Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais organizadora: Lilia Rossi Ministério da Saúde Secretaria de Políticas de Saúde Coordenação Nacional de DST e Aids Setembro 2002 Série Manuais, n. 52 ©2002. Ministério da Saúde. É permitida a reprodução parcial ou total, desde que citada a fonte. Série Manuais; n. 52 – CN-DST/AIDS Tiragem: 2.000 exemplares Coordenador do Programa Nacional de DST e Aids Paulo R. Teixeira Presidente da República Fernando Henrique Cardoso Assessora de Comunicação da CN–DST/AIDS Eliane Izolan Ministro de Estado da Saúde Barjas Negri Assessora Responsável pela Unidade de Prevenção da CN-DST/AIDS Denise Doneda Secretário de Políticas de Saúde Cláudio Duarte da Fonseca Organizadora: Lilia Rossi Editor: Dario Noleto Revisora : Nágila Paiva Projeto gráfico e capa: Claudia Balaban Diagramação e arte-final: Alissom Lázaro de Araújo Elaboração, distribuição e informações: MINISTÉRIO DA SAÚDE Secretaria de Políticas de Saúde Coordenação Nacional de DST e Aids Av. W3 Norte SEPN 511, bloco C CEP: 70750-000, Brasília – DF E-mail: [email protected] Home page: http://www.aids.gov.br Disque Saúde / Pergunte Aids: 0800 61 1997 Coordenadores Adjuntos Alexandre Grangeiro e Raldo Bonifácio Publicação financiada com recursos do Projeto AD/BRA 99 EO2 UNDCP Catalogação na fonte – Editora MS Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Coordenação Nacional de DST e Aids. Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais/Secretaria de Políticas de Saúde, Coordenação Nacional de DST e Aids. – Brasília: Ministério da Saúde, 2002. 145 p.: il. – (Série Manuais, n. 52) 1. Prevenção. 2. Homossexuais. I. Brasil. Ministério da Saúde. II. Brasil. Secretaria de Políticas de Saúde. Coordenação Nacional de DST e Aids. III. Título. IV. Série. NLM JC 571 Prefácio Desde o surgimento da aids no início da década de 80, os homossexuais foram, em nível mundial, o grupo populacional mais atingido pela epidemia. Associando diferentes fatores que vão desde as características comportamentais até o estilo de vida, o risco e a vulnerabilidade dos/as homossexuais face à infecção pelo HIV/aids, foram significativamente acentuados pela falta de informação, pelo estigma e pelo preconceito da sociedade. Mas foram também os homossexuais os protagonistas das primeiras e urgentes respostas para o enfrentamento dessa epidemia que ultrapassava as fronteiras da saúde, revertendo e (des) construindo o imaginário social que os vinculou, equivocadamente, à culpa, à proibição, à doença e à discriminação. As ações do movimento homossexual, voltadas para a assistência e prevenção do HIV/aids, se caracterizaram, desde o início da epidemia, pela rápida e ampla mobilização e envolvimento de seus ativistas e simpatizantes, responsáveis pela criação de estratégias inovadoras e eficazes – como as oficinas de sexo seguro – e por abordar, de forma pioneira, questões inerentes à diversidade e à livre orientação sexual, à sexualidade, à solidariedade, ao exercício da cidadania plena e, à defesa dos direitos humanos, incluindo os das pessoas que vivem com HIV/aids. Foram os programas de prevenção -governamentais ou não-governamentais- direcionados aos homossexuais, os precursores de uma nova e efetiva política que possibilitou a formação e a consolidação da parceria entre as instâncias governamentais e a sociedade civil organizada. Essa política que, no Brasil, se iniciou a partir da criação do Programa Nacional de Controle das DST e Aids e paulatinamente se evidenciou junto aos diferentes movimentos sociais organizados foi estratégia fundamental para o combate do avanço da epidemia pelo HIV/aids e para a promoção e valorização de importantes mudanças sociais. Esse Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania dos Homossexuais, cuja origem está associada ao Manual do Multiplicador Homossexual - publicação de uma série histórica editada pelo Ministério da Saúde, em 1996 -se propõe a resgatar a experiência acumulada pelos vinte anos de combate à epidemia pelo HIV/aids junto aos gays, lésbicas, travestis e transgêneros, ao mesmo tempo que se afirma como um instrumento valioso para todos aqueles que planejam, executam e avaliam programas de prevenção das DST e da aids. É, portanto, uma publicação dedicada a todas as pessoas que almejam conhecer um pouco mais da história desse movimento e dos indivíduos que o compõem e, sobretudo, para aquelas que também desejam trabalhar em prol da saúde integral e do exercício da cidadania do povo brasileiro. Desejamos que esta publicação impulsione a reflexão e a discussão -nas organizações não-governamentais, associações de classe, instâncias governamentais e políticas- sobre a transformação de uma situação de marginalidade e violência vivenciada durante muito tempo pelos homossexuais, sensibilizando e mobilizando a sociedade para a luta pelos direitos humanos, sem restringi-las, portanto, a uma classe ou movimento. A partir da apropriação das informações aqui descritas, sobre a sexualidade e a homossexualidade, acreditamos ser possível encontrar outros aliados para o enfrentamento da epidemia do HIV/aids e para a construção de uma sociedade mais justa e solidária. Paulo Roberto Teixeira Coordenador Nacional de DST e Aids Apresentação Esse documento pretende ser um guia ou uma referência para o planejamento e para a implantação de ações educativas direcionadas aos homossexuais, no campo da saúde sexual, cidadania e da prevenção das DST/aids. Assim, tem como objetivo principal subsidiar técnica e conceitualmente o desenvolvimento de programas e ações nessas áreas que tenham como alvo prioritário os homossexuais. Para tanto, esse documento privilegia a descrição de conceitos, de fatos e da história da homossexualidade no Brasil. Além desse objetivo, visa, também, reforçar a necessidade de se combater qualquer atitude preconceituosa, discriminatória ou que cerceie a liberdade individual e coletiva e a necessidade e de se promover o exercício da cidadania, independentemente do tipo de ação em saúde que se pretenda realizar. Destinado aos profissionais das áreas de saúde, de direitos humanos e de assistência social, lideranças homossexuais, agentes de saúde, multiplicadores de informação e todas as pessoas que trabalham na prevenção das DST e aids, em organizações governamentais ou não-governamentais, este Guia foi estruturado em três partes. A primeira é voltada para a reflexão sobre o papel e as representações sociais das homossexualidades, a construção da sexualidade e do preconceito, as diferentes formas de se vivenciar um tipo de orientação sexual e para a identificação de fatores que vulnerabilizam os homossexuais frente às DST/aids. A segunda parte revisa as relações entre o estigma, a homossexualidade, a violência e os direitos humanos, sugere ainda algumas metodologias para as intervenções educativas e, descreve a trajetória do movimento homossexual brasileiro e sua interface com a epidemia da aids. Por fim, a terceira parte é destinada a fornecer informações básicas (de forma resumida) sobre o surgimento e o perfil da epidemia do HIV/aids no Brasil e no mundo e sobre os principais fatos que marcaram a história do movimento homossexual em nosso País. Além disso, descreve mais detalhadamente os direitos fundamentais do ser humano e das pessoas que vivem com HIV/aids. Esse Guia traz, ainda, uma relação de grupos que desenvolvem ações de prevenção das DST/aids e de defesa dos direitos humanos junto aos homossexuais, na perspectiva de que tais instâncias possam vir a ser parcerias úteis para todos os que pretendem atuar nesse campo. Para a concepção e a elaboração desse documento, o Ministério da Saúde contou com a contribuição efetiva de um grupo de lideranças do movimento homossexual brasileiro, com expressiva e reconhecida atuação no desenvolvimento de projetos ou ações de promoção da saúde, de prevenção das DST/aids e de defesa dos direitos humanos e da cidadania em nosso País. Embora o termo homossexual possa ser vinculado à definição de diferentes especificidades da orientação sexual, identificando, assim, gays, lésbicas, travestis, transformistas, transexuais e garotos de programa. Optamos por dirigir esta reflexão prioritariamente aos homossexuais masculinos, compreendendo nesse universo os gays e as diferentes formas de expressão da homossexualidade masculina. Porém, com a perspectiva de que informações mais amplas sobre outras maneiras de vivenciar a sexualidade é fator relevante para o processo de formação e/ou aperfeiçoamento do trabalho de prevenção das DST/aids, sempre que possível, algumas características das lésbicas, travestis e transexuais, serão aqui referenciadas. Dentre outros fatores, sua importância está no fato de que para a vigilância epidemiológica e para as ações de prevenção das DST/HIV/aids este termo permite abranger os homossexuais e bissexuais, sem explicitar nesse conjunto os homens que não se reconhecem ou se assumem como pertencentes a essas categorias. A palavra gay – originária da língua inglesa e que significa alegre – já era um termo utilizado na Espanha desde a Idade Média como sinônimo de “rapaz alegre”. No Brasil, seu equivalente em português se deu com o termo gaiato, significando também engraçadinho. Embora a grafia dessa palavra em português “guei” já tenha sido dicionarizada, optamos aqui por mantê-la na sua forma original (gay), tendo em vista que ela já foi completamente incorporada ao cotidiano de nossa sociedade. Ainda em relação às diversas terminologias utilizadas para o trabalho de prevenção das DST/aids, não podemos deixar de referendar o amplo uso – por parte de organizações governamentais e não-governamentais – do termo Homens que fazem Sexo com Homens (HSH). Uma outra questão de fundamental importância na concepção desse Guia não pode deixar de ser aqui mencionada: embora cientes da relevância do uso de linguagem inclusiva, visando garantir a identificação dos dois gêneros – masculino e feminino – nessa publicação não foi possível contemplar essa característica de linguagem. Os objetivos, o público-alvo e a necessidade de tornar os textos divulgados nesse Guia o mais compreensível e atraente à leitura, foram fatores determinantes para impedir de fazermos distinção dos gêneros, sempre que necessário. Finalmente, é preciso enfatizar a intenção desse Guia em fornecer elementos que permitam compreender e atuar na multiplicidade de realidades que compõem o universo homossexual, buscando, assim, qualificar novas discussões e intervenções educativas para o enfrentamento da epidemia pelo HIV/aids e garantir o respeito pela orientação sexual. Denise Doneda Assessora Responsável pela Unidade de Prevenção da CN-DST/AIDS Sumário Prefácio _________________________________03 Apresentação ____________________________07 Capítulo I A Construção Social da Sexualidade ___________________ 13 Capítulo II Homossexualidade e Vulnerabilidade ao HIV/Aids_______ 21 Capítulo III Expressões das Homossexualidades____________________ 31 Capítulo IV Metodologias de Intervenção__________________________55 Capítulo V Direitos Humanos___________________________________ 73 Capítulo VI O Movimento Homossexual e a Aids ___________________89 Capítulo VII História da Aids – Breve Resumo _____________________ 105 Anexos História da Homossexualidade no Brasil ______________ 125 Declaração Universal Direitos Humanos ______________ 131 Direitos Fundamentais das Pessoas que Vivem com HIV/Aids____________________________ 132 Direitos Sexuais ___________________________________ 134 Grupos Homossexuais no Brasil ______________________ 136 Referências Bibliográficas___________________________ 139 Sobre os Autores ________________________ 145 A construção social da sexualidade A construção social da sexualidade 15 A construção social da sexualidade “Cada cultura constrói a sua aids própria e específica, bem como as respostas a ela”. (Herbert Daniel) Diferentemente dos outros seres vivos, que já nascem programados para a vida a partir de uma carga de informações gené ticas que os informa como se comportar e agir perante as diferentes situações, o ser humano vem ao mundo desprovido de tudo isso. O modo de se comportar e de agir nos é dado socialmente: aprendemos com os nossos pais, com a comunidade da qual fazemos parte e na escola. Como não somos simples folhas em branco, na qual a sociedade vai escrevendo uma história, também inventamos e recriamos o que nos é socialmente oferecido: a cultura. Por isso, a humanidade é tão plural. Atualmente, com a rápida circulação de imagens e informações em revistas, televisão e internet, percebemos, cada vez mais, como diferentes sociedades vêm desenvolvendo modos diversos de existir no mundo. Antes de abordarmos o que aqui nos interessa –a sexualidade– façamos o exercício de refletir sobre a diversidade em outro campo da existência humana. Pensemos um pouco na diversidade alimentar: saciar a fome é necessidade básica para qualquer ser humano, não há como negar. Mas, o que utilizar da natureza para se alimentar, o modo de se obter o alimento e como prepará-lo, é elemento variável no tempo e no espaço. As culturas possuem gostos e formas alimentares as mais diversas. É claro que as possibilidades oferecidas pelo ambiente em termos da geografia, do clima, da flora e da fauna irão desempenhar papel importante na construção da diversidade das culturas, mas o que nos chama a atenção, é mesmo a criatividade humana: podemos encontrar e/ou comer em uma mesma casa o quibe árabe, o sushi japonês, a pizza italiana e a feijoada brasileira. Em um mesmo país a pluralidade de pratos é igualmente grande. No Brasil, por exemplo, temos o acarajé, o tutu à mineira,o baião de dois, a manissoba, a polenta e a buchada: pratos associados às diferentes culturas que convivem no País e que, portanto, expressam gostos culturalmente construídos. Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais 16 Capitulo 1 Por outro lado, as diferentes culturas também ditarão quais alimentos podem ou não podem ser comidos: quem nunca ouviu falar, por exemplo, que manga com leite faz mal? No judaísmo e no islamismo a carne do porco é um alimento proibido e, no candomblé filhos de diferentes orixás são proibidos de comer determinadas comidas. Tais proibições estão associadas à forma pela qual diferentes grupos sociais pensam a existência humana no mundo. Para além dessas proibições e mergulhando no interior de uma mesma “comunidade alimentícia”, veremos que os gostos individuais também variam: há, por exemplo, baianos que gostam de acarajé com pimenta, outros não suportam pimenta e ainda aqueles que não suportam acarajé porque o gosto não lhes agrada; há os que adoram camarão e aqueles que são alérgicos a tal fruto do mar. Assim, observamos que nas escolhas alimentares, um fator de suma importância é o prazer. Prazer que envolve aspectos visuais (cores e formas), paladar, temperatura e aroma, entre outras coisas que são, em parte, ensinadas culturalmente, em parte desenvolvidas por cada pessoa. Com a sexualidade não é diferente. Ela assume formas as mais diversas, de acordo com as culturas e com o que a trajetória pessoal e a criatividade individual determinam. Cada sociedade possui um conjunto de regras, de padrões de comportamentos e de concepções sobre o que é e para que serve a sexualidade. Tal conjunto de regras e padrões, que é informado, apreendido e utilizado pelos indivíduos, constitui o que chamamos de “cultura sexual”. Essa cultura sexual informará, entre outras coisas, quem pode (e quem não pode) fazer sexo com quem, em termos de parentesco, de idade e de status social, dentre outros indicadores. Tomando alguns exemplos de diferentes sociedades, vemos que no início do século XX no Brasil, entre os nossos avós, era comum o casamento de rapazes mais velhos com mulheres mais novas (entre 12 e 15 anos) que logo iniciavam a vida sexual e reprodutiva. Atualmente, a gravidez na adolescência é, na maioria das vezes, considerada como um problema, sendo o casamento e as primeiras relações sexuais esperadas ou postergadas para o final da juventude. Vemos, portanto, que os padrões mudam com o tempo e de acordo com os diferentes espaços geográficos e culturais. Na Nova Guiné, entre os baruia, o sexo oral entre os homens de diferentes gerações e status é uma regra social e culturalmente aceita: nesse grupo cultural existe a crença de que a energia vital é transmitida pelo esperma, assim, os homens mais novos e as mulheres devem ser alimentados pelos homens mais velhos com essa energia. Na Grécia Antiga, entre os atenienses, apenas os homens eram considerados cidadãos e tinham, portanto, direito e acesso ao conhecimento. Era comum e legítimo o relacionamento sexual entre o professor e o aluno, considerado o relacionamento amoroso mais sublime entre dois homens. Voltando ao Brasil contemporâneo, no candomblé a sexualidade é entendida como um processo de troca de energias (“axé”) e para lidar com as divindades é preciso estar cheio dessa energia. Desta forma, em determinados períodos rituais, o ato sexual é proibido sem haver, contudo, interdições referentes à homossexualidade ou à bissexualidade, que são reconhecidas como formas legítimas de vivenciar a sexualidade humana. Homossexualidade não é crime: No Brasil, não há lei que criminalize a homossexualidade. Nem o Código Penal, nem a Constituição Federal proíbem o sexo entre pessoas do mesmo sexo, maiores de 18 anos. Existem leis estaduais e municipais que proíbem o preconceito e a discriminação por orientação sexual. A partir desses exemplos, podemos verificar que a sexualidade, assim como a alimentação, é socialmente construída e, dessa forma, é passível de assumir várias formas: as regras e os padrões mudam com o decorrer do tempo e da história, e de acordo com as características dos diferentes grupos sociais. Estando integrada ao modo como a cultura mais ampla pensa a existência do ser humano no mundo, a sexualidade tem a ver com religião, com gênero (relação entre homens e mulheres), com economia, com política, com moral e, também (como no caso da alimentação), com aspectos mais individuais, da ordem do desejo e do prazer. Vejamos então como algumas dessas instituições e instâncias sociais (religião, gênero, política etc.), que influenciam a construção da sexualidade, interagem no caso brasileiro. Homossexualidade não é doença: Em 1985, o Conselho Federal de Medicina retirou a homossexualidade da lista dos desvios sexuais. Ninguém pode ser obrigado a submeter-se a exames ou tratamentos visando mudar sua orientação sexual. Primeiramente, precisamos considerar que vivemos em uma sociedade extremamente plural, onde várias culturas convivem em interação e onde podemos pensar o sexo a partir de vários pontos de vista, que podem falar numa única voz ou divergirem. A construção social da sexualidade 19 Sendo assim, podemos entender tais pontos de vista como modelos1 que utilizamos para construir, entender e agir em termos da vida sexual. No caso brasileiro, a religião é um exemplo desses modelos. A moral cristã, que predomina em nosso País, de modo geral associa a sexualidade ao pecado, exceção feita apenas para fins de reprodução. Fugindo a esse padrão, qualquer outra forma de sexualidade é imediatamente entendida como pecado: o sexo anal, o sexo oral e mesmo as carícias, quando realizadas por casais heterossexuais ou por pessoas do mesmo sexo, assumem caráter pecaminoso, sendo que o peso maior desse “pecado” recai sob essas últimas relações. Há também um conjunto de imagens e idéias que cuidam de regular - e muitas vezes de modo danoso - as relações entre homens e mulheres: os sociólogos chamam esse modelo de “sistema de gênero”. A grosso modo, neste mapa os homens são concebidos como supostamente superiores às mulheres. 1 O termo modelo utilizadro nesse capítulo é entendido pelas ciências sociais por mapa ou roteiro de interação. Vale ressaltar que os valores atribuídos aos homens e às mulheres não vêm da fisiologia dos corpos, pois, como tudo na vida dos seres humanos, o que cabe aos homens e às mulheres lhes é atribuído culturalmente. Assim, esse modelo é usado para pensar e orientar a maioria das relações sociais (trabalho, vida familiar, lazer etc). Quando ele é utilizado para pensar a vida sexual, os seres humanos (sejam homens ou mulheres) são classificados em penetrantes e penetrados(as), em comedores e comidos(as), em ativos(as) e passivos(as). No entanto, há de se salientar que esse modelo não determina apenas as posições sexuais na cama,mas valora essas posições de modo que o ativo é supostamente mais poderoso e melhor do que o passivo. Mesmo quando as relações e parcerias sexuais acontecem entre pessoas do mesmo sexo, esse tipo de mapa vigora, e tende-se a identificar quem é o passivo ou ativo na relação, ou, quem é o “homem” e quem é a “mulher”. Um terceiro modelo é aquele que se preocupa, sobretudo, com a biofisiologia dos corpos e com a finalidade da sexualidade para a sociedade e para as pessoas. Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais 20 Capitulo 1 Embora calcado num discurso mais científico, esse modelo pode assumir grande carga de moralismo e assim estigmatizar (marcar negativamente) algumas pessoas simplesmente pelo fato de não se comportarem como o previsto, mesmo que tal comportamento não tenha nenhum efeito nocivo para as pessoas ou para a sociedade. Nesse modelo, na verdade, temos envolvidas várias áreas do saber: a medicina, a psicanálise, a sexologia e a psicologia, entre outras. Embora alguns desses campos do saber tenham evoluído no sentido de não mais entender a homossexualidade como crime ou como doença, o discurso higienista do começo do século parece permanecer enraizado no senso comum (conjunto de saberes utilizados, no dia-a-dia, pelas pessoas para entender o mundo) colocando a sexualidade como tendo, sobretudo, fins reprodutivos e as outras formas de sua prática vistas como doença ou perversão. Nesse conjunto, um outro modelo vale ser enfocado, já que nele o entendimento da sexualidade identifica como elemento mais importante o prazer que os corpos e as brincadeiras sexuais podem oferecer. Esse modelo considera os elementos de outros modelos, enfatizando, no entanto, a transgressão dos limites e colocando a “sacanagem” e o “entre quatro paredes vale tudo,” como pontos-chave de orientação. Nele, formas de práticas eróticas, abominadas em outros modelos, são plenamente legítimas. Portanto, o sexo oral, o cunilingus e o sexo anal são definidos como fontes privilegiadas de prazer. Outros tantos modelos podem ser identificados, incluindo aqueles utilizados por grupos específicos (por exemplo, o modo como o candomblé pensa a sexualidade). A partir desse referencial sobre a construção social da sexualidade humana o que aqui nos interessa, sobretudo, é a compreensão da relação entre sexualidade e transmissão do HIV/aids, possibilitando entender o caminho da infecção entre as pessoas com práticas homossexuais e, assim, identificar estratégias que possam ser utilizadas na prevenção das DST/ HIV/aids nesse grupo populacional. Homossexualidade e vulnerabilidade ao HIV/aids Menor risco Homossexualidade e vulnerabilidade ao HIV/aids Abstinência sexual “Todos somos responsáveis por tudo; é preciso pensar globalmente, mas agir localmente” (Betinho) Menor risco Sexo com camisinha Sexo oral sem camisinha: boca/pênis Penatrativo Sexo oral sem barreira: boca/ânus Receptivo Penatrativo Sexo com penetração sem camisinha vaginal Receptivo Penatrativo anal Receptivo Maior risco Maior risco Como sabemos, as formas de se infectar pelo HIV são pelo contato com o sangue e outros fluidos corporais. À medida que envolve o contato de vários desses fluidos (esperma, secreções vaginal e anal, sangue) com as frágeis mucosas bocal, vaginal e anal (que quase sempre apresentam fissuras durante o sexo), o ato sexual, quando praticado de forma desprotegida, possibilita a entrada facilitada do vírus no organismo humano. A importância do uso do preservativo (camisinha) durante as relações sexuais, reside no fato de ele impedir o contato entre os fluidos corporais e eventuais fissuras, barrando, dessa maneira, o caminho de entrada do vírus no corpo humano. Algumas práticas sexuais são consideradas de menor ou maior risco, por possibilitarem maior ou menor chance de infecção. O diagrama ao lado mostra a hierarquia de prevenção do HIV/aids, segundo os diferentes tipos de práticas sexuais. Sexo sem penetração (masturbação e carícias) Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais 24 Capitulo 2 Atualmente, podemos falar de práticas ou comportamentos de risco, porém, nunca de grupos de risco. O que isso significa? Significa que independentemente da orientação sexual –seja ela heterossexual, bissexual ou homossexualalgumas práticas sexuais podem levar mais facilmente à infecção pelo HIV, enquanto outras oferecem menor chance para a infecção. Contudo, alguns grupos populacionais podem, devido às desigualdades sociais, se tornar mais susceptíveis a epidemia pelo HIV/aids. Este fenômeno é chamado de vulnerabilidade social. Analisando dados epidemiológicos sobre as pessoas infectadas pelo HIV/aids, podemos identificar fatores que determinam a maior vulnerabilidade de alguns segmentos populacionais. No caso brasileiro, por exemplo, a epidemia tem crescido entre os jovens, as mulheres, no interior do País e entre pobres, continuando estabilizada em patamares elevados entre homossexuais e bissexuais. Por que isso? O que faz os homossexuais masculinos serem mais vulneráveis à epidemia do HIV/aids do que outros grupos populacionais? Já observamos que alguns dos principais modelos utilizados para a construção e entendimento da sexualidade no Brasil, vão julgar como pecado, doença ou mesmo crime, a conduta dos homossexuais masculinos e femininos –mesmo que de um ponto de vista ético, a homossexualidade não ameace a existência dos indivíduos ou da sociedade. Na verdade, são essas concepções, muitas vezes apregoadas com o intuito de manter a suposta “ordem e bons costumes”, que ameaçam a existência das pessoas, à medida que as coloca, por exemplo, em situação de maior propensão à violência e às doenças sexualmente transmissíveis, como a aids. Vejamos mais de perto, no entanto, como a maior vulnerabilidade é processada entre as pessoas com práticas homossexuais. Um primeiro ponto a ser considerado é o estigma que marca os homossexuais de forma negativa, sendo eles vistos como “marginais” – pervertidos, criminosos e pecadores – pela sociedade em geral. Esse estigma atinge diretamente a auto-estima dos homossexuais, uma vez que todos precisamos sempre do respaldo da sociedade em que vivemos para reforçar o significado de nossas atitudes. Homossexualidade e vulnerabilidade ao HIV/aids 25 A baixa auto-estima, fruto dessa valoração negativa que a sociedade impõe aos homossexuais, leva-os, muitas vezes, a vivenciarem um sentimento de inadequação social e/ou psicológica. Esse sentimento, algumas vezes evolui para distúrbios psicológicos mais graves, como a depressão e mesmo o suicídio. A baixa auto-estima também pode levar os homossexuais a optarem por via paralela a essa, apresentando uma total despreocupação no cuidado consigo próprio, que se traduz, por exemplo, pelo exercício de práticas sexuais pouco seguras. Esse estigma também pode ser associado às situações de violência física geradas, muitas vezes, pelo simples fato de o homossexual demonstrar sua orientação sexual por meio de maneirismos (da ordem do feminino ou do masculino). No caso dos homens, a questão se agrava quando na falta da possibilidade e legitimidade sociais do amor e do sexo entre iguais, eles buscam ambientes isolados e perigosos para a prática do sexo casual, correndo o risco de violência por parte da polícia, de bandidos e, por vezes, dos próprios parceiros. Tais situações geram, também, menor possibilidade de negociação do sexo seguro, como uma medida de prevenção e de cuidado com a saúde. Na verdade, o estigma afeta os homossexuais desde muito cedo. Em princípio, poderíamos esperar que a família, como um dos principais agentes na socialização dos indivíduos, fornecesse informações corretas sobre a sexualidade, dando total apoio aos jovens no início de sua vida afetiva e sexual. Porém, na verdade, observamos que quando a homossexualidade dos filhos é revelada, ocasiona a reprodução do estigma social, fazendo com que a família aja de modo danoso e até mesmo violento: essa é mais uma atitude que aumenta a situação de vulnerabilidade dos jovens homossexuais. Neste sentido, estudos entre adolescentes têm mostrado que os jovens homossexuais são mais suscetíveis aos riscos de abuso físico, problemas escolares, fuga de casa e problemas psicológicos, além da infecção pelo HIV. Mesmo na escola, onde várias campanhas voltadas para a educação sexual e a prevenção são desenvolvidas, é comum haver uma explícita discriminação contra os jovens homossexuais ou, na maioria das vezes, pouca consideração por parte dos programas informativos e dos profissionais de educação, em relação à presença de jovens com práticas homossexuais entre seu público-alvo. Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais 26 Capitulo 2 O repasse de informações é geralmente pensado e direcionado para o público heterossexual. Assim, o medo de se expôr em sala de aula faz com que os jovens homossexuais e bissexuais deixem de levantar questões próprias de seu universo, temendo retaliações ou gozações dos companheiros de sala e impedindo que suas dúvidas sejam esclarecidas. Para completar esse quadro de isolamento dos jovens homossexuais, soma-se o fato de ainda existirem muitos profissionais de saúde com uma visão preconceituosa em relação à homossexualidade, sendo, portanto, responsáveis pelo afastamento desse público usuário homossexual do serviço de saúde, negando a ele o acesso ao preservativo, à informação, aos exames e ao cuidado com a saúde. Esse mesmo estigma, observado nos jovens homossexuais em ambiente escolar, pode ser transportado para o mercado de trabalho: os jovens homossexuais e os homossexuais que demonstram sua preferência sexual com maneirismos considerados femininos, têm muito mais dificuldade de obter emprego do que os heterossexuais. Isso, muitas vezes, é um fator determinante para que eles procurem alternativas de trabalho no mercado informal, sendo o exercício da prostituição uma das opções mais freqüentes. As diferenças entre as classes sociais –que aparentemente não teriam conseqüências diretas na sexualidade do indivíduo– exercem poderosa força nesse campo. Por exemplo, uma pessoa com prática homossexual de classe média e alta tem muito mais acesso à informação e aos serviços de saúde do que aquela proveniente de classes sociais mais desfavorecidas. Da mesma forma, quando cruzamos a homossexualidade com as relações raciais existentes na nossa sociedade, podemos perceber que os homossexuais negros estão em situação de maior vulnerabilidade social do que aqueles de cor branca. Outro ponto importante a se considerar é o fato de muitos homens que mantêm, ocasionalmente ou freqüentemente, práticas homossexuais não se reconhecerem como homossexuais ou bissexuais. Uma das principais conseqüências desse fato associa-se à maior vulnerabilidade desses homens ao HIV/aids, já que não se sentem sujeitos à infecção. Aqui, a ação da ideologia do gênero, que divide os seres em ativos e passivos, exerce sua força, agindo também na hora da negociação do uso do preservativo: não é raro que os ativos, por se considerarem homens e/ou heterossexuais (e assim supostamente imunes ao HIV), se neguem a usar o preservativo com seus parceiros e parceiras (fixos ou ocasionais). Homossexualidade e vulnerabilidade ao HIV/aids 27 Para falar das expressões da homossexualidade ou das identidades sexuais é preciso enfatizar a distinção entre as práticas sexuais (fazer sexo com pessoas do mesmo sexo) e os papéis e crenças socialmente compartilhadas e utilizadas pelas pessoas para se apresentarem diante de grupos e pessoas. É preciso, sobretudo, colocar a homossexualidade no plural e se falar em homossexualidades. Contudo, também devemos considerar que identidade não é apenas construção pessoal. As pessoas constróem suas identidades a partir do que lhes é oferecido coletivamente: usam rótulos (por exemplo, os termos veado, homossexual, entendido, boiola, maricona, frutinha, copinho, lésbica, gay, sapata, lady, bicha, biba, homem, macho etc) e códigos (maneirismos, linguajar, vestuário etc) construídos socialmente para informar à coletividade e a determinadas pessoas, sua orientação sexual e como se percebem enquanto indivíduos. Chamamos isso de estereótipos. Por exemplo, há homossexuais masculinos que no cotidiano se comportam e usam vestimentas consideradas femininas, para demonstrar sua orientação sexual (são nomeados como pintosas ou fechativas); outros se “transformam” usando roupas femininas apenas para realizar shows em boates (os transformistas); há aqueles que se travestem por se perceberem interiormente mulheres, a despeito da anatomia dos seus corpos (travestis); e ainda outros que se mostram fisicamente super masculinizados para demonstrar que são ativos (bofes). Mas é preciso observar que nem sempre o estereótipo que associa a masculinidade com atividade e feminilidade com passividade, condiz com as preferências concernentes às práticas sexuais vividas entre quatro paredes: podemos encontrar, por exemplo, o homem super masculinizado que gosta de ser penetrado e aquele efeminado que é ativo na relação sexual – ressaltando ainda que nem sempre a relação sexual funciona à base da penetração, existindo relações homossexuais que se concretizam por meio de carícias e/ou masturbação. Tudo irá depender das especificidades do local e das características culturais das comunidades. Essa é mais uma razão para que o trabalho de educação em saúde sexual priorize a atenção no modo pelo qual as pessoas expressam, em termos de identidade, suas homossexualidades. Ou seja, deve-se observar os maneirismos, as roupas, o linguajar e os rótulos utilizados para nomear as diferenças encontradas e as crenças que justificam a pluralidade de expressões da homossexualidade. Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais 28 Capitulo 2 É preciso, ainda, destacar a importância de se pensar em outro uso para o termo identidade: todos nós usamos rótulos sociais para classificar os outros, mesmo que estes não se percebam em tal classificação. Devemos ter clareza de que, embora seja realmente importante a mobilização em torno da garantia da identidade homossexual - visando ao fortalecimento da luta pelos direitos humanos - nosso objetivo nas ações de educação é repassar informações sobre saúde sexual e prevenção das DST/HIV/aids. Assim, nesse trabalho procura-se obter mudanças das crenças (o que são as doenças sexualmente transmissíveis, o HIV, o modo como se transmite e o que leva as pessoas, e sobretudo os homossexuais, a se tornarem mais vulneráveis à infecção) e dos comportamentos (prática do sexo mais seguro) a fim de controlar o avanço da epidemia. Nesse processo, é fundamental considerar e respeitar a forma pela qual cada um dos sujeitos das intervenções se dizem e se pensam. Muitas vezes, a ênfase dada a determinada terminologia (homossexual, HSH ou gay, por exemplo) pela qual algumas pessoas não se reconhecem (ou possuem mesmo verdadeira aversão) pode levar o trabalho de educação |em saúde sexual a não surtir o efeito desejado. Cabe enfatizar que se queremos verdadeiramente avançar rumo a uma sociedade mais igualitária e saudável em todos os sentidos, devemos lutar cada vez mais, para que princípios que garantam a vida e qualidade de vida das pessoas, independentemente de sua orientação sexual, prevaleçam na (re)construção de modelos que possibilitem a interação social de forma mais justa e solidária. Podemos refoçar, portanto, que o repasse de conhecimentos sobre saúde sexual e prevenção do HIV/aids só surtirá o efeito desejado (ou seja, mudança de crenças e de comportamentos a fim de controlar a epidemia) se conseguirmos refletir e nos conscientizar coletivamente (nós, multiplicadores de informação e a comunidade em que trabalhamos) sobre o papel das desigualdades sociais na trajetória da epidemia; se conseguirmos agir em favor da vida e da qualidade de vida das pessoas, independentemente de orientação e da identidade sexual, percebendo e mostrando como as desigualdades sociais e algumas perversas proposições morais agem de modo danoso, colocando em risco a vida das pessoas e da sociedade e, se conseguirmos desenvolver o sentimento comunitário e de solidariedade, fomentando ações em favor do resgate da cidadania plena para toda e qualquer pessoa (homens e mulheres; homossexuais, bissexuais e heterossexuais; transgêneros e transexuais; pessoas soropositivas e soronegativas; crianças, jovens, adultos e idosos). Homossexualidade e vulnerabilidade ao HIV/aids 29 Por outro lado, se o trabalho de educação em saúde sexual e prevenção das DST/HIV/aids for realizado de forma que as informações sejam sempre relacionadas às linhas de desigualdade social já descritas aqui, as pessoas poderão perceber que sem uma mobilização coletiva não há como quebrar tais desigualdades que têm vulnerabilizado os homossexuais – seja frente ao HIV/ aids, seja com a violência ou com outras formas de exclusão social. Também poderão perceber afinidades -podendo não ser, necessariamente, associadas à identidade ou comportamento sexuais- que as unem, sobretudo pelo fato de terem seus direitos diminuídos e assim sua qualidade de vida ameaçada. Assim, as pessoas-alvo de nossa intervenção buscarão uma maior integração nas diferentes frentes de luta existentes, voltadas para a garantia da cidadania. No caso de não se conseguir concretizar essa realidade com tal grau de mobilização das pessoas, o sucesso na divulgação de informações corretas sobre a homossexualidade, o sexo mais seguro e a infecção pelo HIV/aids aos mais longínquos lugares do País, já determina a importância do trabalho de educação em saúde sexual e prevenção das DST/HIV/aids. Expressões das homossexualidades Expressões das homossexualidades Sentir desejo por pessoas do mesmo sexo não significa dizer que todos pensam e agem de forma idêntica. Como já vimos, da mesma forma que existem diferenças no processo alimentar, há diversas formas de viver a homossexualidade. A diversidade existente, por exemplo, na expressão da heterossexualidade, é encontrada também na homossexualidade, que possui diferentes formas de compotamento, estilos de vida e estereótipos. Ser homossexual ou gay não é, portanto, somente sinônimo de uma maior feminização, assim como ser heterossexual não pressupõe apenas a existência de figuras masculinizadas ao extremo. Os homossexuais podem ser divididos em três grandes grupos: os gays, os bofes e os garotos de programa. Nesse capítulo o principal desafio é identificar e compreender essas diferentes expressões da homossexualidade. No entanto, para completar esse conjunto de informações, a descrição das características de lésbicas, travestis e transexuais também foram elementos incorporados, uma vez que são maneiras de expressar a sexualidade, tema principal para o trabalho de prevenção das DST/HIV/aids. Ser homossexual ou gay não é, portanto, somente sinônimo de uma maior feminização, assim como ser heterossexual não pressupõe apenas a existência de figuras masculinizadas ao extremo. Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais 34 Capitulo 3 A palavra gay (popularmente sinônimo de bicha ou entendido) muito utilizada para definir os homossexuais masculinos no geral, é o termo universal preferido pelos homossexuais do mundo inteiro e, define um comportamento variado de viver, incluindo outras categorias: os enrustidos, as fechativas, os assumidos e os militantes. Além de conhecer as características de cada uma dessas categorias, é preciso ter cuidado para empregar cada um dos termos apresentados aqui, seja no convívio com os homossexuais, seja nas ações de prevenção: entre o grupo tais termos são usados com frequência e naturalidade, porém, se usado por pessoas externas ao grupo podem ser encarados como insultos. Os gays enrustidos (ou incubados) são considerados integrantes de uma grande parcela da população masculina. Esse é o gay que não se assume ou mesmo que não percebe sua homossexualidade. São vários os motivos para que isso ocorra: a rejeição familiar, o medo da perda de emprego e amigos, as restrições religiosas etc. Entre os enrustidos estão os bissexuais: homens casados ou não, que levam uma vida dupla procurando gays, garotos de programa ou travestis para relações sexuais esporádicas. Nessa categoria dos enrustidos, encontra-se tanto o entendido -que é exclusivamente homossexual, mas que só se assume nos guetos ou locais de frequência homossexual- como também o homem que pertence, de fato, ao universo heterossexual (podendo ser pai de família, casado, noivo etc), mas que precisa realizar desejos da ordem da homossexualidade (mesmo que não tenham ou admitam essa identidade). Nessas duas categorias, o trabalho de promoção da saúde sexual e prevenção das DST/HIV/aids torna-se bem mais difícil, seja pelo pouco acesso e visibilidade dessas categorias, seja pelas naturais dificuldades em conciliar a vida dupla que levam. Os assumidos se dividem em bichas fechativas, entendidos e militantes. Os mais visíveis socialmente são aqueles rapazes bem feminilizados que não têm como esconder sua androginia psicossocial, embora não se vistam de mulher (também se chamam entre si, de monas se jovens ou mariconas, se idosos). Como o próprio nome já diz, as bichas fechativas (ou bichinhas) são aquelas que se mostram e se exibem, se situando indefinitivamente na fronteira entre o masculino e o feminino. Expressões das homossexualidades 35 Por isso também sofrem grande discriminação e são alvo de atos de violência. Essa é muitas vezes a primeira etapa de comportamento para chegar a se assumir como travesti. Geralmente as fechativas não mantêm relações sexuais entre si, estando sempre à procura do homem super masculinizado, ou o bofe. Entre os assumidos que necessariamente não são efeminados, estão os entendidos: homens ou rapazes que gostam de outros homens iguais a si, que têm identidade homossexual e que decidiram se assumir socialmente (ou, sair do armário). Geralmente, os entendidos são independentes de suas famílias, trabalham e têm um bom nível socioeconômico e cultural. Podem ser facilmente encontrados e acessados em locais de freqüência homossexual (bares, boates, saunas, cinemas) ou em outros ambientes não específicos da classe (empresas, organizações não-governamentais, serviços públicos, escolas, universidades etc). Ainda entre os assumidos, há o grupo dos gays militantes ou ativistas, que têm vínculos com os grupos de defesa dos homossexuais e que, além de ter a identidade homossexual, se mostram e destacam como figura pública. O ativista cumpre o papel de ser representante da classe, protagonista das ações voltadas para a defesa dos direitos humanos, para a promoção da saúde e para o enfrentamento da epidemia pelo HIV/aids. Essa categoria, portanto, é extremamente importante para o trabalho de prevenção das DST/HIV/aids, devendo ser sempre parceira das ações nesse campo. Uma outra categoria é constituída pelos bofes: homens e rapazes com aparência masculina, que não se assumem como gays, mas que mantêm relações sexuais (ocasionais ou freqüentes) com gays ou travestis. Essa categoria se divide no bofe heterossexual exclusivo (que por curiosidade transou uma ou duas vezes com homossexuais, mas por não ter gostado da experiência, se assumiu definitivamente como heterossexual), no bofe bissexual (que gosta de transar igualmente com gays e com mulheres, sem interesse comercial) e no bofe profissional (grupo que se divide entre aqueles que ocasionalmente transam com gays em troca de dinheiro ou presentes e aqueles que exercem a prostituição como profissão). Aqueles que integram este último grupo do bofe profissional também são chamados de garotos de programa ou michês. Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais 36 Capitulo 3 A prática da prostituição masculina é muito menos institucionalizada do que a feminina, assim os garotos de programa são mais marginalizados socialmente, seja pelo exercício da sua atividade profissional, seja pelo fato de se relacionarem com outros homens sexualmente. Outra diferença que se destaca entre estes dois cenários, é a habitual ausência dos gerentes sexuais (ou cafetão) no universo dos garotos de programa. Por outro lado, assim como acontece no contexto feminino, a prostituição masculina passa também pela clandestinidade, se manifestando sob formas legais ou semi-legais (as casa de massagem, os bordéis, as saunas, os serviços em domicílio por meio de anúncios de jornal e internet), que muitas vezes substitui a rua como única opção para ponto de prostituição. Mas é preciso também considerar que os garotos de programa são nômades, não restringindo suas atividades a um único ponto e transitando entre esses dois universos da prostituição (de rua e locais fechados). Um considerável número de garotos de programa não são ou não se consideram homossexuais e, essa recusa muitas vezes valoriza ou atende aos desejos de seus clientes que têm fantasias em manter relações sexuais com um suposto heterossexual disposto a uma experiência homossexual. Em geral, a faixa etária clássica para o exercício da prostituição masculina oscila entre 15 e 25 anos, sendo que os clientes desse comércio sexual têm idade média acima de 35 anos. Na relação prostituto-cliente, na prostituição masculina, a superioridade socioeconômica do cliente é compensada pela valorização do “garoto de programa” super másculo e viril, em detrimento da inferiorização do cliente que é homossexual. Por fim, cabe salientar que nem todos os garotos de programa exercem a prostituição como única fonte de subsistência. Alguns moram com a família, outros têm trabalho fixo e, nesses casos, a renda da prostituição é considerada como um complemento para as despesas mensais, para saldar dívidas ou para concretizar algum objetivo de consumo. Esses são os garotos de programa ocasionais. Como toda classificação, essas informações sobre as principais categorias dos homossexuais no Brasil pode, muitas vezes, restringir a diversidade e a complexidade existente nas diversas realidades locais. Assim, esta síntese deve ser considerada como ponto de referência para o trabalho de educação em saúde sexual e prevenção das DST/HIV/aids, sendo necessário observar e verificar se tais tipologias são compatíveis com o contexto onde a ação será desenvolvida. Expressões das homossexualidades Lésbicas Lésbicas As lésbicas –como outras expressões das homossexualidades vistas nesse capítulo– não se constituem em grupo homogêneo, uniforme, com a mesma identidade, organização, comportamentos e características. Assim, as primeiras perguntas que surgem em relação às mulheres que fazem sexo com mulheres são: como identificar e quem são as lésbicas? Sem hesitar, podemos dizer que elas são nossas avós, mães, tias, filhas, a vizinha do apartamento ao lado, a dona da padaria, a colega de estudos ou de trabalho, a médica da família, a professora de nossos filhos, a engenheira, a vereadora, a ativista, a prostituta etc. Com quem elas se parecem? Com qualquer mulher, de qualquer raça, de qualquer idade, e qualquer altura, de qualquer peso, de qualquer aparência. Como se vestem? De forma esportiva, formal, sofisticada, de vestido, de calça comprida, sem maquiagem, com alguma ou muita maquiagem. São, enfim, simplesmente mulheres que se sentem atraídas por outras mulheres em diferentes momentos de suas vidas (na adolescência, na vida adulta, na terceira idade), ou por toda a vida, seja de forma exclusiva ou não. Em geral, sentem sua inclinação sexual por outras mulheres na adolescência, mas, sobretudo por causa do preconceito e da repressão familiar, muitas não concretizam seus desejos nessa época, só iniciando namoros na idade adulta. Algumas namoram rapazes primeiro, às vezes até casam, têm filhos, descasam, casam de novo e, por fim, decidem-se por uma parceira, ou porque tiveram finalmente coragem de viver sua orientação sexual ou simplesmente por haver se apaixonado. Outras, ainda, vão encontrar o amor na pessoa de outra mulher já quando avós e com esse amor vivem até o resto de seus dias. Isso sem falar nas mulheres que, durante toda a vida, alternam parceiros e parceiras, e aquelas que, mesmo casadas com homens, mantêm também relações com outras mulheres. As diferentes visões que essas mulheres têm de si mesmas dependem de suas diferentes experiências de vida, onde estão inclusas a questão racial, de classe, de nível educacional e, de aspectos inteiramente subjetivos como personalidade e temperamento individuais. Algumas podem até introjetar as antigas visões da homossexualidade como doença ou, se tiverem formação religiosa tradicional, como pecado. 37 Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais 38 Capitulo 3 A grande maioria, contudo, considera-se perfeitamente normal e, cada uma a seu modo, procura lutar contra o preconceito. As mais ativistas, atuantes em movimentos de direitos humanos e pela livre orientação sexual, costumam identificar-se como “lésbicas”, palavra resgatada das diferentes acepções negativas que o termo assumiu no passado, e redefinida positivamente a partir de sua origem, ligada à poetisa Safo de Lesbos, que escreveu versos em louvor de suas pupilas no final do séc. VII a.C.. Algumas preferem chamar-se de sapatas, outra palavra resgatada da acepção negativa do termo “sapatão”, e redefinida positivamente, inclusive com abreviações e diminutivos como “sap” e “sapinhas”. Outras preferem denominarse entendidas ou como homossexuais (sem a conotação de enfermidade) e gays (essas duas últimas denominações, embora mais aplicadas para e por homens, também são utilizadas por algumas mulheres lésbicas). Embora possamos detectar avanços em relação ao acesso à informação, à educação e à saúde, muitas lésbicas –como a grande maioria das brasileiras heterossexuais– ainda desconhecem o próprio corpo, seus direitos humanos, sexuais e reprodutivos e as diferentes especificidades de sua saúde. Ainda é possível, por exemplo, encontrar mulheres –lésbicas ou não– que nunca ouviram falar de suas doenças específicas ou da necessidade de realizar exames ginecológicos e de prevenção periódicos e regulares. Mesmo considerando que a disseminação de doenças sexualmente transmissíveis entre lésbicas ainda esteja inserida na categoria de “baixo risco”, não podemos inferir que esse grupo é inume à infecção pelas DST/aids. A violência sofrida pelas lésbicas é histórica, se manifesta de diferentes formas, em vários campos e é considerada uma grave violação da Declaração Universal dos Direitos Humanos. A origem da violência contra as lésbicas pode ser vinculada à imposição do modelo de sociedade patriarcal e machista, onde a heterossexualidade é colocada como única possibilidade aceita social e culturalmente para o exercício da sexualidade. Assim, a heterossexualidade é imposta às mulheres (por meio dos diferentes modelos de interação social -família, escola, meios de comunicação etc) e, portanto, considerada como a maior violência sofrida pelas lésbicas. É importante destacar esta questão para que possamos melhor compreender os principais problemas vivenciados por essas mulheres, em relação à manutenção de sua saúde. Expressões das homossexualidades Lésbicas Dado o preconceito dos profissionais de saúde contra a homossexualidade e a idéia de que mulheres que se relacionam com mulheres não precisam de cuidados ginecológicos, as mulheres lésbicas vão menos aos ginecologistas e estes solicitam menos exames (como por exemplo o Papanicolau), além de perguntar ou não perguntar nada sobre a vida sexual das pacientes. Não há nada nas relações entre mulheres que as torne imunes a quaisquer doenças. O baixo nível de DST apresentado entre essa população, deve-se simplesmente ao fato de as relações se darem, geralmente, com uma única parceira por períodos de tempo prolongados, o que dificulta a disseminação de doenças. Mulheres que se relacionam com mulheres que têm várias parceiras, em curto período de tempo, correm o mesmo risco que qualquer outro segmento populacional, se não praticar sexo seguro, de contrair doenças sexualmente transmissíveis de forma mais freqüente. Assim, as doenças sexualmente transmissíveis também podem estar vinculadas às relações lésbicas, incluindo aí a aids. Porém, em se tratando desta última doença, existem poucos casos registrados no Brasil e no mundo, cujo agente de infecção seja única e exclusivamente a relação sexual lésbica. Assim percebemos como pode ser complicado, para um profissional de saúde, deixar se levar pelas idéias que tem sobre todas as mulheres serem heterossexuais ou sobre o que seria uma lésbica, em vez de perguntar simplesmente com quem a paciente se relaciona e como se relaciona. Na formação da visão estereotipada sobre as lésbicas, percebemos que entram componentes como a homossexualidade ser sinônimo de doença -implicando a imagem de uma mulher sempre masculinizada e desequilibrada– ou que as mulheres são menos sexuais do que homens ou mesmo assexuadas (devido à inexistência da relação pênis-vagina). Enfim, a partir do relato das pacientes a/o profissional de saúde pode indicar um tratamento que leve em consideração fatores palpáveis, como com quem a mulher se relaciona e como, idade, época em que começou a menstruar ou parou de menstruar, se já amamentou ou não, além do exame clínico-padrão. 39 Deve se ter em mente que as relações entre mulheres também possibilitam a transmissão de doenças sexuais e informar as mulheres de como preveni-las (recomenda-se para sexo seguro uso de luvas de látex para penetração e de barreira também de látex, feitas a partir de camisinhas, para sexo oral) bem como prevenir o câncer de mama pela prática do auto-exame mensal para detecção de nódulos. Como a maior parte das mulheres que se relacionam com mulheres não têm filhos e não amamentaram -e esse fator vem sendo considerado como fator de risco para esta enfermidade-, tal recomendação se torna particularmente importante. O/a profissional de saúde também deve lembrar que os exames de pacientes lésbicas precisam ser completos, incluindo coleta de secreção para exame de Papanicolau, exame das mamas, exame de toque, além da recomendação de visitas ginecológicas periódicas. Os direitos humanos das mulheres que se amam passam, intrinsecamente, pela questão dos direitos da mulher, sendo a livre orientação sexual parte da luta pelos direitos sexuais de todas as mulheres. A luta das mulheres lésbicas tem de se dar, necessariamente, em duas frentes: a da igualdade entre os sexos e a do fim das restrições à sexualidade feminina, em que se inclui o fim das restrições às práticas sexuais entre mulheres. Evidentemente, as lutas pela igualdade dos direitos das pessoas homossexuais, no que se refere à garantia de trabalho, de acesso à saúde, bem como de direito à propriedade, à sucessão patrimonial, benefícios previdenciários, entre outros direitos, também beneficiam as mulheres que se relacionam com outras mulheres. Para uma correta análise e compreensão das vivências lésbicas e um adequado encaminhamento das questões dessa população, faz-se necessário, portanto, que busquemos transcender os rótulos utilizados para defini-la e passemos a trabalhar com as mulheres reais que a conformam em sua imensa variedade. Precisamos transcender a idéia de que as lésbicas não são mulheres de verdade e que suas práticas sexuais seriam sinônimo de doença, anormalidade ou pecado. Expressões das homossexualidades Lésbicas Nas últimas décadas, grupos e ativistas lésbicas vêm se mobilizando de diferentes formas para garantir sua participação e visibilidade em encontros nacionais e internacionais, em debates e seminários e na mídia. Essa estratégia, somada a outras desse movimento social, é considerada de extrema importância para refletir, esclarecer e aprofundar questões relacionadas à melhoria da condição de vida das lésbicas. Nesse sentido, é importante destacar alguns dos fatos da trajetória desse movimento, como sua participação em 1980 na passeata de protesto contra a violência policial, homofóbica e racial cometidas por delegado de polícia de São Paulo, e, sua aliança com o movimento negro em 1993 para protestar publicamente contra a discriminação racial e por orientação sexual. Além disso, não se pode deixar de ressaltar a participação de ativistas lésbicas nas comemorações do dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Como veremos mais adiante, a organização social das lésbicas acontece no final da década de 70, em São Paulo, a partir da criação de uma ”facção lésbica-feminista” no Somos -Grupo de Afirmação Homossexual, primeira instituição do gênero formada no Brasil. Em maio de 1980, devido a divergências políticas, essa facção se desvincula do Somos, tornandose um grupo independente de curta duração, que, no entanto, gerou um outro, o Grupo Ação Lésbica Feminista, cujas atividades se prolongaram até 1990. Nos anos 80, outras tentativas de organização não conseguiram se sustentar, mas, a partir da década de noventa, vários grupos, em distintos pontos do País, consolidaram-se e vêm apresentando uma atuação marcante na luta pela visibilidade e cidadania das lésbicas. Travestis Falando em sexualidade humana, conhecemos dois gêneros (o masculino e o feminino) e os travestis são aquelas pessoas que incorporam esses dois gêneros, sendo o homem/mulher ou o macho/fêmea. As travestis são também pessoas com características que propiciam maior visibilidade perante a sociedade, sendo portanto, mais facilmente discriminadas. 41 A travesti é um homem, no sentido fisiológico, mas se relaciona com o mundo como mulher: seu corpo é moldado com formas femininas, socialmente exerce o papel da mulher e usa seu órgão genital em suas relações sexuais, podendo inclusive exercer papel sexual ativo. A travesti é um homem, no sentido fisiológico, mas se relaciona com o mundo como mulher: seu corpo é moldado com formas femininas, socialmente exerce o papel da mulher e usa seu órgão genital em suas relações sexuais, podendo inclusive exercer papel sexual ativo. Com a travesti, o sexo erótico ultrapassa as barreiras do sexo biológico, na busca não apenas do prazer, mas também de uma identidade específica, ousando derrubar alguns limites sociais com a transformação de seu corpo. No entanto, geralmente não definimos se travesti é um homem ou uma mulher, ela é uma travesti, o que a faz única no contexto social. Na relação das patologias psiquiátricas ainda consta o termo travestismo, lembrando que o sufixo “ismo” significa disfunção ou desvio. O travestismo é, portanto, considerado pela medicina como um desvio de conduta. Por não considerar essa patologia imposta, as travestis usam o termo travestilidade como forma de suprimir o peso implícito de doença, vinculado à essa expressão da homossexualidade. Expressões das homossexualidades Travestis Mas, para a medicina, ser travesti ainda é sinônimo de ser portador de “transtorno de preferência sexual”, sendo este transtorno descrito no Código Internacional de Doenças (CID) por duas classificações patológicas1: “travestismo fetichista” 2 e “transtornos múltiplos da preferência sexual” 3. Embora tais classificações internacionais não sejam seguidas ao pé da letra pela psicologia clínica - tendo sua função voltada para a instrumentalização e padronização da linguagem de relatórios administrativos- são formas de definição das travestis que refletem conceitos e padrões usados pela sociedade, fazendo com que elas continuem tendo sua condição associada à anomalia e reforçando, ainda mais, o preconceito social. Para as travestis também existem várias formas de expressão, contemplando no seu universo tipos diferentes de identificação. Porém, a principal característica que permeia esse universo é abrigar num corpo masculino, espírito e mente femininos e possuir a genitália masculina, que não lhe traz nenhum constrangimento. 1 As travestis vivem a bissexualidade dentro da homossexualidade, ou seja, são ativas e passivas (penetram e são penetradas), incorporando em um mesmo corpo físico e mental, o masculino e o feminino, forma dúbia que é expressa na sua própria aparência. A grande maioria das travestis feminilizam seus corpos graças à ingestão de hormônios ou aplicações de silicone (ser bombada) e se apresentam cotidianamente como mulheres, incorporando vestuário, nomes e trejeitos da ordem do feminino. Nesse universo, no entanto, também existem as transformistas, homens que se travestem (ou se montam) para fazer shows ou performances artísticas, mas que no cotidiano se vestem e se portam como homens, mantendo em segredo essa vida dupla. As transformistas podem, eventualmente, optar por se travestir visando ao exercício da prostituição (batalhar ou fazer pista). As drag-queens são aquelas que se travestem numa condição exagerada e/ou humorística da imagem feminina -seja para realizar shows, seja para se realizar e divertir as pessoas- a partir de formas satirizadas de representar a mulher. E, por fim, as cross-dresser que são homens sem orientação homossexual que se vestem de mulher para realizar fantasias e desejos sexuais com suas parceiras. CID-10 - F65.1 e F65.6 2 “Vestir roupas do sexo oposto, principalmente com o objetivo de obter excitação sexual e de criar a aparência de pessoa do sexo oposto. O travestismo fetichista se distingue do travestismo transexual pela sua associação clara com uma excitação sexual e pela necessidade de se remover as roupas uma vez que o orgasmo ocorra e haja declínio da excitação sexual. Pode ocorrer como fase preliminar no desenvolvimento do transexualismo”. 3 “Por vezes, uma pessoa apresenta mais de uma anomalia de preferência sexual sem que nenhuma delas esteja em primeiro plano. A associação mais freqüente agrupa o fetichismo, o travestismo e do sadomasoquismo” . 43 Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais 44 Capitulo 3 Muito cedo, grande parte das travestis se distancia da família devido à rejeição familiar existente em relação a sua orientação sexual. Com poucas exceções, a família é ainda mais intolerante com essa forma de expressão da homossexualidade, dificultando ou impedindo a convivência familiar para as travestis. A expulsão de casa, atitude bastante comum no histórico pessoal das travestis, leva-as a buscar na prostituição de rua seu meio de subsistência. Por vezes, com o passar do tempo, a atitude intransigente da família é substituída por certo grau de aceitação, advindo principalmente pela ajuda financeira que grande parte das travestis fornece aos seus parentes mais próximos. Mesmo com isso, é comum a travesti viver distante do ambiente familiar, sendo a mãe seu único contato com a família. Resultados de pesquisa realizada junto a 165 travestis de Fortaleza4, mostram que 66% delas têm a pratica do sexo comercial como sua exclusiva fonte de renda, 90% fazem programas (mesmo que eventualmente) e 40% são arrimo de família, mantendo com seu trabalho seus familiares. Por outro lado, as travestis, de uma forma geral, possuem baixa escolaridade, visto que o processo de hormonização e/ou aplicação de silicone no corpo para torná-lo mais feminino, se inicia ainda na adolescência, sendo difícil suportar, portanto, as chacotas ou violências que este processo gera no ambiente escolar. Esse fato é determinante para o abandono dos estudos muito cedo, ocasionando baixa ou nenhuma qualificação educacional e profissional das travetis. Para o trabalho de educação em saúde sexual e prevenção das DST/HIV/aids é preciso conhecer outra particularidade do universo das travestis: exercendo ou não a prostituição, elas utilizam linguagem própria que acrescenta ao português várias palavras e/ou expressões do candomblé, do nagô e do iorubá, criando assim um “dialeto” próprio que usam no seu cotidiano5. É comum, por exemplo, a utilização de frase como “não aquedar no ilê ocó que não cata” ou “aquendar o baco só com ochó de neca”, o que traduzindo quer dizer “não levar para casa um homem que não conhece” e “transar só com camisinha”. Para além dessa característica, observa-se que o período noturno facilita o acesso ao grupo, que se concentra geralmente em pontos de prostituição ou bares. 4 Grupo de Resistência Asa Branca., 2001 5 Maiores informações sobre essa linguagem podem ser encontradas na cartilha “Diálogo das Bonecas”, do Grupo Astral do Rio de Janeiro, 1998. Expressões das homossexualidades Travestis “Na calada da noite voam as borboletas e as sereias mostram suas curvas, como fruto proibido e de fácil acesso erótico” 6. Uma vez que a maioria das travestis exerce a prostituição como profissão, a noite é o espaço para contato com elas, sendo que para o trabalho de prevenção das DST/HIV/aids se deve observar basicamente as mesmas características que encontramos junto às profissionais do sexo (dificuldade na adesão às atividades feitas durante o dia, pouca disponibilidade de tempo e/ou atenção para ações que acontecem durante o período de batalha, baixa auto-estima, pouca aceitabilidade para materiais informativos com textos longos e sem ilustração, pouco ou nenhum acesso aos serviços de saúde etc). Estando grande parte desse segmento populacional inserido na prostituição de rua, sua vulnerabilidade em relação à infecção pelo HIV/aids é bastante expressiva, devido à possibilidade de práticas sexuais de maior risco - como por exemplo, o sexo anal desprotegido mediante acréscimo no valor do programa - e também às constantes aplicações de silicone - feitas em grande parte sem seguir princípios básicos de higiene e biossegurança. 6 DUTRA, Janaína., 2000. Assim, o trabalho de promoção à saúde e prevenção das DST/HIV/aids deve pautar-se não só na promoção do uso do preservativo em todas as relações sexuais, mas também na redução de danos à saúde, devido à utilização de hormônios e silicone. Além disso, qualquer intervenção comportamental no campo da prevenção das DST/HIV/aids junto às travestis, deve levar em consideração que apenas a distribuição de preservativos e o repasse de informação não determinam a mudança de comportamento ou a redução dos índices de infecção. É fundamental que o trabalho com este grupo populacional priorize também – e muito mais que em outros grupos – ações paralelas voltadas para a melhoria da qualidade de vida, para o aperfeiçoamento e/ou formação profissional, para maior acesso à educação e, para a promoção dos direitos humanos. A parcela de travestis que não vive da prostituição está ligada às profissões da área da estética feminina (como cabeleireira, maquiadora ou manicure) ou, são costureiras e empregadas domésticas. Há também, atualmente, um conjunto de travestis que desempenha funções sociais, a partir do vínculo com grupos homossexuais e/ou associações de classe. 45 Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais 46 Capitulo 3 Nesse sentido, a trajetória da epidemia pelo HIV/aids viabilizou a inserção e a participação efetiva das travestis nas ações de prevenção e/ou assistência desenvolvidas pelas organizações não-governamentais. Assim, durante os últimos dez anos, percebe-se uma maior organização das travestis em movimento social, que conta, em 2001, com doze associações não-governamentais específicas em todo o País. Essas associações de classe permitem o desenvolvimento de ações no campo da promoção à saúde e à prevenção das DST/aids, além da ampliação de sua atuação com atividades voltadas para a garantia de renda alternativa (com cursos de corte e costura, artesanato, nutrição e informática) e acesso ao ensino regular. Dessa forma, o exercício da cidadania e a luta contra o preconceito e a discriminação são duas questões básicas que devem ser vinculadas ao trabalho de educação em saúde sexual e prevenção das DST/HIV/aids junto às travestis. Nesse sentido, é preciso sempre considerar que, a esse grupo específico, se vincula uma maior carga de discriminação por parte da sociedade, dos profissionais de saúde e do próprio meio homossexual, bem como maior índice de violência por parte de policiais e de clientes. 7 Boletim do Quiimbanda-Dudu, do Grupo Gay da Bahia, 2001 – número 3. Historicamente duas travestis se destacaram pelo pioneirismo e pela ousadia de suas atitudes. Nesse sentido, a primeira a ser lembrada é Madame Satã (João Francisco dos Santos), nascida em 1900. Cozinheira, garçonete e estrela do teatro rebolado nos anos 30, Madame Satã foi figura contraditória na sociedade da época, sendo pioneira na determinação de ir contra os padrões heterossexistas e na defesa do orgulho de ser uma travesti. Embora tenha enveredado por caminhos da marginalidade e da violência, Madame Satã certamente foi percursora da afirmação do direito à androginia7. A segunda travesti que não pode deixar de referendada é Brenda Lee (Cícero Caetano) assassinada em 1996, por seu companheiro, em função de disputa por seus recursos financeiros. Brenda Lee foi a primeira travesti a disponibilizar espaço de convivência e moradia para as travestis infectadas pelo HIV e/ou doentes de aids, em São Paulo. Criou, portanto, a primeira casa de apoio que até hoje abriga pessoas excluídas do meio social e familiar, e que vivem com HIV/aids. Por fim, não podemos deixar de registrar nesse Guia, uma referência ao Grupo Astral do Rio de Janeiro, e à Geovana Baby, pelo importante papel social e atuação política na construção e consolidação do movimento brasileiro das travestis. Expressões das homossexualidades Travestis Essa organização política e social das travestis, embora seja fato recente como trajetória de movimento social organizado, atualmente busca abrir espaços de atuação e garantir maior respeito à cidadania das travestis. Considerando as dificuldades existentes no campo da profissionalização e da educação, essa organização social é um processo mais difícil e lento, dependendo também de uma maior qualificação, amadurecimento e mobilização das travestis. Em que pese esse fato, as travestis já possuem associações de classe, definindo assim um movimento social específico já que não pertencem e não desejam ser tuteladas por outros existentes, como o de mulheres, o das profissionais do sexo e o movimento homossexual. A constituição e crescente atuação desse movimento social das travestis deve ser, portanto, uma estratégia reforçada e fortalecida pelo trabalho de prevenção das DST/HIV/aids, visando maior sensibilização e adesão às práticas preventivas e ao cuidado com a saúde. 8 Transexuais Sabemos que o sufixo “ismo” indica doença ou patologia na área médica. No caso do transexualismo, ele é classificado como uma patologia que em como denominação médico-científica o termo “disforia de gênero”. A palavra disforia pode ser traduzida como um “desconforto”, nesse caso especifico, um desconforto de gênero. Na lista do Código Internacional de Doenças - CID, a disforia de gênero aparece sob número F.64.0, da resolução de 1993. O indivíduo transexual tem como característica principal o desejo constante e intenso de modificar seu sexo genital. Entendese que uma pessoa transexual 8 possui a genitália de determinado sexo (masculino ou feminino), porém, sua psique é oposta a ele. Assim, o transexual homem para mulher é aquele que nasceu com a genitália masculina (pênis), mas sua psique é feminina (se mulher para homem, temos uma pessoa que nasceu com a genitália feminina (vagina), mas sua psique é masculina, determinando que ela se perceba interna e externamente como um homem). Para facilitar o entendimento do tema e a própria leitura, ao longo desse texto iremos utilizar os termos: a/uma transexual (transexual homem para mulher), o/um transexual (mulher para homem) e os transexuais (transexual homem para mulher ou mulher para homem). 47 Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais 48 Capitulo 3 As transexuais vivem grande parte de suas vidas (quando não toda ela) numa grande angústia interna, uma vez que têm a sensação de possuírem uma alma feminina ou masculina, encarcerada num corpo físico oposto a tal realidade interna. Isso se traduz também numa angústia extrema, não compreendida cultural e socialmente, sendo muitas vezes, até mesmo banalizada. É importante enfatizar que a transexualidade ou transexualismo, diferentemente da orientação sexual, é uma patologia que necessita ser tratada como qualquer outra. Esse tratamento deverá ser terapêutico, chegando ao cirúrgico na maioria dos casos, quando existir essa possibilidade no contexto local. Para o diagnóstico de transexualidade, o profissional de saúde tem de, no mínimo, observar as seguintes características durante o exame do/a paciente: (I) desconforto com o sexo anatômico natural; (II) desejo expresso de eliminar os genitais, perdendo assim as características primárias e secundárias do próprio sexo e ganhar aquelas do sexo oposto; (III) permanência desse distúrbio de forma contínua e consistente por, no mínimo, dois anos; e, (IV) ausência de outros distúrbios mentais. No Brasil, a cirurgia de mudança de sexo foi aprovada em caráter de estudo científico em 1997, conforme Resolução n.º 1.482/97 do Conselho Federal de Medicina (CFM), deixando de ser considerada como crime, já que, de acordo com os procedimentos cirúrgicos brasileiros, não existe a mutilação do pênis, mas sim a construção de uma neovagina. Conforme essa resolução legal, as cirurgias só podem ser praticadas em hospitais universitários ou hospitais públicos adequados à pesquisa, devendo obedecer normas rígidas estabelecidas pelo CFM. Dentre elas, a seleção dos pacientes para a cirurgia de redesignação sexual deverá ser precedida de avaliação por uma equipe multidisciplinar, constituída por psiquiatra, endocrinologista, cirurgião, psicólogo e assistente social. Após um acompanhamento desse conjunto de profissionais por dois anos, é obrigatório ainda definir o diagnóstico clínico da transexualidade, possuir uma avaliação psicológica, garantir a maioridade do/a paciente (mais de 21 anos) e ter a comprovação de ausência de características físicas inadequadas para a cirurgia. No tratamento cirúrgico e terapêutico para as pessoas transexuais é imprescindível ter muita atenção quanto às questões de ordem ética. Atualmente, existem hospitais cujos procedimentos demonstram que o processo cirúrgico visa, quase que exclusivamente, ao lucro e à popularidade, e não aos benefícios que a cirurgia trará para o/a paciente. Assim, antes de se iniciar qualquer tratamento, é importante buscar informações seguras que certifiquem a idoneidade do hospital escolhido, comprovando também que a instituição segue as regras estabelecidas pelo CFM e que o acompanhamento pós-operatório é garantido, caso sejam necessários retoques e/ou acompanhamento psicológicos após à cirurgia. No Brasil, embora exista um número significativo de transexuais, a visibilidade do grupo populacional ainda é muito pequena. O indivíduo transexual tem como característica principal o desejo constante e intenso de modificar seu sexo genital. Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais 50 Capitulo 3 Muitos transexuais vivem seu cotidiano com a imagem do seu sexo genital (como uma mulher ou como um homem). Se as características físicas de uma transexual, por exemplo, forem femininas, elas facilmente viverão em sociedade como uma mulher sem serem notadas como transexuais. No entanto, há situações e características da natureza humana que denunciam aspectos masculinos em uma transexual, como por exemplo o pomo de Adão, os pêlos faciais e a tonalidade da voz. Neste caso, elas podem ser confundidas e identificadas socialmente com as travestis, já que é essa a referência mais comum das pessoas. No caso de um transexual, os aspectos denunciadores de sua condição podem ser os seios (quase sempre escondidos por baixo de roupas largas) ou ainda o tom de voz feminina.Na infância, os transexuais são vistos pela família e pela sociedade como um menino afeminado (“mariquinha”) ou como uma menina com jeito de moleque (“mulher- macho”). Ambas as situações são carregadas de atitudes e valores preconceituosos e discriminatórios. No entanto, a adolescência é a fase da vida mais dolorosa para os transexuais, pois nesse período se percebem como pertencentes ao outro gênero. 9 Além disso, é também nessa fase que o desenvolvimento de hormônios é mais ativo, fazendo com que as características físicas masculinas ou femininas surjam de forma mais evidente. Essa transformação natural do ser humano, nos transexuais fortalece o sentimento de inadequação ao mundo social, tornando-os ainda mais revoltados e insatisfeitos, já que não podem associar o corpo que possuem sua alma e psique. A diferença entre a travesti e a transexual, é identificada pelo fato de a travesti não possuir a identidade sexual feminina, apesar de poder desempenhar papel sexual9 feminino. A travesti se sente confortável com seu sexo genital e não expressando o desejo de alterá-lo. Por outro lado, a transexual possui a identidade sexual feminina, assim como a identidade de gênero, e portanto, na maioria dos casos, seu maior desejo é realizar a cirurgia de feminilização da genitália (neocolpovulvoplastia), garantindo para si uma vida mais adequada, com maior conforto e felicidade. Voltamos a enfatizar que o papel sexual feminino não significa que a pessoa seja “ativa ou passiva” no ato sexual. O papel sexual está relacionado à forma sexual pela qual ela se expressa, no caso feminina. O que também não pode ser confundido com papel social, pois a travesti é vista socialmente como tal, independente de ter um estereotipo feminino. Vale a pena citar a definição de papel sexual da Dra. Marlene Inácio (psicóloga clínica, do Hospital das Clínicas de São Paulo): “ ... ao papel sexual pertence tudo aquilo que o indivíduo faz para indicar aos outros e a si próprio em que grau é um homem ou uma mulher, o que inclui, mas não se limita, a excitação e resposta sexuais. O papel sexual é a expressão pública da identidade sexual.” . Cabe também fornecer nessa publicação o contato da Dra. Marlene Inácio, do Departamento de Endocrinologia de Desenvolvimento do HCSP: +11 3289.1491 ou +11 3069.6383. Expressões das homossexualidades Transexuais É importante lembrar que uma transexual não está necessariamente associada aos estereótipos dos modelos fotográficos e figuras públicas (por exemplo, Roberta Close). Existem transexuais em qualquer atividade profissional, independente da grande dificuldade que encontram para se inserir no mercado de trabalho. Essa dificuldade está principalmente relacionada ao fato de seus documentos legais identificarem sempre o nome de nascimento (feminino ou masculino), que geralmente não é compatível com o modo pelo qual se apresentam fisicamente (como uma mulher ou homem). Esse tipo de conflito é comum para todas as pessoas transexuais, assim como para as travestis. A vida sexual dos transexuais não difere daquela vivenciada pelos demais seres humanos: eles sentem desejo e têm suas próprias fantasias sexuais. Entretanto, pode-se dizer que a vida sexual dos transexuais tem certas limitações devido às peculiaridades e complexidades de sua condição. Podemos observar, entre outras coisas, que os transexuais têm necessidade de parceiros/as com elevado grau de sensibilidade por viverem uma grande angústia e desconforto em relação ao seu sexo genital, os transexuais dificilmente fazem uso dessa genitália nas relações sexuais, não permitindo também que seus órgãos genitais sejam tocados/acariciados ou mesmo que sejam vistos despidos. Lembramos novamente que a transexualidade não está inscrita no campo da orientação sexual e, deste modo, a orientação sexual dos transexuais dependerá exclusivamente de sua história de vida. Na maioria dos casos, os transexuais têm como orientação sexual a heterossexualidade, ou seja, uma transexual deseja um parceiro heterossexual. No entanto, não devemos excluir a possibilidade da existência de uma transexual bissexual ou ainda homossexual, já que sua orientação sexual independe de sua patologia (a transexualidade). Porém, é preciso enfatizar que é pouco comum ver uma transexual já readequada (possuindo genitália feminina) exercer a prática homossexual (uma transexual com uma outra mulher ou um transexual com outro homem). 51 Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais 52 Capitulo 3 De que forma trabalhar a prevenção às DST/aids entre esse grupo populacional tão específico? Não é tão complicado como em princípio pensamos. Como já vimos anteriormente, os transexuais podem ser encontrados em qualquer contexto social. No entanto, ao contrário do que se pensa, os pontos de concentração gay não são, necessariamente, os locais ideais para encontrá-los. Poderemos localiza-los mais facilmente em hospitais fazendo tratamentos, inseridos em alguma instituição e/ou movimento social ou ainda associados de alguma forma às travestis. Independentemente do local onde se possa encontrar os transexuais, é importante lembrar que estamos diante (na maioria dos casos) de pessoas heterossexuais. Outro fator fundamental para o sucesso na abordagem do transexual é jamais usar o artigo/pronome contrários à sua forma de expressão. Ou seja, a transexual não deve ser nunca identificada por “ele” ou “o”. Da mesma, o transexual não deve ser tratado por “ela” ou “a”. Considerando a importância dessa primeira abordagem para o sucesso de qualquer ação preventiva, é necessário respeitar e observar a forma pela qual a pessoa se apresenta, o que indicará como gosta de ser tratada. É importante também procurar saber se a pessoa abordada tem parceiro/a fixo ou não, visando direcionar melhor o trabalho de prevenção. Muitos transe-xuais são casados e se relacionam (sexual e afetivamente) somente com seus companheiros/as. Isso não significa, porém, que não existam transexuais com mais de um parceiro/a. Por outro lado, o exercício da prostituição, por parte dos transexuais, é muito pouco freqüente, devido às características já apresentadas. A relação sexual entre a transexual e o parceiro possuiu muitas variações. Há aquelas transexuais que gostam e aceitam o sexo anal, o fazendo com prazer e há outras para quem esse tipo de prática sexual é apenas uma forma de satis-fazer os desejos de seus parceiros, não sendo identificada como uma fonte de prazer e conforto para si própria. As transexuais já readequadas (operadas) preferem a relação vaginal, já que essa adequação e esse tipo de relação sexual são desejos sempre presentes em suas vidas e se tornaram, enfim, uma realidade. A proteção contra as DST/aids para os transexuais estará sempre centrada na utilização do preservativo masculino por seu parceiro e por si próprio (em se tratando do transexual já readequado). Ainda não existem estudos sobre a utilização e eficácia do preservativo feminino para neovaginas. Expressões das homossexualidades Transexuais Como já vimos, o universo dos transexuais é bastante complexo e, sendo assim, nenhuma outra abordagem terá efeito mais positivo do que aquela feita por outros transexuais. No entanto, deve-se observar o gênero dessa pessoa transexual para definir o trabalho de pares. Ou seja, o trabalho direcionado para as transexuais deve ser realizado por outra transexual e, aquele dirigido ao transexual feito por outro transexual, de forma a preservar e respeitar as diferenças e peculiaridades de cada gênero e/ou sexo. Embora seja aconselhável que o trabalho de prevenção das DST/HIV/aids seja feito por pares, não se deve descartar a possibilidade das intervenções serem feitas também por outras pessoas: no caso de uma transexual que já passou pela cirurgia da feminilização da genitália, o trabalho de prevenção pode ser feito por outras mulheres e, para o transexual que já tenha passado pela redesignação da genitália, a intervenção poderá ser realizada por homens. De qualquer forma, o trabalho de prevenção das DST/aids junto aos transexuais deve ser centrado na promoção da saúde e da prática do sexo mais seguro garantindo, em primeiro lugar, espaço para ouvir o relato da sua experiência de vida e/ou prática sexual. O uso de drogas entre a população de transexuais não é uma variável a ser considerada no trabalho de prevenção das DST/aids, já que se observa um grau bastante pequeno de transexuais que utilizam drogas lícitas ou ilícitas, injetáveis ou não. É claro que isso não exclui a possibilidade de existir transexuais usuários/as de drogas, no entanto, esse não é um aspecto relevante para o trabalho de prevenção das DST/HIV/aids junto a esse grupo populacional. No Brasil existem várias organizações não-governamentais com trabalhos voltados para as minorias sexuais e a livre orientação sexual. Muitos transexuais estão inseridos na militância ou exercem seu ativismo de forma isolada, podendo também estar vinculadas às ONG/aids ou aos grupos homossexuais, já que ainda são poucas as organizações específicas de/para transexuais. Porém, qualquer instituição/ equipe que trabalhe com minorias sexuais é capaz de realizar um trabalho de prevenção das DST/HIV/aids junto aos/às transexuais. 53 Metodologias de intervenção Metodologias de intervenção 57 Metodologias de intervenção Como sabemos, o HIV é transmitido pelo do sexo desprotegido, além de outras formas de transmissão. Ao longo da epidemia no Brasil, até os dias de hoje, cerca de 70% dos casos de aids foram decorrentes da infecção por relações sexuais sem preservativo. Sendo assim, nos deparamos com algumas perguntas. O que faz, por exemplo, com que alguém use ou não camisinha? Experiências comunitárias e diferentes estudos realizados sobre a prevenção às DST/HIV/aids nos mostram algumas evidências. A primeira delas é que não basta apenas dispor da camisinha –embora isso seja fundamental– mas, na prevenção, e no uso sistemático do preservativo, outros fatores têm influência direta, tais como a pessoa estar bem, com auto-estima elevada, ter seus direitos de cidadania respeitados, estar bem consigo mesma, na família, no trabalho, no amor e na comunidade. É o que hoje costuma se chamar de “empoderamento”. Como podemos intervir sobre o comportamento de uma pessoa? Para que serve a intervenção comportamental? São as primeiras questões que surgem diante desse assunto. Podemos dizer que a intervenção comportamental é sempre um conjunto de possibilidades para sugerir e apontar alternativas de comportamento que, no caso da prevenção das DST/HIV/aids, visa a diminuir ou a eliminar os riscos de se infectar pelo HIV/aids nas relações sexuais. As ações de intervenção comportamental devem ser pautadas no respeito à autonomia das pessoas diante de sua orientação sexual, de suas práticas sexuais, e de respeito à expressão plena de seu afeto e desejo. Na intervenção comportamental não podem ser inseridas posturas de julgamento moral, de valores ou religioso, que enveredem pela intolerância à homossexualidade, ao sexo comercial ou a qualquer outro tipo de comportamento. Muito menos é possível se vincular à intervenção comportamental intenções de “cura” da homossexualidade ou de condenação da prática do sexo comercial. A intervenção comportamental é sempre um conjunto de possibilidades para sugerir e apontar alternativas de comportamento que, no caso da prevenção das DST/HIV/aids, visa a diminuir ou a eliminar os riscos de se infectar pelo HIV/ aids nas relações sexuais. A prioridade nas intervenções para educação sexual e prevenção das DST/HIV/aids deve estar centrada, dentre outras coisas, no reforço da necessidade de proteção e de negociação do uso da camisinha. Com os usuários de drogas, a perspectiva de redução de danos à saúde deve se sobrepor às tentativas, na maioria das vezes frustradas, de incentivo ao abandono completo do uso de drogas, embora tal alternativa possa ser oferecida. Cidadania e Prevenção Todos os dias, alguém com práticas homossexuais sofre alguma discriminação, seja com piadas ou situações vexaminosas em locais públicos, seja por ter uma oportunidade de trabalho negada pelo fato de ser homossexual. Mais graves ainda são os índices de agressões físicas, espancamentos e assassinatos, que geralmente são acompanhados de negligência e impunidade policial e judicial. Metodologias de intervenção Cidadania e Prevenção Esse quadro de discriminação tem um forte efeito negativo sobre o empoderamento do homossexual, agindo da mesma forma negativa nos esforços em torno da prevenção das DST/aids. Isso determina a importância da associação entre a intervenção comportamental para pessoas com práticas homossexuais, e a luta social pelos direitos humanos e igualdade, perante a lei, de gays, lésbicas, travestis, transexuais e bissexuais. Quando o respeito às diferenças permeia o objetivo central da intervenção, é igualmente importante também considerar a relação entre as diversas vivências da homossexualidade e o universo local ou regional, incluindo aí as diferenças existentes entre ser homossexual em áreas urbanas –com as variantes entre as metrópoles, as cidades pequenas e as cidades médias- e a vivência da homossexualidade nas áreas rurais. No caso das intervenções junto aos gays, aos outros homens com práticas homossexuais, às travestis, às transexuais e às lésbicas, é muito importante perceber e agir de acordo com a pluralidade das vivências da homossexualidade, de seus costumes, códigos de comunicação, valores e relações sociais. À medida que a intervenção atinge um universo heterogêneo, refletindo as questões já pontuadas sobre gênero, identidade sexual, raça, origem geográfica e condição socioeconômica-cultural, atuará da mesma forma diante de uma parcela significativa de homossexuais ou bissexuais portadores do HIV/aids. Considerando esse fato, é importante o repasse de informações corretas e atualizadas sobre a prevenção primária (ou seja, a prevenção para as pessoas que não estão infectadas com o HIV/aids), bem como sobre a prevenção secundária (voltada para as pessoas portadoras do HIV ou aids). Como sabemos, o segmento masculino da população homossexual e bissexual ainda é muito atingido pela infecção do HIV/aids. Assim, é importante pensar a soropositividade como uma realidade vivenciada por muitas pessoas, possibilitando conduzir uma abordagem que vise desmitificar a aids, reforçando os cuidados com a saúde e as formas para evitar o adoecimento. Nesse sentido, aproveitar o relato e experiências das pessoas que vivem com HIV/aids é uma excelente estratégia para guiar as ações de prevenção. 59 Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais 60 Capitulo 4 É imprescindível, porém, garantir o compromisso ético quanto ao sigilo da soropositividade -amparado pelo artigo 5º da Constituição Federal– já que somente a pessoa portadora de HIV/aids tem o direito de revelar ou não sua condição sorológica. A solidariedade é uma palavra que já foi bastante banalizada após duas décadas de epidemia, porém, nunca é tarde para resgatarmos seu valor. Assim, a intervenção comportamental também tem missão importante nessa (re)construção da solidariedade, seja visando as ações de prevenção, seja a reforçando no cotidiano das pessoas. Conhecendo e atuando na comunidade Como já vimos, um dos primeiros passos para o desenvolvimento do trabalho de educação sexual e prevenção às DST/HIV/aids junto aos homossexuais associa-se à necessidade de conhecer a comunidade a ser trabalhada. Por menor que seja a cidade, sempre existe uma praça, um bar ou mesmo um salão de beleza (cabeleireiro), que são pontos de encontro de homossexuais. Desta forma, buscar informações sobre os locais e horários de maior freqüência dos diferentes grupos (gays, lésbicas, travestis, garotos de programa, etc), sobre as características do local (qual o grupo que o visita com maior freqüência) e sobre as áreas de prostituição, é a base inicial para qualquer tipo de ação dessa natureza. A coleta de tais informações pode viabilizar a produção de um roteiro ou “guia homossexual” do bairro, cidade ou região em que o trabalho acontecerá, identificando o tipo de local (bares, boates, praças, cinemas, banheiros públicos, saunas) e fornecendo endereços, horários de freqüência, tipos de homossexuais que costumam estar em cada um dos locais identificados. Após a realização de visitas preliminares a esse “roteiro homossexual” e com a realização de contatos iniciais durante tais visitas, é importante avançar na abordagem do público-alvo, procurando conhecer mais profundamente alguém e estabelecendo laços de confiança e respeito para a troca de experiências. Metodologias de intervenão Conhecendo e atuando na comunidade Uma boa estratégia é tentar identificar na comunidade homossexual visitada, uma pessoa com características de liderança (que seja mais extrovertida, mais informada sobre as novidades da “cena gay local”, mais conhecida no meio) que possa ajudar na comunicação com as demais pessoas a serem abrangidas na intervenção. A partir desse passo, pode-se ir ampliando as relações/abordagens e conhecendo melhor o restante do grupo. Deve-se tentar fazer uma reunião informal em local apropriado para reunir as pessoas-alvo das ações (pode ser até mesmo numa praça ou num bar). Nesse momento o trabalho a ser feito deve ser apresentado e o grupo convidado a integrá-lo, enfatizando-se a importância da prevenção das DST/HIV/aids para o cotidiano da comunidade. Esse bate-papo com algumas das pessoas contatadas previamente pode ajudar muito para o início efetivo das atividades de intervenção. Feitos esses contatos preliminares, se as intervenções estiverem vinculadas a um cronograma de médio e longo prazo para a realização das atividades, deve-se fazer um cadastramento da população-alvo. O cadastramento nada mais é do que a produção e preenchimento de uma pequena ficha de identificação, onde constam: nome da pessoa, nome pelo qual quer ser chamada (especialmente no caso das travestis e transexuais), idade, endereço, telefone e orientação/identidade sexual (gay, travesti, transexual, lésbica ou bissexual) da pessoa. Com esses dados, é possível definir alguns referenciais da comunidade a ser trabalhada, como a faixa etária e a distribuição por sub-grupos homossexuais. Para se conhecer mais ainda a comunidade, podemos também incluir outros elementos no instrumento do cadastramento, como por exemplo, grau de escolaridade, ocupação, se a pessoa tem documentos e quais. Tais informações podem delinear o perfil social, educacional, profissional e cidadão da comunidade. Nesse ponto, é importante ressaltar que o fato da pessoa possuir a documentação básica de todo cidadão (carteira de identidade, CPF, carteira de trabalho, etc) é um importante elemento de conquista e exercício da cidadania. 61 Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais 62 Capitulo 4 Paralelamente a esse cadastramento, é funda-mental estabelecer contatos com os grupos homossexuais existentes na cidade onde a intervenção será realizada. As organizações não-governamentais são parte expressiva da comunidade homossexual, envolvidas diretamente na luta pela garantia da cidadania e da prevenção das DST/HIV/aids. Caso não existam grupos locais que defendam a livre expressão sexual, incentivar os homossexuais a se organizarem e constituírem um grupo que lute por seus direitos (incluindo a saúde) é algo que deve fazer parte das preocupações do trabalho a ser desenvolvido. Da mesma forma, conhecer outras instituições que trabalham com DST/aids, governamentais ou não, mesmo que não sejam efetivamente grupos homossexuais, também é importante para inserir a intervenção programada no contexto das ações de prevenção das DST/aids dirigidas à população da cidade. As unidades de saúde que prestam atendimento ambulatorial e hospitalar em DST/aids e os (CTA) Centros de Testagem e Aconselhamento, devem ser previamente identificados e visitados. Em municípios onde não existam esses tipos de atendimento, deve-se identificá-los em localidades próximas. As visitas aos locais de freqüência homossexual (aqueles listados no guia) deverão ocorrer nos horários de maior presença do segmento que se deseja trabalhar, devendo também ser garantida a regularidade das visitas, nos dias/ horários marcados e divulgados junto ao grupo atendido. Da mesma forma, todas as outras atividades (oficinas, reuniões, debates, etc) também devem ser previamente informadas, discutidas e avaliadas com o grupo e/ou lideranças alvo das ações de prevenção. A distribuição gratuita de preservativos masculinos deve sempre estar acompanhada de material informativo-educativo especifico sobre seu uso correto, sobre a infecção das DST/HIV/aids e sobre direitos humanos. Orientações sobre o atendimento nas unidades especializadas em DST/aids é outro elemento fundamental na intervenção comportamental. Dependendo das políticas públicas em DST/aids locais, a ação dirigida aos homossexuais poderá ser pioneira, enquanto trabalho de prevenção na cidade ou região. Pode-se então, partir dessa grave realidade (não existir ação governamental para o combate à epidemia do HIV/aids) para iniciar diálogo com os poderes públicos locais -especialmente a Secretaria de Saúde- visando garantir a implantação de tais ações, ampliando as intervenções já realizadas e passando a abranger também outros segmentos da população. Metodologias de intervenção Conhecendo e atuando na comunidade O conhecimento sobre as DST, especialmente a aids, as formas de se prevenir, os tratamentos, as experiências de prevenção bem-sucedidas, enfim, todas as questões que envolvem a epidemia do HIV requerem uma constante atualização de conhecimento. As Secretarias de Saúde estaduais e municipais, as Coordenações de DST/Aids, as divisões de epidemiologia, a Coordenação Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde e as ONG, são fontes importantes para se manter o conhecimento sobre tais assuntos atualizado. Mas, sem dúvida alguma, uma das principais fontes de atualização de conhecimento é a própria comunidade. Além de informações corretas e atualizadas sobre a epidemia, o trabalho de educação em saúde sexual e prevenção das DST/ aids deve interagir no cotidiano das pessoas, tendo uma perspectiva de aprendizado e crescimento coletivo. Assim, a comunidade juntamente com os responsáveis pela ação, identificarão os caminhos mais adequados para a construção da intervenção comportamental. Portanto, o responsável pela ação nunca deve se considerar como o “dono da verdade” ou de todo o conhecimento, já que é seu público-alvo -de acordo com suas condutas, comportamentos e práticas– quem irá apontar as melhores alternativas para que o trabalho de prevenção tenha sucesso. A intervenção comportamental é também um processo de troca de experiências, de compartilhamento de idéias e informações, de busca para se fortalecer individual e coletivamente e, assim garantir a efetiva prevenção das DST/HIV/aids. Pesquisa comportamental De acordo com o que já pontuamos, o interesse em conhecer melhor os grupos homossexuais deve sempre perpassar qualquer intervenção comportamental, como forma de direcionar as mensagens de prevenção e de incentivar o exercício da cidadania. Uma das maneiras de por em prática esse interesse é a realização de pesquisas. A observação cotidiana da comunidade beneficiada com seu trabalho, é a primeira alternativa para se levantar maiores informações sobre o modo de vida, crenças, valores, comportamento sexual e nível de informação sobre DST/ aids das pessoas da comunidade, bem como para se obter um perfil com as características pessoais e coletivas do grupo em questão. Isso é o que chamamos em metodologia de pesquisa, de observação participante, ou seja, o trabalho de observação associado a uma ação integrada, envolvida com o grupo e atividades programadas. 63 Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais 64 Capitulo 4 Para isso, deve-se registrar as observações sobre a comunidade em relatórios de campo, onde constarão informações sobre a data e local da intervenção, as principais atividades desenvolvidas, os materiais informativos distribuídos, o número de preservativos fornecidos e as principais ocorrências. Informações sobre os encaminhamentos de pessoas abordadas para unidades de tratamento de DST/aids ou para a realização de teste de HIV, são extremamente importantes na avaliação do nível de interesse e de envolvimento da população-alvo com o trabalho. A vulnerabilidade de uma pessoa ou de um grupo diante do HIV/aids, conceito definido pelo cientista social Jonathan Mann1, é composta pela interação entre diversos fatores individuais, sociais e políticos. Assim, o pouco ou nenhum acesso à informação, à autonomia, à auto-estima, ao trabalho, à escola e à aceitação social, são alguns dos vários elementos que compõem a vulnerabilidade. Diante disso, buscar maiores informações sobre tais questões, possibilitará a realização de uma intervenção mais qualificada, com impacto diferenciado e positivo na realidade do indivíduo e do grupo como um todo. 1 Uma primeira etapa para a coleta de informações sobre todos esses componentes pode ser a elaboração de um questionário, a ser aplicado junto ao grupo, de forma individual. A aplicação e resultados desse questionário possibilitarão identificar, por exemplo, como a ausência de trabalho está interferindo na prática preventiva para as DST/ aids ou ainda, o quanto a ocorrência de discriminações tem afetado a auto-estima e o cuidado com a saúde. O modelo do questionário deve incluir elementos vinculados às informações demográficas do/a entrevistado/a (idade, cor, profissão, escolaridade, religião, local de moradia, situação econômica), assim como questões sobre a homossexualidade da pessoa em relação a sua identidade sexual (se é assumido ou não, se tem parceiros fixos ou parceiros eventuais, por exemplo). É importante incluir também questões sobre o conhecimento das DST/HIV/aids, suas formas de transmissão e de prevenção, as situações de risco para o HIV/aids nas relações sexuais e, sobre o uso de drogas com sua influência na saúde e na prevenção. Levantar informações sobre a prática do sexo comercial (enquanto profissional do sexo e/ou cliente) é outro importante dado que ajudará na intervenção. Jonathan Mann et alli. A Aids no Mundo. Relume-Dumará – ABIA. Rio de Janeiro.1993. Metodologias de intervençâo Pesquisa comportamental Na seleção das pessoas a serem entrevistadas, deve-se buscar englobar pessoas com diferentes práticas e identidades homossexuais (gays, travestis, transexuais, bissexuais, lésbicas) pois assim a amostra da entrevista ficará mais expressiva. O questionário deve ter questões objetivas (do tipo “sim ou não”), bem como perguntas abertas (subjetivas). Ele deve ser anônimo, sem identificação alguma da pessoa entrevistada. Pode-se solicitar o auxílio de um profissional da área social (sociólogo, antropólogo, psicólogo, etc) para a elaboração do questionário, sua aplicação (orientando os entrevistadores) e análise dos resultados. Para se obter essa ajuda, uma boa alternativa é o contato com as universidades locais, cujos departamentos dos cursos da área social podem apoiar e orientar a pesquisa. É fundamental aplicar previamente o questionário junto a um pequeno grupo do público-alvo, inserido o universo maior que será pesquisado. Esse teste prévio do instrumento de coleta da dados, permitirá avaliar a eficácia do questionário e a eventual necessidade dele ser alterado. A tabulação/análise dos resultados, além de subsidiar o trabalho de prevenção junto ao públicoalvo definido, comporá o relatório da pesquisa a ser divulgado junto às autoridades de saúde (principalmente da área de DST/aids) e ONG/ aids. Esse documento pode também ser divulgado na mídia local (jornal, TV, rádio), como um instrumento adicional para reforçar a necessidade de implantação de políticas públicas. Assim, para a ação que envolva uma intervenção comportamental sistemática, uma pesquisa inicial identificará melhor as características do público a ser abordado. Ao término da intervenção, uma boa opção é aplicar outro questionário -dessa vez mais reduzido- visando levantar resumidamente as mesmas informações do questionário aplicado no início do trabalho, para comparar as diferenças e avanços ocorridos no início e no fim da ação, referentes aos principais temas/questões abordados junto ao público-alvo. 65 Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais 66 Capitulo 4 Parcerias e alianças É importante enfatizar que a primeira e mais importante aliança a ser valorizada no trabalho de intervenção comportamental, é aquela estabelecida com as pessoas-alvo do trabalho. As ações devem ter o envolvimento, a aceitação e a participação da comunidade homossexual, como meta fundamental. Essa parceria política e pautada na realização do trabalho de intervenção para a prevenção das DST/aids e promoção da cidadania, deve ter na mobilização comunitária sua principal aliança e seu mais importante defensor. Se o trabalho for importante, se tiver suas metas alcançadas e se alcançar resultados satisfatórios, a comunidade atendida será a primeira a valorizá-lo e defendê-lo. Desta forma, a intervenção deve priorizar o incentivo e o apoio às ações protagonistas da população-alvo, voltadas à luta pelos direitos humanos, contra a discriminação e preconceito e pela implantação de programas governamentais de saúde que atendam as necessidades das pessoas com orientação homossexual. A prevenção deve estar, portanto, incluída num contexto de luta social por cidadania. Partindo dessa aliança firmada com a comunidade, é interessante estreitar os laços entre as lideranças desse grupo e outras pessoas que possam estar à frente do trabalho de prevenção, após o término dessa etapa da intervenção. Isso é o chamamos de sustentabilidade política para o trabalho de intervenção. Outra importante aliança a ser feita, nessa perspectiva de maior envolvimento da comunidade, é com os grupos homossexuais e de defesa dos direitos humanos. Tal aliança é peça indispensável, na medida em que esses grupos desenvolvem atividades de promoção da cidadania, e que portanto podem ser fortes parceiros na prevenção das DST/aids. Nos municípios onde não existam grupos homossexuais o trabalho de intervenção possivelmente incentivará o surgimento de um grupo desse tipo. Isso deve ser considerado como um desafio e uma nova perspectiva do trabalho, sendo também uma contribuição valiosa para sua continuidade. Metodologias de intervenção Parcerias e alianças As ONG que trabalham com aids (mesmo não sendo especificamente grupos homossexuais) assim como os Fóruns de ONG/aids, também são parceiros em potencial para a intervenção programada, podendo ajudar no desenvolvimento e consolidação do trabalho. As coordenações de DST/aids (nacional, estaduais e municipais) e as Secretarias de Saúde são importantes referências para a obtenção de material informativoeducativo, de preservativos e também de apoio técnico, político e financeiro para a realização do trabalho. Além da responsabilidade com a resolução de demandas da sociedade em torno das ações em DST/aids, tais instâncias podem -em parceria com os grupos homossexuais ou lideranças da comunidade– auxiliar a estruturar e implantar a intervenção programada. Deve-se buscar também alianças com os estabelecimentos comerciais usados pelo público-alvo ou onde a intervenção será realizada (boates, bares, salões de beleza, cinemas de pegação, saunas). Essa aliança deve englobar a autorização para realização do trabalho e para a presença da equipe no estabelecimento, bem como eventual apoio financeiro para a produção de material informativo específico. Deve-se sempre avaliar esse mercado “rosa” -como chamamos o mercado voltado para os gays, lésbicas e simpatizantes (GLS)- como um potencial parceiro da ação programada, já que além do lucro pelos seus serviços, deve ter a saúde e a cidadania de seus clientes como preocupação social constante. Na relação existente entre as ações em saúde e a cidadania, as casas parlamentares e suas respectivas Comissões de Direitos Humanos, bem como Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) podem também apoiar o trabalho previsto, associando-o à apresentação de leis que versem sobre a livre expressão sexual. Por exemplo, a apresentação/ aprovação de lei para proibição de discriminação em estabelecimentos comerciais e, de leis específicas que garantam as ações em DST/aids para gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros (GLBT). O apoio jurídico para episódios que envolvam discriminações em virtude da orientação homossexual, como veremos no próximo capítulo, pode ser solicitado nessas comissões de direitos humanos. 67 Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais 68 Capitulo 4 Nos casos de discriminação em ambiente de trabalho, as Delegacias Regionais (DRT) do Ministério da Trabalho, por meio de seus Núcleos de Igualdade, fiscalizam e punem empresas que, nas relações de trabalho, agem com exclusão diante dos homossexuais. Por fim, vale ressaltar que algumas técnicas de abordagem para a intervenção comportamental devem ser priorizadas, como por exemplo, a necessidade do contato ser realizado de maneira natural, evitando que a pessoa abordada se sinta intimidada, invadida ou incomodada com a presença e intervenção da equipe de trabalho. Uma outra preocupação relaciona-se ao uso de técnicas diversificadas, fazendo com que as visitas/intervenções junto à população atendida não se torne monótona ou repetitiva: cada visita/ intervenção deve incorporar alguma alteração ou novidade (como um material informativo diferente), estimulando a discussão sobre diferentes assuntos ou aprofundando alguma questão específica. Oficinas de sexo mais seguro A idéia do “sexo seguro” foi criada pela comunidade gay dos Estados Unidos com o surgimento da aids, para divulgar um conjunto de cuidados e práticas sexuais visando diminuir ou eliminar os riscos da infecção pelo HIV/aids. Com isso, várias técnicas e dinâmicas foram sendo elaboradas para a disseminação de tais cuidados e práticas, com o objetivo de tornar a idéia do sexo seguro mais atrativa, fazendo com que os homossexuais a adotasse em sua prática sexual. E assim, criou-se as oficinas de sexo seguro, cujo objetivo é incentivar o uso do preservativo, fornecer informações sobre seu uso correto com acessórios adequados e, ensinar como evitar algumas práticas sexuais de maior risco privilegiando outras mais seguras. A primeira questão importante das oficinas de sexo seguro é a criação de um clima bem favorável a sua realização, onde os participantes se sintam à vontade e confiantes para eventualmente relatar sua prática e conduta sexuais. Por isso é indispensável reunir, além dos instrutores da oficina, somente os participantes da oficina, favorecendo a criação de clima mais propício a um debate sincero e construtivo sobre sexo e prevenção das DST/HIV/aids. Metodologias de intervenção Oficinas de sexo mais seguro Há diversos formatos para a oficina de sexo mais seguro, terminologia mais empregada atualmente. Porém, seja qual for a oficina realizada, algumas etapas devem ser obrigatoriamente cumpridas: 1) A apresentação dos/as participantes, por meio de dinâmica. Por exemplo, formar pares, e cada pessoa -após alguns minutos de conversa entre siser apresentada por seu par ao grupo. Ou ainda: cada pessoa escolhe uma letra do seu nome (o nome pelo qual gosta de ser chamado/a) e fala uma qualidade ou virtude sua; 2) A realização de dinâmica para discutir práticas e “posições” sexuais e suas relações de risco para o HIV/aids. Por exemplo, pede-se aos/as participantes que escrevam numa folha de papel uma prática ou uma atividade sexual qualquer. Determinase três blocos de “alto risco”, “médio risco” e “nenhum risco” e a partir da leitura e debate do que cada um/a escreveu, cada atividade é agrupada em determinado grau da “situação de risco” para a infecção pelo HIV/aids; 3) A demonstração do uso correto do preservativo. Essa etapa é imprescindível para que seja mostrada a maneira correta de se usar a camisinha, como guardá-la, as formas de verificar sua validade e se a mesma passou pelos testes de qualidade, como retirá-la e qual a melhor forma de jogá-la fora após o uso e, o lubrificante mais apropriado. Com a inserção dessas informações na prática sexual dos participantes, estimula-se o uso do preservativo nas relações sexuais, reduzindo também as chances da camisinha se romper durante o ato sexual e tornando o sexo mais seguro. É interessante fazer desse momento um espaço de descontração, preservando no entanto a seriedade do assunto abordado. Pode-se utilizar técnicas mais eróticas (como por exemplo, ensinar a colocar a camisinha com a boca) para se obter maior descontração do grupo. Na demonstração prática do uso do preservativo, duplas podem ser compostas e, com a ajuda de uma prótese peniana de borracha (“vibrador de borracha”), a utilização correta da camisinha deve ser exercitada, sendo todo processo acompanhado de perto pelo instrutor. Deve-se sempre demonstrar o uso da camisinha masculina e da feminina (com o auxílio de uma prótese feminina); 69 Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais 70 Capitulo 4 4) A entrega de material informativo-educativo sobre sexo mais seguro e suas possibilidades é sempre indicada; 5) Ao final da oficina, é necessário realizar uma breve avaliação, onde cada participante fala como se sentiu, o que aprendeu e como vai aplicar o aprendizado na sua prática sexual. Além dessas etapas, a inclusão de uma parte inicial na oficina, logo após a apresentação dos participantes, para a divulgação de informações sobre as outras doenças sexualmente transmis-síveis - especialmente as mais comuns -prevenção e tratamento e, sua relação com a infecção pelo HIV/aids, é uma boa alternativa, que enriquece a atividade. Em média, a oficina de sexo mais seguro dura cerca de duas horas, sendo aconselhável ter no máximo de 25 pessoas. Essa medida garante maior articipação e melhor acompanhamento das questões e dúvidas individuais. Quanto ao material para as oficinas, é importante garantir a disponibilização de papel, lápis, caneta, preservativos, lubrificantes (vaselina e gel à base de água), quadro ou flipchart, próteses do pênis e a da vagina (de borracha e/ou acrílico). A intervenção comportamental entre pessoas com orientação homossexual tende a ser realizada de maneira mais êxitosa, possibilitando maior envolvimento e resposta da comunidade, se estiver centrada na metodologia da “educação entre pares”: pessoas homossexuais (com um universo socioeconômico-cultural similar ao da comunidade a ser trabalhada) agindo e educando outras pessoas homossexuais. Outra questão importante para o sucesso da intervenção comportamental, é garantir que as mensagens de prevenção das DST/HIV/aids sejam associadas à promoção da saúde da população-alvo. Mensagens fatalistas que tentam criar ou incentivar o pânico e o medo frente a aids, relacionando-a com morte e doença, têm mostrado seu fracasso enquanto informação para a educação e sensibilização a sociedade. Além disso, vincular a aids à morte pode promover posturas desvinculadas da realidade, como por exemplo, achar que as pessoas soropositivas e/ou doentes de aids não estão vivas, mas apenas aguardando a hora de sua morte. “Cuidar da saúde” é sempre uma mensagem mais real, sincera e educadora. Metodologias de intervenção Oficinas de Sexo mais Seguro Por fim, vale ressaltar que a intervenção comportamental deve ter uma missão educadora cotidiana, centrada na informação, na troca de experiências e na boa comunicação com o público-alvo. Ações que se limitam a entregar preservativos e materiais informativos tendem a não cumprir esse papel de educação em saúde sexual e prevenção das DST/HIV/aids. Portanto, as ações nesse campo devem sempre estar direcionadas em estratégias que contemplem a informação, a educação e a comunicação. 71 Direitos humanos Direitos humanos 75 Direitos humanos “Não adianta comemorar o cinqüentenário da Declaração dos Direitos Humanos, se práticas injustas que excluem os homossexuais dos direitos básicos continuam ocorrendo. É preciso que o Executivo, o Legislativo e o Judiciário tomem consciência e tenham percepção de que é necessário enfrentar essa situação de grave adversidade por que passam os integrantes deste grupo extremamente vulnerável“ (Ministro Celso de Mello, Presidente do STF 1998) A expressão “direitos humanos” é uma forma abreviada de mencionar os direitos fundamentais da pessoa humana. Segundo estudiosos deste tema, tais direitos são considerados fundamentais porque sem eles a pessoa humana não consegue existir ou não é capaz de se desenvolver e de participar plenamente da vida. Todos os seres humanos, portanto, devem ter asseguradas, desde o nascimento, condições mínimas neces-sárias para se tornarem úteis à humanidade, bem como para receber os benefícios que a vida em sociedade pode proporcionar. Esse conjunto de condições e de possibilidades associa as características básicas dos seres humanos à capacidade de cada pessoa em valer-se como resultado da organização social. É a esse conjunto que se dá o nome de direitos humanos1. 1 2 Enciclopédia Digital de Direitos Humanos. Dhnet, Natal, 1999. www.dhnet.org.br Dallari, Dalmo. “O que são direitos humanos: noção e significado”, Enciclopédia Digital de Direitos Humanos. Dhnet, Natal, 1999 Para entendermos com maior facilidade o significado dos direitos humanos, basta dizer que tais direitos correspondem às necessidades essenciais da pessoa humana. Tratam-se daquelas necessidades comuns a todos os seres humanos e que devem ser atendidas para que a pessoa possa viver com dignidade. O direito à vida – por exemplo– é um direito humano fundamental, porque sem ela a pessoa não existe e, assim, a preservação da vida torna-se uma necessidade de todas as pessoas humanas. Mas, observando como são e como vivem os seres humanos, percebemos a existência de outras necessidades que além dessa, também são fundamentais, como a alimentação, a saúde, a moradia, a educação, o direito ao afeto e à livre sexualidade, entre outras. É preciso reforçar que a afirmação da igualdade de todos os seres humanos não quer dizer igualdade física, cultural, intelectual ou psicológica. Cada pessoa humana tem sua individualidade, personalidade e, modo próprio de ver e de sentir as coisas. O mesmo acontece para os grupos sociais: cada um tem sua cultura própria, resultado de condições naturais e sociais2. Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais 76 Capitulo 5 Entre essas condições, se reconhece também que os direitos sexuais também são direitos humanos. Dessa forma, a discriminação e o preconceito contra os homossexuais constitui uma das áreas de maior índice de violação dos direitos humanos em nosso País. Na nossa tradição ocidental -herdeira da moral judaico-cristã- o amor entre pessoas do mesmo sexo foi considerado crime dos mais graves, equiparado ao regicídio (assassinato de reis ou rainhas) e à traição nacional. O sexo entre dois homens era considerado tão horroroso, que os réus desse crime hediondo deviam ser punidos com a pena de morte. Só em 1821 quando é abolida a Inquisição Portuguesa e em 1823 quando surge nosso primeiro Código Penal, a sodomia (perversão sexual, prática do coito anal) deixa de ser crime no Brasil. Porém, além de crime, a homossexualidade foi considerada como “o mais sujo, torpe e desonesto pecado”, sendo mais grave do que matar a própria mãe, escravizar outro ser humano, cometer violência sexual contra crianças. 3 A maioria das igrejas continua sendo absolutamente intolerante, pregando que “a homossexualidade é intrinsecamente má”3 e que a aids “peste gay” e um castigo divino contra os homossexuais4. Assim, embora as igrejas venham abrindo cada vez mais espaço para o trabalho social e defesa de negros, índios, mulheres prostituídas e portadores do HIV/aids, suas portas permanecem fechadas para os homossexuais. Hoje, a moderna teologia (estudo da religião cristã) e exegese (comentário para esclarecimento de um texto ou palavra, que aplica-se as leis e a Bíblia) comprovam que essa homofobia bíblica foi baseada em premissas e/ou traduções equivocadas, já existindo algumas poucas igrejas e/ou líderes religiosos que defendem a criação de pastorais específicas para homossexuais. Segundo estimativa do Relatório Kinsey5, os homossexuais masculinos e femininos representam por volta de 10% da população –o que vale dizer que segundo esta estimativa, o Brasil possui cerca de 17 milhões de homossexuais. Mott, Luiz. “A Igreja e a questão homossexual no Brasil”, Mandragora, São Paulo, ano 5, n.5, 1999 4 Mott, Luiz. “Aids: Reflexões sobre a sodomia”, Comunicações do ISER, nº17, dez.1985 5 Kinsey, A. C. et alii. Sexual Behavior in Human Male. Philadelphia, Saunders, 1948. Direitos humanos 77 No entanto, de acordo com a avaliação do Plano Nacional de Direitos Humanos, os homossexuais estão entre as minorias sociais mais vulneráveis na sociedade brasileira, atingindo um índice de 80% de rejeição entre os formadores de opinião. Uma pesquisa realizada no Brasil em 19936 mostrou que: 79% dos brasileiros ficariam tristes se tivessem um filho ou filha homossexual; 56% mudariam sua conduta com o colega se soubessem que é gay; 56% não concordam que um candidato homossexual seja eleito Presidente da República; 47% mudariam seu voto caso fosse revelado que seu candidato a eleição é homossexual; 45% trocariam de médico e dentista se descobrissem que ele é gay; 36% deixariam de contratar um homossexual para sua empresa mesmo que fosse o candidato mais qualificado. Assim, no início do século XXI, ainda constatamos a triste realidade dos homossexuais continuarem sendo as principais vítimas do preconceito e da violência dentro da sociedade brasileira. 6 7 Apesar dos atos homoeróticos entre gays, lésbicas e travestis terem sido descriminalizados há quase dois séculos, os homossexuais continuam sendo tratados como criminosos nas delegacias, sendo vistos em batidas policiais como delin-qüentes e, mesmo quando vítimas, tratados como réus7. No Brasil 76 municípios, 2 estados e o Distrito Federal, possuem leis proibindo a discriminação baseada na orientação sexual, sendo essa uma grande conquista do movimento homossexual brasileiro. Mesmo assim, essa proteção legal é ainda letra morta em muitos casos, já que são registradas poucas condenações por discriminação de homossexuais, principalmente se compararmos o número de homossexuais assassinados no País -1.960 no período de 1980/2000, segundo pesquisas realizadas– com o número de efetivas punições por crimes e/ou atos discriminatórios aos homossexuais. “Brasileiros não aceitam médicos nem político gay”, Pesquisa IBOPE. Veja, 10-5-1993. Mott, Luiz. Homofobia: A Violação dos Direitos Humanos de Gays, Lésbicas e Travestis no Brasil. S.Francisco (USA), International Gay and Lesbian Human Rights Comission, l997 Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais 78 Capitulo 5 A psicologia e psicanálise propõem que todos os seres humanos são “perversos polimorfos”, com uma forte presença da bissexualidade na libido. Kinsey, pesquisador norte-americano, descobriu em 1948 que 37% dos homens ocidentais tinham experimentado na idade adulta, ao menos dois orgasmos com o mesmo sexo. Assim, numa sociedade tão fortemente marcada pela homofobia, percebemos paralelamente que quase a totalidade das pessoas sentem desejos unissexuais e que um número significativo de indivíduos já teve secretamente alguma prática homoerótica. Essa contradição provoca, em muitas pessoas, um ódio doentio contra o próprio desejo homoerótico e, sobretudo, contra aqueles que ousam transgredir a ditadura da heterossexualidade. A psicologia chama esse ódio mórbido contra a homossexualidade de homofobia internalizada, provocando sintomas diversos que incluem a neurose por frustração sexual, suicídio e atos de violência (como agressões e assassinato sádico de homossexuais). 8 Hilton, B. A Homofobia tem cura? São Paulo, Edições Ouro, 1992; Weinberg, G. La Homosexualidad sin prejuicios. Barcelona, Granica Editor, 1971. Nosso país é extremamente contraditório no que se refere aos homossexuais: por um lado temos a aceitação e consagração de transexuais (como por exemplo, a eleição de Roberta Close como “modelo de beleza da mulher brasileira”) e por outro, a cada dois dias um homossexual é barbaramente assassinado, vítima da homo- fobia(ódio à homossexualidade)8. A homofobia tem raízes profundas na nossa sociedade, comprovando assim que as travestis, gays, lésbicas e transexuais constituem a minoria social mais vulnerável. Como já vimos, essa fragilidade e/ou vulnerabilidade tem também sua origem na falta de apoio familiar: enquanto crianças e adolescentes negros, judeus ou deficientes físicos, aprendem com seus familiares, a enfrentar o preconceito e a hostilidade da sociedade, desenvolvendo o orgulho étnico/ racial e a auto-estima, os jovens homossexuais vivenciam em seus próprios lares a brutalidade da discriminação. Aqueles que não são insultados, agredidos ou expulsos de casa, vêm-se forçados a manter na clandestinidade sua verdadeira essência existencial, impedidos de compartilhar sua vida íntima com seus entes mais próximos. Direitos humanos 79 Permanece, portanto, um complô do silêncio contra “o amor que ainda não ousa dizer o nome”, perpetuando a ditadura da intolerância da heterossexualidade, que rotula os amantes do mesmo sexo como “anormais”, “doentes” ou “marginais”. Mais grave do que o preconceito encontrado entre os líderes religiosos e acadêmicos, é a homofobia observada entre as lideranças das instituições voltadas para a defesa dos direitos humanos. Vários políticos, líderes religiosos e intelectuais brasileiros ligados a essa área, têm divulgado na mídia opiniões discriminatórias contra os homossexuais, alguns opondo-se radicalmente ao reconhecimento legal da união civil entre pessoas do mesmo sexo9. Assim, torna-se evidente que os principais culpados pela divulgação do mais violento discurso homofóbico e pela conseqüente legitimação da intolerância e violência anti-homossexual, continuam sendo pessoas ligadas às diferentes seitas/crenças religiosas e cada vez mais, aos jovens com discurso néo-nazista pertencentes ao meio universitário ou à periferia das grandes cidades. 9 Podemos também citar alguns exemplos de como a intolerância anti-homossexual é agressiva em diferentes setores da nossa sociedade: por duas vezes o maior jornal do Nordeste publicou impunemente, a pena de morte aos homossexuais divulgando o slogan “mantenha Salvador limpa, mate uma bicha todo dia”; em São Paulo um político de peso10 declarou publicamente que “os homossexuais não podem ter os mesmos direitos que têm as pessoas normais”; no Rio de Janeiro um conhecido jornalista11 escreveu que “gostaria de ver todos os homossexuais condenados à morte em forno crematório e mesmo assim lamentava que sobrassem as cinzas”; em Fortaleza um arcebispo declarou que “o homossexualismo é um defeito da natureza humana, como o orgulho, a tendência ao roubo, a cleptomania, o homicídio, ou qualquer coisa assim” e, um arcebispo de Florianópolis proclamou que “os gays são gente pela metade, se é que são gente”12. Por fim, não podemos esquecer do assassinato na Praça da República, em São Paulo, de Edson Néris da Silva homossexual e adestrador de cães13, por um grupo de skinheads (auto-denominados “Carecas do ABC”). Mott, Luiz. Violação dos Direitos Humanos e Assassinato de Homossexuais no Brasil. Salvador, Editora Grupo Gay da Bahia, 2000 10 Deputado Raimundo da Cunha Leite - PMDB 11 Ivan Leal – Jornal do Brasil 12 A Tarde (Salvador)12-7-1982;15-11-1989;Diário do Grande ABC (SP),7-10-l986;Jornal do Brasil,14-12-86. 13 Em 06 de fevereiro de 2000 Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais 80 Capitulo 5 Esse crime bárbaro despertou as autoridades paulistas para o ressurgimento de uma forte organização neonazista que emprega a violência contra homossexuais, negros, nordestinos e judeus. Para quem ainda tem dúvidas do quanto a violência homofóbica ameaça gravemente a integridade física e psicológica dos gays, travestis, lésbicas e transexuais, cabe a rápida apresentação de alguns dados sobre o assunto: no Rio de Janeiro (julho/1999 a dezembro/2000) foram registradas 500 denúncias sobre diferentes abusos contra os homossexuais14 e num levantamento realizado na Bahia15 registrou-se 130 assassinatos de homossexuais e 261 casos de violação dos direitos humanos (50 casos de agressões e torturas, 16 ameaças e golpes, 15 casos de discriminação em instituições e por autoridades governamentais, 29 casos de discriminação econômica, contra a livre movimentação, privacidade e trabalho, 33 casos de discriminação familiar, escolar, científica e religiosa, 22 difamações e discriminações na mídia), 235 insultos e preconceitos anti- homossexual, 8 casos de violência contra lésbicas e 63 episódios de violência contra travestis. Como já vimos, segundo a estimativa feita por Kinsey, os gays, lésbicas e transgêneros devem representar pelo menos 10% da população brasileira, sendo portanto, 17 milhões de seres humanos presentes em todas as raças, grupos étnicos, classes sociais, profissões e idades. Em nível mundial, os homossexuais constituem a única minoria que se faz presente em todas as demais minorias sociais. Por isso o principal slogan usado pelo movimento homossexual internacional é “somos milhões e estamos em toda parte”. Não obstante tal fato, é provável que 99% dos homossexuais continuem escondidos “dentro do armário”, vivendo clandestinamente o que para todo ser humano é motivo de grande satisfação, reconhecimento público e orgulho: o amor. O preconceito, a opressão e discriminação contra este grupo populacional são tão fortes que a quase totalidade dos gays e lésbicas introjetaram a homofobia dominante em nossa ideologia heterossexista, tornando-os homossexuais egodistônicos, ou seja, não assumidos. Devido a essa invisibilidade, deixam de fornecer modelos positivos para os jovens com orientação homoerótica, podendo causar, entre outras coisas, frustração e alta taxa de suicídio entre os adolescentes16. 14 “DDH-500 Casos”, Instituto de Estudos da Religião (ISER); Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, dezembro 2000. 15 Mott, Luiz & Cerqueira, Marcelo. Causa Mortis: Homofobia. Salvador, Editora Grupo Gay da Bahia, 2001 16 Mott, Luiz. A Cena Gay em Salvador em Tempo de Aids. Salvador, Editora Grupo Gay da Bahia, 2000 Direitos humanos 81 Para que gays, lésbicas e transgêneros brasileiros ocupem efetivamente sua posição na sociedade e exerçam sua cidadania plena, o movimento homossexual considera urgente a adoção de algumas medidas: 1) descriminalizar de vez a homossexualidade no que se refere ao trato que a polícia e a justiça dão às minorias sexuais, aprovando-se leis que condenem a discriminação sexual com o mesmo rigor que o crime de racismo; 2) quebrar os tabus religiosos que colocam o amor entre pessoas do mesmo sexo como um grande pecado, propondo às diferentes igrejas a promoção de pastorais específicas voltadas para as minorias sexuais; 3) tratar a homofobia internalizada - que impede a sociedade heterossexista de reconhecer os direitos humanos e a diversidade das minorias sexuais - criando sentimentos de tolerância dentro das famílias para que respeitem a livre orientação de seus filhos e parentes homossexuais; 4) quebrar o complô do silêncio e divulgar informações corretas e positivas a respeito da homossexualidade, desmascarando as falsas teorias que a define como uma patologia e ampliando na academia, as pesquisas que resgatem a história e dignidade das minorias sexuais; 5) substituir a homofobia reinante nos partidos e grupos políticos que tratam a cidadania homossexual como luta menor, erradicando, dos grupos que defendem os direitos humanos, qualquer tipo de manifestação de preconceito que viole a dignidade e cidadania dos homossexuais; 6) propôr aos órgãos governamentais, políticas públicas visando o desenvolvimento da autoestima, consciência e saúde integral de gays, travestis, transexuais e lésbicas, com campanhas específicas de prevenção de DST/aids e de garantia da segurança e da cidadania das minorias sexuais; Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais 82 Capitulo 5 7) estimular os gays, lésbicas, travestis e transexuais a assumirem publicamente sua identidade homossexual, lutando pela construção de uma sociedade onde todos possam ter reconhecidos seus direitos humanos e sua cidadania plena. A sexualidade é parte integral da personalidade de todo ser humano e o seu desenvolvimento total depende da satisfação de necessidades humanas básicas, tais como, o desejo de contato, a intimidade, a expressão emocional, o prazer, o carinho e o amor. Como já vimos anteriormente, a sexualidade é construída a partir da interação existente entre o indivíduo e as estruturas sociais, sendo um elemento essencial para o bem estar individual, interpessoal e social. Assim, a saúde sexual é considerada também um resultado de um ambiente que reconhece, respeita e exercita estes direitos sexuais. Os direitos sexuais são direitos humanos universais baseados na liberdade inerente, dignidade e igualdade para todos os seres humanos, logo, a saúde sexual deve ser um direito humano básico. Para assegurarmos que os seres humanos e a sociedade desenvolvam uma sexualidade saudável, os direitos sexuais devem ser reconhecidos, promovidos, respeitados e defendidos por todas as sociedades. A prática homossexual entre maiores de dezoito anos não é crime no Brasil porém, observamos a freqüência de notícias sobre abuso de poder ou graves discriminações por parte de autoridades civis, de policiais ou de empresas. Ninguém pode ser discriminado, nem privado de qualquer direito constitucional simplesmente por ser homossexual. No caso de uma pessoa ser presa ou sofrer agressão física/moral por ser homossexual, a lei garante proteção. A seguir indicamos algumas recomendações de como proceder e quais artigos de leis devem ser utilizados/ citados, no caso de abusos, discriminação ou prisão injusta: 1) Não existe no Brasil nenhuma lei que criminalize a homossexualidade. É legal ser homossexual. Nem o Código Penal nem a Constituição Federal proíbem o amor entre pessoas do mesmo sexo, maiores de 18 anos. Direitos humanos 83 Portanto, no caso de ameaças, discriminação ou prisão pelo fato de ser gay, lésbica, travesti, transexual ou bissexual, considera-se como abuso de poder e crime contra o direito de cidadania. Eis os artigos da Constituição Federal que protegem quem for vítima de abuso do poder: Art.5°: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se a todos a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Parágrafo 2: Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da lei. Parágrafo 3: Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante. Parágrafo 10: São invioláveis a intimidade, a vida privada e a honra dos cidadãos. 2) Ninguém pode ser detido se não praticou crime ou delito. Ser homossexual não é crime. Só pode ser preso quem for surpreendido cometendo um crime em flagrante ou por ordem de um juiz. Desmunhecar, travestir-se, namorar com pessoa do mesmo sexo em local público, ir para hotel com outro homossexual - nada disto é crime e ninguém pode ser ameaçado ou preso por praticar tais atos. Porém, se despir ou exibir os órgãos genitais na rua e fazer sexo em vias públicas, são considerados atos de “atentado público ao pudor”, e o rigor na repressão desses delitos deve ser igual para heterossexuais e para homossexuais. A prostituição, seja de mulheres ou de homens, não é considerada crime no Brasil. Eis os parágrafos da Constituição Federal que protegem a cidadania: Art. 5º - Parágrafo 51: Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente . Parágrafo 52: A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontra serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada”. 3) Se houver prisão por qualquer motivo relacionado à homossexualidade, é necessário argumentar sem, no entanto, resistir à prisão, exigindo ser tratado sem violência física ou verbal, como manda a Constituição e o Código Policial. Nunca se deve desafiar ou insultar o policial, pois isto é considerado desacato à autoridade e pode provocar atitudes de violência. Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais 84 Capitulo 5 É recomendado que a pessoa diga ser homossexual, reforçando que a Constituição proíbe a discriminação contra gays e lésbicas. Na maioria das cidades a polícia tem conhecimento dos grupos homossexuais locais existentes e assim, o relato do vínculo com um desses grupos pode favorecer a solução do problema enfrentado; 4) Nos casos de prisão por orientação sexual recomenda-se memorizar ou anotar o nome do policial, a chapa da viatura, o local e horário onde a prisão ocorreu e se/onde aconteceu qualquer tipo de violência policial. Se houver agressão física, logo que possível é fundamental ir ao Instituto Médico Legal para fazer o exame de corpo delito, contando com a presença de testemunhas que presenciaram o abuso de poder policial e registrando fotograficamente o ferimento ou lesão corporal. Nesses casos a Constituição Federal também garante proteção: Art. 5º” – Parágrafo 54: O preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial. 5) Toda pessoa presa tem direito legal de entrar em contato com sua família e assistência de advogado. Ninguém é obrigado a fazer declarações, nem assinar documentos se assim não desejar. Eis a garantia da Constituição: Art. 5º - Parágrafo 53: O preso será informado de seus direitos, entre os quais de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado. 6) Logo que a pessoa for solta –caso tenha sido vítima de prisão injusta (abuso de poder) ou presa por justa causa mas, humilhada ou sofrido violência por ser homossexual– o contato com grupos homossexuais e ONG da cidade é recomendado, afim de receber orientação e denunciar o fato ocorrido às autoridades competentes e aos meios de comunicação. Calar-se ou esconder–se, em se tratando de ser vítima de homofobia, eqüivale a dar força e impunidade aos opressores. Quanto maior for a publicidade dos casos de discriminação, mais as vítimas ficam protegidas, já que os agressores geralmente temem represálias de seus superiores. 7) A seguir relacionamos uma lista dos órgãos públicos que podem ser acessados no caso de prisão abusiva, discriminação ou tortura por ser homossexual. Direitos humanos 85 • Prefeitura e Câmara Municipal - Comissão de Direitos Humanos: essa instância existe justamente para defender os abusos ao direito de cidadania. Os vereadores podem informar se a cidade em questão está inserida na lista dos estados e municípios onde a Lei Orgânica ou a Constituição Estadual proíbem discriminação contra a orientação sexual dos indivíduos; • Assembléia Legislativa: onde também existe uma Comissão de Direitos Humanos para onde podem ser encaminhadas denúncias e solicitadas providências. Uma opção no caso de pouca receptividade, é procurar parlamentar do Partido dos Trabalhadores, já que esse é o único partido político brasileiro que define em seu regimento interno que “os homossexuais não devem ser tratados como caso de polícia”; • Secretaria de Justiça e Direitos Humanos e Secretaria de Segurança Pública: pode ser solicitada audiência, para a entrega de uma “representação” (folha de papel onde a vítima denuncia detalhadamente o fato/ agressão ocorrida); • Defensoria Pública: esse órgão da Justiça está geralmente situado no próprio Fórum da cidade e é onde os promotores e procuradores devem fazer a Lei ser respeitada e cumprida. Caso a pessoa não tenha recursos financeiros, tais autoridades são obrigadas a indicar advogado gratuito para defender a causa; • Ordem dos Advogados (OAB): órgão ue também dispõe de uma comissão de direitos humanos, com serviço de advogados para atender vítimas de abuso do poder. 8) Os meios de comunicação podem igualmente ser um grande aliado na luta contra a homofobia. Muitos jornais dispõem de plantão policial e em caso de abuso policial ou outro tipo de violência, o contato com a redação ou com o plantão policial dos principais jornais da cidade é uma opção recomendada; (9) No caso da pessoa ser menor de 18 anos e homossexual, é preciso saber que ninguém pode obrigá-la a mudar de tendência erótica. A livre orientação sexual é um direito humano fundamental de todo/a cidadão, garantido tanto pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, quanto pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais 86 Capitulo 5 No caso de sofrer algum tipo de pressão ou violência psicológica/física por ser homossexual, é necessário procurar o Conselho Tutelar da cidade - órgão encarregado de zelar pelo cumprimento do ECA. Caso haja internação na FUNABEM ou no Juizado de Menores, é fundamental exigir que a integridade física/ psicológica enquanto homossexual seja respeitada. Se houver violência sexual, deve-se exigir fazer o exame de corpo delito e a assistência de um advogado da defensoria pública. Eis os artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente que protegem os homossexuais menores de 18 anos: Art. 15: A criança e o adolescente têm direito a liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição Federal e nas leis; Art. 17: O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, etc; Art. 18: É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor; 10) No caso dos homossexuais que estão cumprindo pena de prisão por algum delito comum, deve ser exigido o respeito por sua condição de homossexual. Sofrendo alguma violência sexual, é necessário solicitar transferência para local seguro, denunciando o fato à OAB, à Comissão Carcerária e aos grupos homossexuais locais. Como já vimos, nos últimos 20 anos, mais de 1.960 gays, lésbicas e travestis foram barbaramente assassinados no Brasil vítimas da homofobia, sendo que a cada dois dias um homossexual é morto no País. Muitos desses assassinos são garotos de programa ou desconhecidos que o homossexual encontra na rua e leva para casa. Portanto, é importante reforçar algumas recomendações de auto-proteção, na tentativa de evitar situações que promovam a violência física ou o assassinato: • Nunca se sentir inferior a ninguém. Ser homossexual não é crime. Se alguém humilhar, discriminar ou agredir um homossexual somente pela orientação sexual é necessário reagir, discutir e denunciar. É preciso também evitar se mostrar indefeso, demostrando passividade, medo ou submissão; Direitos humanos 87 • “Deve se evitar levar desconhecidos para dentro de casa, principalmente quando for para relações sexuais: a maioria dos homossexuais assassinados foram executados no seu próprio quarto. Assim, hotéis, motéis ou saunas devem ser utilizados preferencialmente. Mesmo se tratando de hotéis e motéis, é importante se identificar na portaria, deixando documentos na recepção e avisando que o casal deve sair junto;”• No caso do homossexual levar alguém para casa, recomenda-se trancar a porta e esconder a chave, nunca deixando armas, facas e objetos perigosos à vista; • Em nenhuma situação - e principalmente nesse caso - deve-se humilhar o parceiro dando demonstração de maior poder econômico, com a exposição de jóias, dinheiro, cartões de crédito e etc. Muitas vezes, essa atitude leva o/a convidado/a ao latrocínio (assassinato por roubo); • É preciso ter cuidado com as bebidas oferecidas por um desconhecido: elas podem conter soníferos. Nunca deve-se ter como acompanhante/parceiro um desconhecido, no caso de ter bebido demais e de não ter mais autocontrole. É muito perigoso dormir depois da relação sexual ao lado de quem não se conhece; • Deve-se acertar todos os detalhes antes da relação sexual: preferências eróticas, duração e preço. É importante também esclarecer, por exemplo, se o parceiro faz tudo, se transa com camisinha, se quer ser pago ou não; • É preciso manter boas relações com a vizinhança, pois, além de outros benefícios, em momentos de perigo, os vizinhos podem ajudar e socorrer a vítima ou mesmo salvar sua vida; • Se houver caso de humilhação, agressão e roubo, deve-se procurar imediatamente a polícia e fazer o Boletim de Ocorrência e/ou o exame de corpo delito. O movimento homossexual e a aids O movimento homossexual e a aids 91 O movimento homossexual e a aids “Somos milhões e estamos em toda parte” (palavra de ordem do movimento homossexual) Quando o fenômeno da aids surgiu em todo o mundo, no início dos anos 80, o maior impacto da epidemia foi sobre a comunidade homossexual. Nessa época, nas manchetes de jornais ou em conversas de rua, o termo mais usado para referendar a epidemia que se iniciava era “a peste” ou “o câncer” gay. Para além de todo o preconceito social, os casos de aids que tinham maior notoriedade pública invariavelmente estavam relacionados aos homossexuais, o que resultava na associação direta de toda e qualquer morte por aids com o tipo de orientação sexual. Quem vivenciou essa fase inicial da epidemia, acompanhou a divulgação constante de relatos assustadores e de imagens chocantes de pessoas doentes de aids em leitos hospitalares. Esses tipos de relatos e imagens eram considerados como uma espécie de “terapia de choque” para promover maior conscientização sobre a gravidade da situação que se impunha. Situação essa que também trouxe dois tipos de reações bastante peculiares em relação à homossexualidade: por um lado, nova onda moralista pregava que a epidemia da aids era prova inconteste de que esse tipo de orientação sexual era uma prática “contra a natureza humana” e, por outro, várias vertentes religiosas declaravam publicamente que a aids era “o castigo” infligido aos que ousavam praticar o sexo sem fins de procriação. Porém, para compreendermos melhor a história do movimento homossexual no Brasil e sua relação com a epidemia pelo HIV/aids, é preciso recuarmos um pouco no tempo e entendermos também o contexto político e social que vivíamos nas décadas de 70 e 80. Na segunda metade da década de 1960, instalou-se no Brasil uma ditadura militar: sob o pretexto de combater a ameaça do comunismo, as forças armadas tomam o poder e suspendem a liberdade democrática básica dos cidadãos. Na década de 70, após o decreto do (AI-5) Ato Institucional 5 , o governo passa a ter poderes para cassar direitos políticos e individuais e assim, mergulhamos numa época de terror contra os aqueles que discordavam da política governamental de então. Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais 92 Capitulo 6 Muitas pessoas foram arbitrariamente presas, torturadas e assassinadas durante essa época, sendo a imprensa colocada sob rígida censura. No início dos anos 80, quando a epidemia do HIV/aids começa a ser fortemente associada aos homossexuais, a relativa liberdade que se estabelecia no Brasil, a partir do afrouxamento do autoritarismo dos anos da ditadura militar, é progressivamente eliminada e o discurso de censura recrudesce. Paralelamente a esse cenário político brasileiro, nos Estados Unidos, a situação era bem diversa. Na verdade, a população americana ainda vivia sob a influência de várias tendências, conquistas e fatos ocorridos na década de 60, como por exemplo, a Revolução Cubana que mostrava ser possível resistir aos ditadores, a invenção da pílula que permitia o sexo sem risco da gravidez, a chegada do homem à Lua, o surgimento do rock e do movimento hippie. A partir desse clima, nada mais natural que o início do movimento homossexual moderno aconteça em 28 de junho de 1969, a partir de batida policial realizada no bar Stonewall Inn, em Nova Iorque, que provocou revolta dos homossexuais, reunidos em protesto público por três dias. Essa reação dos homossexuais aos constantes atos de violência policial, marcou o final de uma série de humilhações e discriminações que já haviam se tornado rotina na comunidade homossexual americana. Com esse fato histórico, institui-se o dia 28 de junho como o Dia do Orgulho Gay (Gay Pride). Esse foi o primeiro passo para que a sociedade americana e o mundo passassem a ter –mesmo que de forma lenta e inicial– outra concepção do “universo” homossexual. Respirando os novos tempos trazidos pelo movimento feminista - que lutava pela igualdade entre os gêneros, exigindo também o fim da discriminação da mulher - os homossexuais americanos passam a se organizar de forma mais consistente, resultado de um esforço conjunto de conscientização que vinha ocorrendo há anos nos Estados Unidos. Após a invasão do bar Stonewall, os homossexuais se reúnem em praça pública nos anos subsequentes, para celebrar a vitória obtida no ano anterior. O movimento homossexual e a aids 93 Eles haviam chegado às manchetes dos jornais e não estavam mais dispostos a viver no anonimato, numa suposta condição de “cidadãos de segunda categoria”, sem acesso à livre expressão de sua afetividade e orientação sexual. Essa comemoração passa a ser feita a cada ano e, paulatinamente, começa a atrair um número maior de pessoas, transformando-se numa parada: um desfile em via pública onde gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transgêneros se mostram à comunidade local, reafirmando seus direitos de livre expressão sexual e de cidadania. Dessa forma, na década de 70 o movimento homossexual americano –não tendo vivenciado os rigores da ditadura militar existente no Brasil na épocacomeça a ocupar cada vez mais espaço na vida pública e social, se fortalecendo, abrindo canais de comunicação e de interlocução social e política, moldando lideranças e criando associações e grupos para defesa de seus direitos. Cabe lembrar que uma das primeiras grandes conquistas desse processo refere-se ao fato da Associação Psiquiátrica Americana oficializar, em 1973 , que a homossexualidade não se trata de doença psíquica, nem tão pouco de distúrbio de conduta sexual. No Brasil, no final da década de 70, inicia-se um processo de abertura política, com várias manifestações das classes operárias e estudantil, exigindo a democracia e condições sociais mais justas para os trabalhadores e para a sociedade brasileira em geral. Essa atmosfera mais liberal no País e a influência das conquistas nos Estados Unidos, fazem com que velhos tabus nacionais comecem a ser derrubados. Eram tempos de valorização da androginia (a não definição entre o masculino e o feminino) e quando a bissexualidade começa a ser a prática sexual mais discutida. Em meio a esse clima de mudança, surge em 1978 o jornal “O Lampião da Esquina”, abordando temas associados à sexualidade, cultura, gênero e discriminação racial. Inspirados nessa publicação, homossexuais de São Paulo começam a se reunir informalmente, discutindo também o processo de criação da primeira organização em defesa de seus direitos: o Somos –o Grupo de Afirmação Homossexual, em 1979. Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais 94 Capitulo 6 Embora historicamente tenhamos o registro de outras iniciativas de organização de grupos homossexuais, é a partir do jornal “O Lampião da Esquina” e do Grupo Somos que se imprime um novo caráter político e social a esse tipo de organização no Brasil. Em 1980 é criado em Salvador, o Grupo Gay da Bahia cujas primeiras ações foram vinculadas à luta pelo reconhecimento jurídico do grupo e pela abolição da classificação no Conselho Nacional de Saúde da homossexualidade como transtorno sexual curável (o que ocorre em 1985). Desde esse início de organização, gradualmente, a solidariedade com os homossexuais portadores de HIV/aids é incorporada na agenda política do movimento homossexual brasileiro, compondo parte importante da resposta comunitária que então se inicia à epidemia pelo HIV/aids. Nesse aspecto é fundamental ressaltar o diálogo existente entre o movimento homossexual e o movimento social de pessoas que vivem com HIV/aids que marca, dentre outras questões, a luta comum para que a soropositividade saia da esfera de mais um preconceito (a ser combatido) que tenta limitar e demarcar o desejo em torno de sorologias. No início da década de 80, as diferentes formas de preconceito vividas e enfrentadas por homens e mulheres com prática homossexuais, eram as questões mais discutidas e combatidas pelo movimento homossexual que então se iniciava. Por conseqüência, também se discutia a necessidade de definição de uma identidade gay, na tentativa de se construir um conjunto de elementos mínimos que pudessem configurar uma espécie de “essência” do ser homossexual. A partir de divergências (vivência da prática homossexual, questões de gênero e identidade homossexual) as lésbicas -que até então estavam inseridas no movimento homossexual- definem a necessidade de se desvincularem desse grupo, buscando formas mais pertinentes e específicas para sua organização social. O início da década de 80 também foi palco do surgimento, no Brasil, do que chamamos do “mercado homossexual” ou “mercado cor-de-rosa”. Começam a surgir nas grandes cidades, bares e boates cuja freqüência é quase exclusivamente de gays e lésbicas. Embora na maioria das vezes obrigado a manter sua identidade sexual sob forte sigilo, o homossexual começa então a ter espaços específicos de encontro e socialização. O movimento homossexual e a aids 95 A criação desses locais de socialização traz aos homossexuais a oportunidade de interação, indo muito além da vivência anterior, restrita aos encontros fortuitos e anônimos em banheiros públicos e saunas. Nesse novo espaço social, começa também a se formar “cultura” própria do homossexual que, gradativamente, se fortalece e amplia. Essa nova perspectiva social e cultural é muito importante, pois, a tranqüilidade estabelecida nesses espaços e entre seus freqüentadores é subitamente suprimida, quando a epidemia da aids torna-se pública, sendo vinculada aos gays. A criação do “mercado cor-de-rosa”, que também era considerado fator positivo para a visibilidade e a afirmação social dos homossexuais, passa então a ser condenado por um lado (a onda moralista e religiosa que novamente se instala contra a homossexualidade) e temido e/ou evitado por outro (seus próprios freqüentadores começam a evitar tais espaços de socialização, por medo ou por precaução). Perplexa diante do súbito adoecimento e hospitalização de pessoas públicas, amigos e parentes, entristecida com as perdas pessoais que a aids traz, a comunidade homossexual reage de duas formas: parte de seus integrantes abandona o “gueto” (ou espaços de socialização) camuflando ainda mais sua orientação sexual e, outra parte, se une e mobiliza para combater a nova ameaça e desafios trazidos pela epidemia. Nessa época, por não contarmos com medicamentos específicos e por termos recursos médicos limitados para o enfrentamento da epidemia, o apoio social e psicológico aos doentes de aids e familiares, bem como a prevenção da infecção pelo HIV eram as duas formas de combate possíveis. Assim, começam a surgir no País, grupos ou organizações não-governamentais voltadas para essas duas frentes de ação, associando também aos seus objetivos a defesa dos direitos das pessoas que vivem com HIV/aids e a luta contra o preconceito e discriminação. A partir do trabalho feito por esses grupos e da atuação das esferas governamentais consegue-se, com relativa rapidez, desenvolver ações no campo da assistência e prevenção ao HIV/aids, acessíveis à boa parte da população brasileira. Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais 96 Capitulo 6 Apesar do temor e restrições dos homossexuais face a possibilidade da infecção pelo HIV, é nesse panorama que eles também começam a ter uma visibilidade diferenciada daquela até então existente. A partir da ampla divulgação de materiais informativos sobre prevenção da aids, foi possível expor abertamente questões sobre a sexualidade, explicitando também as diferentes orientações e práticas sexuais existentes. Essa característica das ações de prevenção do HIV/ aids é considerada como um elemento positivo para a divulgação de informações adequadas sobre a homossexualidade, bem como um canal efetivo para o combate a discriminação e preconceito e pela defesa dos direitos humanos dos homossexuais. Na década de 90, a partir da ampliação da atuação do movimento homossexual brasileiro (que durante boa parte dos anos 80 fica fortemente associada ao combate à epidemia da aids) começam a ser organizados os Encontros Brasieiros de Gays, Lésbicas e Travestis (EBGLT)1. Esses encontros reúnem grupos organizados e lideranças de todo o País para discutir questões políticas e sociais do movimento homossexual, dando também maior visibilidade e legitimidade as suas diferentes reivindicações. 1 Os EBGLT são realizados a partir de 1982, sendo o primeiro deles (Cajamar/SP) marcado pelo pioneirismo dos grupos então reunidos e, o último deles (Maceió/2001) pela atuação política do movimento já consolidado no País. Mesmo sem participar de um contexto mais amplo do movimento homossexual brasileiro, as lésbicas e as travestis - a partir de trabalho específico de conscientização e mobilização – marcam a trajetória de seus respectivos movimentos com a organização de encontros nacionais, reforçando a visibilidade de questões vinculadas aos direitos humanos, às diferenças de gênero, à promoção da saúde e à prevenção das DST/HIV/aids. Em 1996, no Rio de Janeiro, organiza-se o primeiro “Seminário Nacional de Lésbicas (SENALE), espaço anual de encontro e discussão desse movimento, elegendo o dia 29 de agosto como o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica. Por outro lado, em 1993, também no Rio de Janeiro, promove-se o primeiro “Encontro Nacional Travestis e Liberados”, que com a progressiva adesão dos grupos organizados e de lideranças ao longo dos anos, possibilita maior divulgação e discussão de temas associados à cidadania, saúde e prevenção das DST/ HIV/aids para esse segmento populacional. Originalmente tais eventos foram chamados de “Encontros Brasileiros de Homossexuais”. Somente a partir de 1993 a participação em tais encontros é ampliada, incluindo as lésbicas e travestis. Nesse capítulo consideramos o VII Encontro de Lésbicas e Homossexuais como o primeiro da série. Ver cronologia completa dos Encontros no anexo História da Homossexualidade no Brasil O movimento homossexual e a aids 97 Com a realização dos Encontros Brasileiros de Gays, Lésbicas e Travestis, começa uma mobilização semelhante àquela despertada pelos incidentes corridos no bar Stonewal, nos Estados Unidos: cresce a disposição em comemorar de forma expressiva, o dia da visibilidade homossexual no Brasil. Em fevereiro de 1997, como atividade de encerramento do IX EBGLT, em São Paulo, realiza-se uma passeata com 2 mil pessoas, iniciando assim a organização de Paradas do Orgulho de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros, a exemplo do que já ocorria nas grandes capitais do mundo. No ano seguinte, no dia 28 de junho, a primeira Parada do Orgulho de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros de São Paulo, é realizada. Esse evento, mesmo com poucos recursos, consegue reunir num desfile cerca de 2.000 militantes e simpatizantes na Avenida Paulista, coração financeiro do Brasil. Nos anos seguintes a história se repete, tornando a Parada GLBT de São Paulo uma referência nacional para a visibilidade do movimento homossexual brasileiro. A principal diferença entre as sucessivas paradas realizadas desde então, é o crescente número de participantes, simpatizantes, grupos organizados, patrocinadores, lideranças e militantes incorporados ao evento, a cada ano. Os princípios básicos que norteiam a realização das Paradas GLBT estão centrados no seu caráter democrático e não excludente, possibilitando a visibilidade das diferentes expressões da homossexualidade, de acordo com suas peculiaridades. O efeito social das Paradas -que acontecem também em várias cidades brasileiras– é significativo enquanto momento privilegiado da visibilidade homossexual perante a sociedade. Elas tornam pública a discussão sobre os direitos dos homossexuais, sobre a discriminação e preconceito e sobre a dignidade e cidadania dos homossexuais, enquanto indivíduos. Essas características das Paradas são também elementos reforçados nas ações de luta contra a epidemia pelo HIV/aids, onde identifica-se que qualquer esforço no campo da prevenção, não pode excluir o fortalecimento da auto-estima e da cidadania dos homossexuais. O respeito social e individual pela diversidade na orientação sexual é também uma forma para garantir o cuidado com a saúde, propiciando assim a adoção de práticas sexuais mais seguras em relacionamentos sexuais e afetivos. Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais 98 Capitulo 6 Ainda nos anos 90, impulsionado por uma maior facilidade de contato e pelas conquistas do movimento homossexual internacional –como a realização Conferência da Associação Internacional de Gays e Lésbicas (ILGA- Internacional Lesbian and Gays Association) no Rio de Janeiro (1995)o movimento homossexual brasileiro registra também grandes avanços sociais e políticos, principalmente em relação à aprovação de leis municipais e estaduais contra a discriminação com base na orientação sexual. Nessa perspectiva da defesa dos direitos humanos, não se pode deixar de ressaltar proposição do projeto de lei para legalização da união civil entre pessoas do mesmo sexo -Parceria Civil Registrada (PCR). Essa proposição, ainda não aprovada pelo Congresso Nacional, prevê a assinatura de contrato entre parceiros, regularizando e legalizando a partilha de bens em caso de dissolução ou morte, bem como garantindo benefícios como previdência social, imposto de renda conjunto, aquisição ou aluguel de imóveis, entre outros. Nesse sentido, é também importante registrar o significativo aumento de demandas judiciais individuais para reconhecimento de direitos básicos, como herança no caso de falecimento do parceiro e retratação por abuso, violência e/ou discriminação com base na orientação sexual. Assim, nesse cenário, algumas das muitas conquistas e discussões devem ser destacadas, como: 1) o ganho de causa de ação movida pelo NUANCES (grupo homossexual de Porto Alegre) e Ministério Público no Rio Grande do Sul contra o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) resultando em liminar (aplicável em todo território nacional) que obriga a concessão aos parceiros homossexuais o direito à pensão, reforçando a jurisprudência em relação a parceria estável entre duas pessoas do mesmo sexo, como constituição de unidade familiar e assim, sujeita a proteção por parte do Estado; O movimento homossexual e a aids 99 2) o inquérito minucioso conduzido pela polícia de São Paulo por ocasião do assassinato de Edson Néris da Silva, com posterior julgamento e conde-nação dos primeiros acusados (vinte e um anos de prisão) por júri popular, sendo que durante esse processo, pela primeira vez na história, o principal argumento foi a intolerância homofóbica; 3) a decisão inédita da Justiça de Minas Gerais que concedeu a casal homossexual de Belo Horizonte a guarda da filha biológica de um dos parceiros; e, 4) a promulgação de Leis Municipais em Fortaleza que estabelece punições aos estabelecimentos comerciais que discriminarem em decorrência da orientação sexual e que institui o dia 28 de junho como o Dia Municipal do Orgulho Homossexual. Em nível de organização e fortalecimento do movimento social, além dos Encontros Nacionais e das Paradas de Orgulho GLBT, o início dos anos 90 também marcou a história do movimento homossexual brasileiro por outras duas iniciativas pioneiras no País. A primeira delas foi a criação, em Curitiba (1995) de uma associação visando representar os grupos organizados das minorias sexuais: a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis (ABGLT), que conta atualmente com a adesão de uma grande parte dos grupos homossexuais existentes no País. A segunda (em 1999), foi a fundação do Fórum de Organizações com Trabalhos de Prevenção das DST/Aids para Homens que Fazem Sexo com Homens do Estado de São Paulo (Fórum HSH/SP), composto por grupos homossexuais, ONG e instâncias governamentais locais, tornando-se o mais importante espaço de discussão e deliberação para questões relacionadas à homossexualidade e à prevenção das DST/HIV/ aids. Essa experiência vem sendo replicada em outros estados brasileiros. Além das suas ações de combate à epidemia pelo HIV/aids, atualmente o movimento homossexual brasileiro vem atuando de forma expressivapara garantir os direitos humanos, o exercício da cidadania e a participação e mobilização social desse segmento populacional. Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais 100 Capitulo 6 Abrir espaços de luta contra o preconceito e a discriminação no sistema educacional formal, também passou a ser um elemento estratégico para o movimento, uma vez que essa é uma forma concreta para se chegar a uma sociedade mais aberta à aceitação da diversidade sexual no futuro. Nesse sentido, dentre as linhas de atuação do movimento homossexual, cabe destacar algumas das principiais reivindicações aprovadas para apresentação na Conferência de Durban2: Principiais reivindicações aprovadas para apresentação na Conferência de Durban. • Proteger os GLTTB contra agressões e divulgação de idéias discriminatórias seja pela imprensa, igrejas ou quaisquer outros meios de divulgação e informação, por meio da criação de um conselho ético que responda por publicações e exibições de quadros que incentivem a homofobia e ao racismo; • Proceder emenda na Constituição Federal alterando os artigos 3º e 7º para incluir a proibição da discriminação por orientação sexual dos GLTTB; • Incluir nas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas Municipais a proibição de discriminar por orientação sexual e regulamentação urgente das leis municipais e estaduais já existentes; 2 Texto parcial. “Reivindicações do Movimento Homossexual Brasileiro, aprovadas na Conferência Preparatória da Conferência de Durban “. Rio de Janeiro (7/7/2001). • Implementar um programa nacional de prevenção à violência contra GLTTB, obrigando-se que nas estatísticas policiais haja sempre referência específica aos crimes perpetrados em razão da orientação sexual das vítimas; • Incluir em todos os Documentos Oficiais e Programas de Direitos Humanos a defesa de livre orientação sexual e da cidadania dos GLTTB, ao lado dos demais grupos discriminados, bem como incluir um conjunto de medidas de afirmação dos Direitos Humanos dos GLTTB; • Incentivar programas de orientação familiar e escolar, com o objetivo de capacitar as famílias, profissionais da educação e comunidade escolar, no sentido de conferir às crianças e jovens GLTTB, o respeito à livre orientação sexual, prevenindo atitudes hostis e violentas, inclusive o uso abusivo de terapias corretivas; • Apoiar a publicação de documentos científicos que contribuam para a divulgação de informações corretas e antidiscriminatórias contra os GLTTB, inclusive nos materiais pedagógicos e escolares; • Incluir em todos os censos demográficos e pesquisas oficiais do Governo, quesitos relativos à orientação sexual do(a)s brasileiro(a)s, bem como incluir formas diversas de violência e discriminação; • Capacitar profissionais de educação para promoverem em todos os níveis escolares e nos meios de comunicação, a consciência ética da tolerância das diferenças individuais, através da destruição do estereótipo depreciativo dos gays, lésbicas, travestis, transexuais e bissexuais; • Promover campanhas contra discriminação (homofobia) e incentivo do reconhecimento das diferenças individuais nos meios de comunicação de alcance nacional; • Inserir a matéria de livre orientação sexual e seus desdobramentos nas escolas da Magistratura e do Ministério Público em todos os estados brasileiros; • Promover campanha junto aos profissionais da Saúde, da Segurança Pública e do Direito para o esclarecimento relativo aos conceitos científicos e éticos ligados à homossexualidade, transexualidade e bissexualidade, educando para uma cultura de Direitos Humanos; • Criação de programas na área de Saúde que atendam as especificidades da comunidade GLTTB nos âmbitos municipal, estadual e federal, da seguinte forma: que nos programas de saúde da mulher, sejam garantidas as especificidades das lésbicas, tendo como pano de fundo campanhas, informativos e materiais específicos; que os programas de saúde garantam tratamento adequando para as (os) transexuais, no pré, durante e pós-operatório; campanha de prevenção à aids específica para GLTTB; e, que os programas de saúde garantam a orientação, acompanhamento e tratamento das travestis e transexuais na utilização de hormônios, silicone e outros similares; • Criação de programas que atendam e promovam a cidadania GLTTB encarcerados e garantir direito de visita íntima a parceiros/as de GLTTB presos; • Criação e funcionamento efetivo de Comissão de Direitos Humanos em todas as Câmaras Municipais e Estaduais Brasileiras; • O Ministério do Trabalho deve garantir a integralidade da aplicação da Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho – OIT assegurando que os núcleos de combate a discriminação no trabalho recebam e apurem as denúncias de discriminação por orientação sexual; • Garantir e definir no orçamento federal recursos para ações afirmativas contra práticas discriminatórias à comunidade GLTTB. • Nesse inicio do Século XXI, não podemos deixar de reforçar a importância da globalização e da internet para o movimento homossexual brasileiro: embora este último veículo ainda seja um meio de comunicação restrito, sua ampla e crescente utilização fortalece os laços do movimento em todo o País, viabilizando também a ampliação do conheci-mento sobre as diferentes frentes de luta, a identificação de outros segmentos sociais discriminados e promovendo a ampliação da luta por mudanças que tornem nossa sociedade mais justa, solidária e fraterna. História da aids: breve resumo História da aids: breve resumo A aids no mundo História da aids: breve resumo A aids no mundo No início da década de 80, o surgimento de uma nova doença – posteriormente identificada como uma síndrome, conhecida mundialmente pela sigla AIDS (Acquired Imunodeficiency Syndrome) ou SIDA (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) - foi responsável por mudanças significativas em campos que extrapolaram a área da saúde, principalmente pela doença se relacionar ao comportamento sexual. O desafio de combater a doença instalou-se em diferentes áreas do conhecimento, além das ciências biomédicas, como a economia, a antropologia, a sociologia, a política, os direitos humanos, entre outras. Os primeiros casos conhecidos de aids (entre 77 e 78) ocorreram nos Haiti, Estados Unidos e África Central. Nessa ocasião, os segmentos da população atingidos, denominados “grupos de risco” e concentrados nos grandes centros urbanos, eram constituídos de homossexuais, receptores de sangue e hemoderivados e usuários de drogas injetáveis (UDI). A primeira definição da doença feita pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (Centers for Diseases Control and Prevention - CDC) dos Estados Unidos, enfatizou a sua letalidade, incluindo doenças indicativas de aids com diagnóstico definitivo, pois ainda não se conhecia a etiologia da doença. Eis a definição preliminar de um caso de aids: “...doença, pelo menos moderadamente preditiva de defeito da imunidade celular, ocorrendo em pessoa sem causa conhecida para uma resistência diminuída ao sarcoma de Kaposi (SK) e ao PCP (Pneumocistose). Na mesma definição já aparece o termo “grupo de risco”, incluindo os 4H: homossexuais masculinos, hemofílicos, heroinômanos (como representantes dos UDI) e haitianos. Com a visão de uma doença restrita ao então chamado Grupo dos 4H, a adoção de medidas preventivas por parte dos organismos governamentais só ocorreu quando a aids foi caracterizada como uma epidemia. Paralelamente, a população atingida foi sendo ampliada: crianças, mulheres, usuários de drogas e indivíduos expostos a sangue e hemoderivados. 107 Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais 108 Capitulo 7 A identificação do agente etiológico, a disponibilidade de testes diagnósticos e outros avanços tecnológicos levaram a sucessivas modificações na definição de caso de aids. As pesquisas clínicas e os dados epidemiológicos tiveram um papel fundamental na formação do consenso em torno do HIV, como foi chamado o agente causal da aids. A aids no Brasil A aids foi identificada pela primeira vez no Brasil em 1983, em caso post mortem de indivíduo que manifestou a doença em 1980, vindo a falecer em 1981. Inicialmente restrita as nossas grandes metrópoles, como Rio de Janeiro e São Paulo, iniciou sua expansão para outras capitais e interior do País, a partir da segunda metade da década de 80. Em 1986, o Governo Federal publicou portaria ministerial criando o Programa Nacional de Combate às DST e Aids e incluiu, nesse mesmo ano, a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) na lista nacional de doenças de modificações compulsória (Port.n.º 1.100, de 24 de maio de 1986). Na década seguinte, o crescimento da epidemia foi indiscutível. A taxa de incidência da aids sofreu uma variação de mais de 50%, passando de 8,2 (1991) para 11, 2 (1999) casos por 100 mil habitantes. Em 2000, cerca de 60% dos municípios brasileiros registravam pelo menos um caso da doença. Homossexuais Até o ano de 1990, 45,9% dos casos de aids no Brasil incidiam em indivíduos homossexuais ou bissexuais masculinos. Esses dados, associados ao preconceito e à discriminação pela orientação sexual, certamente concorreram para um atraso da consciência social sobre a necessidade de se tomar medidas de saúde pública urgentes, evitando a disseminação da epidemia para outros segmentos da população. A consciência, a disposição e o ativismo individual ou de grupos homossexuais, antes mesmo do surgimento da aids no País, serviu de alerta e importante fator de mudança na atitude dos órgãos governamentais no que se refere à implantação de programas de prevenção das DST/aids. Com o passar dos anos, observou-se uma progressiva redução da participação percentual dos homossexuais/ bissexuais no quadro epidemiológico (21,6% em 1999, segundo o Ministério da Saúde). História da aids- breve resumo Sangue Essa tendência, entretanto, observada em todas as regiões do Brasil, não deve ser compreendida como a reversão de um quadro epidemiológico, inicialmente negativo entre os homo/bissexuais: é efetivamente, o resultado geral de uma discreta estabilização dos números absolutos de casos nesta subcategoria, comparativamente à progressiva disseminação da doença para outros segmentos da população. Utilizando-se dados de 1998 para homens de 18 a 59 anos estimou-se, por meio de estudos estatísticos e epidemiológicos, que a probabilidade de um homossexual estar infectado pelo HIV é cerca de 11 vezes maior do que a de um homem heterossexual. Esta estimativa corrobora e coloca este segmento populacional como um dos mais prioritários para a implantação de ações de prevenção das DST/HIV/ aids no País. Sangue No início da epidemia, a transmissão do HIV pelo sangue e hemoderivados fez dos seus receptores - especialmente os hemofílicos um segmento populacional duramente atingido. Em 1984, nada menos que 62% dos pacientes haviam sido expostos a sangue contaminado. Pressões políticas do movimento social organizado e o temor causado pela emergência avassaladora de casos atribuídos à transfusão sanguínea, exigiram uma resposta governamental imediata. À frente desse movimento da sociedade civil, Herbert de Souza (o sociólogo Betinho) teve uma atuação destacada, possibilitando o engajamento da Sociedade Brasileira dos Hemofílicos no processo de definição de políticas de saúde, voltadas para a luta contra a aids. A lei normalizadora dos padrões técnicos a serem adotados pelos bancos de sangue foi editada no País pela Port. nº 721/GM (09 de agosto de 1989) e alterada pela Portaria nº 1376 (19 novembro de 1993), publicada no Diário Oficial da União de 02 de Dezembro de 1993, refere-se às normas técnicas para coleta, processamento e transfusão de sangue, componentes e derivados e dá outras providências, entre as quais a exigência da obrigatoriedade de testagem do sangue para a detecção de anticorpos anti-HIV. 109 Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais 110 Capitulo 7 Feminização da epidemia A partir de estudos de prevalência do HIV em gestantes estimou-se, em 1998 que 530 mil indivíduos entre 15 e 49 anos estavam infectados pelo HIV no Brasil. O contingente masculino de infectados foi estimado considerando-se a razão entre casos masculinos e femininos - a partir das taxas de incidência acumuladas.até então, de 2 homens para cada mulher. O conceito hegemônico sobre os grupos mais atingidos pela doença, foi um fator importante para a população feminina não se perceber vulnerável à infecção pelo HIV, conseqüentemente não adotando medidas preventivas. A noção de “grupo de risco” afastou as mulheres da possibilidade de infecção e a implantação de ações de prevenção direcionadas a elas foi tardia. A própria cultura brasileira, com sua visão machista vertical e desigual, no cotidiano das relações de gênero, reforçou também esse atraso. Atualmente, o progressivo aumento no número de casos de aids entre as mulheres, em todas as regiões brasileiras, na sua grande maioria causados pela transmissão do HIV pelas relações heterossexuais, vem recebendo maior atenção para ações de prevenção. Outro dado importante é o fato de que 38,2% das mulheres com aids contraíram o vírus compartilhando seringas ou em relações sexuais desprotegidas com parceiro usuário de drogas injetáveis. Transmissão materno-infantil Uma consequência direta da ampliação da participação feminina na epidemia da aids foi o progressivo aumento da transmissão vertical do vírus, da mãe para a sua criança durante a gestação, no momento do parto e/ou no aleitamento. No Brasil, a primeira ocorrência dessa forma de transmissão data de 1985, e até 30/12/ 2000 foram notificados 5.731 casos da transmissão vertical do HIV (Ministério da Saúde, 2000), período em que também se registra uma modificação do perfil etário das crianças infectadas. De 84 a 90, 21% das crianças notificadas tinham entre 0 a 4 anos, enquanto que em 1999-2000, já eram 84% os casos de aids pediátrica neste grupo etário. História da aids- breve resumo Pauperização da aids Com base nos estudos-sentinela da infecção pelo HIV em parturientes realizados no Brasil, estimou-se que em 2000, 12.898 gestantes (0,4% do total das gestantes brasileiras) estavam infectadas pelo HIV. Contudo, apenas 2.512 delas (ou 19,5% do número estimado de gestantes infectadas) receberam zidovudina (AZT) injetável no momento do parto. Interiorização da epidemia A análise da expansão da epidemia, segundo extratos referentes às populações dos diferentes municípios, mostra o seu início nos grandes centros urbanos, mas que esses mesmos centros detêm, a partir do final da década de 80, o menor aumento relativo do crescimento. Observamos que os maiores ritmos de crescimento da epidemia vêm se dando, nos últimos anos, entre os municípios pequenos, com menos de 50.000 habitantes. Evidentemente, nesses municípios a epidemia ainda se encontra na fase inicial de expansão, enquanto nos municípios com mais de 500.000 habitantes, com exceção da Região Sul, vem ocorrendo o inverso, ou seja, uma desaceleração da velocidade de crescimento. Embora haja sinais de expansão recente da epidemia entre os municípios predominantemente rurais, a epidemia no Brasil ainda é um fenômeno urbano. Diferentemente do seu advento, 20 anos atrás, praticamente exclusivo aos grandes centros urbanos da Região Sudeste, a epidemia atual faz-se presente em quase 60% dos 5.548 municípios brasileiros, com disseminação maior nos últimos anos entre municípios pequenos, mais pobres e com menor renda per capita. Pauperização da aids A escolaridade é dado disponível na ficha de notificação dos casos de aids. Este dado além de permitir a avaliação do grau de instrução dos portadores do HIV/aids, permite traçar, de forma aproximada, o seu perfil socioeconômico. Até 1982, a totalidade dos casos de aids com escolaridade conhecida era de nível superior ou com até 11 anos de estudo. Nos anos seguintes, observou-se um nítido e progressivo aumento no registro de casos com menor grau de instrução. 111 Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais 112 Capitulo 7 Em 1999/2000, observou-se que entre os pacientes com escolaridade reconhecida, 58,7% eram analfabetos ou tinham até 8 anos de freqüência às escolas, e apenas 23% apresentavam mais de 11 anos de estudos ou curso superior. O número de casos da doença aumenta entre homens e mulheres com tempo de estudo escolar inferior a dois anos. Entre os homens com mais de oito anos de estudo a incidência diminui. O mesmo não acontece com as mulheres. Adolescentes e uso de drogas Desde o início da epidemia, o grupo etário mais atingido, em ambos os sexos, tem sido o de 20 a 39 anos, perfazendo 70% do total de casos de aids notificados (Ministério da Saúde, 2000). Cabe lembrar que o perfil epidemiológico sempre retrata a infecção ocorrida há pelo menos 5 anos, em média, o que justifica plenamente a inserção da população de adolescentes no rol de preocupações dos que atuam na prevenção do HIV/aids, especialmente no contexto da sua associação ao uso de drogas. As razões que facilitam a exposição do adolescente ao contágio do HIV por via sexual vêm da própria característica deste grupo etário. De maneira geral, os jovens entre 13 e 18 estão à busca de uma identidade própria. Nesse processo de crescimento, tendem a valorizar novas experiências em detrimento da reflexão e da percepção dos riscos que elas trazem. Fatores e mecanismos psicológicos, estímulos e condicionamentos sócio-culturais inerentes ao adolescer, acabam por tornar esses jovens mais vulneráveis à infecção. A rápida e extensa difusão dos casos de usuários de drogas injetáveis, vem caracterizando uma interface preocupante entre aids e drogas, em determinadas áreas geográficas, como as Regiões Sul e Sudeste do País, refletindo diretamente no perfil mais recente e na perspectiva de evolução da epidemia, especialmente nestas regiões. Em 1984, 37% dos casos de aids por transmissão sangüínea eram atribuídos ao compartilhamento de agulhas e seringas. Em 1999/2000, essa subcategoria já representava 99% das ocorrências por transmissão sangüínea. Estudos realizados em vários países demostraram que os jovens adolescentes com menor nível socioeconômico e de instrução escolar são mais suscetíveis às DST. História da aids- breve resumo Avanços terapêuticos e assistenciais Justifica-se, portanto, a importância da implementação de programas voltados para a prevenção de comportamentos e práticas sexuais de maior risco entre os adolescentes, principalmente aqueles provenientes de extratos sociais mais pobres, de níveis mais baixos de escolaridade ou que sofrem qualquer tipo de exclusão social e familiar. Avanços terapêuticos e assistenciais A partir de 1989, a estratégia de testagem e aconselhamento passa a ocupar um lugar de destaque nos programas de prevenção, por meio dos Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA). A disponibilização do teste para um maior número de pessoas tem sido uma tendência constante, cada vez mais enfatizada. O uso do teste para corroborar as estratégias de prevenção, com enfoque na redução de risco individual para prevenção da epidemia, atravessou a década de 90 com grande força. Até o ano de 1996, o impacto da mortalidade por aids era grande junto aos adultos em idade reprodutiva, sendo a 4ª causa de óbito no grupo de 20 a 49 anos. Após 1997, com a terapia anti-retroviral disponibilizada para a população, esse quadro foi modificado, com retardo da evolução da doença até a sua fase mais avançada. Como conseqüência direta da política nacional de disponibilização universal e gratuita de medicamentos para portadores do HIV e pacientes de aids, caíram sensivelmente as taxas de mortalidade pela doença. Entretanto, a distribuição de medicamentos não substituiu outras alternativas assistenciais adotadas pelo Ministério da Saúde. O repasse de recursos para os estados e municípios, por meio do Programa de Alternativas Assistenciais, possibilitou a implantação de projetos formados por equipes multidisciplinares de profissionais de saúde, como o Serviço de Assistência Especializada-SAE, nos ambulatórios, em que o paciente encontra atendimento especializado, medicamentos e preservativos; o Hospital-Dia (HD), em que o paciente recebe procedimentos hospitalares durante algumas horas do dia; e a Assistência Domiciliar Terapêutica (ADT), onde o paciente é atendido no próprio domicílio. 113 Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais 114 Capitulo 7 A Portaria Ministerial de nº 166, de 31 de dezembro de 1997, institucionalizou a assistência prestada por esses serviços, incluídos no Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA) entre os procedimentos atendidos com recursos do (SUS) Sistema Único de Saúde. A introdução da terapia anti-retroviral e sua oferta gratuita nos serviços de saúde pública, bem como a notificação dos critérios de definição de caso têm permitido que as pessoas com HIV/aids tenham uma maior expectativa e melhor qualidade de vida. Vulnerabilidade e prevenção No ano de 1998, pesquisa sobre o “Comportamento Sexual da População Brasileira e Percepção do Risco para o HIV/aids” (Berquó et al.,1999) foi conduzida em 183 microrregiões urbanas do País, a partir de uma amostra de 3.600 indivíduos com idade entre 16 e 65 anos. Essa pesquisa demonstrou que 80% dessas pessoas são sexualmente ativas, sendo os homens mais ativos sexualmente (87%) do que as mulheres (72%). Na faixa etária dos 26 aos 40 anos, estão 89% da população sexualmente ativa. Do total de pessoas sexualmente ativas, 81% haviam mantido relações estáveis nos 12 meses anteriores à coleta, 6% relações eventuais, e 13% os dois tipos de relação. Também foi registrado que, durante o mesmo ano, 71% das mulheres haviam se relacionado sexualmente com um único parceiro, contra apenas 46% dos homens. No seu conjunto, cerca de 35% das pessoas mantiveram relações sexuais com dois ou mais parceiros e 6% tiveram mais de cinco parceiros no mesmo período. Também foi demonstrado que grande parte da população já se “sentiu” de alguma forma exposta à infecção pelo HIV; e que 20% já se submeteram, espontaneamente, à testagem sorológica para o vírus da aids em serviços públicos ou privados. A faixa etária que mais procurou os testes foi a de 26 a 40 anos. Adesão ao preservativo masculino Em relação ao uso de preservativos masculinos, a mesma pesquisa mostrou que 64% da população sexualmente ativa já usou ou tem usado a camisinha, nos últimos 12 meses. Entre os jovens e adultos (pessoas entre 16 e 65 anos de idade que responderam o questionário), esse percentual chega a 87%. História da aids- breve resumo Direitos humanos em HIV/aids Um dado que merece especial atenção é o de que 48% dos que afirmaram ter usado ou estar usando o preservativo, fizeram-no pela primeira vez nos últimos 5 anos, o que demonstra uma adesão crescente na utilização desse insumo de prevenção. Efetivamente, dados da indústria de preservativos e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior revelam que, se em 1992 foram comercializados 50 milhões de preservativos no País, esse número chegou a 300 milhões em 1998. A ampliação da aquisição e disponibilização gratuita de preservativos pelo Ministério da Saúde foi de 18 milhões em 1993, aumentando esse quantitativo gradativamente, até alcançar 300 milhões de unidades em 2002. Direitos humanos em HIV/aids Desde os anos 80, a luta pelos direitos das pessoas com HIV/aids já era uma realidade do movimento social organizado. Entretanto, um fato amplamente divulgado pelos meios de comunicação fez com que os direitos dos portadores do HIV assumissem proporções inéditas e fossem motivo de polêmica entre a opinião pública: a atitude preconceituosa de uma escola particular de São Paulo, que impediu a matrícula de uma aluna com aids (Sheila Cortopassi). Em 1987, a aprovação do uso do AZT nos Estados Unidos da América fez com que, no Brasil, grupos sociais organizados provocassem a mobilização da opinião pública, dos meios de comunicação e das diferentes instâncias governamentais para a efetivação de ações que garantissem o acesso universal e gratuito a esse medicamento. Finalmente, esse direito foi conquistado em 1991, possibilitando a todas as pessoas infectadas um trata-mento adequado pela rede pública de saúde. A partir de então, o argumento de que o acesso aos medicamentos é uma questão dos direitos humanos tem ganhado força e mobilizado governo e sociedade civil na consolidação das políticas assistenciais, e levado o País a uma liderança internacional inquestionável, na defesa do direito à vida em detrimento de interesses econômicos e políticos. 115 Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais 116 Capitulo 7 Pesquisas com vacinas candidatas anti-HIV A posição brasileira nos debates sobre a ética dos ensaios de vacinas HIV/aids nos países em desenvolvimento é bem clara. Existe um consenso nacional, especialmente na Comissão Nacional de Ética em Pesquisas (CONEP), subordinada ao Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde, de que somente serão admitidas mudanças que tornem as declarações e resoluções internacionais cada vez mais capazes de garantir a integridade dos seres humanos participantes de pesquisas científicas em qualquer lugar do mundo. O objetivo geral do Plano Nacional de Vacinas é estabelecer estratégias para o desenvolvimento, avaliação, disseminação de informações, disponibilização e produção de vacinas seguras, eficazes e de custo acessível. Até o presente momento, não existe conhecimento de correlatos de imunidade a ponto de se definir o que se espera de uma vacina anti-HIV. Entretanto, sabe-se que a vacina ideal deverá estimular respostas imunológicas capazes de bloquear a infecção por via sexual, intravenosa e maternofetal. Ela ainda deverá produzir anticorpos que neutralizem partículas virais livres, e também provocar respostas imunológicas celulares capazes de destruir células infectadas. Além disso, é provável que sejam necessárias diversas vacinas (ou verdadeiros “coquetéis”) para lidar com os vários subtipos do HIV prevalentes nos diversos países onde a epidemia se faz presente. Evolução da epidemia de Aids 1981 • Primeiros “olhares clínicos”(CDC) • Primeiro nome: “Síndrome do comprometimento Gay” Total de casos: 1 em 1980, em São Paulo 1982 • Primeiro caso de transfusão sangüínea • Doença dos 4 “Hs” – Homossexuais, Hemofílicos, Haitianos, Heroinômanos • Definição de grupos de risco e da aids, ressaltando-se a sua elevada letalidade • Concentração de casos na Califórnia: agente contagioso ou fator relacionado aos estilos de vida ? • Fator de possível transmissão por contato sexual, uso de drogas ou exposição a sangue e derivados • Primeiros 3 casos de aids registrados (homens) no Rio de Janeiro Total de Casos: 10 1983 • Relato de caso de possível transmissão heterossexual • Homossexuais usuários de drogas seriam os difusores do “fator” para os heterossexuais usuários de drogas • Casos de aids em todo mundo • Primeiras críticas ao termo “grupos de risco”, das principais vítimas: gays e Haitianos • Primeiros 2 casos de aids no sexo feminino no Brasil Total de casos: 39 1984 • Disputa entre os grupos americano (Robert Gallo – Science, 1983; Human T-Leukemia Virus-HTLV-III) e francês (Luc Montagner - Science, 1984; Limphadenopathy Associated Virus-LAV) – seriam o mesmo vírus? • Caracterização da aids em termos clínicos e epidemiológicos • Primeiros 3 casos de aids registrados em mulheres no Rio de Janeiro Total de casos: 137 1985 • Diferentes estudos buscam meio diagnóstico para a possível etiologia viral • Caracterização dos “comportamentos de risco” • Nova definição de caso para a aids – CDC • A aids é a fase final da doença causada por um retrovírus • LAV e o HTLV-III: mesmo vírus, definido então como Human Immunodeficiency Virus (HIV) • Primeiro caso de transmissão perinatal Total de casos: 573 1986 • Primeiros sistemas classificatórios incorporando dados laboratoriais (sorologia e CD4+) e clínicos com objetivos relacionados à saúde pública • Facilita-se a comunicação sobre a doença (notificação e vigilância da doença, estudos epidemiológicos, atividades de prevenção e controle e políticas de planejamento) • Criação do Programa Nacional de DST e Aids • Criação da Comissão Nacional de Aids Total de casos: 1.192 1987 • Uso e repercussões dos testes ELISA e Western Blot no diagnóstico • Questiona-se a definição de comportamentos sexuais tidos como “anormais” • Nova definição de caso para a aids (CDC) visando melhor acompanhar a doença, simplificar a notificação e aumentar sua especificidade • Surgimento do AZT no cenário internacional • Definição de casos em indivíduos de 13 anos ou mais (publicada apenas em 1992) Total de casos: 2.813 1988 • Promulgação da Constituição de 1988 • Criação do Sistema Único de Saúde • Participação efetiva de ONG no combate à epidemia • MS inicia o fornecimento de medicamentos para tratamento das infecções oportunistas Total de casos: 4.53 1989 • Critério de Definição de Caso de Aids OPAS/Caracas Total de Casos: 6.295 1991 • Inicia-se o processo para a aquisição e distribuição de anti-retrovirais Total de casos: 11.805 1992 • Classificação da infecção pelo HIV – Categorias Clínicas (CDC) • MS inclui os procedimentos para o tratamento da aids na tabela do SUS • Início do credenciamento de hospitais para o tratamento da aids • Critério de definição de casos de aids em adultos e adolescentes Total de casos: 14.924 1993 • Revisão dos critérios para definição de casos de aids para adolescentes e adultos (CDC) • Início da implantação de fato do SINAN – Sistema Nacional de Informações sobre Agravos e Notificações. Total de casos: 16.760 1994 • Redefinição dos critérios de classificação da infecção pelo HIV em crianças (CDC) • åAcordo com o Banco Mundial – impulso às ações previstas pelo MS • Definição de casos de aids em crianças Total de casos: 18.224 1995 • Opções consolidadas para o tratamento anti-retroviral até este momento: AZT, ddI e ddC • Aparecimento dos primeiros inibidores de protease • Até este ano a assistência medicamentosa era bastante precária • Inclusão do critério óbito para definição de casos de aids Total de casos no Brasil: 19.980 1996 • Primeiro consenso em terapia anti-retroviral • Lei brasileira determina o direito ao recebimento de medicação gratuita • Disponibilização do AZT venoso na rede pública de saúde • Queda das taxas de mortalidade por aids Total de casos no Brasil: 22.343 1997 • Implantação da Rede Nacional de Laboratórios para a realização de exames de da carga viral e contagem de linfócitos (T CD4+) • Início da implantação do Sistema de Controle Logístico de Medicamentos (SICLOM) • Pojeto Sentinela: vigilância epidemiológica ativa em frações representativas de heterossexuais sob risco • Estabilização da epidemia a partir deste ano: coeficientes de incidência em torno de 12 por 100.000 hab. ano • Início da produção nacional de ddC e de D4T e da distribuição gratuita de Indinavir e D4T Total de casos no Brasil: 22.593 1998 • Medicamentos disponíveis: AZT, 3TC, AZT+3TC, ddI, ddC, d4T, Nevirapina , Saquinavir, Indinavir, Ritonavir, Nelfinavir • Lei define como obrigatória a cobertura pelos seguros-saúde privados de despesas hospitalares com aids (não assegura tratamento anti-retroviral) • Laboratórios públicos passam a produzir ddI. Início da distribuição gratuita de Nelfinavir, Nevirapina e Delavirdina Total de casos (até agosto 1999): 22.102 1999 • Medicamentos disponíveis: AZT, 3TC, AZT+3TC, Abacavir, ddI, ddC, d4T, Nevirapina, Delavirdina,Efavirenz, Saquinavir, Indinavir, Ritonavir, Nelfinavir, Amprenavir • Implantação da Rede Nacional de Estudos da Resistência do HIV aos anti-retrovirais Total de casos(até junho 2000 ): 17.806 2000 • Nova ficha de notificação de caso de aids em crianças • Implementação do Sistema de Vigilância do HIV para Gestantes e Crianças Expostas • O Brasil começa a produzir Indinavir e a Nevirapina. Assim, já são 7, dos 12 ARVs distribuídos nacionalmente, que são produzidos no País. • O Programa Brasileiro de Aids é destacado internacionalmente pela sua política de distribuição gratuita de medicamentos a todos os pacientes Total de casos 13.933 (até março 2001) 2001 • Em junho, em nota conjunta dos governos norte-americano e brasileiro, é declarado o acordo no qual os EUA retiram queixa contra o Brasil na Organização Mundial do Comércio – OMC, referente à Lei de Patentes. História da Homossexualidade no Brasil Declaração Universal Direitos Humanos Direitos Fundamentais das Pessoas que Vivem com HIV/Aids Direitos Sexuais Grupos Homossexuais no Brasil Referências Bibliográficas Anexos História da homossexualidade no Brasil - principais destaques 1532 • Nas Cartas Régias de doação das capitanias hereditárias o Rei determina a pena de morte aos sodomitas sem ter de consultar a Metrópole 1580 • Fernão Luiz, professor mulato, morador na Bahia, mata seu jovem parceiro e sua família para não ser denunciado à Inquisição: é a primeira reação conhecida de um sodomita do Brasil para escapar da ameaça da Inquisição 1591 • Francisco Manicongo, escravo africano, primeiro travesti do Brasil, Salvador 1592 • Felipa de Souza, a primeira lésbica a ser açoitada publicamente pela Inquisição no Brasil (Bahia) 1821 • Extinção da Inquisição e fim da pena de morte contra os sodomitas 1830 • Código Penal do Império Brasileiro exclui o crime de sodomia 1859 • Publicação do livro “O Bom Crioulo”, do escritor cearense Adolfo Caminha, o primeiro romance das Américas a tratar de forma realista do homoerotismo 1894 • O termo “lésbica” é publicado no Brasil pela primeira vez em Pires de Almeida, “Homossexualismo, a libertinagem” no Rio de Janeiro 1914 • Publicação do livro “O Menino Gouveia”, primeiro conto homoerótico brasileiro 1932 • Prisão de 195 homossexuais pela Polícia Civil do Rio de Janeiro para serem objeto de estudo do Dr. Leonídio Ribeiro, do Instituto de Identificação 1959 • Primeiro jornal gay do Brasil “Snobe” (RJ) 1971 • Primeira operação transexual no Brasil realizada pelo Dr. Roberto Farina 1977 • João Antônio Mascarenhas, advogado gaúcho, convida Winston Leiland, Editor do “gay Sunshine” (São Francisco/EUA) para conferências no Brasil: é o primeiro ato político de fundação do Movimento Homossexual Brasileiro 1978 • Fundação do jornal “Lampião da Esquina”, que contou com 37 números, extinguindo-se em 1981, sendo um importante e pioneiro veículo de comunicação que possibilitou a discussão da homossexualidade nesse período político do País • Fundação do Grupo Somos (São Paulo), primeira aparição pública na Universidade de São Paulo em fevereiro/1979 1979 • Fundação do Grupo de Atuação e Afirmação Gay, Baixada Fluminense, RJ • No Rio de Janeiro realiza-se o “I Encontro de Homossexuais Militantes” 1980 • Fundação do Grupo Gay da Bahia (Salvador) • Primeira passeata com a participação de homossexuais em São Paulo e em março realiza-se o “I Encontro Brasileiro de Homossexuais” • Morre Pascoal Carlos Magno, teatrólogo e embaixador, fundador do Teatro do Estudante do Brasil (RJ), homossexual assumido e discriminado pelo Itamaraty, no tempo da ditadura 1981 • Primeira celebração do Dia do Orgulho Gay em Salvador • Início da campanha contra o Código 302. 0 da OMS que rotulava o “homossexualismo” como desvio e transtorno sexual obtendo-se 16 mil assinaturas 1982 • Em São Paulo realiza-se o “I Encontro Paulista de Grupos Homossexuais” 1984 • Realiza-se em Salvador o “II Encontro Brasileiro de Homossexuais” 1985 • O Conselho Federal de Medicina retira “homossexualismo” da classificação de doenças 1986 • O Grupo Triângulo Rosa (RJ), o GGB (BA) e o Libertos (SP), iniciam campanha junto à Constituinte pela inclusão da proibição de discriminação por orientação sexual na Constituição 1987 • João Antônio Mascarenhas é o primeiro homossexual brasileiro a ser convidado a falar no Congresso Nacional, debatendo sobre a inclusão da orientação sexual na Constituição 1989 • Realiza-se no Rio de Janeiro o “III Encontro Brasileiro de Homossexuais” 1990 • Salvador é a primeira cidade da América Latina a proibir discriminação por orientação sexual na Lei Orgânica Municipal, seguida de mais 72 municípios e nas Constituições de Sergipe e Mato Grosso • Realiza-se em Aracajú o “IV Encontro Brasileiro de Homossexuais” 1991 • Realiza-se em Recife o “V Encontro Brasileiro de Homossexuais” 1992 • Realiza-se no Rio de Janeiro o “VI Encontro Brasileiro de Homossexuais” 1993 • O Grupo Dignidade (PR) é o primeiro grupo a ser declarado de Utilidade Pública Estadual • Em Cajamar (SP) realiza-se o “VII Encontro de Lésbicas e Homossexuais” • Renildo José dos Santos, Vereador de Coqueiro Seco, Alagoas, é assassinado após bárbara tortura, seu nome foi conferido ao Prêmio da Associação Bissexual da Austrália • Primeiro Encontro Nacional de Travestis e Liberados (ENTLAIDS) no Rio de Janeiro 1994 • Aprovada a Lei Municipal contra a discriminação por orientação sexual em Porto Alegre, iniciativa do Grupo Nuances 1995 • Fundação da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis (ABGLT) em Curitiba, com a presença de 120 participantes • Em Curitiba realiza-se o “VIII Encontro Brasileiro de Gays e Lésbicas” 1996 • Pela primeira vez os homossexuais são citados num documento oficial do Governo, no Plano Nacional de Direitos Humanos • Realiza-se no Rio de Janeiro o “I Seminário Nacional de Lésbicas” 1997 • Conselho Federal de Medicina autoriza operação de transexuais • Realiza-se em São Paulo o “IX Encontro Brasileiro de Gays, Lésbicas e Travestis” 1998 • Morre João Antônio Mascarenhas, Fundador do Movimento Homossexual Brasileiro • Eleição do primeiro mandato de Kátia Tapety, primeira travesti a ser eleita vereadora em Colônia do Piauí/PI . 1999 • Conselho Federal de Psicologia aprova resolução proibindo que psicólogos participem de clínicas ou terapias visando “curar” homossexuais • Fundação em São Paulo do Fórum de HSH, envolvendo ONG e OG com trabalhos de prevenção das DST/HIV/aids Fundação em São Paulo do Fórum de HSH, envolvendo ONG e OG com trabalhos de prevenção das DST/HIV/aids 2000 • Edson Néris é barbaramente assassinado na Praça da República em SP, por um grupo de néo-nazistas: é o crime homofóbico de maior repercussão nacional • O INSS concede o direito previdenciário de pensão aos parceiros gays por falecimento ou detenção, iniciativa do Grupo Nuances (RS) 2001 • Assembléias Legislativas de São Paulo e Minas Gerais aprovam leis contra a homofobia • Realiza-se em Maceió o “X Encontro Brasileiro de Gays, Lésbicas e Travestis” • Câmara Municipal de Recife estende aos parceiros de funcionários homossexuais a equiparação de direitos previdenciários • Fundação, em dezembro, da Associação Nacional das Travestis Declaração universal dos direitos humanos “Todos nascemos livres e somos iguais em dignidade e direitos”. “Todos temos direito à informação verdadeira e correta”. “Todos temos direitos à vida, à liberdade e à segurança pessoal e social”. “Todos temos direito de ir e vir, mudar de cidade, de Estado ou País”. “Todos temos direito de resguardar a casa, a família e a honra”. “Todos temos direito de não sofrer nenhum tipo de discriminação”. “Todos temos direito ao trabalho digno e bem remunerado”. “Ninguém pode ser torturado ou linchado. Todos somos iguais perante a lei”. “Todos temos direito ao descanso, ao lazer e às férias”. “Ninguém pode ser arbitrariamente preso ou privado do direito de defesa”. “Todos temos à saúde e assistência médica e hospitalar”. “Toda pessoa é inocente até que a justiça, baseada na lei, prove a contrário”. “Todos temos direito à instrução, à escola, à arte e à cultura”. “Todos temos liberdade de pensar, de nos manifestar, de nos reunir e de crer”. “Todos temos direito ao amparo social na infância e na velhice”. “Todos temos direito ao amor e aos frutos do amor”. “Todos temos direito à organização popular, sindical e política”. “Todos temos o dever de respeitar e proteger os direitos da comunidade”. “Todos temos direito de eleger e ser eleito às funções de governo”. “Todos temos o dever de lutar pela conquista e ampliação destes direitos”. Direitos fundamentais das pessoas que vivem com HIV/aids1 “A lei protege todos os indivíduos igualmente; em conseqüência, você não deve sofrer nenhum tipo de discriminação”. “Viver com HIV ou aids não é impedimento para o exercício da sexualidade com segurança”. “Você não é obrigado a fazer exame anti-HIV nem a declarar que é soropositivo. Se por vontade própria decidir realizar o exame você tem o direito de fazê-lo de forma anônima e que os resultados do mesmo sejam guardados com absoluto sigilo”. “Quando for procurar emprego, você não poderá ser obrigado a fazer o exame antiHIV”. “Em nenhum caso você pode ser detido forçadamente, isolado, sofrer segregação social ou familiar pelo fato de viver com HIV ou ter desenvolvido aids”. “O seu livre trânsito pelo território nacional não poderá ser restrito”. “Caso queira casar-se, você não poderá ser obrigado a fazer o exame anti-HIV”. 1 Organização das Nações Unidas - 1978 “Você não pode ser cerceado do direito a educação, lazer, religião, etc., em qualquer instituição pública ou privada.” “Você tem o direito de associar-se livremente com outras pessoas ou filiar-se a instituições que tenham como finalidade a proteção dos interesses daqueles que vivem com HIV ou que tenham desenvolvido aids”. “Você tem o direito de buscar, receber e difundir informações precisas e documentadas sobre os meios de transmissão do HIV e a forma de proteger-se”. “Se você é soropositivo tem o direito de receber informações sobre aids, suas conseqüências e tratamentos aos quais poderá submeter-se”. “Você tem direito aos serviços de assistência médica e social que tenha como objetivo melhorar sua qualidade e tempo de vida”. “Você tem direito a uma atenção médica digna e seu prontuário médico deverá ser manuseado de forma confidencial”. “Como qualquer ser humano, você tem direito a uma morte e serviço funerário dignos”. Direitos sexuais2 “Direito à liberdade sexual: a liberdade sexual diz respeito à possibilidade dos indivíduos em expressar seu potencial sexual. No entanto, aqui se excluem todas as formas de coerção, exploração e abuso em qualquer época ou situações de vida”. “Direito à autonomia sexual. integridade sexual e à segurança do corpo sexual: esse direito envolve a habilidade de uma pessoa em tomar decisões autônomas sobre a própria vida sexual num contexto de ética pessoa e social. Também inclui o controle e o prazer de nossos corpos livres de tortura, mutilação e violência de qualquer tipo”. “Direito à privacidade sexual: o direito às decisões individuais e aos comportamentos sobre intimidade desde que não interfiram nos direitos sexuais dos outros”. 2 “Direito à igualdade sexual: liberdade de todas as formas de discriminação, independentemente do sexo, gênero, orientação sexual, idade, raça, classe social, religião, deficiências mentais ou físicas”. “Direito ao prazer sexual: prazer sexual, incluindo autoerotismo, é uma fonte de bem estar físico, psicológico, intelectual e espiritual”. “Direito à expressão sexual: a expressão sexual é mais que um prazer erótico ou atos sexuais. Cada indivíduo tem o direito de expressar a sexualidade através da comunicação, toques, expressão emocional e amor”. “Direito à livre associação sexual: significa a possibilidade de casamento ou não, ao divórcio, e ao estabelecimento de outros tipos de associações sexuais responsáveis”. Petchesky,R. (1999) Direitos Sexuais: um novo conceito na prática política internacional. In: Barbosa, R. e Parker, R. Sexualidades pelo avesso: direitos, identidades e poder, São Paulo. Editora 34 “Direito às escolhas reprodutivas livres e responsáveis: é o direito em decidir ter ou não ter filhos, o número e o tempo entre cada um, e o direito total aos métodos de regulação da fertilidade”. “ Direito à informação baseada no conhecimento científico: a informação sexual deve ser gerada através de um processo científico e ético e disseminado em formas apropriadas e a todos os níveis sociais”. “Direito à educação sexual compreensiva: esse é um processo que dura a vida toda, desde o nascimento, pela vida afora e deveria envolver todas as instituições sociais”. “Direito à saúde sexual: o cuidado com a saúde sexual deve estar disponível para a prevenção e tratamento de todos os problemas sexuais, preocupações e desordens”. Grupos homossexuais no Brasil Região Norte Associação Amazonense de Gays, Lésbicas e Travestis correio eletrônico: [email protected] telefone: (92) 234 2275 Movimento Homossexual de Belém telefone: (91) 456 8119 Região Nordeste Grupo Lésbico da Bahia correio eletrônico: [email protected] telefone: (71) 395 6666 Grupo Dialogay de Sergipe correio eletrônico: [email protected] telefone: (79 214 7217 Unidas correio eletrônico: [email protected] telefone: (79) 3041 3071 Associação das Travestis do Ceará correio eletrônico: [email protected] telefone: (85) 494 5471 Grupo Gay de Alagoas correio eletrônico: [email protected] telefone: (82) 221 0667 Grupo de Resistência Asa Branca correio eletrônico: [email protected] telefone: (85) 281 9081 Pró-Vida correio eletrônico: [email protected] telefone: (82) 221 0667 Associação das Travestis de Salvador correio eletrônico: [email protected] telefone: (71) 321 1848 Grupo Habeas Corpus Potiguar correio eletrônico: [email protected] telefone: (84) 611 1220 Grupo Gay da Bahia correio eletrônico: [email protected] telefone: (71) 321 6714 Movimento do Espírito Lilás correio eletrônico: [email protected] telefone: (83) 241 3921 Região Centro-Oeste Região Sudeste Associação Goiana de Gays, Lésbicas e Travestis correio eletrônico: [email protected] telefone: (62) 213 6222 Associação da Parada de Orgulho GLBT de São Paulo correio eletrônico: [email protected] telefone: (11) 3362 2361 Associação Ipê Rosa correio eletrônico: [email protected] telefone: (62) 224 2444 Grupo Corsa correio eletrônico: [email protected] telefone: (11) 3773 5514 Associação de Travestis do Mato Grosso do Sul correio eletrônico: [email protected] telefone: (67) 272 8299 Atobá – Movimento de Emancipação Homossexual correio eletrônico: [email protected] telefone: (21) 2331 1527 Atitude correio eletrônico: [email protected] telefone: (61) 327 3186 Rede de Informação Um Outro Olhar correio eletrônico: [email protected] telefone: (11) 3735 1035 Grupo Estruturação correio eletrônico: [email protected] telefone: (61) 327 3186 Coletivo de Feministas Lésbicas de São Paulo correio eletrônico: [email protected] telefone: (11) 3104 8379 Grupo Arco-Iris correio eletrônico: [email protected] telefone: (21) 2552 5995 Coletivo de Lésbicas do Rio de Janeiro correio eletrônico: [email protected] telefone: (21) 2517 3290 Grupo Felipe de Sousa correio eletrônico: [email protected] telefone: (21) 225 24700 Associação Lésbica de Minas correio eletrônico: [email protected] telefone: (31) 3439 9780 Movimento Gay de Minas correio eletrônico:[email protected] telefone: (32) 3215-1575 Região Sul Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis correio eletrônico: [email protected] telefone: (82) 235 4699 Associação Nacional das Travestis correio eletrônico: [email protected] telefone: (41) 323 7825 Grupo Esperança correio eletrônico: [email protected] telefone: (55) 421 1162 Instituto Arco-Iris correio eletrônico: [email protected] telefone: (48) 224 9235 InPAR correio eletrônico: [email protected] telefone: (41) 324 9501 Grupo Gay de Blumenau correio eletrônico: [email protected] telefone: (47) 326 6970 Grupo Dignidade correio eletrônico: [email protected] telefone: (41) 222 3999 Grupo Igualdade correio eletrônico: [email protected] telefone: (51) 3211 3849 Nuances correio eletrônico: [email protected] telefone: (51) 3286 3325 Referências bibliográficas 139 Referências bibliográficas Sexualidade e homossexualidade ABIA. 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Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais 140 Capitulo 8 BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. SZWARCWALD CL. Estimativa do número de órfãos decorrentes da aids materna, Brasil, 1987-1999, uma nota técnica. In: Boletim Epidemiológico – aids XII: 9-15, Semana Epidemiológica – 35-47, setembro/novembro. Brasília. FRY, P. e MACRAE, E.. O que é homossexualidade. São Paulo : Brasiliense, 1982. BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. DHALIA, C., BARREIRA, D., CASTILHO, E. A.. A Aids no Brasil: situação atual e tendências. In: Boletim Epidemiológico dez/99 jun/2000. Brasília, 2000. GRUPO GAY DA BAHIA Manual de Sobrevivência Homossexual. Salvador : Grupo Gay da Bahia, 1995. GREEN, J.. Além do Carnaval: história da homossexualidade masculina no Brasil do século XX. São Paulo : UNESP, 1999. GRUPO GAY DA BAHIA. ABC dos Gays. Salvador : Grupo Gay da Bahia, 1996 BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Plano Nacional de Vacinas Anti-HIV : Pesquisa, Desenvolvimento e Avaliação. 1º. ed. 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In: Boletim Ousar viver, Ano 6. n. 12, out. 2000, p.4-5. São Paulo:Rede de Informação Um Outro Olhar . Lésbicas e o atendimento ginecológico: condutas indicadas em desacordo com a orientação sexual. In: Boletim Ousar viver, Ano 7. n. 13, abril 2001, p.6. São Paulo: Rede de Informação Um Outro Olhar YETMAN, L.. O Impacto do Heterossexismo sobre a saúde lésbica. Tradução: Miriam Martinho. In: Boletim Ousar Viver, ano 7, n. 14, maio-jul. 2001. p. 4-5. São Paulo: Rede de Informação Um Outro Olhar MARTINHO, M.. Ativistas Lésbicas marcam gol na área de saúde. In: Boletim Ousar Viver, ano 7, n. 14, maio-jul. 2001. p. 2. São Paulo: Rede de Informação Um Outro Olhar Estudos recentes sobre doenças sexualmente transmissíveis entre mulheres que fazem sexo com mulheres. In: Boletim Ousar Viver, ano 8, n. 15, março 2002. p. 3. São Paulo: Rede de Informação Um Outro Olhar SOUZA, C. L.. Um Outro Olhar sobre a Menopausa: o que mulheres homossexuais têm a dizer sobre a transição da meia-idade feminina. In: Boletim Ousar Viver, ano 8, n. 15, março 2002. p. 1. São Paulo: Rede de Informação Um Outro Olhar Referências bibliográficas 145 Sobre os autores Francisco Pedrosa Jornalista, mestrando em Políticas Públicas e Sociedade na Universidade do Estado do Ceará. Diretor do Grupo de Resistência Asa Branca (GRAB), de Fortaleza. Glademir Lorenzi e Célio Golin NUANCES – Pela Livre Orientação Sexual, de Porto Alegre/RS. Jacqueline Rocha Transexual que já passou pela redesignação de sua genitália. Educadora, formada pela Universidade de Michigan/ USA. Militante no combate à aids desde 1995. Integrante da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/aids de São José do Rio Preto. Representante da Rede Latinoamericana de Pessoas Vivendo com HIV/aids na Rede Global de Pessoas Vivendo com HIV/aids – Global Network of PLWA. Janaína Dutra Advogada. Vice-presidente e Assessora Jurídica do Grupo de Resistência Asa Branca (CE). Presidente da Associação de Travestis do Ceará. Coordenadora da Região Nordeste da Associação Nacional de Travestis. Kátia Guimarães Psicóloga. Pesquisadora Associada do Núcleo de Estudos de Saúde Pública da Universidade de Brasília. Doutoranda em Ciências de Saúde da UnB. Assessora Técnica da Secretaria Executiva da Articulação de Mulheres Brasileiras. Lilia Rossi Jornalista, mestre em Comunicação Social. Assessora Técnica da Unidade de Prevenção, da Coordenação Nacional de DST e aids do Ministério da Saúde. Liza Minelly e Salange Stercz Associação Nacional de Travestis, Curitiba, PR. Luis Felipe Rios Psicólogo, mestre em Antropologia e doutorando em Saúde Coletiva, no Instituto de Saúde Coletiva da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Assessor de Projetos da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA). Luiz Ramires (Lula) Formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo, com pós-graduação em Antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tradutor técnico e professor de inglês. Presidente do CORSA – Cidadania, Orgulho, Respeito, Solidariedade e Amor e membro da Associação da Parada de Orgulho GLBT de São Paulo. Luiz Mott Doutor em Antropologia. Professor Titular do Departamento de Antropologia da Universidade Federal da Bahia. Presidente do Grupo Gay da Bahia. Secretário Acadêmico da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis. Membro da Comissão Nacional de Aids do Ministério da Saúde. Miriam Martinho Rodrigues Jornalista, tradutora e editora da Revista Um Outro Olhar e do Boletim Ousar Viver (São Paulo, SP), dirigidos à população de mulheres que se relacionam com mulheres.