| 288 Pedagogia viva: processo de transformação contínua Juliana Burigo1 - COLETIVO MAPAIS Halina Badziack2 - COLETIVO MAPAIS Talita Moser3 - COLETIVO MAPAIS Subtema: Como ambientes educativos formais e informais formam cidadãos capazes de compreender e cumprir seus deveres pessoais e sociais. Resumo Tendo como base as vivências entre pais e filhos realizadas na Casinha Amarela4, um espaço de aprendizagem auto dirigida situado em Campo Largo - Paraná, este artigo contempla assuntos e processos pelos quais as famílias envolvidas estão passando, percebendo e também criando enquanto coletivo num caminho de amor e confiança na vida e no universo, priorizando formas criativas de construir a nós mesmos e, por consequência, o nosso entorno. Busca, com base numa pedagogia da responsabilidade, revisar e investigar o papel do líder ou dos adultos educadores e cuidadores na condução e transformação social; quais os deveres individuais para a construção da civilidade e como um espaço educativo ou as experiências nele evidenciadas podem ser “funcionais” para a sociedade e se desdobrar em outras formas de relações de aprendizado. Considerando o autoconhecimento como ferramenta para sociabilidade, esse artigo tangencia os padrões e crenças por nós herdados, o conhecimento das fases de desenvolvimento das crianças, a educação e a cultura da educação, os modelos educacionais adotados e o impulso interno de cada indivíduo. Para tal abordará a criação de um Curso baseado nesse percurso como mães e pais no qual são compartilhadas as aprendizagens e estudos na prática de um paradigma que está a favor da vida, do caminho que se constrói ao caminhar. Neste sentido, o exercício do que chamamos Pedagogia Viva, tanto na Casinha Amarela quanto nesse compartilhar de saberes, se realiza como algo profundo e transformador, um conhecer a si, para compreender o universo da criança e a construção da autonomia. Palavras-chave: Autonomia; Liderança; Criação; Autoconhecimento; Sabedoria; Educação; Amor. 1. Introdução A russa Helena Roerich, entre os anos de 1924 a 1940, escreveu uma série de livros chamada Série Agni Yoga5, nos quais trata de temas diversos ligados a grandes desafios da humanidade e onde expôs a “ética viva”, compreendendo e sintetizando filosofias e ensinamentos Juliana Burigo, mãe, artista plástica, educadora e arte educadora. Pesquisa educação e diferentes pedagogias desde a gestação e nascimento de sua primeira filha, há 15 anos. Facilita oficinas de arte para crianças, jovens e adultos desde 2005. Como artista atua profissionalmente desde 2004. Participa do Projeto Casinha Amarela há dois anos. [email protected] 2 Halina Badziack. Mãe, educadora, engenheira civil, permacultora. Participa do Projeto Casinha Amarela há quase três anos. Através da maternidade e das vivências na Casinha experiência e compartilha processos de aprendizado autodirigidos sobre a própria natureza do ser e do meio que nos acolhe. [email protected] 3 Talita Moser, mãe, educadora, terapeuta holística, instrutora de yoga, idealizadora e gestora do projeto Casinha Amarela. [email protected] 4 A Casinha Amarela é um espaço de aprendizagem auto dirigida situado em Campo Largo, no Paraná. Idealizado em 2012, está preparado para receber crianças de um a nove anos e está sempre se transformando. No espaço, as experiências e vivências acontecem semanalmente sempre com a presença dos pais. Percebemos, com o desenvolvimento das ações de convivência e estudo, que o espaço atua pedagogicamente nos pais e adultos. Atualmente, o coletivo de mães e pais da Casinha Amarela é composto por oito famílias. https://www.facebook. com/Casinha-Amarela-Pedagogia-Viva-536490106523268/?fref=ts 5 ROERICH, Helena. Série Agni Yoga. Rio de Janeiro: Avatar. A série é composta de 17 livros publicados entre 1924 e 1940. 1 Anais II Cong. Int. Uma Nova Pedagogia para a Sociedade Futura | ISBN 978-85-68901-07-6 | p. 288-297 | set. 2016. Anais do II Congresso Internacional Uma Nova Pedagogia para a Sociedade Futura: Protagonismo Responsável | 289 religiosos de diferentes tempos. Em seu livro chamado Crianças – Educação e Ética Viva6 ela coloca uma perspectiva sobre o ensinamento do ser humano, e sugere: É necessário guiar a educação de um povo desde a instrução primária das crianças, desde a mais tenra idade. Quanto mais cedo, melhor. Acreditai que o cansaço do cérebro somente ocorre por causa da tardeza. Cada mãe, aproximando-se do berço de sua criança, pronunciará a primeira fórmula de instrução: ‘você pode fazer tudo’. Proibições não são necessárias; mesmo o perigo não deve ser proibido. É melhor, em lugar disso, voltar a atenção simplesmente para o útil e o mais atrativo. Essa educação pode realçar e atrair o bem maior, sendo desnecessária a mutilação de belas imagens por uma ideia da não compreensão infantil; não humilheis as crianças. Lembrai firmemente que a verdadeira ciência é sempre atraente, breve, precisa e bela. É necessário que as famílias possuam pelo menos um embrião de entendimento de educação. Depois da idade de sete anos, muito já está perdido. Usualmente, depois da idade de três anos, o organismo está pleno de percepções. Durante os primeiros passos, a mão do guia já deve voltar à atenção para os mundos distantes, e indicá-los. O infinito deve ser sentido pelo olho do jovem. Justamente o olho deve se acostumar a admitir o infinito. É também necessário que a palavra expresse o exato pensamento. A consciência de que eu posso fazer qualquer coisa, não é uma vanglória ociosa, mas somente a conscientização de um mecanismo. Tal perspectiva está intrinsecamente relacionada ao modo como o coletivo de pais da Casinha Amarela compreende a educação e o relacionamento de instrução que um ser pode/ deve ter para com outro ser. Os fatos do mundo têm uma maneira natural de acontecer e uma Lei Maior opera e rege a sincronicidade. Nós enquanto seres humanos somos a única espécie de ser vivo que cria expectativas a respeito do destino dos filhos, desejando, de forma equivocada, que estes sigam nossos anseios e respondam de acordo com o que acreditamos ser o melhor caminho. Projetamos sobre as crianças nossas perspectivas, nossas crenças, nossas frustrações, acabando por forçálas a responderem ao que almejamos, o que fazem por incondicional amor a nós. Também somos exclusivos ao delegar a educação de nossos filhotes a terceiros, quando muitas vezes, nem conhecemos os responsáveis educadores desse processo. Observamos que há no setor educacional em geral, apesar dos esforços individuais e institucionais realizados para angariar mudanças, uma grande deficiência, primeiramente pelo caráter burocrático, mas principalmente em relação aos cuidados com as crianças, em especial quando tocam assuntos “tabus” como sexualidade, descoberta e investigação corporal, interferindo no modo genuíno como cada criança se movimenta, se socializa e se insere na sociedade ou ainda, quando desconsideram o autoconhecimento do educador como ferramenta fundamental para a educação. Outra questão, quando terceirizamos a educação, deslocamos o centro de conexão com a criança de um centro familiar para muitos centros, esse não é um fenômeno ruim, porém deve ser considerado e medidas que atendam a esse deslocamento devem ser tomadas para salvaguardar a integridade emocional e psíquica da criança. O ego da criança cristaliza-se gradualmente a partir do caos de sensações interiores e exteriores, e começa a perceber a fronteira entre o ego e o mundo exterior. Se, durante esse processo de separação, a criança experimenta um choque sério, as fronteiras entre 6 ROERICH, Helena. Crianças – Educação e Ética Viva. Rio de Janeiro: Avatar, 1941. Anais II Cong. Int. Uma Nova Pedagogia para a Sociedade Futura | ISBN 978-85-68901-07-6 | p. 288-297 | set. 2016. Anais do II Congresso Internacional Uma Nova Pedagogia para a Sociedade Futura: Protagonismo Responsável | 290 o eu e o mundo permanecem confusas e nebulosas, e a criança se torna insegura nas suas percepções. Quando isso acontece, as impressões do mundo exterior podem ser experimentadas como algo interno ou, ao contrário, sensações internas podem ser sentidas como pertencendo ao mundo exterior. No primeiro caso, repreensões exteriores são interiorizadas e se transformam em melancólicas autocensuras. No segundo, o paciente pode ter a sensação de estar sendo eletrizado por um secreto inimigo quando está apenas percebendo as suas próprias correntes bioelétricas7. Toda a vivência baseada em julgamentos, repressão e punição acaba por causar o bloqueio da criatividade e autonomia da criança. Não bastasse, na época cultural em que estamos vivendo, derivada do patriarcado e do progresso do capitalismo e liberalismo, vivemos em profunda desconexão com a essência do ser humano, seja em ambientes escolares e até mesmo no convívio familiar, preenchendo nossas vidas e a desses pequenos seres com distrações materiais, criando e satisfazendo desejos, na maioria das vezes dispensáveis, favorecendo e reforçando a distância com o silêncio e a simplicidade de ver a beleza das coisas como elas naturalmente acontecem. Neste contexto, partindo das experiências e vivências que tivemos a oportunidade de participar na Casinha Amarela, visualizamos e estamos realizando um percurso – esse nosso percurso como mães e pais participando da Casinha Amarela, sintetizado e formatado como um curso de noventa horas divididas em sete módulos – que procura tocar e trazer a público, assuntos técnicos, científicos e espirituais relacionados a uma pedagogia viva, a um processo de transformação contínua, entendendo cada ser vivo como fundamental para a integração de todos os seres: uma grande teia une tudo em si. 2. Desenvolvimento Além do próprio Antonio Meneghetti em diversos de seus livros, a psicoterapeuta Laura Gutman, em seu livro La Biografía Humana: una nueva metodología al servicio de la indagacion personal, aborda a questão da relação entre os pais e os filhos como ponto fundamental para um crescimento físico e psíquico sadio das crianças (e em outros livros trata também do “nascimento” e crescimento dos pais após o nascimento da criança). Em especial iça a vontade dos pais para trabalhar seu autoconhecimento e em como sua vontade e trabalho se revertem na educação: Não importa se nossa mãe (ou cuidadores) ‘fez tudo certinho’. Não importa se foi uma mãe fenomenal, calma, paciente, sacrificada ou justiceira. O que os filhos necessitam para criar seres alinhados com seu ser essencial e em profunda conexão consigo mesmos, é que seus cuidadores compreendam a si mesmos. Se não tivermos cuidadores adultos e maduros, consciente de seus próprios estados emocionais e sua história, essa sabedoria não será derramada sobre as crianças. Por isso, é pouco provável que as crianças quando cresçam olhem para suas vidas em estado de total consciência [trad. das autoras].8 REICH, Wilhelm. A Função do Orgasmo – Problemas econômico-sexuais da energia biológica. São Paulo: Editora Brasiliense, 1995 (P. 45). 8 GUTMAN, Laura. La Biografía Humana: una nueva metodología al servicio de la indagacion personal. Argentina: Planeta Argentina, 2013. 7 Anais II Cong. Int. Uma Nova Pedagogia para a Sociedade Futura | ISBN 978-85-68901-07-6 | p. 288-297 | set. 2016. Anais do II Congresso Internacional Uma Nova Pedagogia para a Sociedade Futura: Protagonismo Responsável | 291 Wilhelm Reich, ao tratar das condições para a realização de uma verdadeira democracia, ressalta: A verdadeira e secular luta pela democratização da vida social baseia-se na autodeterminação, na socialidade e moralidade naturais, no trabalho agradável e na alegria terrena do amor. [...] O poder social, exercido pelo povo, através do povo, e para o povo, produzido pelo amor natural à vida e pelo respeito ao trabalho executado, seria invencível. Entretanto, esse poder pressupõe que as massas trabalhadoras se tornem psiquicamente independentes e capazes de assumir a responsabilidade total pela existência social, e de determinar racionalmente a sua própria vida. O que impede isso de acontecer é a neurose psíquica da multidão, neurose que se materializa em todas as formas de ditadura e em todas as formas de tumulto político. Para dominar a neurose coletiva e o irracionalismo na vida social, isto é, para efetuar uma verdadeira higiene mental, é necessária uma estrutura social que deve, antes de tudo, eliminar a miséria material, e salvaguardar o livre desenvolvimento das energias vitais em cada um e em todos os homens. Essa estrutura social só pode ser a verdadeira democracia. Entretanto, a verdadeira democracia não é uma condição de “liberdade” que possa ser oferecida, concedida ou garantida a um grupo populacional por um governo eleito ou totalitário. A verdadeira democracia é um processo longo e difícil, no qual o povo, protegido social e legalmente, tem (isto é, não “recebe”) todas as possibilidades de se exercer a si mesmo na administração da sua conduta social, individual e vital, e de progredir em direção a todas as formas melhores de vida. Em suma, a verdadeira democracia, não é uma manifestação acabada que, como certos anciãos, goze o seu glorioso passado de lutas. É, antes, um processo de luta incessante com os problemas de desenvolvimento ininterrupto de novas ideias, de novas descobertas e de novas formas de vida [grifo das autoras]. O desenvolvimento será contínuo e impossível de ser rompido somente quando o antiquado e senil, que desempenhou o seu papel em um estágio anterior do desenvolvimento democrático, for suficientemente lúcido para dar lugar ao jovem e novo em vez de reprimi-lo apelando para a dignidade, ou para a autoridade convencional. A tradição é importante. É democrática quando desempenha a sua função natural de prover a nova geração com um conhecimento de boas e más experiências do passado, isto é, a sua função de capacitá-la a aprender à custa dos erros passados a fim de os não repetir. A tradição torna-se a ruína da democracia quando nega à geração mais nova a possibilidade de escolha; quando tenta ditar o que deve ser encarado como “bom” e como “mau” sob novas condições de vida9. Percebemos a constância no desenvolvimento e o desencadeamento de um processo ininterrupto de novas formas de vida, como base para a concretização democrática viva ou, de acordo com a vida, contínua. E a alteração e sucessão das gerações, mantendo o devido respeito aos papéis exercidos, como necessária. O universo é amoral, mas ele tem regras matemáticas de funcionamento. A moralidade deve ser naturalmente entendida pelo fluxo vital, senão, torna-se um obstáculo de repressão, como de fato expressa-se na sociedade. O papel do adulto responsável (em re-espectar o que formou de juízo ou responder com amor) é agir em favor da vida e não reprimi-la. O biólogo Humberto Maturana, como co-autor do livro Amar e Brincar – Fundamentos REICH, Wilhelm. A Função do Orgasmo – Problemas econômico-sexuais da energia biológica. São Paulo: Editora Brasiliense, 1995 (P. 20, 21 e 22). 9 Anais II Cong. Int. Uma Nova Pedagogia para a Sociedade Futura | ISBN 978-85-68901-07-6 | p. 288-297 | set. 2016. Anais do II Congresso Internacional Uma Nova Pedagogia para a Sociedade Futura: Protagonismo Responsável | 292 esquecidos do humano10, também ressalta a importância fundamental do jogo livre entre mãe (ou pessoa muito próxima) e filho, como resgate para o florescimento integral do amor, numa interação naturalmente íntima entre brincadeira, sexualidade, amorosidade e sensualidade. Na introdução do livro, comentando o ensaio da Dra. Gerda Verden-Zöller, O brincar na relação materno-infantil, está escrito que tal ensaio mostra: Que a criança cria seu espaço psíquico como seu espaço relacional, ao viver na intimidade e em contato corporal com sua mãe. Essa experiência resulta simplesmente da convivência em total aceitação e confiança mútua nesse contato; ela não acontece por ter sido diretamente ensinada. Nesse processo a criança aprende o emocionar e a dinâmica relacional fundamentais, que constituirão o espaço relacional que ela gerará em sua vida. Isto é: o que fará, ouvirá, cheirará, tocará, verá, pensará, temerá, desejará ou rechaçará, como aspectos óbvios de sua vida individual e social, na qualidade de membro de uma família e de uma cultura. Observemos as palavras de Trigueirinho em respeito às crianças na conduta para uma nova humanidade: Olhai o Sol como ilumina em cada despertar nas montanhas; observai a Lua como desliza em seu caminhar para deixar-vos o descanso após a vossa jornada de trabalho; observai as crianças que ainda não estão contaminadas e que riem, pois vêm de um mundo de paz, harmonia e felicidade. Observai os pássaros que apesar de serem agredidos pelo homem seguem oferecendo seu trilhar ao Pai, sem por isso descuidarem de seus ninhos e dos seus filhos.11 Como educadores de uma nova geração, demonstremos nosso respeito e amor às reais necessidades de todos os seres, criando condições para que as necessidades sejam satisfeitas, em harmonia e ordem. No papel de líderes sociais e cuidadores, cuidemos das micro-relações, das miudezas e especialmente das emoções, pois nossas ações e motivações são guiadas por elas – são as emoções que nos impulsionam a vivenciar (e a como vivenciar) o mundo. Se nos depararmos com uma situação desarmônica, interajamos sabendo que se trata de uma circunstância da evolução natural e que nosso papel é compreender a necessidade a ser satisfeita e, da melhor forma, colaborar para o retorno à paz primeira. Vemos a grande ou fundamental importância do papel do adulto cuidador/ educador na formação geral da civilidade. É esse talvez o ponto (que esse artigo pretende tocar) nevrálgico de atuação pedagógica e social: o germinar e florescer de novos adultos. O convite está em, dentro dos limites infinitos do amor, criar e proporcionar ambientes e condições favoráveis e saudáveis para a descoberta do EU SOU. Naturalmente, cada um representa seu papel em harmonia e paz, pois essa é a real necessidade do ser e a verdadeira natureza da criação. A chave, acreditamos estar, no autoconhecimento e na redescoberta de si como alma que anseia expressar algo através desta existência terrena. Tal redescoberta possibilitará a reinvenção do adulto que vive numa suposta normalidade mecânica-materialista, para um ser que age em constante criação de sua MATURANA, Humberto R.; VERDEN-ZÖLLER, Gerda. Amar e Brincar – Fundamentos esquecidos do humano. São Paulo: Palas Athena, 2004. 11 TRIGUEIRINHO, José. Padrões de conduta para nova humanidade. Editora Pensamento: 2010. 10 Anais II Cong. Int. Uma Nova Pedagogia para a Sociedade Futura | ISBN 978-85-68901-07-6 | p. 288-297 | set. 2016. Anais do II Congresso Internacional Uma Nova Pedagogia para a Sociedade Futura: Protagonismo Responsável | 293 vida, de sua personalidade. As pérolas, para realização dessa reinvenção de si e para auxiliar na transformação social, são: resgatar o poder de conexão – consigo mesmo e com os outros seres vivos – e se colocar em estado de constante presença em cada situação vivida. A inversão de perspectiva a partir de um paradigma de poder para um paradigma de criação e fluidez nos permite cumprir nossa singular existência. Para tanto, alguns percursos internos devem ser percorridos e sanados, liberando o fluxo para fluir. O percurso que objetivamos e estamos realizando como Curso, busca adentrar nesse interior e revolvê-lo de maneira extremamente amorosa. Estudando e praticando uma gama de textos, temas e assuntos que nos permitiram um aprofundamento do saber e do compreender das crianças e dos indivíduos como um todo, pudemos identificar algumas observações importantes: • Cada momento da criança deve ser respeitado, pois interferimos na motivação interna quando tentamos direcionar as crianças a aprenderem coisas que não estão de acordo com sua fase de desenvolvimento individual, quando não lhes agrada, quando ainda não são capazes de assimilar ou se fazemos de uma forma não adequada. • O desrespeito ao processo de desenvolvimento individual pode acarretar em baixa autoestima, pouca motivação interna para aprender e pouca capacidade de conectar-se com seus próprios sentimentos. Tais crianças geralmente não sabem o que querem fazer, tornam-se indecisas ou também são consideradas “revoltadas”, entre outros rótulos, uma “criança problema”. • Tanto a falta como o excesso de limites contribuem para um desenvolvimento defeituoso: ou abaixo das possibilidades ou inadequado. O excesso de limites pode gerar frustrações que se expressam de forma destrutiva para si mesmo ou para os demais. A falta de limites é vista como a ausência de uma base segura e um processo de socialização problemático. • Os limites relacionados com a convivência surgem na experiência do dia a dia e são assimilados de forma espontânea na medida em que as crianças experimentam suas necessidades e encontram a possibilidade de falar, discutir e decidir sobre eles. Conseguimos a partir daí, do convívio, das aprendizagens e desaprendizagens, das observações atentas, desenvolver e estruturar o perCURSO Pedagogia Viva: Processo de Transformação Contínua, como uma sequência de ciclos que se complementam e de certa forma, abrem para reflexões e práticas, abrangendo os seguintes temas: Módulo II: Fases e etapas de desenvolvimento infantil (da pré-concepção aos 24 anos); objetivos de nascimento, de vida, funcionamento da vida. Desenvolvimento cerebral, cérebro trino, as pulsações cerebrais e as ondas alfa, beta, hiperbeta; psicoAnais II Cong. Int. Uma Nova Pedagogia para a Sociedade Futura | ISBN 978-85-68901-07-6 | p. 288-297 | set. 2016. Anais do II Congresso Internacional Uma Nova Pedagogia para a Sociedade Futura: Protagonismo Responsável | 294 motricidade e psicocinética. A complementaridade dos coeficientes esquerdo e direito do cérebro e o reconhecimento do simples ao concreto e do real ao abstrato. Módulo III: Alguns temas que consideramos importantes também perpassam pelo nosso programa genético e as ativações das memórias que nos são natas a partir da criação de ambientes preparados, que conduzem à compreensão da membrana e à formação de couraças. Os Campos Mórficos, o micro e macrocosmo, as ressonâncias. Vivenciamos a bela prática de constelação familiar, constelando a questão da raiva para todos os participantes, por vivermos um passado autoritário todos temos muitas experiências em relação a sofrer ou sentir raiva de outrem. Finalizamos este módulo no mês de agosto. Módulo IV: Entraremos num momento mais sutil compreendendo o desenvolvimento dos chakras e os ciclos que surgem a partir desse desenvolvimento. Anatomia sutil do adulto e da criança e a função das principais glândulas do corpo. Campo quântico, multidimensionais e multissensoriais e as faculdades sutis. Encerraremos este ciclo com o estudo dos padrões de repetição familiar, trazendo à consciência a proposta de quebra de padrões de comportamento repetitivos e o reconhecimento das questões psicossomáticas envolvidas. Módulo V: A partir daí, passaremos a trabalhar a construção de uma relação com as crianças, o uso claro e objetivo das regras e limites com liberdade, amor e respeito. A diferença entre o poder e potência, apontando o quanto somos menos consciência e o quanto existe um inconsciente coletivo. Traremos o tema de como lidar com choros, birras e frustrações e do convívio relaxado respeitando as diferentes necessidades. Módulo VI: Conheceremos ambientes preparados e uso de materiais Montessori e outros para aprendizagem. Falaremos sobre autonomia e necessidades autênticas. E os tipos de espaços que podem contribuir com a criança, como as atividades representativas, jogos estruturados, operativos, jogos de conexão, atividades sensoriais, atividades motrizes. Como poderemos utilizar este material e como criar uma rotina relaxada em espaços de aprendizagem. Módulo VII: Para finalizar nos propomos à prática da Pedagogia Viva, a prática de jogos e realizaremos de uma vivência na Casinha Amarela. 3. Resultados O compartir destes saberes está sendo de extrema importância para o amadurecimento do grupo de mães e pais que participam da Casinha Amarela (esse processo se desenvolve de Anais II Cong. Int. Uma Nova Pedagogia para a Sociedade Futura | ISBN 978-85-68901-07-6 | p. 288-297 | set. 2016. Anais do II Congresso Internacional Uma Nova Pedagogia para a Sociedade Futura: Protagonismo Responsável | 295 junho a dezembro de 2016), pois evidenciou questões importantes do percurso, dos processos e das interações, em especial por ter se transformado em temas ou assuntos de explanação e partilha comunitária com o público, como também por aprofundar as questões e anseios íntimos dos participantes. Assim também nos faz líderes e responsáveis pela civilidade e pioneiros na realização responsável de um Curso de Pedagogia Viva como um processo de transformação contínua. Impulsionando novas famílias a pensarem sobre um movimento de educação autônomo, baseado na amorosidade, confiança e respeito, prezando pelo desenvolvimento espiritual e pela tarefa existencial de cada indivíduo. Para além desse propósito, estamos estimulando a reflexão sobre diferentes temas acerca da educação, qualificando pais, educadores e indivíduos para lidar principalmente com seus próprios medos e desafios, para assim estarem atentos e presentes na relação com as crianças. Cada grupo teve e terá suas próprias vivências, pôde e poderá tirar delas experiências enriquecedoras, trabalhando traumas de infância e crenças estagnadas. Compartilhando, em total confiança e entrega, assuntos muito particulares vivenciados em plena aceitação, sem julgamentos, mas acolhidos com uma conversa franca e amorosa. 4. Considerações Finais Todo ser humano é um ser com necessidades e habilidades, que interage com outros seres humanos; nessa interação, parte de suas necessidades são satisfeitas pelas habilidades de outros, e parte de suas habilidades são exercidas em atuação para ou com outros seres humanos.12 Rudolf Steiner, a partir de 1919, ao pensar os impulsos para uma nova organização social que se estendesse a todos os âmbitos sociais, tanto na sociedade como um todo quanto em grupos e instituições que agregam pessoas que neles atuam, formulou o que chamou de Trimembração do Organismo Social, pensando a sociedade a partir das leis que regem o organismo humano. Assim considera que a sociedade se estrutura através de três esferas: a da vida espiritual, com as vertentes educacional e cultural; a da vida jurídica, com as vertentes política e social e a da vida econômica, com a produção, o consumo e a distribuição. Estes três membros constitutivos da sociedade obedecem às leis próprias e aos ideais: liberdade para a vida cultural e espiritual; igualdade na vida jurídica e no Estado; e fraternidade na vida econômica. Diz ainda que a grande meta da humanidade é o desenvolvimento da vida espiritual; os outros setores devem servir de base para que os indivíduos possam desenvolver a liberdade, a criatividade e o autodesenvolvimento espiritual. A experiência do coletivo de mães e pais da Casinha Amarela é a de um caminho novo, não um modelo, e seus princípios apontam o plasmar de uma sociedade que viva na unidade, servindo a toda humanidade e ao cosmo de maneira amorosa, onde o indivíduo esteja entregue ao coletivo de forma equânime e abnegada. A autodescoberta da criança pode proporcionar uma educação em que ela é ativa e, por STEINER, Rudolf. Os pontos centrais da questão social nas necessidades de vida do presente e do futuro, GA 23. Trad. H. Wilda. São Paulo: Ed. Antroposófica, 1960. 12 Anais II Cong. Int. Uma Nova Pedagogia para a Sociedade Futura | ISBN 978-85-68901-07-6 | p. 288-297 | set. 2016. Anais do II Congresso Internacional Uma Nova Pedagogia para a Sociedade Futura: Protagonismo Responsável | 296 sua natureza, dê seus próprios passos na criação do caminho. Neste momento, a participação dos responsáveis é encantadora na construção do serviço planetário. Este caminho não é outra coisa senão tratar a nossos filhos com valores e princípios muito claros: carinho e respeito, e com a confiança total em que eles mesmos são capazes de traçar seu próprio ritmo em sua evolução, seu crescimento e nas formas de relacionar-se com seu entorno e com outras pessoas. O que chamamos autorregulação.13 Quando falamos de respeito, falamos de respeitar a criança como pessoa, seus direitos, suas necessidades básicas, sua integridade física e moral, seu ritmo pessoal e único de crescimento, sua necessidade de apego, sua dependência. Olhando para o mundo em que vivemos percebemos que os responsáveis, pais e educadores, precisam ter uma atitude de mudança para que seja possível auxiliar na descoberta do EU SOU. Não é um caminho fácil, já que normalmente procuramos agir tendo em vista uma experiência que nos sirva como base. Quase todos fomos criados por nossos pais de uma maneira muito diferente da qual gostaríamos de realizar com nossos filhos. Quase automaticamente, respondemos às situações novas com nossos filhos utilizando um padrão que vimos ser aplicado ou por nossos pais ou em diversas ocasiões por outros pais em situações semelhantes. Cometemos erros. Em alguns momentos podemos inclusive nos perder do que julgamos ser o nosso caminho. Falta-nos informação, referências e, além disso, nossa sociedade não entende esta forma de criação, confundindo-a muitas vezes com o seu contrário: como permissividade, passividade e falta de limites. No entanto, os que estão abertos para a percepção das mudanças que estão ocorrendo, e dispostos a entrar em conexão e presença, sentirão o chamado para um novo momento, a construção de uma nova fase. Cada um com seu momento, respeitando o despertar do interesse de cada indivíduo, a seu tempo, a sua maneira. A atuação pedagógica revolucionária está em fazer-se um novo adulto. 5. Referências ABO. Cultura e Educação: uma nova Pedagogia para a Sociedade Futura. Recanto Maestro: Ontopsicológica Editora Universitária, 2015. Asociación La Serrada (AECSA) - http://laserrada.org/ GUTMAN, Laura. A maternidade e o encontro com a própria sombra. Rio de Janeiro: Best Seller, 2012. ______. O poder do discurso materno: introdução à metodologia de construção da biografia humana. São Paulo: Ágora, 2013. ______. La Biografía Humana: una nueva metodología al servicio de la indagacion personal. Argentina: Planeta Argentina, 2013. Asociación La Serrada (AECSA) - http://laserrada.org/ 13 Anais II Cong. Int. Uma Nova Pedagogia para a Sociedade Futura | ISBN 978-85-68901-07-6 | p. 288-297 | set. 2016. Anais do II Congresso Internacional Uma Nova Pedagogia para a Sociedade Futura: Protagonismo Responsável | 297 LUZES, Eleanor Madruga. A necessidade do ensino da Ciência do Início da Vida. Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ: 2007. MATURANA, Humberto R.; VERDEN-ZÖLLER, Gerda. Amar e Brincar – Fundamentos esquecidos do humano. São Paulo: Palas Athena, 2004. MENEGHETTI, Antonio. Pedagogia Ontopsicológica. 3. ed. Recanto Maestro: Ontopsicológica Editora Universitária, 2014. REICH, Wilhelm. A Função do Orgasmo – Problemas econômico-sexuais da energia biológica. São Paulo: Editora Brasiliense, 1995. ROERICH, Helena. Série Agni Yoga. Rio de Janeiro: Avatar, 1924 - 1940. ______. Crianças – Educação e Ética Viva. Rio de Janeiro: Avatar, 1941. STEINER, Rudolf. Economia Viva – o mundo como organismo econômico único. 14 palestras proferidas em Dornach, Suíça, de 24/6 a 6/8/1922, GA 340. Trad. H. Wilda. São Paulo: Ed. Antroposófica, 1961. ______. Os pontos centrais da questão social nas necessidades de vida do presente e do futuro, GA 23. Trad. H. Wilda. São Paulo: Ed. Antroposófica, 1960. TRIGUEIRINHO, José. Padrões de conduta para nova humanidade. Editora Pensamento: 2010. VERNY, Thomas R. e WENTRAUB, Pamela. Bebês do amanhã: arte e ciência de ser pais. Caxias do Sul: Millenium, 2004. VIDOR, Alécio. Relação entre pais e filhos: a origem dos problemas. 2. ed. Recanto Maestro: Ontopsicológica Editora Universitária, 2014. Anais II Cong. Int. Uma Nova Pedagogia para a Sociedade Futura | ISBN 978-85-68901-07-6 | p. 288-297 | set. 2016.