CEFAC CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA MOTRICIDADE ORAL DEGLUTIÇÃO ATÍPICA A FISIOLOGIA DA DEGLUTIÇÃO ATÍPICA RELACIONADA À MÁ-OCLUSÃO Monografia de conclusão do Curso de Especialização em Motricidade Oral Orientadora: Mirian Goldenberg Edneusa dos Santos Kalil Rio de Janeiro 1999 i SUMÁRIO 1. RESUMO...................................................................................................... 1 2. INTRODUÇÃO...................................................................................................... 2 3. FISIOLOGIA DA DEGLUTIÇÃO....................................................................... 3 3.1 FASE ORAL.................................................................................................... 3 3.2 FASE FARINGO-LARÍNGEA.......................................................................... 4 3.3 FASE ESOFÁGICA......................................................................................... 5 4. DEGLUTIÇÃO ATÍPICA.................................................................................. 8 5. ETIOLOGIA DA DEGLUTIÇÃO ATÍPICA....................................................... 15 5.1 TIPOS FACIAIS.............................................................................................. 15 5.1.1 D ÓLICOS FACIAIS ...................................................................................... 15 5.1.2 B RAQUIFACIAIS ......................................................................................... 15 5.2 RESPIRAÇÃO BUCAL................................................................................... 16 5.3 SUCÇÃO DO POLEGAR................................................................................ 18 5.4 BRUXISMO E ONICOFAGIA.......................................................................... 19 5.5 POSTURA E TAMANHO DE LÍNGUA............................................................ 19 6. DESENVOLVIMENTO DA OCLUSÃO................................................................. 21 6.1 FASE DA DENTIÇÃO DECÍDUA.................................................................... 21 6.2 FASE DA DENTIÇÃO MISTA......................................................................... 23 6.3 FASE DA DENTADURA PERMANENTE........................................................ 24 6.4 CLASSIFICAÇÃO DA MÁ-OCLUSÃO............................................................ 25 6.4.1 C LASSE I.................................................................................................. ii 25 6.4.2 CLASSE II................................................................................................. 25 6.4.3.C LASSE III ............................................................................................... 27 6.5 CLASSIFICAÇÃO DE LISCHER..................................................................... 27 6.6 ETIOLOGIA DA MÁ-OCLUSÃO...................................................................... 28 6.6.1 HEREDITÁRIA ............................................................................................ 28 6.6.2 C ONGÊNITAS............................................................................................ 29 6.6.3 A DQUIRIDAS............................................................................................. 29 6.6.4 L OCAIS .................................................................................................... 29 6.6.5 A NOMALIAS DE TAMANHO DOS DENTES....................................................... 29 6.6.6 A NOMALIA DE FORMA................................................................................ 30 6.6.7 F REIOS LABIAIS ......................................................................................... 30 6.6.8 P ERDA PREMATURA DOS DENTES............................................................... 30 6.6.9 RETENÇÃO PROLONGADA .......................................................................... 31 6.6.10 E IXO DE IRRUPÇÃO ANORMAL................................................................... 31 6.6.11 A NQUILOSE............................................................................................ 31 6.6.12 C ÁRIE DENTÁRIA ..................................................................................... 32 6.6.13 RESTAURAÇÕES DENTÁRIAS INADEQUADAS............................................... 32 7. DEGLUTIÇÃO ATÍPICA RELACIONADA À MÁ-OCLUSÃO.............................. 33 8. CONCLUSÃO....................................................................................................... 36 9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................... 37 iii 1. RESUMO O objetivo desta pesquisa é conhecer, através dos estudos de vários autores, as causas e distúrbios que levam à deglutição atípica. Durante o trabalho de pesquisa, foi possível observar as alterações causadas por posturas inadequadas dos órgãos fonoarticulatórios, dando origem a deformidades dentofaciais, más-oclusões, mordidas abertas e outros, interferindo na respiração e na mastigação, bem como modificando a forma e a função nesse processo. Alguns autores estão dedicando muita atenção ao tema, com o objetivo de transmitir seus conhecimentos, publicando livros que possam fornecer úteis e práticas informações aos profissionais de áreas afins. É importante o trabalho em parceria de ortodontistas e fonoaudiólogos, com a finalidade de orientar e esclarecer aos pais no sentido de prevenir as disfunções orofaciais que causam a Deglutição Atípica. 1 ABSTRACT This research has as its main objective the apprehension of both origin and disorder which lead to Atypical Deglutition, through the view of various authors. In the course of this work, the origin of alterations could be observed by improper postures of the speech organs. This generates dental and facial deformity; badocclusion; open-teethmark and some other problems, and their influence on breathing and chewing, as well as changing the configuration and function of this process. Some authors have been very concerned with this theme, and with the aim of transferring their knowledge, publish books to the professionals from correlated areas who can then be supplied with useful and practical pieces of information. The association of orthodontists and speech therapists is of great importance, in order to guide and elucidate parents in the prevention of mouth and facial disturbs which lead to Atypical Deglutition. 2. INTRODUÇÃO A deglutição é vista por muitos como o simples ato de engolir. Contudo, a sua complexidade se desvenda aos poucos de forma interessante e instigante, na medida em que buscamos o conhecimento científico. Diante dessa perspectiva, a deglutição é encarada como uma atividade neuromuscular complexa, pertencente a um complexo mais amplo, conhecido como Sistema Estomatognático. Esse Sistema é detentor de uma função fundamental, definida como a propulsão do alimento da boca para o estômago, representando ainda igual importância como um mecanismo protetor para os tratos respiratório e digestivo. Considerando tal importância, esta pesquisa visa, através de diferentes autores, identificar e analisar as causas, hábitos viciosos e outros, que levam o indivíduo a ter Deglutição Atípica. No campo da Ortodontia, os profissionais estão valorizando as práticas fonoaudiólogicas, enquanto terapia miofuncional. Atualmente, fonoaudiólogos e ortodontistas estão interligados não só pelas propostas de intervenção, mas, principalmente, pela prevenção, com a finalidade de diminuir, se possível, os distúrbios que alteram a forma de deglutição. 2 3. FISIOLOGIA DA DEGLUTIÇÃO Considera-se que a deglutição ocorre em três fases sucessivas: oral, faringo- laríngea e esofágica. 3.1 FASE ORAL Quando se ingere grande quantidade de alimento, o estágio oral é de caráter preparatório e deste participa o controle voluntário de vários nervos cranianos. A passagem do bolo alimentar à porção posterior da cavidade oral inicia a segunda fase da deglutição e involuntariamente controla a etapa faringo-laríngea. Após a mastigação, o bolo alimentar é deslocado para um canal transversal no dorso da língua, sem exercer maior pressão nela. Os lábios se aproximam passivamente e os músculos temporal, masseter, e pterigóideo medial estabilizam a mandíbula em oclusão cêntrica. A ponta da língua se eleva e encosta-se na papila retroincisal e na face palatina dos incisivos superiores. Logo após, sua parte anterior desliza contra o palato duro, enquanto que sua base se deprime. Nesse momento, ocorre a contração do músculo milo-hióideo que dispara o processo da deglutição. Em conseqüência da contração do milo-hióideo, a parte anterior da língua se eleva contra o palato duro, deslizando o bolo alimentar para trás, seguindo um trajeto inclinado, determinado pela posição da língua. São os chamados movimentos ondulatórios da língua, guiando o bolo alimentar em seu deslocamento posterior. A parte posterior da língua dirige-se no mesmo sentido e para cima rapidamente. Nesse momento, estão contraídos os músculos: milo-hióideo, estiloglosso e palato glosso. A pressão exercida pelo bolo alimentar nos pilares anteriores da faringe, na base da língua e no palato mole determina a geração de impulsos elétricos que, por 3 via aferente, iniciam a ação conhecida como reflexo da deglutição, integrante da segunda fase. 3.2 FASE FARINGO-LARÍNGEA É um estágio involuntário, no qual os músculos supra-hióideos, faríngeos, laríngeos e linguais se contraem em forma estereotipada e complexa. A faringe alonga-se ao mesmo tempo em que há parada respiratória. Na passagem do bolo alimentar da cavidade bucal para a faringe, este atravessa o anel ou circunferência orofaríngea, que regula a passagem de partículas de maior tamanho que não foram bem trituradas na mastigação. Na faringe, o bolo alimentar está numa câmara comum para a respiração e digestão, mas o trânsito pela faringe é muito rápido e acompanhado pelo fechamento das vias respiratórias, o que orienta a passagem do bolo para as vias digestivas, ou seja, para o esôfago. Acontece na seguinte seqüência: 1º) Há o relaxamento esfincter superior que rodeia o orifício superior do esôfago e está tonicamente contraído pela ação dos músculos cricofaríngeos que se relaxam abrindo a via de passagem para o esôfago. Esse relaxamento reduz a pressão hipofaríngea, orientando o fluxo faríngeo no sentido do ponto de maior pressão para o de menor (mais inferior). 2º) A respiração é inibida pelo fechamento da glote e deslocamento da laringe. A epiglote desce, fechando a entrada às vias aéreas, a glote fecha por contração dos músculos tireoaritenóideos e a laringe é puxada para cima e para a frente pela contração dos músculo infrahióideos. Esses músculos têm como ponte de apoio o hióides que é elevado pela ação contrátil dos músculos supra-hióideos e principalmente do milo-hióideo e do ventre anterior do digástrico, os quais 4 são eficientes somente quando a mandíbula age como ponto de apoio para a contração elevadora do hióideo. Isto exige que a boca esteja fechada tonicamente, ou seja, a mandíbula fica em posição alta pela contração dos músculos dela elevadores. Durante a deglutição, é fundamental que a boca permaneça fechada. 3º) Há o fechamento da nasofaringe, quando ocorre a elevação do palato mole e da úvula, vedando-se o orifício posterior das narinas, bem como havendo contração do músculo constritor da faringe. Esse mecanismo, além de obstruir a passagem para o nariz, desenvolve uma zona de maior pressão intrafaringeana superior, o que contribui para a orientação do fluxo do bolo alimentar, dentro da faringe, no sentido do esôfago. 4º) Onda contrátil na faringe: ocorre em forma seqüencial e coordena uma onda de contrações da musculatura esquelética da faringe, que se inicia pela contração do músculo constritor superior e, daí, segue pelo constritor médio e inferior da faringe. Essa onda é de natureza concêntrica e conduz o bolo alimentar até o esôfago. 5º) Reiniciação da respiração, acompanhada de relaxamento do músculo constritor superior da faringe e contração do esfíncter faringo-esofágico. 3.3 FASE ESOFÁGICA Quando o bolo alimentar passa para o esôfago à altura da clavícula, relaxa-se o músculo milo-hióideo, desce o hióides, voltando a laringe à sua posição original; abre-se a glote, desce o véu do palato, a língua retorna a sua posição de repouso, a mandíbula volta a sua posição postural e reinicia-se a respiração normal que foi interrompida cerca de um segundo ou menos, durante a fase faringo-laríngea. 5 O esôfago necessita de atividade espontânea. No homem, o terço superior da parede esofágica é constituído por musculatura estriada, de modo que a camada interna circular se dispõe como continuação do músculo constritor inferior da faringe e do esfincter esofageano superior. O terço inferior da parede esofágica é formado por musculatura lisa e suas camadas longitudinais e circulares se sucedem com a do estômago. A porção intermediária do esôfago é um segmento misto que possui ambos os tipos de músculos, mais ou menos mesclados. Fisiologicamente, as contrações do esôfago são ondas peristálticas primárias, iniciadas pela contração dos músculos constritores da faringe, que se propagam até o cárdias e movimentam-se no sentido da boca para o ânus, ou seja, em sentido distal, sendo que a velocidade de transmissão da onda peristáltica vai diminuindo à medida que se afasta da faringe. Existem ondas peristálticas secundárias, originadas pela distensão do corpo do esôfago. Estas últimas representam ondas de reserva, do próprio esôfago, e, fisiologicamente, se apresentam na deglutição somente quando as ondas primárias não são originadas. Tanto as ondas primárias como as secundárias, dependem da atividade neural descendente originada no centro da deglutição. A etapa esofágica está intimamente ligada à fase faringolaríngea, mas pode desacoplar, quando ocorre uma série de rápidas respostas faríngeas. Isto acontece, por exemplo, quando se bebe um copo de água; cada gole inicia a seqüência bucal e faríngea completa, mas o peristaltismo esofágico inibese até que haja produzido o último movimento de deglutição em série. O esfíncter esofageano superior relaxa-se e fecha-se em cada deglutição, enquanto que o esfíncter inferior se abre com a primeira deglutição e somente se fecha quando cessa a onda peristáltica que penetra no esfíncter. Impulsos aferentes locais do esôfago podem alterar a motilidade esofágica. A ingestão de substâncias quentes 6 aumenta a velocidade e amplitude do movimento peristáltico esofágico; o contrário ocorre com líquidos frios. A deglutição de substâncias ácidas retarda e descoordena o peristaltismo esofágico. A porção estriada superior do esôfago contrai-se de forma semelhante ao músculo liso, permanecendo contraído por alguns segundos, para depois relaxar-se vagarosamente. A inervação motora da musculatura lisa esofágica forma parte do plexo vagal esofágico, de modo que as fibras pré-ganglionares parassimpáticas fazem sinapse nos plexos intraneurais do esôfago com os neurônios pós-ganglionares, que inervam a musculatura lisa do esôfago. O parassimpático colinérgico comporta-se como estímulo excitatório. Ademais, parecem existir fibras adrenérgicas inibitórias, ainda não muito bem estudadas. (Douglas, 1994). 7 4. DEGLUTIÇÃO ATÍPICA A deglutição é considerada uma atividade neuromuscular muito complexa. Quando essa atividade é rompida, por alterações nesse processo, ocorrerá a Deglutição Atípica. Altmann (1996) considera um quadro complexo de Deglutição Atípica, quando há respiração bucal, flacidez da musculatura de lábios, bochecha, dos músculos elevadores da mandíbula, interposição de língua, alterações de ponto articulatório, tornando a deglutição inadequada. O padrão infantil de deglutição muda quando ocorre a erupção dentária, sendo que essa mudança, às vezes, não acontece, e o adulto mantém a deglutição infantil que está relacionada com as anormalidades ortodônticas. Estas, para alguns autores, se dão pelo posicionamento indevido da língua quando pressionada entre os incisivos anteriores ou entre pré-molares e molares posteriores. Afirma Douglas (l994) que, no período pré e pós natal, as aferências sensoriais são bastante críticas para a repetição do ato da deglutição e coordenação motora, que estão ligadas à sucção. É na metade do primeiro ano de vida que acontecem modificações importantes, com o amadurecimento do sistema estomatognático, alterando o funcionamento da musculatura orofacial. A faringe se alonga, trazendo mudanças no esqueleto facial, os dentes erupcionam e a deglutição infantil aos poucos vai dando lugar à deglutição adulta. A deglutição infantil ou visceral é aquela que se realiza na infância, antes de ser estabelecida a oclusão. Os maxilares estão separados e a língua fica entre as almofadinhas gengivais. A estabilização da mandíbula acontece por contrações 8 provenientes de excitações no nervo facial e a deglutição tem início e orientação pelas sensações que partem dos receptores labiais e línguais. Com a erupção dos incisivos, os movimentos e posições mandibulares ficam mais exatos; a língua está retraída, iniciando a aprendizagem da mastigação. A musculatura invervada pelo trigênio (Vpar) é responsável pela função mandibular durante a deglutição, enquanto os músculos que antes agiam na sucção e deglutição visceral passam a assumir funções mais delicadas, como a articulação e expressão facial. A transição entre deglutição infantil e adulta demora de 12 a 15 meses. É quando acontece a maturação dos componentes neuromusculares orofaciais e modificações conseqüentes das forças gravitacionais sobre a cabeça e a mandíbula. São aspectos finais da deglutição adulta: • dentes em aposição com oclusão cêntrica; • mandíbula estável pela ação dos músculos mastigadores inervados pelo Vpar; • ponta da língua em repouso na face palatina dos incisivos ou papila retroincisiva; • contrações mínimas dos lábios durante a deglutição (ausência de mímica exagerada). Na deglutição atípica, os dentes não estão em aposição e a língua interpõe-se entre os pré-molares e molares, produzindo desequilíbrios musculares e, em conseqüência, surgem distúrbios dentários e foniátricos. Relata Marchesan (1993) que morder, mastigar e deglutir são funções que acontecem rapidamente, uma após a outra, e, portanto, não devem ser vistas em separado. A mastigação deverá ser alternada de um lado e outro da boca; mas, no caso de 9 haver alterações de mordidas cruzadas ou abertas posteriores, cáries, falhas dentárias ou hipotônia da musculatura lateral, tenderá a ser unilateral. O ato correto de mastigar é feito com rotação de mandíbula. Quando se mastiga com a boca entreaberta, há indicações de que não existem condições de respiração nasal e o movimento passa a ser vertical. A deglutição pode estar alterada porque: • as amígdalas são hipertróficas e, com isso, a língua se protrui; • o palato é estreito e não há condições de um bom acoplamento de língua; • o palato é alto e o contato com a língua fica difícil; • a língua é hipotônica, e não tem força suficiente para juntar o alimento e se acoplar contra o palato; • o hábito infantil persiste; • a anatomia do indivíduo não permite uma deglutição correta; • a sucção é falha, não permitindo a formação do bolo; • a bochecha é hipotônica, não cooperando na mastigação, sucção e formação do bolo; • a respiração é bucal; • existe mordida aberta anterior; • há interposição de lábio inferior atrás dos dentes superiores, uma vez que a pessoa é classe II; • há contração da musculatura perioral, na tentativa de contenção da língua dentro do espaço intra-oral; • a arcada é pequena para aquela língua. Ao concluir, a autora considera que apenas dizer que a deglutição é atípica não 10 resolve, pois, o que se entende como atipia é a forma de deglutir diferente da maioria da população, e que pode levar à desestruturação dos órgãos em redor. O que é importante é tentar levantar as causas dessas atipias e encontrar soluções, em vez de tratar apenas o sintoma presente, sem abordar a causa que pode levar a terapia ao insucesso, ou apenas a aprendizagem de uma nova forma de mastigar e deglutir que dificilmente será automatizada. Urias (1994) afirma que, durante a erupção, espera-se que os dentes e o osso alveolar desenvolvam-se até que o antagonista oclusal do arco oposto seja encontrado. A mordida aberta é o resultado de um desvio na relação vertical do arco maxilar e mandibular. Nesse tipo de má-oclusão, não há contato dos dentes ântero superiores, enquanto os demais permanecem em oclusão. As mordidas abertas são divididas em duas categorias: a) dentoalveolares (mordida aberta anterior) que apresenta distúrbios na erupção dos dentes e no crescimento alveolar; b) mordidas abertas esqueléticas - apresentam, além dos distúrbios dentoalveolares, uma desproporção entre os diversos ossos que compõem o crânio facial. Nesses casos, a mordida aberta é uma manifestação menor de uma discrepância grave. Entretanto, é encontrada, nesse tipo de anomalia, uma erupção maior dos incisivos e molares superiores. Como resultado, a pré-maxila fica rotacionada para cima e o plano que passa na borda da mandíbula encontrase rotacionado para baixo, fazendo com que esta fique retrusa em relação à base do crânio. Esses fatores contribuem para um aumento vertical da face e, em particular, da região ântero inferior. Não se pode considerar que as deformidades dentofaciais sejam só resultantes de fatores genéticos, pois a 11 mordida aberta é uma má-oclusão em que estão envolvidos componentes funcionais e morfológicos. A presença de hábitos prejudiciais, como a sucção do dedo polegar persistindo por longo tempo, pode impedir a erupção e o crescimento adequado do processo alveolar, causando também o deslocamento dos dentes anteriores para a frente e criando abertura dos arcos dentários com tendência à projeção de língua no ato da deglutição. A interposição da língua sobre os dentes anteriores pode ser um resíduo da sucção do polegar, que é freqüente em pacientes que apresentam mordida aberta anterior, o que se pode concluir como causa e efeito. A ortodontia destaca, como uma das causas do desenvolvimento das deformidades oclusais, a postura e o tamanho da língua. São as pressões exercidas pela postura da língua, e o tamanho exagerado em relação à arcada mandibular, ou macroglossia, que fazem com que os incisivos recebam forças constantes e que sejam projetados para a frente, dando origem à mordida aberta. Os problemas respiratórios gerados por alergias, hipertrofia de amígdalas e adenóides, excesso de cartilagem nasal, desvio do septo, congestionamento das trompas de Eustáquio, etc. levam à respiração bucal que, persistindo por um longo período, pode ocasionar rotação da mandíbula, aumento da altura facial e, em conseqüência, desenvolver a mordida aberta esquelética. Para Padovan (1976), a deglutição é um mecanismo sinérgico de ações musculares, onde todos os músculos relacionados com a cavidade oral entram em ação. Quando essa sinergia é rompida, pode acontecer várias anomalias no processo e ter-se-á a chamada deglutição atípica. 12 Os principais desvios observados apresentam quatro características: a) Pressionamento atípico da língua - na deglutição normal, a língua fica totalmente contida dentro da cavidade oral, com a ponta contra a papila palatina atrás dos incisivos superiores. Quando a língua se desvia fazendo pressão contra os dentes, ocorrerá a deglutição atípica. Com esse desequilíbrio muscular, poderá ocorrer modificações ósseas tanto na base superior quanto na inferior, gerando pressionamento, anterior e/ou lateral. A má-oclusão se instalará onde a língua exercer a sua pressão deformadora, e muitas vezes se interpondo ao longo de toda a arcada dentária, ocorrendo a sobre mordida profunda; b) Ausência de contração dos masséteres; c) Participação da musculatura perioral - a deglutição normal é um ato relaxante, sem participação da musculatura perioral. Na deglutição atípica, existem desvios, como: − ríctus lateral, que desce da asa do nariz até a comissura labial; − protrusão dos lábios; − mímica típica do mentalis com tensão e resistência; − introdução do lábio inferior embaixo dos incisivos superiores, principalmente nos pacientes classe II divisão 1 a; d) Sopro ao invés de sucção - quando não existe sucção da língua contra o palato, a criação do vácuo completo não se realiza e, então, há tendência de soprar o ar contra as aberturas entre os dentes, formando bolhas. Outros sintomas podem ser observados, como: • língua volumosa, alargada ou ondulada; • movimento da cabeça para a frente, devido à ausência da subida do hióide no ato da deglutição; esse movimento substitui o alargamento da faringe para 13 acomodação do bolo alimentar; • pressionamento do lábio inferior entre os dentes; • cuspir e acumular saliva nas comissuras labiais; • baba noturna; • respiração bucal; • desvios na fonação dos fonemas apiciais (produzidos com a ponta da língua) e que terão o seu ponto de articulação onde a língua pressiona no ato da deglutição. São os fonemas /t/ /d/ /n/ /l/ e as sibilantes /s/ e /z/. A deformação destes dois últimos fonemas é conhecida como “sigmatismo” ou “ceceio”. 14 5. ETIOLOGIA DA DEGLUTIÇÃO ATÍPICA Os fatores etiológicos que levam à deglutição atípica são apresentados a seguir. 5.1 TIPOS FACIAIS 5.1.1 Dólicos Faciais Apresentam a face longa e estreita, às vezes com mordida aberta esqueletal. De acordo com Krakauer (1995), o dólico facial tem arco maxilar e palato duro mais longo, mais estreito e profundo. A base posterior do crânio é mais curta e o arco dentário longo e estreito. A musculatura, em geral, é estirada e hipotônica. Em conseqüência, a mastigação é ineficiente, e a deglutição com interposição da língua e participação ativa da musculatura perioral, tendo um grande esforço para deglutir. A respiração é bucal, devido ao padrão de crescimento facial. Na fala, há dificuldade com a pronúncia dos fonemas plosivos e /k/ e /g/. pela distância entre o dorso da língua e o palato. Esses pacientes necessitam de acompanhamento e orientação durante todo o seu crescimento e desenvolvimento crânio facial, pois essas diferenças são genéticas e sofrem interferências do meio ambiente. 5.1.2 Braquifaciais Apresentam a face curta e larga, e têm um padrão de crescimento horizontal, com altura facial inferior diminuída. Marchesan (1994) refere que as maiores dificuldades em relação a esse tipo de face são as distorções fonêmicas nos sibilantes. O espaço interno vertical é bastante reduzido e isto faz com que a língua não tenha espaço suficiente para elevar seus bordos e produzir o /s/ e o /z/ com precisão. Sem o aumento do espaço vertical interno, ou o fechamento dos diastemas, torna-se difícil corrigir totalmente o padrão da fala. 15 5.2 Respiração Bucal Nesta parte, relata-se a influência genética e o meio ambiente ao qual estão expostas as pessoas. Para Marchesan (1994), mesmo que o indivíduo tenha uma genética favorável, se o meio não o for, pode haver alterações nem sempre favoráveis para o desenvolvimento e crescimento. Hábitos prolongados, como chupeta, mamadeira e sucção de dedo, podem trazer alterações para a conformação da arcada dentária, e também para o crescimento facial. A criança ao nascer respira pelo nariz; caso não haja interferências negativas, como: rinites, alergias, bronquites, hipertrofia de amígdalas ou adenóides, a respiração nasal continuará até o final da vida. O nariz tem como principal função respirar e através desse ato consegue limpar, aquecer e umidificar o ar, fazendo com que ele chegue ao pulmão com uma qualidade melhor, protegendo assim as vias aéreas inferiores. Quando esta situação é invertida, passando a usar a boca, pode causar desde uma irritação da mucosa oral até graves alterações de crescimento. A língua pode se posicionar de forma diferente dentro da cavidade oral, na tentativa de proteger a orofaringe e as amígdalas. Esse novo posicionamento é também para facilitar a entrada do ar ou fazer com que a boca ocupe a função do nariz, limpando, aquecendo, umidificando o ar e causando sérias alterações. Quando a língua ocupa uma posição inadequada dentro da boca, além de não cumprir seu papel de modelador dos arcos dentários; causa danos, como: a) língua com o dorso elevado e a ponta baixa inibe o crescimento mandibular e estimula o crescimento da parte anterior da maxila, podendo levar a uma classe II. 16 Esse posicionamento pode causar “ceceio” lateral, devido ao estreitamento criado entre o palato e o dorso da língua, dificultando a saída de ar; b) língua totalmente no soalho da boca, levando a mandíbula para a frente, facilitando o prognatismo; c) língua interposta entre as arcadas, levando a uma mordida aberta anterior. Outras características freqüentes do respirador oral são: • crianças irritadas por noites mal dormidas, que ficam hiperativas, dificultando a aprendizagem escolar, às vezes sonolentas, dormindo assim que sentam; • crianças que não gostam de brincadeiras tipo andar de bicicleta, jogar bola ou correr, pois, devido ao esforço físico, cansam com facilidade; • gengivas hipertrofiadas e/ou com cor alterada; • olheiras; • lábios hipotônicos; • língua muito flácida e anteriorizada; • nariz sempre entupido; • assimetrias faciais; • ombros jogados para a frente; • cabeça mal posicionada; • falta de apetite; • asas do nariz hipodesenvolvidas; • comer pouco, muito rápido ou devagar demais; • crianças magras demais ou obesas e sem cor; • respiração ruidosa; • mastigação ruidosa, de boca aberta ou de um lado só; • mordidas cruzadas unilaterais. 17 Acrescenta a autora que é importante treinar a criança para a aprendizagem do uso do nariz, além do trabalho de fortalecimento da musculatura oral. É importante também orientar a família em relação à alimentação que, muitas vezes, é constituída somente de alimentos pastosos. 5.3 SUCÇÃO DO POLEGAR Para Moresca e Feres (1994), o hábito de sucção do polegar e de outros dedos está intimamente ligado ao aleitamento materno, por produzir na criança satisfação e efeito tranqüilizante. Quando esse tipo de sucção persiste após os 4 anos de idade, deve merecer maior atenção por parte do clínico, sendo também um alerta aos pais, pois, em conseqüência do hábito, as deformações de oclusão aumentam significativamente, fazendo com que a deglutição normal se torne cada vez mais difícil. Com a prática desse hábito, o lábio inferior passa a se posicionar de forma inadequada entre a face palatina dos incisivos superiores, tanto em repouso como em atividade. A língua se posiciona mais anteriormente, para realizar o selamento labial, e o lábio superior se tornará hipotônico. Outras alterações podem acontecer, como: • Retrognatismo Mandibular; • Prognatismo Maxilar; • Mordida Aberta; • Musculatura Labial Superior Hipotônica • Musculatura Labial Inferior Hipotônica; • Atresía do Palato; • Interposição de Língua; • Atresía do Arco Superior; 18 • Respiração Bucal; • Calo Ósseo na Região do Polegar. Esses são os agravantes do hábito de sucção, que causam desequilíbrio muscular, dentre outros problemas. 5.4 BRUXISMO E ONICOFAGIA O bruxismo é considerado, por alguns autores, como conseqüência da falta de coordenação neuromotora dos músculos da mastigação. Essa descoordenação pode se manifestar através de repetidas oclusões em forma de tiques nervosos, com projeção ou lateralização da mandíbula, ou estalos da articulação têmporomandibular. Afirma Hanser (1995) que, quando o bruxismo ocorre por um longo período, produz um efeito danoso sobre as superfícies da mastigação e trituração dos dentes. A onicofagia parece estar relacionada à necessidade insatisfeita de morder, ligada a um estado psico-emocional de ansiedade. As principais conseqüências desses hábitos são os desgastes dentários, problemas periodontais, distúrbios de ATM, crânio-mandibulares, dentre outros. 5.5 POSTURA E TAMANHO DE LÍNGUA Afirma Urias (1994) que, em ortodontia, a duração da força é um fator mais crítico do que a sua magnitude. Pressões leves e contínuas são mais eficientes, na movimentação dentária, do que a aplicação de forças de maior intensidade, mas de curta duração. Desta forma, as pressões exercidas pela postura inadequada da língua e lábios em repouso são significativas e atuantes no desenvolvimento das deformidades oclusais. Quando o lábio inferior se posiciona, habitualmente, na face língual dos dentes superiores, verifica-se uma pressão sobre os incisivos 19 superiores, ou, quando a língua repousa contra os dentes da frente rotineiramente, exerce uma pressão contra a superfície língual dos dentes anteriores. O tamanho exagerado da língua, em relação ao tamanho da arcada mandibular, faz com que os incisivos recebam constantemente forças e sejam projetados para a frente, dando origem à mordida aberta e alterando as funções da deglutição. 20 6. DESENVOLVIMENTO DA OCLUSÃO Neste capítulo, relata-se o desenvolvimento da oclusão e sua relação com a erupção dos dentes, nas fases da dentição decídua, mista e permanente. Segundo Köhler (1994) o período complexo do desenvolvimento das dentições está relacionado ao crescimento facial; e pode ser explicado por várias características que são peculiares à maturação óssea e dentária de uma criança. É importante considerar que o aparelho bucal é um conjunto formado por dentes, ossos, músculos, glândulas, sistema vascular, nervoso e linfático. 6.1 FASE DA DENTIÇÃO DECÍDUA Inicia a sua formação durante as seis semanas de vida intra-uterina. A erupção dos primeiros dentes decíduos começa por volta dos seis meses de idade, e o término se dá normalmente, cerca de 24 a 30 meses de idade, quando os segundos molares decíduos entram em oclusão. Nessa fase, as arcadas dentárias apresentam-se em forma semicircular ou ovóide, havendo a presença ou não de diastema entre os dentes Informa também o autor que poucas alterações costumam ocorrer na dentadura decídua no período que vai dos 2,5 aos 5 anos de idade. Durante a fase decídua, os dentes permanentes estão fazendo a sua formação intra-óssea da seguinte maneira: • os molares permanentes estão em formação e em situação espacial sempre posterior ao último dente decíduo; • os incisivos permanentes estão localizados por lingual, em relação às raízes de seus predecessores; 21 • de acordo com Moyers (1994), a forma básica das arcadas é determinada até o quarto mês de vida intra-uterina, pelos germes dentários em desenvolvimento e pelo osso basal em crescimento. Nessa mesma época, a língua adapta-se ao espaço que vai gradativamente aumentando. Após a erupção dos dentes decíduos, o arco formado pelas coroas dentárias é quase sempre alterado pela atividade muscular, embora sua forma inicial não seja determinada pelos músculos. Segundo Figun & Garino (1994), os dentes decíduos, durante a sua permanência na cavidade bucal, cumprem funções de ordem fisiológica e biológica. São funções de ordem fisiológica: • ação mastigatória; • estabelecimento de uma linha e plano de oclusão; • manutenção da dimensão vertical; • inicio da formação; • manutenção do espaço necessário para a correta erupção dos futuros dentes permanentes. São funções biológicas: • ação estimulante do crescimento ósseo alveolar dos maxilares; • atuação no processo de erupção dos futuros dentes permanentes, pela relação de proximidade que tem com os mesmos. A dentadura decídua é composta de 20 dentes, sendo 10 dentes em cada arcada e a erupção ocorre em seqüência do seguinte modo: incisivos centrais inferiores, incisivos centrais superiores, incisivos laterais superiores, incisivos laterais inferiores, primeiros molares superiores e inferiores, caninos superiores e inferiores, segundos molares superiores e inferiores. Na medida em que surgem os dentes, os 22 músculos aprendem a fazer os movimentos oclusais funcionais necessários. 6.2 FASE DA DENTIÇÃO MISTA O período da dentição mista é aquele em que os dentes decíduos e permanentes estão na boca simultaneamente. O início desse período é marcado pela erupção dos primeiros molares permanentes. Estes têm a sua guia de erupção na arcada determinada pelas superfícies distais (posteriores) dos segundos molares decíduos. Os primeiros molares permanentes são considerados “peças-chave” para o estabelecimento de uma oclusão dentária definitiva nos padrões de normalidade. Os dentes permanentes que irão fazer seu processo de erupção, nesta e após esta fase, são classificados em duas categorias: • dentes sucessores – aqueles que substituem os decíduos existentes anteriormente na arcada. É o caso dos dentes incisivos, caninos e pré-molares permanentes; • dentes adicionais – aqueles que fazem seu processo de erupção na região situada na arcada dentária, posteriormente aos segundos molares decíduos. É o caso dos dentes molares: primeiro, segundo e terceiro. Durante a dentição mista, o especialista em ortodontia tem possibilidade de tratar o paciente de acordo com as suas necessidades, abordando enfoques terapêuticos existentes, no sentido preventivo, interceptador, pré-corretivo e corretivo. Especialidades como a Fonoaudiologia e a Otorrinolaringologia auxiliam como recurso complementar da área de ortodontia, a fim de orientar o correto crescimento e o desenvolvimento dento-ósteo-craniofacial de uma criança. Confirma Köhler (1994) que estudos efetuados pela Universidade John Hopkins 23 (U.S.A.) demonstraram e comprovaram que a criança tem um aumento de 60% de possibilidades de ter instaladas situações anômalas no seu complexo dento–ósteo– músculo–esqueletal durante a fase da “dentição mista”, surgindo, em decorrência, discrepâncias de posicionamento que podem ocorrer quanto: • aos dentes com relação à parte esqueletal; • às bases esqueletais entre si (relação maxila–mandíbula). Essas discrepâncias, além de caráter hereditário, podem ocorrer devido: • à ação muscular como matriz funcional determinante do crescimento ósseo; • à ação anormal das funções de respiração, deglutição e fonação; • à ação de hábitos locais de caráter danoso às estruturas sobre as quais aturam seus efeitos. 6.3 FASE DA DENTADURA PERMANENTE Com a esfoliação e queda do último molar decíduo, termina a fase da dentição mista e se completa a dentadura permanente. Ocorre, normalmente, dos 12 e 13 anos de idade, quando estão presentes todos os dentes permanentes, com exceção dos três molares que, nessa fase, ainda estão com seus germes em processo de formação. Após a erupção dos três molares, a arcada humana é composta por 32 dentes: 16 superiores e 16 inferiores, sendo 8 em cada hemiarcada, divididos em grupos: • grupo dos incisivos ( centrais e laterais ); • grupo dos caninos; • grupo dos pré-molares (primeiros e segundos); • grupo dos molares (primeiros, segundos e terceiros). Esta fase completa o desenvolvimento da oclusão. 24 6.4 CLASSIFICAÇÃO DA MÁ-OCLUSÃO Para classificar a má-oclusão, foi preciso ter um conceito de oclusão normal; isto foi possível constatar no capitulo anterior, que trata do desenvolvimento da oclusão. A classificação mais utilizada das má-oclusões, segundo Petrelli (1994), foi apresentada por Edward H. Angle, em 1899. Angle sistematizou a má-oclusão em três grupos principais: • Classe I • Classe II Divisão 1 Subdivisão Divisão 2 Subdivisão • Classe III Subdivisão 6.4.1 Classe I Denomina-se classe I quando a cúspide mesiovestibuar do primeiro molar superior permanente oclui no sulco mesiovestibular do primeiro molar inferior permanente. Nesta categoria, existe uma relação normal entre a maxila e a mandíbula. As anomalias encontradas são apenas de posição dentária. Nesta classe, são classificadas as anomalias de forma, número e posição dentária, como mordidas abertas, mordidas profundas, biprotusões e mordidas cruzadas. Pode ser encontrada uma desarmonia entre o volume ósseo e o dentário, provocando apinhamentos dentários, principalmente na região anterior. 6.4.2 Classe II Caracteriza-se pela mandíbula encontrar-se em posição distal com respeito à maxila. A cúspide distovestibular do primeiro molar superior oclui com o sulco mesiovestibular do primeiro molar inferior. A oclusão dos demais dentes reflete esta relação distal, concluindo que os dentes 25 inferiores encontram-se em posição posterior aos superiores. Esta classe apresenta duas divisões: a) Divisão 1 - São os casos em que a chave molar apresenta-se em classe II, e os incisivos superiores estão em labioversão exagerada. Pode estar associada a uma musculatura peribucal anormal, com um lábio superior hipotônico. A arcada superior pode apresentar-se com uma grande atresía. A língua não encosta no palato durante a posição de descanso. No ato da deglutição, há atividade muscular anormal dos músculos do mento e bucinador, juntamente com uma função compensadora da língua, alternando a posição da mesma, com tendência a acentuar o estreitamento da maxila. É possível estarem associados a este tipo de má-oclusão hábitos viciosos, como sucção de dedos, de chupeta, ou casos de respiradores bucais. Subdivisão: denomina-se de subdivisão quando a Classe II ocorre apenas de um lado da arcada dentária; assim, a unilateralidade é expressa como uma subdivisão de sua divisão. b) Divisão 2 - Apresenta a mesma morfologia da classe II, com relação à oclusão de molares, distinguindo-se pela posição dos incisivos centrais superiores que estão em palatoversão, enquanto os incisivos laterais superiores apresentam uma inclinação vestibular. Em alguns casos, pode-se encontrar tanto os incisivos centrais e laterais superiores inclinados para palatino, como os caninos superiores em posição vestibular. A arcada superior dificilmente é atrésica, e com freqüência é mais ampla que o normal na região intercaninos. Encontra-se com muita freqüência a presença de uma mordida profunda. A função muscular peribucal geralmente mostra-se dentro dos limites de normalidade, porém, em alguns casos, nota-se a 26 hipertonicidade do lábio inferior. Subdivisão: é a mesma já descrita para os casos de Divisão 1. Ocorre quando a Divisão 2 se manifesta apenas de um lado da arcada. 6.4.3 Classe III Nesta categoria, estão as anomalias que apresentam uma relação anterior da mandíbula em relação à maxila. Na oclusão dos primeiros molares, o sulco mesiovestibular do primeiro molar permanente inferior oclui anteriormente à cúspide mesiovestibular do primeiro molar permanente superior. Com freqüência, estão associadas a uma hiperplasía mandibular. Pode-se encontrar uma mordida cruzada anterior e os incisivos inferiores em linguoversão. Subdivisão: ocorre quando um lado da arcada não apresenta a relação molar Classe III. 6.5 CLASSIFICAÇÃO DE LISCHER Esta é uma das classificações de grande uso pelos profissionais, segundo Petrelli (1994), que descreve as más-posições dentárias individualmente. Aplica a adição do sufixo “versão” a palavra que indica a direção em que o dente se desviou de sua posição normal. São classificadas em: • Vestíbuloversão – Quando o dente está com inclinação para o lábio ou bochecha; • Palatoversão – inclinação palatina (dentes superiores); • Linguoversão – inclinação língual (dentes inferiores); • Mesioversão – mesial à posição normal; • Distoversão – distal à posição normal; • Supra-oclusão – além da linha de oclusão; • Infra-oclusão – aquém da linha de oclusão; 27 • Giroversão – quando o dente está em rotação em torno de seu próprio eixo. • Transposição – quando um dente se encontra na arcada dentária em posição de um outro dente. Além da classificação individual, é utilizada a relação entre a maxila e a mandíbula. Lischer classifica do seguinte modo: • Neutro-oclusão – quando a relação anteroposterior da maxila e mandíbula está em posição considerada normal.. Eqüivale à classe I de Angle; • Disto-oclusão – quando a mandíbula encontra-se em posição distal em relação à maxila Equipara-se à classe II de Angle; • Mesioclusão – a mandíbula encontra-se mesial à maxila. É a classe III, descrita por Angle. 6.6 ETIOLOGIA DA MÁ-OCLUSÃO Nesta parte, definem-se vários fatores que podem desenvolver uma má-oclusão, os quais podem ser de origem: hereditária, congênita, adquirida ou local, segundo Schwart (1994). 6.6.1 Hereditária Quando os descendentes receberam dos ascendentes os caracteres normais ou patalógicos, passando de geração a geração. Algumas vezes, esses caracteres podem ser modificados pelo ambiente pré e pós-natal, tendo como exemplo hábitos anormais, alterações nutricionais e outros. No entanto, existe um determinante genético que afeta a morfologia dentofacial, o padrão de crescimento e o desenvolvimento. Como exemplo, há as mordidas abertas esqueletais, prognatismo inferior, ou seja, classe III de Angle, devido a problemas referentes ao número e tamanho dos dentes. 28 6.6.2 Congênitas São aqueles que se formam desde a fecundação até o nascimento. São, por exemplo, as fissuras lábio–palatinas, tumores, paralisia cerebral, hemangiomas e sífilis congênita. 6.6.3 Adquiridas São alterações dentofaciais causadas pela ação de fatores locais ou gerais. Os hábitos viciosos, como a sucção de dedo, chupeta, a interposição de lábio e/ou língua provocam alterações nas arcadas e ocasionam mordidas abertas, interferindo na fala. Outros fatores que podem desenvolver a má-oclusão são: a predisposição às moléstias, alterações metabólicas, desnutrição e as pressões anormais geradas por hábitos e função. 6.6.4 Locais São agrupadas em anomalias de números de dentes. Os dentes supranumerários aparecem mais no maxilar superior, principalmente mediodente, situado na linha mediana superior. Os dentes que faltam com maior freqüência são: os terceiros molares, incisivos laterais superiores, segundos pré–molares inferiores e incisivos inferiores. Quando esta alteração acontece, para mais ou para menos do número de dentes, há influência hereditária. A ausência total do número de dentes denomina-se anadontia; a falta de vários elementos dentários chama-se oligodontia. 6.6.5 Anomalias de tamanho dos dentes Caracteriza-se pela alteração dos diâmetros dos dentes, porém a anatomia é normal. Quando as dimensões estão aumentadas, denomina-se macrodontia; 29 quando a variação é para menos chama-se microdontia. O tamanho dos dentes é determinado principalmente por fator genético e pode existir grande variação entre as pessoas. Essas alterações de tamanho são mais evidentes nos pré-molares inferiores. É possível se desenvolver em dentes com morfologia anômala, geminados ou fusionados, determinando modificações de tamanho no órgão dentário. 6.6.6 Anomalia de forma Acontece por uma alteração anatômica, da coroa ou raiz do dente, com etiologia variada. É freqüente ocorrer com o incisivo lateral superior conóide. O segundo pré-molar inferior também pode apresentar variação de forma e tamanho. São consideradas anomalías de forma a amelogênese imperfeita, hipoplasía, geminação, odontomas, alterações de fundo sifilitico, como os dentes de Hutchim, e molares em forma de framboesa. 6.6.7 Freios labiais Na sua forma anatômica, os freios labiais se mostram como inserções que normalmente não interferem na oclusão. Quando a sua forma se apresenta hipertrofiada e com inserção muito baixa, provocam alterações oclusais, como os diastemas inter-incisivos que não se reduzem fisiologicamente. 6.6.8 Perda prematura dos dentes Além da função mastigatória, os dentes decíduos são os mantenedores de espaço. Quando ocorre a perda prematura dos molares decíduos, considera-se um dano e, em conseqüência, há deslocamento para mesial dos elementos posteriores. A falta do primeiro molar permanente causará falta de espaço, inclinação dos dentes 30 posteriores, extrusão do antagonista e problemas periodontais. É certo que a perda prematura dos dentes decíduos ou permanentes põe em risco o equilíbrio oclusal. 6.6.9 Retenção prolongada Assim como a perda prematura dos dentes decíduos é danosa, por outro lado, a sua retenção prolongada constitui uma alteração no desenvolvimento da dentição. Existe um espaço de tempo considerado para a reabsorção dos dentes decíduos e a irrupção dos permanentes. Quando a parte radicular dos dentes decíduos não é reabsorvida, os dentes permanentes serão afetados, procurando outras vias de irrupção. Pode ocorrer que a retenção do dente decíduo esteja acontecendo devido à não existência do dente permanente sucessor. Só através do exame radiográfico isso poderá ser esclarecido. As alterações endócrinas contribuem para a retenção dos dentes decíduos e, como exemplo, tem-se o hipotireoidismo. 6.6.10 Eixo de irrupção anormal As principais causas dos desvios na via de irrupção dos dentes são: traumatismo, presença de barreira física, cisto e natureza idiopática. Não havendo espaço, o desvio do eixo de irrupção passa a ser um mecanismo de adaptação a essas condições, como os dentes ectópicos, supranumerários e outros. 6.6.11 Anquilose É de causa desconhecida. Em alguns casos, porém, são considerados como fatores etiológicos importantes: traumatismo, infecção e distúrbios de metabolismo, causados por algum tipo de lesão que, rompendo a membrana periodontal, ocasiona a formação de uma ponte óssea, unindo o cemento à lâmina dura alveolar, impedindo que o dente faça sua irrupção normal. Outras moléstias congênitas e 31 endócrinas, como a diastose cleidocranial, podem levar à anquilose. 6.6.12 Cárie dentária Segundo Shazer e Cols (1994), a cárie dentária é uma doença microbiana dos tecidos calcificados dos dentes, caracterizada pela desmineralização da parte inorgânica e pela destruição da substância orgânica do dente. A cárie dentária leva à perda prematura dos dentes decíduos e permanentes, causando destruição das faces proximais, e conseqüente mesialização de segmentos posteriores da arcada dentátria, inclinação axial normal, giroversões e extrusão do elemento antagonista. Pode-se afirmar como um fatores locais responsáveis pelo desequilíbrio oclusal. 6.6.13 Restaurações dentárias inadequadas É importante que a restauração dentária devolva ao dente a sua forma anatômica. Para que ocorra corretamente, é necessário observar os pontos de contato a serem executados, bem como as restaurações oclusais mantendo a dimensão vertical e sua anatomia. Quando a restauração não ocorre dessa forma, a sua função será prejudicada e, em conseqüência, terá alteração oclusal. 32 7. DEGLUTIÇÃO ATÍPICA RELACIONADA À MÁ-OCLUSÃO (FORMA E FUNÇÃO) Atualmente, o estudo dos hábitos orais admite a importância da inter-relação entre forma e função. Segundo Jabur (1994), o trabalho conjunto entre fonouaudiólogos e ortodontistas levou-os a estudar a relação entre formas, ou seja, estruturas anatômicas, e funções, como mastigação, sucção, deglutição, fonação, articulação e respiração. Concluíram esses autores que não deve ser priorizada uma ou outra, e sim estabelecidas relações entre elas. Sugere a autora que, quando for solicitado o tratamento mioterápico, o paciente só deva ser encaminhado se apresentar meio bucal favorável para a correção das funções. Nos portadores de má-oclusão tipo classe II divisão 1a, os incisivos superiores estão freqüentemente em lábioversão exagerada, dificultando o vedamento labial. A arcada superior pode apresentar-se com atresía, o que dificulta a posição de repouso da língua contra o palato. Nesses casos, verifica-se que a forma (má-oclusão) está alterando a postura de repouso dos lábios e língua, com alterações conseqüentes na deglutição, mastigação e, algumas vezes, levando à respiração bucal, devido à dificuldade de vedamento labial. Observa-se que grande parte dos casos de má-oclusão tipo classe II, divisão 1a, que iniciam a reeducação da função antes da correção, despende mais tempo de trabalho, levando às vezes à desestimulação do paciente. É importante observar quando o tratamento ortodôntico deve iniciar antes da intervenção mioterápica. A mordida cruzada unilateral, do tipo funcional, faz com que a mastigação se torne unilateral, em decorrência da dimensão vertical diminuída. Portadores desse tipo de má-oclusão, mesmo fazendo tratamento mioterápico, não conseguem modificar 33 seu padrão mastigatório, necessitando também do tratamento ortodôntico, para descruzar a mordida. Nos casos de mordida aberta esqueletal acompanhada de projeção anterior da língua e “ceceio” anterior, observa-se que a língua tende a se projetar em função do espaço vazio causado pela abertura dental. Em razão dessa tendência, fica difícil a automatização do padrão correto da língua em repouso e durante a fonação. Alguns pacientes conseguem controlar em situação voluntária a saída da língua, mas não automatizam o padrão, confirmando a necessidade do acompanhamento ortodôntico. A mordida cruzada classe II, divisão 1a, e a mordida aberta esqueletal apresentam situações em que se pode constatar a forma determinando e interferindo na função. Por outro lado, observam-se casos em que a função claramente está interferindo na forma. É importante que o trabalho entre a fonoaudiologia e a ortodontia sejam concomitantes, o que pode ser exemplificado: o tratamento ortodôntico das mordidas abertas dentais apresenta melhores resultados quando acompanhados da terapia miofuncional. Observa-se alteração na forma devido ao mau- posicionamento da língua. Isso ocorre de duas maneiras: • apesar da força exercida pelo aparelho, o ortodontista tem dificuldade em fechar a mordida; • o ortodontista fecha a mordida, diminui a abertura, mas, em questão de semanas, ela se abre novamente. Esses são casos em que, se a função não for trabalhada, dificilmente evita-se a recidiva. O mesmo acontece com os portadores de hábitos bucais inadequados, como sucção de dedo, respiração bucal, retenção prolongada de chupeta e mamadeira. 34 Conclui a autora que não deve ser dicotomizado se a forma determina a função ou vice-versa. As avaliações devem ser realizadas no sentido de tratar o problema de forma global, tentando todas as possibilidades, pois forma e função estão intimamente relacionadas. 35 8. CONCLUSÃO A escolha desse tema surgiu da necessidade de conhecer e passar essa experiência para a prática clínica. Para realizá-lo, foi necessário buscar, através de consultas bibliográficas a vários autores, as causas que interferem direta ou indiretamente na Deglutição Atípica. Foram importantes, para a pesquisa, os estudos de Irene Marchesan, pelo seu conhecimento científico, suas experiências clínicas, e também a sua linguagem clara, facilitando a compreensão. Igualmente importantes foram os estudos de Eros Petrelli, contribuindo para o conhecimento na área da Ortodontia, que possibilita o crescimento profissional no campo da Fonoaudiologia. Autores como Beatriz Padovan, Lilian Krakauer e outros foram fundamentais para a realização da pesquisa. O tema mais interessante da pesquisa surgiu dos estudos de Luciana Badra Jabur, mostrando a importância da inter-relação entre forma (estruturas anatômicas) e funções como sucção, deglutição, mastigação, fonação, articulação e respiração. É uma visão que leva o profissional a pensar de forma diferente, questionar normas estabelecidas e olhar seus pacientes além das queixas apresentadas. Através deste aprendizado, foi possível compreender e interpretar os fatores etiológicos que constituem o primeiro passo rumo à possibilidade de minimizar a incidência dos desvios das funções orofaciais. A importância deste trabalho pode ser comprovada na medida em que se justifica a sua realização objetivando a ampliação do conhecimento científico, imprescindível ao fonoaudiólogo que se dedica à busca de novas propostas, que esclareçam e possibilitem ampliar a capacidade 36 de trabalho de cada um. 9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS • Douglas, Carlos Alberto. Tratado de Fisiologia Aplicada às Ciências de Saúde S.P. Robe Editorial Ltda. pág. 895/99 - 904 - 1994. • Hansen, L. marvin. Fundamentos da Miologia Oroficial - Enelivros Editora e Livraria Ltda. - 1995. • Jabur, L.B. Interrelação entre Forma e Função (In. Marchesan J. Q.: Tópicos em Fonoaudiologia) S.P. Editora Lovise pág. 223-25 - 1994. • Köhler, G.J. Desenvolvimento da Oclusão (In. Petrelli E.: Ortodontia para Fonoaudiologia) S.P. Editora Lovise pág. 69 - 77 - 1994 • Krakauer, L.H. Alterações das Funções Orais nos Diversos Tipos Faciais (In. Marchesan J.Q.: Tópicos em Fonoaudiologia II) S.P. Editora Lovise pág. 147 153 - 1995. • Marchesan, J. Q. Motricidade Oral. S.P. Pancat. Editora Com. e Repres. Ltda. pág. 58 -59. • Padovan, Beatriz A.E. Deglutição Atípica. S.P. Separata do Artigo publicado na Revista “Ortodontia” pág. 12 - 13- 14 - 1976. • Petrelli, Eros. Ortodontia para Fonoaudiologia. S.P. Editora Lovise pág. 83 - 91 1994. • Schwart, E. S. Etiologia da Má-Oclusão (In. Petrille E. - Ortodontia para Fonoaudiologia) - S.P. Editora Lovise pág. 97/107 - 1994. 37