das
gerações. A consciência coletiva é, em certo sentido, a forma moral vigente na sociedade. Ela
aparece como regras fortes e estabelecidas que delimitam o valor atribuído aos atos
individuais. Ela define o que numa sociedade é considerado “imoral”, “reprovável” ou
“criminoso”.
3 – Regras de Estudo do Fato Social
Durkheim deslocou a análise do fato social para um terreno estritamente formal em
que pudesse ser estabelecida uma ciência da observação, dando conta da realidade em geral,
destacando o dado empírico a partir de uma suposição teórica constituída. Essa observação
deveria ser acompanhada de um conjunto de regras, cujo fim seria proporcionar ao
pesquisador o maior grau de neutralidade científica. Os sociólogos se beneficiariam das
teorias à medida que a investigação sociológica progredisse até lá, e mesmo depois, devendo
saber proceder a descrições exatas, a observações bem feitas e, em particular, aprender a
extrair, da complexa realidade social, os fatos que interessam precisamente à Sociologia. Para
atingir esses fins, não se necessita de uma teoria sociológica propriamente dita, mas de uma
espécie de teoria da investigação sociológica, o que é outra coisa e presumivelmente algo
exequível e legítimo. Nesse sentido, a Sociologia poderia aproveitar a lição e a experiência
das ciências mais maduras, transferindo para o seu campo o procedimento científico usado
nas ciências empírico-indutivas, de observação-experimentação. Isso seria fácil, desde que a
ambição inicial se restringisse à formulação de um conjunto de regras simples e precisas,
aplicáveis à investigação sociológica dos fenômenos sociais.
Do exposto, conclui-se que Durkheim se propôs à tarefa de realizar uma teoria da
investigação sociológica. De fato, ele empreendeu tal odisseia, sendo o primeiro sociólogo a
atingir semelhante objetivo, em condições difíceis e com um êxito que só pode ser contestado
quando se toma uma posição diferente em face das condições, limites e ideais de explicação
científica na Sociologia. Portanto, considerando que a preocupação de Durkheim é marcar um
limite entre opinião e conhecimento científico, o autor apresenta um sistema metodológico
destinado a legitimar o papel do sociólogo como observador privilegiado, levando em conta
instrumentos de análise diferentes daqueles até então usados pelos pensadores sociais, ainda
presos a observações e conclusões metafísicas.
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Destarte, Durkheim apresenta a primeira regra que se destina a observação dos fatos
sociais: a boa observação dos fatos sociais recomenda tratá-los como coisas, procurando, com
isso, o afastamento de prenoções e o agrupamento dos fatos segundo seus caracteres
exteriores, que devem ser objetivos. A segunda consiste na distinção do normal e do
patológico, que procura enunciar a identificação entre o normal e a média, e aplicar as regras a
alguns casos como o crime, por exemplo, concluindo que este é um fenômeno normal do ponto
de vista social. A terceira regra se relaciona à constituição dos tipos sociais, responsável em
prescrever a classificação das sociedades da mais simples à mais complexa, buscando em cada
uma o segmento original. A quarta regra diz respeito à explicação dos fatos, consistindo-se em
pesquisar separadamente a causa eficiente que produz e a função que preenche; recomenda que
a causa determinante de um fato social seja buscada nos fatos sociais que o antecederam e não
entre os estados de consciência individual. A quinta e última regra se relaciona à
administração de provas, que procura estabelecer o método comparativo ou das variações
concomitantes como o método próprio da Sociologia, a classificação.
Segundo Durkheim, a adoção das regras confere à Sociologia seu caráter de ciência
independente, sua objetividade e seu dado específico. A regra fundamental da objetividade
científica é: separação entre sujeito e objeto, pois nesse caso o “sociólogo empreende a
exploração de uma ordem qualquer de fatos sociais, deve se esforçar por considerá-los
naquele aspecto em que se apresentam isolados de suas manifestações individuais”
(DURKHEIM, 1974, p. 39).
4 – A Divisão do trabalho social: a solidariedade social
Durkheim atribui à divisão social do trabalho o papel de condição necessária para o
desenvolvimento intelectual e material das sociedades, constituindo a fonte da civilização.
Mas, apresenta outra finalidade igualmente importante e que, portanto, permite perceber seu
caráter moral. Durkheim observa a variação entre o nível de moralidade e o progresso da
civilização, concluindo que a influência que a civilização possui sobre a moral é muito fraca.
Os elementos constitutivos da civilização são desprovidos de todo caráter moral. Nos grandes
centros industriais, há numerosos crimes e suicídios e, nesse sentido, ele observa que as
atividades industriais existem porque correspondem às necessidades, mas estas necessidades
não são morais. Durkheim entende por moral o mínimo indispensável sem o qual a sociedade
não poderia viver ou, segundo suas palavras: “o resultado dos esforços feitos pelo homem
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para encontrar um objetivo duradouro a que possa se prender e para experimentar uma
felicidade que não seja transitória.” (DURKHEIM, 2003, p. 98)
Dessa forma, o domínio da ética compreende as regras de ação que se impõem
imperativamente à conduta. E essa moral pode ser dada pela ciência. A ciência, para
Durkheim, apresenta certo caráter moral porque desenvolve a inteligência do indivíduo,
assimilando as verdades científicas que são estabelecidas. A ciência é a consciência levada ao
seu mais alto grau, ao seu ponto máximo de claridade. Essa consciência se adapta às
mudanças guiadas pela ciência. Preocupado com a questão da coesão social, Durkheim
elaborou o conceito de solidariedade social como importante para a coesão social. Ressaltou
que a mais importante função da divisão do trabalho social seria a de criar um sentimento de
solidariedade:
O mais notável efeito da divisão do trabalho não é que aumenta o
rendimento das funções divididas, mas que as torna solidárias (...). É
possível que a utilidade econômica da divisão do trabalho valha para alguma
coisa neste resultado, mas em todo caso, ele ultrapassa infinitamente a esfera
dos interesses puramente econômicos, pois ele consiste no estabelecimento
de uma ordem social e moral sui generis. Indivíduos estão ligados uns aos
outros que, sem aquilo, seriam independentes; ao invés de se desenvolverem
separadamente, eles conjugam seus esforços; são solidários e de uma
solidariedade que não age apenas nos curtos instantes em que os serviços se
trocam, mas que se estende bem além (DURKHEIM, 1973, 332).
A simples troca supõe indivíduos que dependam uns dos outros, e a imagem daquele
que completa o outro torna-se inseparável a todos, como complementação. No caso da divisão
do trabalho, as pessoas estão ligadas porque são distintas, logo sua função é integrar o corpo
social, assegurando unidade porque a divisão do trabalho é a fonte da solidariedade social, já
apontada por Comte segundo Durkheim (DURKHEIM, 1973, p. 332). Por ter essa nobre
função ligada à existência da sociedade, pode receber o caráter moral, visto que a necessidade
de ordem, harmonia e solidariedade social geralmente passam por valores morais.
Sendo a solidariedade social um fenômeno moral, o direito é um fato que ajuda
analisar esse fenômeno por ser um símbolo visível. A vida geral da sociedade não pode se
desenvolver num ponto sem que a vida jurídica se estenda ao mesmo tempo e na mesma
proporção. Estão refletidas no direito todas as variedades essenciais da solidariedade social. O
direito reflete uma parte da vida social na qual os costumes corrigem os rigores, pois
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exprimem um tipo de solidariedade diferente da do direito. O direito, para Durkheim,
reproduz as formas principais da solidariedade social. É necessário classificar as diferentes
espécies de Direito para buscar, em seguida, a identificação das diferentes espécies de
solidariedade social que a elas correspondem. A divisão das normas jurídicas em repressivas,
por um lado, porque procuram atingir o agente em sua honra, vida ou liberdade e, por outro,
em restitutivas, porque implicam o restabelecimento das relações perturbadas sob sua forma
normal, corresponde a dois tipos de solidariedade. No direito repressivo, os crimes são atos
definidos por castigos específicos através de regras penais. Os sentimentos coletivos aos quais
correspondem estão gravados em todas as consciências. São emoções e tendências fortemente
enraizadas em nós. Um crime causa uma aproximação entre as consciências, causa uma
indignação pública.
Segundo Durkheim, solidariedade é aquela estrutura de relação e de vínculos
recíprocos quando
“cada sociedade estabelece um padrão de comportamentos que
corresponde à sua consciência coletiva” (Idem, p. 334). Nesse sentido, o sociólogo francês
estabeleceu dois tipos específicos de solidariedade: a mecânica e a orgânica. A solidariedade
mecânica é aquela que predominava nas sociedades pré-capitalistas, em que os indivíduos se
identificavam através da família, da religião, da tradição e dos costumes, permanecendo, em
geral, independentes e autônomos em relação à divisão do trabalho social. A consciência
coletiva aqui exerce todo o seu poder de coerção sobre os indivíduos. Já a solidariedade
orgânica é aquela típica das sociedades capitalistas, em que, através da acelerada divisão do
trabalho social, os indivíduos se tornam interdependentes. Essa interdependência garante a
união social em lugar dos costumes, das tradições ou das relações sociais estreitas. Nas
sociedades capitalistas, a consciência coletiva se afrouxa. Assim, ao mesmo tempo em que os
indivíduos são mutuamente dependentes, cada qual se especializa numa atividade e tende a
desenvolver maior autonomia pessoal.
A Sociologia, para Durkheim, deveria ter ainda por objetivo comparar as diversas
sociedades, constituindo, dessa forma, o campo da morfologia social, ou seja, a classificação
das espécies sociais. Durkheim compreendeu que todas as sociedades evoluiram a partir da
horda, a forma social mais simples, igualitária e reduzida a um único segmento em que os
indivíduos se assemelhavam aos átomos, isto é, se apresentavam justapostos e iguais. Desse
ponto de partida, foi possível uma série de combinações, das quais se originaram outras
espécies sociais identificáveis no passado e no presente, tais como os clãs e as tribos.
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Durkheim considerou que o trabalho de classificação das sociedades – como tudo o
mais – deve ser efetuado com base em apurada observação experimental. Guiado por esse
procedimento, ele estabeleceu a passagem da solidariedade mecânica para a solidariedade
orgânica como o motor de transformação de toda e qualquer sociedade. Dado o fato de que as
sociedades variam de estágio, apresentando formas diferentes de organização social que torna
possível defini-las como “inferiores” ou “superiores”, como o cientista define os fatos
normais e anormais em cada sociedade? Para Durkheim, a normalidade só pode ser entendida
em função do estágio da sociedade em questão. Nesse sentido, o autor esclarece que: “do
ponto de vista puramente biológico, o que é normal para o selvagem não o é sempre para o
civilizado, e vice-versa [...] Um fato social não pode, pois, ser acoimado de normal para uma
espécie social determinada senão em relação com uma fase, igualmente determinada, de seu
desenvolvimento” (DURKHEIM, 1974, p. 49).
4.1 - Sociedade Simples
As sociedades simples são aquelas em que não há desempenho de funções
especializadas, isto é, todos podem executar as mesmas funções, visto que não há divisão de
trabalho. A solidariedade mecânica está localizada nas sociedades pré-capitalistas
(basicamente as antigas), baseadas na semelhança. Os valores sociais decorrem da tradição e
da religião, e o grupo se organiza como uma verdadeira comunidade, havendo informalidade
de comportamentos. O agressor é considerado inimigo do grupo, punido por um direito
extremamente repressivo. Esse direito repressivo não é especializado e, ao mesmo tempo, nega
o caráter da individualidade da pena. Nas sociedades em que a solidariedade era mecânica, não
havia a presença da individualidade, os indivíduos não existiam por si só. As existências
individuais somente são possíveis no coletivo, na comunidade; é por isso que o direito se
fundamenta na repressão, visto que uma ofensa pessoal é ofensa coletiva.
O crime fere o indivíduo e a força coletiva e, em virtude disso, a sociedade penaliza o
agressor com a finalidade de defender-se. A dor que inflige o agente é apenas um instrumento
metódico de proteção a fim de que o temor atinja as más vontades (direito repressivo). Assim,
a pena possui dupla finalidade: a vingança como satisfação da paixão de reparação, e a
repressão como ação de contenção. A pena vingativa é o instinto de conservação exasperado
pelo perigo, portanto, para Durkheim, a pena permaneceu como vingança porque é uma
expiação, e o direito penal simboliza uma espécie de solidariedade comum ou coletiva. Essa
solidariedade é mecânica porque seu produto de similitudes protege a unidade do corpo social
impondo o respeito e, como tal, esse tipo de solidariedade serve a dois propósitos, a saber:
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manter intacta a coesão social sustentando a vitalidade da consciência comum; corrigir o
culpado ou intimidar seus possíveis imitadores. Durkheim utiliza o termo mecânica por
analogia como a coesão que une entre si os elementos dos corpos brutos, em oposição àquela
que faz a unidade dos corpos vivos, ou seja, o elo que une indivíduo e sociedade é análogo ao
que liga a coisa à pessoa. A consciência individual, considerada sob este aspecto, é uma
simples dependência do tipo coletivo.
4.b – Sociedade Complexa
A sociedade complexa é aquela em que há desempenho de funções especializadas não
comuns a todos, só é possível em grandes comunidades como as atuais sociedades industriais.
Nas sociedades complexas, em que há divisão de funções em virtude da educação, aptidões,
individualizaçãos das relações, a solidariedade é orgânica. As sociedades modernas estão
fundadas na divisão do trabalho segundo o princípio da especialização, criando, através de
redes de relacionamento, solidariedade entre grupos e indivíduos, em que cada um aceita a
obrigação assumida: o direito é restitutivo e as sanções são reparativas.
Com a fragilidade da solidariedade orgânica, isto é, com a fragilidade do organismo,
percebe-se, na verdade, uma instabilidade no sistema de relações necessárias à unidade do
corpo, à existência social. A fragilidade das instituições sociais enseja uma condição de
esgotamento da própria sociedade enquanto ordenadora de valores, enfraquecendo e
desorganizando mecanismos próprios ao desenvolvimento da vida social. O antagonismo entre
capital e trabalho, tipo clássico de anomia, corresponde à própria fragilidade da sociedade
industrial, suspendendo o caráter da divisão do trabalho e afetando consideravelmente a
solidariedade orgânica. A anomia fragiliza o conjunto social, visto que, em qualquer
sociedade, os homens se agrupam sob uma determinada orientação, um determinado costume,
uma determinada norma de convivência.
O direito restitutivo é de outra natureza; suas regras são estranhas à consciência
comum; as relações que elas determinam se realizam entre as partes restritas para restituição
sob condição. Neste âmbito, Durkheim enfatiza duas formas de solidariedade: a solidariedade
real ou negativa, que vincula diretamente as coisas às pessoas, mas não as pessoas entre si. A
parte do direito restitutório a qual corresponde esta solidariedade é o conjunto dos direito
reais. Como é somente por intermédio de pessoas que as coisas são integradas na sociedade, a
solidariedade que resulta desta integração é negativa. Evita-se o conflito, mas não há o
consenso. Tal solidariedade não faz dos elementos que ela aproxima um todo capaz de agir
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como um conjunto; não contribui em nada para a unidade do corpo social. Apenas se
estabelece para reparar ou prevenir uma lesão. A solidariedade positiva resulta da divisão do
trabalho social ou da atração do semelhante pelo semelhante. O contrato é, por excelência, a
expressão jurídica da cooperação. Cooperar é dividir uma tarefa comum. Se esta é dividida
em tarefas qualitativamente similares, embora indispensáveis umas às outras, há divisão do
trabalho simples ou do primeiro grau. Se as tarefas são de natureza diferente, há divisão do
trabalho composta, especialização propriamente dita.
SOLIDARIEDADE MECÂNICA
SOLIDARIEDADE ORGÂNICA
Sociedades arcaicas
Sociedades modernas
Solidariedade por semelhança ou similitude
Solidariedade por diferenciação
Sentimentos coletivos fortes
Sentimentos coletivos fracos
Consciência coletiva forte
Consciência individual forte
A sociedade é orientada por imperativos e proibições
Liberdade de interpretação dos imperativos sociais
Direito repressivo = manifesta a força dos sentimentos Direito restitutivo = restabelece o estado das coisas
comuns, o crime é proibido pela consciência coletiva
como deve ser segundo a justiça
O castigo é reparação feita à consciência coletiva.
O contrato possui valor importante.
5 - Anomia e Regulamentação Social
Anomia é uma palavra de origem grega, que vem de “anomos”; “a” representa
ausência, inexistência, privação; “nomos”, lei, norma. Em sua estrita significação, está
relacionada à falta de lei ou de norma de conduta. Durkheim utilizou este termo buscando
uma explicação para certos fenômenos socioeconômicos na obra intitulada “Da divisão do
trabalho social”. Depois de firmar a divisão social do trabalho como fenômeno normal,
assinalou as formas patológicas derivadas desse fenômeno, ressaltando que, desde que a
divisão social do trabalho supera certo grau de desenvolvimento, o indivíduo, debruçado
sobre suas tarefas cotidianas, se isola em sua atividade especial, não sentindo mais a presença
dos colaboradores que trabalham ao seu lado, não concebendo, portanto, a ideia de uma obra
comum. Tornando-se uma fonte de desintegração, essa divisão se afigura como dispersão. Na
medida em que há perda da visão de conjunto, há também o esmaecimento 3 das normas que
3
Perda de vigor, desbotamento.
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refletem a solidariedade grupal. O enfraquecimento da interação impede o progressivo
desenvolvimento do sistema de regras comuns e consenso.
Durkheim acreditava que os conflitos e desordens eram sintomas desse esmaecimento
das regras morais e jurídicas. A vida econômica havia alcançado certo grau de progresso sem,
no entanto, ser acompanhada pelo desenvolvimento das instituições morais capazes de
regulamentar os interesses individuais e estabelecer os seus limites. Nesse contexto, há um
rompimento dos laços solidários que garantem a coesão social. O mundo contemporâneo
começava a enfrentar esse novo desafio de resgatar o valor social das instituições integradoras
como a religião, o Estado e a família, uma vez que os indivíduos passavam a se organizar
conforme suas atividades profissionais. Nesse caso, houve um enfraquecimento da família,
uma perda da eficácia das religiões em virtude da diversidade de profissões, que assumiram
papel fundamental na substituição dessas instituições integradoras. Foi nesse sentido que
Durkheim buscou reconstruir o social a partir da esfera do trabalho, visando resgatar a
solidariedade e a moralidade integradoras, combatendo o egoísmo individual, que
compromete o sentimento de solidariedade, permitindo que a lei do mais forte impere
brutalmente nas relações sociais.
Segundo o sociólogo francês, a anomia pode ter três significados diferentes, a saber: a perda da identificação pessoal com as normas, valores, objetivos definidos pela sociedade,
desorganização pessoal do tipo que resulta em uma personalidade desorientada e sem lei; b situação social em que as normas estão em conflito, provocando desvios de comportamento
socialmente significativos quando o indivíduo tem dificuldade em conformar-se às suas
exigências contraditórias; c - ausência de normas; uma situação social que, no caso limite, não
contém qualquer norma e é consequentemente o oposto de sociedade. Portanto, o sentido
sociológico de anomia, introduzido por Durkheim como ausência relativa de valores comuns
na sociedade, tem seu reflexo em sentimentos de angústia, isolamento e perda de objetivos
entre os elementos da sociedade. Assim, anomia é uma expressão utilizada para caracterizar
uma situação do indivíduo perante a vida social, quando ele fica absolutamente desorientado
pela inexistência de padrão, perdendo a visão; nesse caso, a perda de solidariedade grupal.
Para Durkheim, a Sociologia tem por finalidade não só explicar a sociedade como
também encontrar remédios para a vida social. A sociedade, como todo organismo, apresenta
estados normais e patológicos, isto é, saudáveis e doentios. Durkheim considera um fato
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social como normal quando se encontra generalizado pela sociedade ou quando desempenha
alguma função importante para sua adaptação ou sua evolução. Assim, o crime, por exemplo,
é normal não só por ser encontrado em todas as sociedades de qualquer época, mas por
representar, de alguma forma, a importância dos valores sociais que repudiam determinadas
condutas como ilegais e as condenam através de penalidades. A generalidade de um fato
social, isto é, sua unanimidade, é garantia de normalidade na medida em que representa o
consenso social, a vontade coletiva, ou o acordo de um grupo a respeito de uma determinada
questão. Pondera Durkheim:
Para saber se o estado econômico atual dos povos europeus, com
sua característica ausência de organização, é normal ou não, procurar-se-á
no passado o que lhe deu origem. Se estas condições são ainda aquelas em
que atualmente se encontra nossa sociedade, é porque a situação é normal, a
despeito dos protestos que desencadeia (DURKHEIM, 1974, p. 53).
Partindo do princípio de que o objetivo máximo da vida social é promover a harmonia,
e que essa harmonia é conseguida através do consenso social, a “saúde” do organismo social se
confunde com a generalidade dos acontecimentos e com a função destes na preservação dessa
harmonia. É desse acordo coletivo, que se expressa sob a forma de sanções sociais, o quadro
do direito em sociedade. Quando um fato põe em risco a harmonia ou o consenso da
sociedade, verifica-se um acontecimento de caráter mórbido numa sociedade doente; logo,
normal é o fato que não extrapola os limites dos acontecimentos mais gerais de uma
determinada sociedade e que reflete os valores e as condutas aceitas pela maior parte da
população. Por outro lado, patológico é aquele que se encontra fora dos limites permitidos pela
ordem social e pela moral vigente. Os fatos patológicos, como as doenças, são considerados
transitórios e excepcionais.
Considerações Finais
Durkheim se distingue dos demais positivistas porque suas ideias ultrapassaram a
simples reflexão filosófica, chegando a constituir um todo organizado e sistemático de
pressupostos teórico-metodológicos sobre a sociedade. O empiricismo positivista, que pusera
os filósofos diante de uma realidade social a ser especulada, transformou-se, em Durkheim,
numa real postura científica, centrada naqueles fatos que poderiam ser observados,
mensurados e relacionados através de dados coletados diretamente pelo cientista. Durkheim
procurou estabelecer os limites e as diferenças entre as particularidades e a natureza dos
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acontecimentos filosóficos, históricos, psicológicos e sociológicos. Elaborou um conjunto
coordenado de conceitos e de técnicas de pesquisa que, embora norteado por princípios das
ciências naturais, guiava o cientista para o discernimento de um objeto de estudo próprio e
dos meios adequados para interpretá-lo.
Embora preocupado com as leis gerais capazes de explicar a evolução das sociedades
humanas, Durkheim ateve-se também às particularidades da sociedade em que vivia e aos
mecanismos de coesão dos pequenos grupos, e à formação de sentimentos comuns resultantes
da convivência social.
Distinguiu diferentes instâncias da vida social e seu papel na
organização social, como a educação, a família e a religião. Pode-se dizer que, com
Durkheim, já se delineia uma apreensão da Sociologia na qual se relacionava harmonicamente
o geral e o particular numa busca, ainda que não expressa, da noção de totalidade. Essa noção
foi desenvolvida particularmente por seu sobrinho e colaborador Marcel Mauss em seus
estudos antropológicos. Em vista de todos esses aspectos tão relevantes e inéditos, os limites
antes impostos pela filosofia darwinista (positivista) perderam sua importância, fazendo dos
estudos de Durkheim um constante objeto de interesse da Sociologia Contemporânea.
Referências Bibliográficas
BOTTOMORE, T. Introdução á Sociologia. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro, Zahar Editores,
1975.
DURKHEIM, Émile. Educação e Sociologia. Tradução Lourenço Filho. São Paulo: Melhoramentos, 1955.
__________. Da divisão do trabalho social.. Tradução de José Arthur Giannotti. In: Os pensadores. São Paulo:
Abril, 1973.
__________. As regras do método sociológico. Tradução de Maria Isaura Pereira de queirozSão Paulo: Editora
Nacional, 1974.
QUINTANEIRO, T, et alii. Um toque de Clássicos. Durkheim, Marx e Weber. Belo Horizonte: UFMG, 1995,
p. 27.
Gianriccardo Grassia Pastore é Graduado em História pela UFF e Ciências Sociais pela UERJ,
além de Mestre em História e Filosofia da Ciência pela Universidade de Lisboa.
Wellington Trotta tem Doutorado em Filosofia IFFCS-UFRJ. Leciona Filosofia no Curso de
Direito da UNESA, coordena o Núcleo de Pesquisa de Ciências Jurídicas e Sociais, além de
ser editor da Revista Logos e Veritas, ambos na Unidade de Cabo Frio.
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