Pedagogia viva: processo de transformação contínua

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Pedagogia viva: processo de transformação contínua
Juliana Burigo1 - COLETIVO MAPAIS
Halina Badziack2 - COLETIVO MAPAIS
Talita Moser3 - COLETIVO MAPAIS
Subtema: Como ambientes educativos formais e informais formam cidadãos capazes de
compreender e cumprir seus deveres pessoais e sociais.
Resumo
Tendo como base as vivências entre pais e filhos realizadas na Casinha Amarela4, um espaço de aprendizagem
auto dirigida situado em Campo Largo - Paraná, este artigo contempla assuntos e processos pelos quais as famílias
envolvidas estão passando, percebendo e também criando enquanto coletivo num caminho de amor e confiança
na vida e no universo, priorizando formas criativas de construir a nós mesmos e, por consequência, o nosso
entorno. Busca, com base numa pedagogia da responsabilidade, revisar e investigar o papel do líder ou dos adultos
educadores e cuidadores na condução e transformação social; quais os deveres individuais para a construção
da civilidade e como um espaço educativo ou as experiências nele evidenciadas podem ser “funcionais” para a
sociedade e se desdobrar em outras formas de relações de aprendizado. Considerando o autoconhecimento como
ferramenta para sociabilidade, esse artigo tangencia os padrões e crenças por nós herdados, o conhecimento das
fases de desenvolvimento das crianças, a educação e a cultura da educação, os modelos educacionais adotados e
o impulso interno de cada indivíduo. Para tal abordará a criação de um Curso baseado nesse percurso como mães
e pais no qual são compartilhadas as aprendizagens e estudos na prática de um paradigma que está a favor da
vida, do caminho que se constrói ao caminhar. Neste sentido, o exercício do que chamamos Pedagogia Viva, tanto
na Casinha Amarela quanto nesse compartilhar de saberes, se realiza como algo profundo e transformador, um
conhecer a si, para compreender o universo da criança e a construção da autonomia.
Palavras-chave:
Autonomia; Liderança; Criação; Autoconhecimento; Sabedoria; Educação; Amor.
1. Introdução
A russa Helena Roerich, entre os anos de 1924 a 1940, escreveu uma série de livros
chamada Série Agni Yoga5, nos quais trata de temas diversos ligados a grandes desafios da
humanidade e onde expôs a “ética viva”, compreendendo e sintetizando filosofias e ensinamentos
Juliana Burigo, mãe, artista plástica, educadora e arte educadora. Pesquisa educação e diferentes pedagogias
desde a gestação e nascimento de sua primeira filha, há 15 anos. Facilita oficinas de arte para crianças, jovens e
adultos desde 2005. Como artista atua profissionalmente desde 2004. Participa do Projeto Casinha Amarela há dois
anos. [email protected]
2
Halina Badziack. Mãe, educadora, engenheira civil, permacultora. Participa do Projeto Casinha Amarela
há quase três anos. Através da maternidade e das vivências na Casinha experiência e compartilha processos de
aprendizado autodirigidos sobre a própria natureza do ser e do meio que nos acolhe. [email protected]
3
Talita Moser, mãe, educadora, terapeuta holística, instrutora de yoga, idealizadora e gestora do projeto Casinha
Amarela. [email protected]
4
A Casinha Amarela é um espaço de aprendizagem auto dirigida situado em Campo Largo, no Paraná. Idealizado
em 2012, está preparado para receber crianças de um a nove anos e está sempre se transformando. No espaço,
as experiências e vivências acontecem semanalmente sempre com a presença dos pais. Percebemos, com o
desenvolvimento das ações de convivência e estudo, que o espaço atua pedagogicamente nos pais e adultos.
Atualmente, o coletivo de mães e pais da Casinha Amarela é composto por oito famílias. https://www.facebook.
com/Casinha-Amarela-Pedagogia-Viva-536490106523268/?fref=ts
5
ROERICH, Helena. Série Agni Yoga. Rio de Janeiro: Avatar. A série é composta de 17 livros publicados entre
1924 e 1940.
1
Anais II Cong. Int. Uma Nova Pedagogia para a Sociedade Futura | ISBN 978-85-68901-07-6 | p. 288-297 | set. 2016.
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religiosos de diferentes tempos. Em seu livro chamado Crianças – Educação e Ética Viva6 ela
coloca uma perspectiva sobre o ensinamento do ser humano, e sugere:
É necessário guiar a educação de um povo desde a instrução primária das crianças,
desde a mais tenra idade. Quanto mais cedo, melhor. Acreditai que o cansaço do
cérebro somente ocorre por causa da tardeza. Cada mãe, aproximando-se do berço
de sua criança, pronunciará a primeira fórmula de instrução: ‘você pode fazer tudo’.
Proibições não são necessárias; mesmo o perigo não deve ser proibido. É melhor,
em lugar disso, voltar a atenção simplesmente para o útil e o mais atrativo. Essa
educação pode realçar e atrair o bem maior, sendo desnecessária a mutilação de
belas imagens por uma ideia da não compreensão infantil; não humilheis as crianças.
Lembrai firmemente que a verdadeira ciência é sempre atraente, breve, precisa e bela.
É necessário que as famílias possuam pelo menos um embrião de entendimento de
educação. Depois da idade de sete anos, muito já está perdido. Usualmente, depois
da idade de três anos, o organismo está pleno de percepções. Durante os primeiros
passos, a mão do guia já deve voltar à atenção para os mundos distantes, e indicá-los.
O infinito deve ser sentido pelo olho do jovem. Justamente o olho deve se acostumar
a admitir o infinito. É também necessário que a palavra expresse o exato pensamento.
A consciência de que eu posso fazer qualquer coisa, não é uma vanglória ociosa, mas
somente a conscientização de um mecanismo.
Tal perspectiva está intrinsecamente relacionada ao modo como o coletivo de pais da
Casinha Amarela compreende a educação e o relacionamento de instrução que um ser pode/
deve ter para com outro ser. Os fatos do mundo têm uma maneira natural de acontecer e uma
Lei Maior opera e rege a sincronicidade.
Nós enquanto seres humanos somos a única espécie de ser vivo que cria expectativas
a respeito do destino dos filhos, desejando, de forma equivocada, que estes sigam nossos
anseios e respondam de acordo com o que acreditamos ser o melhor caminho. Projetamos
sobre as crianças nossas perspectivas, nossas crenças, nossas frustrações, acabando por forçálas a responderem ao que almejamos, o que fazem por incondicional amor a nós. Também
somos exclusivos ao delegar a educação de nossos filhotes a terceiros, quando muitas vezes,
nem conhecemos os responsáveis educadores desse processo. Observamos que há no setor
educacional em geral, apesar dos esforços individuais e institucionais realizados para angariar
mudanças, uma grande deficiência, primeiramente pelo caráter burocrático, mas principalmente
em relação aos cuidados com as crianças, em especial quando tocam assuntos “tabus” como
sexualidade, descoberta e investigação corporal, interferindo no modo genuíno como cada
criança se movimenta, se socializa e se insere na sociedade ou ainda, quando desconsideram o
autoconhecimento do educador como ferramenta fundamental para a educação. Outra questão,
quando terceirizamos a educação, deslocamos o centro de conexão com a criança de um centro
familiar para muitos centros, esse não é um fenômeno ruim, porém deve ser considerado e
medidas que atendam a esse deslocamento devem ser tomadas para salvaguardar a integridade
emocional e psíquica da criança.
O ego da criança cristaliza-se gradualmente a partir do caos de sensações interiores e
exteriores, e começa a perceber a fronteira entre o ego e o mundo exterior. Se, durante
esse processo de separação, a criança experimenta um choque sério, as fronteiras entre
6
ROERICH, Helena. Crianças – Educação e Ética Viva. Rio de Janeiro: Avatar, 1941.
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o eu e o mundo permanecem confusas e nebulosas, e a criança se torna insegura
nas suas percepções. Quando isso acontece, as impressões do mundo exterior podem
ser experimentadas como algo interno ou, ao contrário, sensações internas podem
ser sentidas como pertencendo ao mundo exterior. No primeiro caso, repreensões
exteriores são interiorizadas e se transformam em melancólicas autocensuras. No
segundo, o paciente pode ter a sensação de estar sendo eletrizado por um secreto
inimigo quando está apenas percebendo as suas próprias correntes bioelétricas7.
Toda a vivência baseada em julgamentos, repressão e punição acaba por causar
o bloqueio da criatividade e autonomia da criança. Não bastasse, na época cultural em que
estamos vivendo, derivada do patriarcado e do progresso do capitalismo e liberalismo, vivemos
em profunda desconexão com a essência do ser humano, seja em ambientes escolares e até
mesmo no convívio familiar, preenchendo nossas vidas e a desses pequenos seres com distrações
materiais, criando e satisfazendo desejos, na maioria das vezes dispensáveis, favorecendo e
reforçando a distância com o silêncio e a simplicidade de ver a beleza das coisas como elas
naturalmente acontecem.
Neste contexto, partindo das experiências e vivências que tivemos a oportunidade de
participar na Casinha Amarela, visualizamos e estamos realizando um percurso – esse nosso
percurso como mães e pais participando da Casinha Amarela, sintetizado e formatado como
um curso de noventa horas divididas em sete módulos – que procura tocar e trazer a público,
assuntos técnicos, científicos e espirituais relacionados a uma pedagogia viva, a um processo
de transformação contínua, entendendo cada ser vivo como fundamental para a integração de
todos os seres: uma grande teia une tudo em si.
2. Desenvolvimento
Além do próprio Antonio Meneghetti em diversos de seus livros, a psicoterapeuta
Laura Gutman, em seu livro La Biografía Humana: una nueva metodología al servicio de
la indagacion personal, aborda a questão da relação entre os pais e os filhos como ponto
fundamental para um crescimento físico e psíquico sadio das crianças (e em outros livros trata
também do “nascimento” e crescimento dos pais após o nascimento da criança). Em especial
iça a vontade dos pais para trabalhar seu autoconhecimento e em como sua vontade e trabalho
se revertem na educação:
Não importa se nossa mãe (ou cuidadores) ‘fez tudo certinho’. Não importa se
foi uma mãe fenomenal, calma, paciente, sacrificada ou justiceira. O que os filhos
necessitam para criar seres alinhados com seu ser essencial e em profunda conexão
consigo mesmos, é que seus cuidadores compreendam a si mesmos. Se não tivermos
cuidadores adultos e maduros, consciente de seus próprios estados emocionais e
sua história, essa sabedoria não será derramada sobre as crianças. Por isso, é pouco
provável que as crianças quando cresçam olhem para suas vidas em estado de total
consciência [trad. das autoras].8
REICH, Wilhelm. A Função do Orgasmo – Problemas econômico-sexuais da energia biológica. São Paulo:
Editora Brasiliense, 1995 (P. 45).
8
GUTMAN, Laura. La Biografía Humana: una nueva metodología al servicio de la indagacion personal.
Argentina: Planeta Argentina, 2013.
7
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Wilhelm Reich, ao tratar das condições para a realização de uma verdadeira democracia,
ressalta:
A verdadeira e secular luta pela democratização da vida social baseia-se na
autodeterminação, na socialidade e moralidade naturais, no trabalho agradável e na
alegria terrena do amor.
[...]
O poder social, exercido pelo povo, através do povo, e para o povo, produzido pelo amor
natural à vida e pelo respeito ao trabalho executado, seria invencível. Entretanto, esse
poder pressupõe que as massas trabalhadoras se tornem psiquicamente independentes
e capazes de assumir a responsabilidade total pela existência social, e de determinar
racionalmente a sua própria vida. O que impede isso de acontecer é a neurose psíquica
da multidão, neurose que se materializa em todas as formas de ditadura e em todas as
formas de tumulto político. Para dominar a neurose coletiva e o irracionalismo na vida
social, isto é, para efetuar uma verdadeira higiene mental, é necessária uma estrutura
social que deve, antes de tudo, eliminar a miséria material, e salvaguardar o livre
desenvolvimento das energias vitais em cada um e em todos os homens. Essa estrutura
social só pode ser a verdadeira democracia.
Entretanto, a verdadeira democracia não é uma condição de “liberdade” que possa
ser oferecida, concedida ou garantida a um grupo populacional por um governo eleito
ou totalitário. A verdadeira democracia é um processo longo e difícil, no qual o povo,
protegido social e legalmente, tem (isto é, não “recebe”) todas as possibilidades de
se exercer a si mesmo na administração da sua conduta social, individual e vital, e
de progredir em direção a todas as formas melhores de vida. Em suma, a verdadeira
democracia, não é uma manifestação acabada que, como certos anciãos, goze o seu
glorioso passado de lutas. É, antes, um processo de luta incessante com os problemas
de desenvolvimento ininterrupto de novas ideias, de novas descobertas e de novas
formas de vida [grifo das autoras]. O desenvolvimento será contínuo e impossível de
ser rompido somente quando o antiquado e senil, que desempenhou o seu papel em
um estágio anterior do desenvolvimento democrático, for suficientemente lúcido para
dar lugar ao jovem e novo em vez de reprimi-lo apelando para a dignidade, ou para a
autoridade convencional.
A tradição é importante. É democrática quando desempenha a sua função natural de
prover a nova geração com um conhecimento de boas e más experiências do passado,
isto é, a sua função de capacitá-la a aprender à custa dos erros passados a fim de os não
repetir. A tradição torna-se a ruína da democracia quando nega à geração mais nova a
possibilidade de escolha; quando tenta ditar o que deve ser encarado como “bom” e
como “mau” sob novas condições de vida9.
Percebemos a constância no desenvolvimento e o desencadeamento de um processo
ininterrupto de novas formas de vida, como base para a concretização democrática viva ou, de
acordo com a vida, contínua. E a alteração e sucessão das gerações, mantendo o devido respeito
aos papéis exercidos, como necessária. O universo é amoral, mas ele tem regras matemáticas
de funcionamento. A moralidade deve ser naturalmente entendida pelo fluxo vital, senão,
torna-se um obstáculo de repressão, como de fato expressa-se na sociedade. O papel do adulto
responsável (em re-espectar o que formou de juízo ou responder com amor) é agir em favor da
vida e não reprimi-la.
O biólogo Humberto Maturana, como co-autor do livro Amar e Brincar – Fundamentos
REICH, Wilhelm. A Função do Orgasmo – Problemas econômico-sexuais da energia biológica. São Paulo:
Editora Brasiliense, 1995 (P. 20, 21 e 22).
9
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esquecidos do humano10, também ressalta a importância fundamental do jogo livre entre mãe
(ou pessoa muito próxima) e filho, como resgate para o florescimento integral do amor, numa
interação naturalmente íntima entre brincadeira, sexualidade, amorosidade e sensualidade. Na
introdução do livro, comentando o ensaio da Dra. Gerda Verden-Zöller, O brincar na relação
materno-infantil, está escrito que tal ensaio mostra:
Que a criança cria seu espaço psíquico como seu espaço relacional, ao viver na
intimidade e em contato corporal com sua mãe. Essa experiência resulta simplesmente
da convivência em total aceitação e confiança mútua nesse contato; ela não acontece
por ter sido diretamente ensinada. Nesse processo a criança aprende o emocionar e a
dinâmica relacional fundamentais, que constituirão o espaço relacional que ela gerará
em sua vida. Isto é: o que fará, ouvirá, cheirará, tocará, verá, pensará, temerá, desejará
ou rechaçará, como aspectos óbvios de sua vida individual e social, na qualidade de
membro de uma família e de uma cultura.
Observemos as palavras de Trigueirinho em respeito às crianças na conduta para uma
nova humanidade:
Olhai o Sol como ilumina em cada despertar nas montanhas; observai a Lua como
desliza em seu caminhar para deixar-vos o descanso após a vossa jornada de trabalho;
observai as crianças que ainda não estão contaminadas e que riem, pois vêm de um
mundo de paz, harmonia e felicidade. Observai os pássaros que apesar de serem
agredidos pelo homem seguem oferecendo seu trilhar ao Pai, sem por isso descuidarem
de seus ninhos e dos seus filhos.11
Como educadores de uma nova geração, demonstremos nosso respeito e amor às reais
necessidades de todos os seres, criando condições para que as necessidades sejam satisfeitas,
em harmonia e ordem. No papel de líderes sociais e cuidadores, cuidemos das micro-relações,
das miudezas e especialmente das emoções, pois nossas ações e motivações são guiadas por
elas – são as emoções que nos impulsionam a vivenciar (e a como vivenciar) o mundo. Se
nos depararmos com uma situação desarmônica, interajamos sabendo que se trata de uma
circunstância da evolução natural e que nosso papel é compreender a necessidade a ser satisfeita
e, da melhor forma, colaborar para o retorno à paz primeira.
Vemos a grande ou fundamental importância do papel do adulto cuidador/ educador na
formação geral da civilidade. É esse talvez o ponto (que esse artigo pretende tocar) nevrálgico de
atuação pedagógica e social: o germinar e florescer de novos adultos. O convite está em, dentro
dos limites infinitos do amor, criar e proporcionar ambientes e condições favoráveis e saudáveis
para a descoberta do EU SOU. Naturalmente, cada um representa seu papel em harmonia e paz,
pois essa é a real necessidade do ser e a verdadeira natureza da criação. A chave, acreditamos
estar, no autoconhecimento e na redescoberta de si como alma que anseia expressar algo através
desta existência terrena. Tal redescoberta possibilitará a reinvenção do adulto que vive numa
suposta normalidade mecânica-materialista, para um ser que age em constante criação de sua
MATURANA, Humberto R.; VERDEN-ZÖLLER, Gerda. Amar e Brincar – Fundamentos esquecidos do
humano. São Paulo: Palas Athena, 2004.
11
TRIGUEIRINHO, José. Padrões de conduta para nova humanidade. Editora Pensamento: 2010.
10
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vida, de sua personalidade. As pérolas, para realização dessa reinvenção de si e para auxiliar na
transformação social, são: resgatar o poder de conexão – consigo mesmo e com os outros seres
vivos – e se colocar em estado de constante presença em cada situação vivida.
A inversão de perspectiva a partir de um paradigma de poder para um paradigma de
criação e fluidez nos permite cumprir nossa singular existência. Para tanto, alguns percursos
internos devem ser percorridos e sanados, liberando o fluxo para fluir. O percurso que
objetivamos e estamos realizando como Curso, busca adentrar nesse interior e revolvê-lo de
maneira extremamente amorosa.
Estudando e praticando uma gama de textos, temas e assuntos que nos permitiram
um aprofundamento do saber e do compreender das crianças e dos indivíduos como um todo,
pudemos identificar algumas observações importantes:
• Cada momento da criança deve ser respeitado, pois interferimos na motivação
interna quando tentamos direcionar as crianças a aprenderem coisas que não estão de
acordo com sua fase de desenvolvimento individual, quando não lhes agrada, quando
ainda não são capazes de assimilar ou se fazemos de uma forma não adequada.
• O desrespeito ao processo de desenvolvimento individual pode acarretar em
baixa autoestima, pouca motivação interna para aprender e pouca capacidade de
conectar-se com seus próprios sentimentos. Tais crianças geralmente não sabem o que
querem fazer, tornam-se indecisas ou também são consideradas “revoltadas”, entre
outros rótulos, uma “criança problema”.
• Tanto a falta como o excesso de limites contribuem para um desenvolvimento
defeituoso: ou abaixo das possibilidades ou inadequado. O excesso de limites pode
gerar frustrações que se expressam de forma destrutiva para si mesmo ou para os
demais. A falta de limites é vista como a ausência de uma base segura e um processo
de socialização problemático.
• Os limites relacionados com a convivência surgem na experiência do dia a dia
e são assimilados de forma espontânea na medida em que as crianças experimentam
suas necessidades e encontram a possibilidade de falar, discutir e decidir sobre eles.
Conseguimos a partir daí, do convívio, das aprendizagens e desaprendizagens, das
observações atentas, desenvolver e estruturar o perCURSO Pedagogia Viva: Processo de
Transformação Contínua, como uma sequência de ciclos que se complementam e de certa
forma, abrem para reflexões e práticas, abrangendo os seguintes temas:
 Módulo II: Fases e etapas de desenvolvimento infantil (da pré-concepção aos
24 anos); objetivos de nascimento, de vida, funcionamento da vida. Desenvolvimento
cerebral, cérebro trino, as pulsações cerebrais e as ondas alfa, beta, hiperbeta; psicoAnais II Cong. Int. Uma Nova Pedagogia para a Sociedade Futura | ISBN 978-85-68901-07-6 | p. 288-297 | set. 2016.
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motricidade e psicocinética. A complementaridade dos coeficientes esquerdo e direito
do cérebro e o reconhecimento do simples ao concreto e do real ao abstrato.
 Módulo III: Alguns temas que consideramos importantes também perpassam
pelo nosso programa genético e as ativações das memórias que nos são natas a partir
da criação de ambientes preparados, que conduzem à compreensão da membrana e à
formação de couraças. Os Campos Mórficos, o micro e macrocosmo, as ressonâncias.
Vivenciamos a bela prática de constelação familiar, constelando a questão da raiva
para todos os participantes, por vivermos um passado autoritário todos temos muitas
experiências em relação a sofrer ou sentir raiva de outrem. Finalizamos este módulo
no mês de agosto.
 Módulo IV: Entraremos num momento mais sutil compreendendo o desenvolvimento dos chakras e os ciclos que surgem a partir desse desenvolvimento. Anatomia
sutil do adulto e da criança e a função das principais glândulas do corpo. Campo quântico, multidimensionais e multissensoriais e as faculdades sutis. Encerraremos este ciclo com o estudo dos padrões de repetição familiar, trazendo à consciência a proposta
de quebra de padrões de comportamento repetitivos e o reconhecimento das questões
psicossomáticas envolvidas.
 Módulo V: A partir daí, passaremos a trabalhar a construção de uma relação com
as crianças, o uso claro e objetivo das regras e limites com liberdade, amor e respeito.
A diferença entre o poder e potência, apontando o quanto somos menos consciência e
o quanto existe um inconsciente coletivo. Traremos o tema de como lidar com choros,
birras e frustrações e do convívio relaxado respeitando as diferentes necessidades.
 Módulo VI: Conheceremos ambientes preparados e uso de materiais Montessori
e outros para aprendizagem. Falaremos sobre autonomia e necessidades autênticas.
E os tipos de espaços que podem contribuir com a criança, como as atividades representativas, jogos estruturados, operativos, jogos de conexão, atividades sensoriais,
atividades motrizes. Como poderemos utilizar este material e como criar uma rotina
relaxada em espaços de aprendizagem.
 Módulo VII: Para finalizar nos propomos à prática da Pedagogia Viva, a prática
de jogos e realizaremos de uma vivência na Casinha Amarela.
3. Resultados
O compartir destes saberes está sendo de extrema importância para o amadurecimento
do grupo de mães e pais que participam da Casinha Amarela (esse processo se desenvolve de
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junho a dezembro de 2016), pois evidenciou questões importantes do percurso, dos processos
e das interações, em especial por ter se transformado em temas ou assuntos de explanação e
partilha comunitária com o público, como também por aprofundar as questões e anseios íntimos
dos participantes. Assim também nos faz líderes e responsáveis pela civilidade e pioneiros na
realização responsável de um Curso de Pedagogia Viva como um processo de transformação
contínua. Impulsionando novas famílias a pensarem sobre um movimento de educação autônomo,
baseado na amorosidade, confiança e respeito, prezando pelo desenvolvimento espiritual e pela
tarefa existencial de cada indivíduo. Para além desse propósito, estamos estimulando a reflexão
sobre diferentes temas acerca da educação, qualificando pais, educadores e indivíduos para lidar
principalmente com seus próprios medos e desafios, para assim estarem atentos e presentes
na relação com as crianças. Cada grupo teve e terá suas próprias vivências, pôde e poderá
tirar delas experiências enriquecedoras, trabalhando traumas de infância e crenças estagnadas.
Compartilhando, em total confiança e entrega, assuntos muito particulares vivenciados em
plena aceitação, sem julgamentos, mas acolhidos com uma conversa franca e amorosa.
4. Considerações Finais
Todo ser humano é um ser com necessidades e habilidades, que interage com outros
seres humanos; nessa interação, parte de suas necessidades são satisfeitas pelas
habilidades de outros, e parte de suas habilidades são exercidas em atuação para ou
com outros seres humanos.12
Rudolf Steiner, a partir de 1919, ao pensar os impulsos para uma nova organização
social que se estendesse a todos os âmbitos sociais, tanto na sociedade como um todo quanto
em grupos e instituições que agregam pessoas que neles atuam, formulou o que chamou de
Trimembração do Organismo Social, pensando a sociedade a partir das leis que regem o
organismo humano. Assim considera que a sociedade se estrutura através de três esferas: a da
vida espiritual, com as vertentes educacional e cultural; a da vida jurídica, com as vertentes
política e social e a da vida econômica, com a produção, o consumo e a distribuição. Estes
três membros constitutivos da sociedade obedecem às leis próprias e aos ideais: liberdade
para a vida cultural e espiritual; igualdade na vida jurídica e no Estado; e fraternidade na vida
econômica. Diz ainda que a grande meta da humanidade é o desenvolvimento da vida espiritual;
os outros setores devem servir de base para que os indivíduos possam desenvolver a liberdade,
a criatividade e o autodesenvolvimento espiritual.
A experiência do coletivo de mães e pais da Casinha Amarela é a de um caminho novo,
não um modelo, e seus princípios apontam o plasmar de uma sociedade que viva na unidade,
servindo a toda humanidade e ao cosmo de maneira amorosa, onde o indivíduo esteja entregue
ao coletivo de forma equânime e abnegada.
A autodescoberta da criança pode proporcionar uma educação em que ela é ativa e, por
STEINER, Rudolf. Os pontos centrais da questão social nas necessidades de vida do presente e do futuro, GA
23. Trad. H. Wilda. São Paulo: Ed. Antroposófica, 1960.
12
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sua natureza, dê seus próprios passos na criação do caminho. Neste momento, a participação
dos responsáveis é encantadora na construção do serviço planetário.
Este caminho não é outra coisa senão tratar a nossos filhos com valores e princípios
muito claros: carinho e respeito, e com a confiança total em que eles mesmos são
capazes de traçar seu próprio ritmo em sua evolução, seu crescimento e nas formas de
relacionar-se com seu entorno e com outras pessoas. O que chamamos autorregulação.13
Quando falamos de respeito, falamos de respeitar a criança como pessoa, seus
direitos, suas necessidades básicas, sua integridade física e moral, seu ritmo pessoal e único de
crescimento, sua necessidade de apego, sua dependência.
Olhando para o mundo em que vivemos percebemos que os responsáveis, pais e
educadores, precisam ter uma atitude de mudança para que seja possível auxiliar na descoberta
do EU SOU. Não é um caminho fácil, já que normalmente procuramos agir tendo em vista uma
experiência que nos sirva como base. Quase todos fomos criados por nossos pais de uma maneira
muito diferente da qual gostaríamos de realizar com nossos filhos. Quase automaticamente,
respondemos às situações novas com nossos filhos utilizando um padrão que vimos ser
aplicado ou por nossos pais ou em diversas ocasiões por outros pais em situações semelhantes.
Cometemos erros. Em alguns momentos podemos inclusive nos perder do que julgamos ser o
nosso caminho. Falta-nos informação, referências e, além disso, nossa sociedade não entende
esta forma de criação, confundindo-a muitas vezes com o seu contrário: como permissividade,
passividade e falta de limites. No entanto, os que estão abertos para a percepção das mudanças
que estão ocorrendo, e dispostos a entrar em conexão e presença, sentirão o chamado para um
novo momento, a construção de uma nova fase. Cada um com seu momento, respeitando o
despertar do interesse de cada indivíduo, a seu tempo, a sua maneira.
A atuação pedagógica revolucionária está em fazer-se um novo adulto.
5. Referências
ABO. Cultura e Educação: uma nova Pedagogia para a Sociedade Futura. Recanto Maestro:
Ontopsicológica Editora Universitária, 2015.
Asociación La Serrada (AECSA) - http://laserrada.org/
GUTMAN, Laura. A maternidade e o encontro com a própria sombra. Rio de Janeiro: Best
Seller, 2012.
______. O poder do discurso materno: introdução à metodologia de construção da biografia
humana. São Paulo: Ágora, 2013.
______. La Biografía Humana: una nueva metodología al servicio de la indagacion personal.
Argentina: Planeta Argentina, 2013.
Asociación La Serrada (AECSA) - http://laserrada.org/
13
Anais II Cong. Int. Uma Nova Pedagogia para a Sociedade Futura | ISBN 978-85-68901-07-6 | p. 288-297 | set. 2016.
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LUZES, Eleanor Madruga. A necessidade do ensino da Ciência do Início da Vida.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ: 2007.
MATURANA, Humberto R.; VERDEN-ZÖLLER, Gerda. Amar e Brincar – Fundamentos
esquecidos do humano. São Paulo: Palas Athena, 2004.
MENEGHETTI, Antonio. Pedagogia Ontopsicológica. 3. ed. Recanto Maestro:
Ontopsicológica Editora Universitária, 2014.
REICH, Wilhelm. A Função do Orgasmo – Problemas econômico-sexuais da energia
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ROERICH, Helena. Série Agni Yoga. Rio de Janeiro: Avatar, 1924 - 1940.
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