O esconderijo do ebola

Propaganda
Quarta-feira, 28 dezembro de 2005
edições anteriores
VIDA&
ÍNDICE GERAL | ÍNDICE DA EDITORIA | ANTERIOR | PRÓXIMA
O esconderijo do ebola
Fernando Reinach*
[email protected]
Hoje temos medo do vírus da gripe aviária. Faz
algumas décadas a grande ameaça era o vírus ebola.
O vírus da gripe aviária se multiplica nas aves e
raramente é transmitido para humanos. O medo é que
ele seja transmitido de pessoa a pessoa, se
espalhando depressa pelo planeta. No caso do ebola a
história é outra. A cada ano ele aparece do nada em
alguma vila africana, é transmitido de pessoa a
pessoa rapidamente, mata centenas e desaparece. O
medo é de que ele reapareça inesperadamente em
outro local do planeta.
O ebola surgiu pela primeira vez em 1976 no Zaire.
Mabalo Lokela, depois de uma semana de febre alta,
passou a vomitar, ter dores de cabeça, diarréia e
tonturas. Em duas semanas teve uma hemorragia
generalizada e morreu, foi a primeira vítima. O vírus
se espalhou e centenas de pessoas morreram. Desde
então novos focos surgem todo ano na África.
Geralmente mais de 80% dos infectados morre. A
velocidade com que a doença se espalha, a rapidez
com que as pessoas morrem e a altíssima morbidade
da doença fez que o medo desse vírus se espalhasse
na década de 80. Um livro sobre o ebola escrito por
Richard Preston – The Hot Zone – virou filme e
ajudou a espalhar o terror.
Hoje sabemos que o vírus só é transmitido através do
sangue, ou de outros fluidos corporais, o que permite
conter facilmente os focos da doença. Grande parte
dos focos que surgiram na África se originou nos
hospitais. A falta de higiene, a reutilização de
agulhas e a não-esterilização de equipamentos
permitiu que a doença se espalhasse. Atualmente
poucos acreditam que o vírus possa causar uma
pandemia global.
Faltava descobrir onde o vírus se esconde entre seus
ataques. Cada vez que surgiu um foco da doença, os
cientistas observaram que a epidemia também
devastava as populações locais de macacos e
chimpanzés. Para descobrir em que animal o vírus se
escondia, entre 2001 e 2005, foram colocadas
armadilhas próximas dos macacos mortos. Foram
capturados e estudados 1.030 animais, pequenos
mamíferos, aves e morcegos. Entre esses só duas
espécies de morcegos, que se alimentam de frutas,
são capazes de manter o vírus no corpo. Os outros ou
não se infectam ou não ficam doentes.
Isso sugere que os morcegos são provavelmente os
esconderijos do vírus, animais em que o vírus se
multiplica sem causar sintomas e de onde “pula” para
outras espécies. A área onde esses morcegos vivem
coincide com a localização dos focos da doença, o
que confirma a teoria de que a doença provavelmente
passa diretamente dos morcegos para as pessoas ou
dos morcegos para os macacos e daí para as pessoas.
Quando diminui a abundância de frutas na floresta,
macacos e morcegos competem pelas mesmas frutas,
o que aumenta a interação entre essas espécies e
conseqüentemente a chance de os macacos se
contaminarem. Esses macacos são comidos pelos
humanos e surge novo foco da doença.
Desvendado o ciclo natural do vírus ebola só nos
resta esperar a nova safra de filmes. Ficção científica:
terroristas isolam os vírus dos morcegos e os
transformam em armas biológicas. Terror: bandos de
morcegos infectados atacam cidade do meio-oeste
americano. Mais informações em: “Fruit bats as
reservoirs of Ebola virus”. Nature, vol. 438, pág. 575,
2005
* [email protected] biólogo
Download