REMOÇÃO DE MINIPLACAS E PARAFUSOS NA REGIÃO BUCOMAXILO-FACIAL: REVISÃO DE LITERATURA Removal of Miniplates and Screws in the Oral and Maxillofacial Region: a Review of the Literature Recebido em 03/2005 Aprovado em 08/2005 Adriana Paula Maia Pereira* David Gomes de Alencar Gondim* Ezequiel Carlos Gomes Júnior* Francisco Wagner Vasconcelos Freire Filho** RESUMO O emprego de miniplacas e parafusos de titânio nas cirurgias do complexo maxilo-mandibular tornou-se crescente, ao se constatar, cientificamente, sua alta resolutividade. Portanto é comum que surjam dúvidas quanto à remoção ou não dessa aparatologia após a reparação óssea. Essa revisão objetiva discutir as divergências de condutas e suas justificativas, tendo em vista a pouca abordagem deste tema nos periódicos nacionais, vindo a fornecer subsídios cientificamente embasados para uma correta opção. Descritores: titânio, placas, parafusos e reparação. ABSTRACT The use of titanium miniplates and screws in surgery of the maxillomandibular complex has been growing in recent years with the scientific evidence of its high effectiveness. It is thus common for doubts to emerge as to whether or not such devices should be removed after bone repair. The present review sets out to discuss the differences in management and their rationale, bearing in mind that this issue is rarely examined in Brazilian journals, and to provide scientifically based data for deciding on the correct treatment option. Descriptors: titanium; plates; screws; healing. INTRODUÇÃO A utilização de miniplacas e parafusos de dento-maxilo-faciais (SCHMIDT et al., 1998; VEZEAU et al., 1996). titânio no tratamento dos traumas e deformidades ALPERT & SELIGSON (1996) afirmaram que o buco-maxilo-faciais vem aumentando, à medida que tratamento com a fixação interna rígida (FIR) objetiva novas pesquisas comprovam sua eficácia e segurança a recuperação completa e o retorno da função imediata em relação a outros materiais utilizados do membro. O uso de placas e parafusos surge como anteriormente. O uso desta aparatologia consiste em a melhor alternativa para essa finalidade, pois fornece uma alternativa viável e comprovada clínica e estabilidade à estrutura óssea, estimulando uma cientificamente, ao longo dos tempos para o tratamento osteogênese associada à função, com reparo primário de injúrias ocasionadas ao tecido ósseo decorrentes e ausência de calo ósseo. de traumas, ressecções tumorais e deformidades As vantagens do seu uso incluem uma menor * Cirurgião-Dentista. ** Especialista e Mestre em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial pela Universidade de Pernambuco-UPE; Doutor em Clínica odontológica com Área de Concentração em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial pela Universidade Estadual de CampinasUNICAMP; Professor Adjunto de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial da Universidade de Fortaleza-UNIFOR. ISSN 1679-5458 (versão impressa) ISSN 1808-5210 (versão online) Rev. Cir. Traumatol. Buco-Maxilo-Fac., Camaragibe v.5, n.3, p. 17 - 26, julho/setembro 2005 PEREIRA et al. morbidade do ato cirúrgico por não ser necessário removida no ano seguinte. Uma biópsia foi realizada bloqueio maxilo-mandibular, oferecendo melhor na região, resultando em sarcoma de Ewing. O autor conforto e segurança pós-operatória ao paciente salienta a singularidade do caso por ser o primeiro (MANOR et al., 1999). existente na literatura em relação a tumores referentes A necessidade de remoção desse material após a placas metálicas em que já tinham sido removidas. o período de consolidação da fratura permanece uma O caso de um paciente que sofreu fratura do polêmica na literatura. A decisão de deixá-las in situ fêmur esquerdo, sendo submetido a uma redução poderá ser influenciada por vários fatores, como a aberta e fixação interna com placas do tipo Lane, foi biocompatibilidade, dificuldade de acesso ao local, relatado por McAULEY et al. (1987). Decorridos 64 anos queixa do paciente, presença de infecção, da fratura, o paciente foi submetido a uma amputação palpabilidade, sensibilidade térmica, geração de de ambas as pernas, acima do nível dos joelhos, artefatos radiográficos, custo, possibilidade de englobando a região que continha as placas, corrosão e oncogenicidade. ocasionadas por complicações vasculares. O espécime O presente trabalho destina-se a discutir os foi examinado histologicamente, e as placas, removidas fatores que determinam a permanência ou remoção e submetidas à análise de espectrofotometria de dessa aparatologia após a reparação óssea assim absorção atômica. Encontraram desgaste nas placas, como pôr em evidência as justificativas para presença de tecido fibroso ao redor com aparência de determinada conduta. metalose e depressão óssea com arquitetura anormal. Análise da liberação de partículas metálicas e REVISÃO DA LITERATURA níveis de corrosão macroscópicas e microscópicas DUBE & FISHER (1972) relataram um caso de placas e parafusos utilizados para o tratamento em que um paciente de 84 anos exibia dor e edema de fraturas de mandíbulas em macacos foram na porção medial da panturrilha esquerda, com seis descritos por MOBERG et al. (1989). Os autores semanas de duração. Havia sido tratado de fraturas investigaram o comportamento de três tipos de da tíbia e fíbula bilateral, necessitando-se de redução materiais, miniplacas Champy®, placas Vitalium® e cirúrgica, enxerto ósseo e fixação interna rígida, há Titânio, as quais foram fixadas na região de ângulo. 27 anos. Ao exame clínico, o tecido da panturrilha Após três meses, os espécimes foram sacrificados e mostrava-se endurecido e com coloração marrom. analisados por espectrofotometria por absorção No exame radiográfico, observou-se fratura da tíbia atômica. Encontraram elevados níveis de Co, Cr, Ni e esquerda com considerável perda óssea. Após alguns Mo nos tecidos em contato com as placas do tipo meses, o paciente evoluiu ao óbito, apresentando Vitalium®. Nas placas Champy®, foram verificados metástase um Ni e Cr e constatada a presença de Al nas de titânio. hemangioendotelioma, a partir da lesão tibial. Os Apesar de terem verificado um aumento quantitativo autores sugeriram haver uma relação etiológica entre desses elementos após três meses, não perceberam o uso de placas e parafusos e o surgimento da sinais de corrosão macroscópica e microscópica na condição patológica. superfície das placas. na base do crânio de TAYTON (1980) descreveu um caso de um BROWN et al. (1989) desenvolveram um paciente de 11 anos, queixando-se de limitações de estudo retrospectivo em 109 pacientes submetidos movimentos no joelho esquerdo. Havia sido tratado, à cirurgia ortognática (47) e cirurgia decorrente de cinco anos antes, de subluxação e deslocamento por trauma (62), analisando o destino, quanto a sua fixação do tipo Shermam para redução, a qual foi permanência ou remoção de 279 placas Champy®. 18 Rev. Cir. Traumatol. Buco-Maxilo-Fac., Camaragibe v.5, n.3, p. 17 - 26, julho/setembro 2005 PEREIRA et al. Variáveis, como idade, sexo, locais de implantação, Champy®, pois as elas liberaram metais etiologia do trauma, tempo de permanência da placa, potencialmente tóxicos, ao contrário das de titânio, entre outros, também foram analisados. No grupo em que o montante liberado foi considerado dos pacientes submetidos à cirurgia ortognática, insignificante, não causando sintomatologia. aqueles acima de 30 anos de idade demonstraram Mudanças na superfície de placas de titânio puro uma acentuada tendência para remoção das placas. após múltiplas esterilizações assim como alterações No entanto, os indicadores avaliados no estudo nas junções celulares in vitro foram avaliadas por revelaram que as taxas de complicações encontradas VEZEAU et al. (1996). Os autores examinaram as permaneciam dentro dos limites aceitáveis e que a superfícies, utilizando microscopia eletrônica de remoção das placas por um período mínimo de três varredura, espectroscopia fotoelétrica de raios X e meses seria precipitada. espectroscopia elétron auger, ângulos de equilíbrio Reações de hipersensibilidade ao aparato de para determinar alterações na morfologia da superfície fixação foram descritas por GUYURON & LASA JÚNIOR e composição de óxido. Concluiu-se que tanto na (1992), os quais relataram um caso de uma paciente utilização de óxido de etileno e esterilização a vapor submetida à cirurgia ortognática para avanço em autoclave ocorreu contaminação e alterou a mandibular, que, após seis meses de pós-operatório, superfície da placa de titânio, resultando em níveis apresentava dor e edema na região da orofaringe decrescentes de junção celular e expansão do associados a uma descoloração azulada na pele da material. região de ângulo mandibular. A paciente expôs uma MATTHEW et al. (1996), através de uma história prévia de dermatite de contato com jóias, investigação em cães, analisaram a superfície de luvas e materiais de acrílico. Decorridos vinte meses miniplacas e parafusos de titânio e de aço inoxidável, da cirurgia, os fios de aço inoxidável utilizados foram ambas da marca Champy®, após remoção em removidos, e os sintomas, sanados. Os autores intervalos de 4, 12 e 24 semanas a partir da cirurgia relacionaram alérgicas de implantação, tendo sido examinadas através da apresentadas às características irritantes do níquel microscopia eletrônica, da análise da energia dispersa e cromo, presentes no material de fixação. Exames por Raios-X (EDX), para se investigarem as variações posteriores vieram a confirmar que a paciente era de composição das referidas superfícies e do teste de alérgica ao elemento químico níquel. dureza Vickers. Os autores não notaram diferenças as manifestações ROSENBERG et al. (1993) desenvolveram um significantes entre as características superficiais dos estudo prospectivo em 32 pacientes que se aparatos de ambos os materiais nem após 24 semanas submeteram à cirurgia para fixação de placas e de implantação, comparando-se com os controles. Da parafusos de titânio e de Champy®, sendo removidas mesma forma, não conseguiram encontrar evidências num período médio de oito meses após sua que recomendassem a remoção rotineira de implantação. Exames minuciosos foram realizados nos miniplacas e parafusos de ambos os materiais tecidos moles e ósseos adjacentes, antes da remoção somente pela corrosão superficial após seis meses de das placas. Macroscopicamente foi observada implantação. pigmentação em tecido mole circunjacente às placas RAY et al. (1998) adquiriram, aleatoriamente de titânio e pigmentação em tecido ósseo sob as de fabricantes 15 miniplacas e 60 parafusos e placas Champy®. Microscopicamente detectou-se uma examinaram as superfícies destes através da pigmentação maior em relação às placas de titânio. estereomicroscopia e microscopia eletrônica para Os autores recomendaram a remoção das placas analisar a incidência e a distribuição de fragmentos Rev. Cir. Traumatol. Buco-Maxilo-Fac., Camaragibe v.5, n.3, p. 17 - 26, julho/setembro 2005 19 PEREIRA et al. metálicos, antes da sua utilização. Os autores depósitos granulares nos tecidos moles adjacentes, identificaram bordas ásperas e protuberâncias sugerindo um maior desenvolvimento de corrosão distribuídas por toda a superfície das miniplacas, além do que o previamente relatado na literatura, porém de fragmentos nas retenções cruciformes das cabeças sem nenhuma relação com complicações clínicas. dos parafusos e em suas porções rosqueadas. MANOR et al. (1999) realizaram um estudo Salientaram, ainda, o risco da deposição desses retrospectivo através da análise de 70 prontuários microfragmentos advindos da fabricação nos tecidos pertencentes a pacientes submetidos à cirurgia vivos, quando de sua inserção. ortognática em que foram utilizadas placas de aço Uma revisão de literatura com o objetivo de inoxidável, titânio e parafusos monocorticais para FIR. avaliar freqüência e razões para remoção de placas De um total de 260 placas instaladas, 12% foram e parafusos de titânio, Champy® e Vitallium® em removidas, das quais 22% eram provenientes de pacientes submetidos à osteotomia Le Fort I foram indivíduos de mais de 30 anos. Descobriram, também, descritos por SCHMIDT et al. (1998). Variáveis, como a pouca diferença entre as taxas de infecção das tipo de material de fixação, extensão do parafuso, placas de aço inoxidável e das de titânio, em que as utilização de enxerto ósseo, complicações trans- primeiras tiveram maiores chances de serem operatórias, localização, extensão e forma da placa, removidas (15,5% X 6%). Os autores definiram a idade foram consideradas. Ao final do trabalho, concluiu-se como fator de risco primário para a remoção e o sexo que somente era justificável a remoção do aparato e a constituição das placas como fator secundário. em situações de sintomatologia e a critério do paciente. TRIVELLATO et al. (2000) compararam quatro sistemas de placas e parafusos utilizados em FIR, MATTHEW & FRAME (1999) realizaram um duas nacionais e duas importadas. As amostras foram estudo em que 23 cirurgiões buco-maxilo-faciais de avaliadas por medidas padronizadas e macroscópicas West Midlands foram consultados. Os autores tinham e resistência à flexão, através de espectrometria por o intuito de esclarecer a conduta quanto à remoção dispersão de energia (EDS) e espectrometria de de miniplacas após osteossíntese de fratura de emissão atômica (AES). Os autores concluíram que mandíbula. Nenhum dos entrevistados relatou os materiais nacionais apresentaram maiores remover rotineiramente todas as placas, no entanto alterações nas dimensões das placas e parafusos e a média de remoção das placas variou entre cinco e menor desempenho mecânico. 40%. Os autores ressaltaram que a principal razão MATTHEW & FRAME (2000) desenvolveram para a remoção dos aparatos metálicos consistia na um estudo em cães, no qual analisaram a liberação sintomatologia relatada pelos pacientes. de metais para os tecidos adjacentes dos parafusos ACERO et al. (1999), através de um estudo e miniplacas de titânio e aço inoxidável submetidos prospectivo que consistiu na remoção de 37 ou não à tensão. As miniplacas e os parafusos foram miniplacas de titânio comercialmente puro em 23 removidos, juntamente com osso e tecido mole pacientes que se submeteram à cirurgia para adjacentes e submetidos, em seguida, à análise por tratamento de trauma ou deformidade buco-maxilo- luz ultravioleta e fotometria de absorção atômica. facial, investigaram o comportamento desse Os autores não observaram relação evidente da biomaterial junto aos tecidos adjacentes. Por pigmentação do tecido mole adjacente às miniplacas intermédio das microscopias eletrônica e óptica, os e parafusos com as concentrações de metais presentes autores observaram boa osseointegração ultra- bem como a quantidade de metais liberados de placas estrutural na interface osso-implante, bem como sob carga mecânica ou não. 20 Rev. Cir. Traumatol. Buco-Maxilo-Fac., Camaragibe v.5, n.3, p. 17 - 26, julho/setembro 2005 PEREIRA et al. A liberação de metal pelos aparatos de fixação da FIR. Os autores destacaram não existir uma relação também foi investigada por MENINGAUD et al. (2001) explícita entre o tempo de permanência da placa no que desenvolveram um estudo prospectivo para local e mudanças na aparência histológica. investigar a existência ou não de relação entre o tempo BHATT & LANGFORD (2003) conduziram um de duração de fixação e a liberação de partículas estudo retrospectivo em pacientes submetidos à metálicas das placas e parafusos de titânio. O aparato cirurgia ortognática, a trauma buco-maxilo-facial e de fixação e o tecido adjacente foram removidos de reconstrução. O objetivo do trabalho foi avaliar as cinqüenta e um pacientes para análise por microscopia causas e a principal incidência de remoção das eletrônica e espectrometria de emissão atômica. Os osteossínteses com miniplacas e parafusos. Os resultados colhidos revelaram uma insolubilidade do pacientes submetidos à cirurgia decorrente de titânio aos fluidos orgânicos próximo dos 100%, além trauma apresentaram uma maior incidência para de comprovar a inexistência de relação entre o tempo remoção do aparato de fixação, em comparação aos de implantação da FIR e um crescente processo de outros dois grupos. A região de ângulo, corpo e liberação de titânio. parassínfise mandibular e pilar zigomático mostrou- Relatos de seqüelas neurológicas com o uso se como áreas mais sujeitas à remoção, tendo como de miniplacas e parafuso de titânio foram principal justificativa a infecção, seguindo-se de recentemente citados por BECK et al. (2002). Os deiscência da ferida. autores descreveram o caso de um paciente de oito Um estudo prospectivo foi desenvolvido por anos de idade, o qual apresentava como queixa BHATT et al. (2005), o qual acompanharam por principal dor de cabeça unilateral que se mostrava quatro anos e analisaram fatores associados à crescente com relação à freqüência e intensidade. remoção das placas e parafusos utilizados em cirurgias Na história médica, o paciente relatou ter-se submetido traumatológica, ortognática e reconstrutiva. Os a uma cirurgia para correção de craniosinostose resultados corroboraram a literatura, demonstrando durante a infância. Ao exame por tomografia uma predileção para remoção do aparato de fixação computadorizada, foi observado migração do material de fixação utilizado para a dura-máter. Uma segunda cirurgia foi programada, e o material de fixação de titânio fora substituído por placas e parafusos no primeiro ano de sua inserção, decorrente de sintomatologia relatada pelo paciente em que, na maioria dos casos, foi constatada uma deiscência do tecido e/ou infecção. absorvíveis. Os sintomas foram sanados e as funções neurológicas, mantidas. DISCUSSÃO Trabalhos desenvolvidos por LANGFORD & O início do uso da FIR aconteceu na ortopedia FRAME (2002) avaliaram histomorfologicamente as e traumatologia. Neste momento, havia uma grande miniplacas e os parafusos de titânio e os tecidos desconfiança de que os materiais metálicos pudessem adjacentes removidos da região buco-maxilo-facial. ocasionar danos, em curto e longo prazo, aos tecidos Os resultados encontrados demonstraram que, em adjacentes e à distância. O possível potencial de todas as trinta e cinco espécimes coletadas, havia um oncogenicidade foi citado na literatura por DUBE & grau variado de fibrose e que os pigmentos de titânio FISHER (1972) e TAYTON (1980), descrevendo casos encontravam-se num ambiente extracelular. A de hemangioendotelioma e sarcoma de Ewing, presença de fragmentos metálicos no meio celular respectivamente. Acreditamos que tais artigos foi atribuída a defeitos da própria manufatura e danos carecem de comprovações científicas para mecânicos ocasionados durante a inserção e remoção estabelecer uma relação direta entre a patologia Rev. Cir. Traumatol. Buco-Maxilo-Fac., Camaragibe v.5, n.3, p. 17 - 26, julho/setembro 2005 21 PEREIRA et al. diagnosticada e o uso do material de fixação. A Este último autor recomenda que as placas e ausência de relatos atuais sobre essa relação colabora parafusos constituídos de aço inoxidável devem ser com o seu descrédito, haja vista existir um aumento removidos incondicionalmente. no uso, em comparação ao início da técnica. Ainda que o aço inoxidável possua constituintes A liberação de metais pelo material utilizado desencadeadores de hipersensibilidade, comparando- vem sendo amplamente discutida na literatura. O se a outros biomateriais, sua tolerância aos tecidos vivos surgimento de material fibroso na interface tecido- foi comprovada, sendo estatisticamente semelhante ao metal e a presença de elevadas concentrações de titânio. Autores, como MATTHEW et al. (1996), Ni, Co, Cr e Mo, além do aparecimento de coloração ressaltaram não haver diferenças significativas tanto marrom na região circunjascente, estariam microscopicamente quanto macroscopicamente, associados à aparatologia de fixação utilizada relacionadas à corrosão superficial, não estabelecendo (McAULEY et al., 1987; MOBERG et al., 1989). No relação com reações alérgicas. entanto, com o avanço das propriedades físicas e No entanto, com o surgimento e mecânicas dos materiais para FIR, associado ao aprimoramento de materiais com melhores avanço nos métodos de análise (luz ultravioleta e propriedades mecânica e maior biocompatibilidade fotometria de absorção atômica), não foi possível aos tecidos e fluidos orgânicos, a remoção posterior comprovar uma relação danosa entre a liberação deste material torna-se meramente opcional entre o de metais e efeitos adversos locais, de acordo com paciente e o cirurgião. ACERO et al. (1999), por MATTHEW & FRAME (2000). exemplo, recomendaram o uso do titânio A constatação de uma elevada insolubilidade comercialmente puro como material de primeira do titânio aos fluidos orgânicos, associado às escolha, por este apresentar requisitos de boa provas laboratoriais com urina, acrescidos da adaptabilidade, resistência e biocompatibilidade. inexistência de uma correlação entre o tempo de A literatura comprova o surgimento de fixação e o desprendimento de partículas metálicas metalose a partir da deposição de derivados citadas por MENINGAUD et al. (2001) e LANGFORD metálicos provenientes de processos corrosivos & FRAME (2002), contribuíram para enaltecer a nos materiais de fixação depositados nos tecidos capacidade bio-inerte do titânio, como também vivos adjacentes (Fig. 1). Tal fato deve ocorrer contra-indicar pela presença de irregularidades superficiais nas uma remoção sem uma sintomatologia justificável da FIR. placas e nos parafusos, podendo ser ocasionadas Casos de reação de hipersensibilidade aos por desgaste da interface osso/metal submetidos constituintes do material de fixação são à tensão e por pequenos danos à estrutura esporadicamente relatados. Manifestações metálica durante a cirurgia. A própria manufatura alérgicas foram citadas por GUYURON & LASA deste material pode gerar desgastes estruturais, JÚNIOR (1992), com um fio de aço e por ROSENBERG podendo induzir um maior processo corrosivo, de et al. (1993) com placas de aço inoxidável acordo com RAY et al. (1998) e LANGFORD & (Champy®). Tais reações foram comprovadas FRAME (2002). Além dos danos mecânicos na imunologicamente que se originavam de fatores manipulação, adaptação e instalação das placas irritantes provenientes de micropartículas metálicas e parafusos, VEZEAU et al. (1996) salientaram o potencialmente tóxicas, presentes nas ligas que efeito deletério dos repetidos ciclos de constituíam os diferentes sistemas de osteossíntese esterilização com o óxido de etileno e vapor em empregados, justificando, portanto, sua remoção. autoclave. 22 Rev. Cir. Traumatol. Buco-Maxilo-Fac., Camaragibe v.5, n.3, p. 17 - 26, julho/setembro 2005 PEREIRA et al. Figura 1 - Presença de metalose verificada no momento da remoção da placa para reconstrução com enxerto ósseo. A faixa etária acima de 30 anos de idade parece ser um fator primário que influencia diretamente na remoção das aparatologias de FIR como nos levantamentos de BROWN et al. (1989) e MANOR et al. (1999). Acreditamos que a crescente hipotonicidade muscular, o decréscimo da elasticidade da pele com o processo de envelhecimento fisiológico contribuem para sintomas de palpabilidade e sensibilidade térmica dos materiais metálicos. Uma possível queda da imunidade no período senil também contribui para uma pouca tolerância na permanência no interior dos tecidos, Figura 3 - Exposição de placa no rebordo alveolar em maxila atrófica, utilizada no pilar zigomático para redução e fixação. No outro extremo de idade, ou seja, em tratamento de fratura de face em crianças, parece haver um pouco mais de unanimidade, em que os materiais metálicos devem ser removidos em um segundo tempo cirúrgico. O risco de interferência no crescimento ósseo e de migração das placas e parafusos para regiões nobres, como o côndilo mandibular e a díploe da calota craniana, como descrito por BECK et al. (2002), respectivamente, favorecem uma maior justificativa para sua remoção após o reparo ósseo (Fig. 4) e (Fig. 5). As placas e os parafusos absorvíveis surgiram nas últimas décadas como uma boa alternativa. exacerbando processos infecciosos. Em pacientes desdentados, o processo de reabsorção fisiológica do osso alveolar e o uso de próteses muco-suportadas podem expor, por via intrabucal, o aparato de fixação. Tais situações são mais prevalentes em placas utilizadas na banda de tensão em traumas mandibulares, placas de reconstrução (Fig. 2) assim como no pilar zigomático em traumas deste osso (Fig. 3). Figura 4 - Redução e fixação de fratura de mandíbula em uma criança de dois anos, com placas e parafusos de titânio, a qual foi removida após cinco meses. Figura 2 - Fratura de mandíbula atrófica, onde se percebe avançado processo de reabsorção óssea e eminente exposição e palpabilidade intra-bucal. Rev. Cir. Traumatol. Buco-Maxilo-Fac., Camaragibe v.5, n.3, p. 17 - 26, julho/setembro 2005 Figura 5 - Material de fixação posicionado na região basilar da mandíbula, evitando traumatismos aos germes dentários. 23 PEREIRA et al. A permanência de material metálico no 2) Esses materiais apresentam-se como uma interior dos tecidos pode gerar dúvidas por parte alternativa de FIR viável e difundida mundialmente, do paciente e seus familiares quanto ao sendo utilizada nas cirurgias de tratamento do trauma comportamento em longo prazo e suas facial, nas reconstruções e em cirurgias ortognáticas. repercussões. Um exemplo de tal situação seria a 3) Não há comprovação científica que justifique a formação de artefatos nos futuros exames de remoção rotineira dos aparatos utilizados para FIR. imagem (tomografia computadorizada e imagem 4) Palpabilidade, sensibilidade térmica, infecção, por ressonância magnética), diante da necessidade exposição da placa e o uso em pacientes em fase de de um diagnóstico de uma outra alteração (FIALA crescimento demonstram ser as principais et al., 1993; FIALA et al., 1994). Os avanços dos justificativas para necessidade de uma segunda aparelhos imaginológicos e da manipulação das intervenção cirúrgica. imagens por modernos softwares excluem tal justificativa para remoção profilática. A indicação REFERÊNCIAS: de um tratamento por radioterapia em neoplasias 1. ACERO, J.; CALDERON, J.; SALMERON, J. I.; malignas, em que as placas e parafusos estivessem VERDAGUER, J. J.; CONSEJO, C.; SOMACARRERA, na direção do feixe de radiação, pode vir a ser M. L. The behavior of titanium as a biomaterial: uma justificativa plausível para sua remoção. Porém microscopy study of plates and surrounding tissues o número de sessões, a dosagem e os intervalos in facial osteosynthesis. J Craniomaxillofac Surg. podem ser adequados pelo radioterapeuta a cada v. 27, n. 2, p.117-123, Apr. 1999. situação (ALPERT & SELIGSON, 1996). Tomar como rotina em um serviço de cirurgia 2. ALPERT, B.; SELIGSON, D. Removal of buco-maxilo-facial a remoção de todo material de FIR, asymptomatic bone plates used for orthognathic após a reparação óssea, pode tornar-se bastante surgery and facial fractures. J Oral Maxillofac Surg. oneroso. Em nosso país, onde se encontram v. 54, n. 5, p. 618-621, May. 1996. dificuldades para autorização de utilização deste material, em serviço público e alguns privados, um 3. BECK, J; PARENT, A; ANGEL, M. F. Chronic contra-senso uma segunda intervenção cirúrgica para headache as a sequela of rigid fixation of remoção destes, sem justificativa palpável e concreta. craniosynostosis. J Craniofac Surg. v. 13, n. 2, p. A legislação quanto a essa questão varia em diversos 327-30, Mar. 2002. países. As responsabilidades por parte do cirurgião pelas futuras repercussões de ordem local ou sistêmica 4. BHATT, V; CHHABRA, P; DOVER, M. S. Removal of são interpretadas de maneiras diferentes e com miniplates in maxillofacial surgery: a follow-up study. variável tempo de acompanhamento. J Oral Maxillofac Surg. v. 63, n. 6, p. 756-60, Jun. 2005. CONCLUSÃO Após a revisão da literatura consultada, foi 5. BHATT, V; LANGFORD, R. J. Removal of miniplates possível concluir in maxillofacial surgery: University Hospital 1) As miniplacas e os parafusos de titânio não afetam, a Birmingham experience. J Oral Maxillofac Surg. curto e nem em longo prazo, quer seja local ou v. 61, n. 5, p. 553-6, May. 2003. sistemicamente, os tecidos e fluidos orgânicos circunjacentes, sendo, portanto, bioinerte e biocompatível. 24 6. BROWN, J. S.; TROTTER, M.; CLIFFE, J.; WARDRev. Cir. Traumatol. Buco-Maxilo-Fac., Camaragibe v.5, n.3, p. 17 - 26, julho/setembro 2005 PEREIRA et al. BOOTH, R. P.; WILLIAMS, E. D. The fate of miniplates 14. MATTHEW, I. R. & FRAME, J. W. 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