O princípio da Filosofia Do mito ao pensamento racional O que é um mito? • COMPONENTES: • 1. Explicação da origem de tudo; • 2. Forma narrativa; • 3. Tradição oral e coletiva; • 4. Linguagem musical e poética. Sobre o mito… • Na Grécia antiga, as histórias que chamamos hoje de “mitológicas” eram levadas às pessoas pelo aedos, cantores que dedicavam-se a arte de compor e memorizar grandes poemas que eram executados publicamente com o acompanhamento de um instrumento chamado lira. Nenhum destes poemas eram escritos, por isso a importância de melodias musicais para ajudar a memória. • Com a escrita se desenvolvendo e com o registro destas histórias míticas houve uma separação entre música e poesia, criando estas duas coisas que hoje, para nós, são muitas vezes obra de profissionais distintos: o músico e o escritor. Sobre o mito… • O fato dos mitos serem transmitidos por estes poetas-cantores gregos (aedos) deixa claro uma das características do mitos. E isto não vale apenas para os gregos: a base das histórias míticas é a ORALIDADE e a sua criação sempre renovada é devido a este tipo de registro da palavra. Isto é, a palavra falada: nós falamos, contamos histórias, outros escutam, recontam e assim vai… histórias são recriadas sempre ao serem contadas. O mito é portanto uma narrativa, mas sempre de caráter coletivo quanto à sua criação ou autoria. • E por trás desta história narrada existe uma verdade? Ou melhor, existe aí atrás (do mito) A Verdade? • Sim e não! Primeiro ponto: depende o que consideramos que seja a verdade; segundo: o mundo sobre o qual falamos é independente daquilo que pensamos sobre ele? Quero dizer que falar sobre o mundo pode ser ao mesmo tempo criar um mundo. Algo abala o mito… • Antes mesmo da escrita se impor, nota-se uma mudança no uso e poder da palavra no mundo grego. Isto se dá por conta de uma mudança estrutural da sociedade, surge o universo da pólis. • Podemos situar o aparecimento da pólis entre os séculos VIII e VII. O que ocorre de novo neste momento é um deslocamento do poder: • O que simboliza esta mudança de estatuto da palavra na cidade grega é a o papel central que passa ocupar a ágora, a praça pública onde se encontravam os cidadãos para decidir e legislar sobre os assunto das cidade. A ágora ocupa o centro da cidade. • A palavra aqui já não tem o poder dos rituais religiosos, das seitas místicas, da poesia do aedo. A característica que se impõe é aquela do debate contraditório (agón), a discussão, a argumentação. O poder da palavra não vem mais da mágica, mas da PERSUASÃO. Isto é, significa que o seu poder, é um poder de convencimento. E a Filosofia? • Seria ingenuidade acreditarmos que a Filosofia aparece como um discurso racional e lógico desde o seu início. É praticamente um lugar comum afirmar que o mito se opõe ao pensamento racional porque aquele faz uso de fantasias absurdas, cria seres com poderes sobrenaturais etc. No entanto, como vamos ver a seguir, a Filosofia não nasce em oposição à fantasia ou ao sobrenatural. É preciso ter um conceito muito claro sobre a Natureza para dizer o que é “sobrenatural”, não é verdade? A surpresa de Tales • Vamos entender o que é a Filosofia através do seu primeiro conceito que surgiu. Trata-se, eu aviso, de um absurdo para os nossos ouvidos de hoje: • “TUDO É ÁGUA” • É com esta proposição que se inicia aquilo que veio a ser chamado depois de Filosofia. Tales de Mileto foi um matemático e astrônomo da cidade de Mileto, localizada na Jônia, que é a a atual Turquia. “Tudo (tudo mesmo) é água” • O que esta proposição enuncia*? 1. A origem de todas as coisas religiosos e dos mitos. O que aproxima Tales dos 2. Faz sem imagens ou fábulas Aqui Tales está mais próximo do seu campo de estudo, à investigação da Natureza. 3. Expressa o abstrato “Tudo é Um” Transforma o matemático Tales no primeiro filósofo, trata-se da expressão clara do abstrato por meio de um conceito propriamente filosófico. * Enunciar significa “expor em termos claros” O início da Filosofia • A expressão de Tales é absurda para os gregos porque até então o conhecimento abstrato era representado por meio de histórias. O único e mais importante elemento destas histórias era o ser humano. Não raro os deuses assumem justamente esta forma e também os mesmos comportamentos. • Na simples proposição de Tales (“Tudo é água”) não existe fábula, não existe historinha de deuses agindo. Ele retira o foco do ser humano e se concentra na natureza. Uma natureza não explicada pelo homem. Tales começou a ver a natureza em suas profundezas. Ele usou a ciência e aquilo que era demonstrável, pois era astrônomo e matemático, mas logo saltou por sobre tudo isso: atingindo o alvo rapidamente. • O alvo pode ser entendido como a verdade sobre todas as coisas, algo que existia já entre os gregos, mas era restrito a seitas religiosas. Tales deu voz ao “Tudo é um”. O Conceito e a velocidade do pensamento • Responder o que é a Filosofia pode ser obra de um filósofo, na verdade, trata-se de um dos problemas mais difíceis! Nós, aqui, estamos escolhendo uma visão sobre o assunto. Ela está na obra de Nietzsche e encontra um belo desenvolvimento em Deleuze e Guattari, pensadores contemporâneos. • Nietzsche afirma que a filosofia é como um relâmpago. O seu pensamento tem uma velocidade infinita, é uma surpresa, um espanto, uma iluminação repentina. Não se trata apenas de um bláblá-blá sobre a ideia de não sei quem. É uma viva experiência do pensamento que constrói um conceito. • Tales vive a verdade filosófica “Tudo é Um” expressando-a em “Tudo é água”. Mas o detalhe é que a sua expressão não inclui esta explicação, que sempre é posterior; ele diz simplesmente “tudo é água”. O pensamento não para! • O próximo pensador que apresentaremos é Anaximandro. Com ele a expressão filosófica vai se aproximando mais daquilo que chamamos até hoje de Filosofia. • Ele postula como a origem de todas as coisas o “Indeterminado”, pois para dar origem a tudo é preciso não ter nenhuma determinação, visto que ser determinado significa limite, finitude e imperfeição, logo, o determinado sempre perece, sua natureza é se destruir. • O “ser originário”, de onde tudo veio a ser, se encontra além do vir-a-ser. É assim que ele garante a eternidade do vir-a-ser, o ser originário tem de ser eterno para que tudo já não tenha se realizado e se destruído. • Anaximandro não faz simplesmente uma redução do PLURAL em UNIDADE. Tales já havia feito isto, ele se pergunta sobre o caráter desta unidade, e encontra de maneira negativa aquilo que chama de a origem de tudo: o Indeterminado. O puro movimento, além do pensar • Heráclito de Eféso é o nosso próximo pensador. • Vejam só o pensamento dele: "Contemplo o devir", diz ele, "e nunca alguém contemplou com tanta atenção o fluxo e o ritmo eternos das coisas. E o que é que eu vi? Legalidades, certezas infalíveis, vias imutáveis do direito, as Erínias que julgam todas as infrações às leis, o mundo inteiro a oferecer o espetáculo de uma justiça soberana e de forças naturais demoníacas, presentes em todo o lado e submissas ao seu serviço. Contemplei, não a punição do que no devir entrou, mas a justificação do devir. Quando é que o crime, a secessão se manifestou em formas invioláveis, em leis piedosamente veneradas? Onde domina a injustiça, depara-se com o arbitrário, a desordem, a irregularidade, a contradição; mas onde só reinam a lei e a diké, filha de Zeus, como neste mundo, como poderia aí vigorar a esfera da culpa, da expiação, da condenação e, por assim dizer, o lugar de suplício de todos os condenados?" (Nietzsche, F.) O fogo de Heráclito • Por que Heráclito se expressa desta maneira? Afirmando que a verdade última é que TUDO MUDA, que nada permanece, nada é o mesmo, e também que não existe motivo para culpa ou condenação? • Ele dialoga, de certa maneira, com Anaximandro, que estabelecera o Indeterminado, como aquilo que permanece para além de tudo que se movimenta e se modifica. A sua posição é na verdade negar algo FIXO, IMUTÁVEL e ETERNO. Se existe algo eterno é a MUDANÇA. Ele procura expressar isso também através da imagem do fogo, queimando incessantemente. Heráclito • Heráclito escreveu em aforismos, pequenas frases que condensam o pensamento, vejam alguns: • “Nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos”. • “Não de mim, mas do lógos tendo ouvido é sábio homologar tudo é um”. • “O combate é de todas as coisas pai, de todas rei, a uns ele revelou deuses, outros, homens; de uns fez escravos, de outros livres”. Quando o pensamento parece parado • Parmenides de Eléia é o nome de quem foi contra este movimento todo que acabamos de ver. Ele formula a teoria que ficou conhecida como Imobilismo, isto quer dizer que defendia que nada se move na natureza. É preciso, porém, explicar isso! • Leiam os seguintes versos de seu poema “Sobre a Natureza”: “Necessário é o dizer e pensar que o ente é; pois é ser, e nada não é; isto eu te mando considerar. Pois primeiro desta via de inquérito eu te afasto, mas depois daquela outra, em que mortais que nada sabem erram, duplas cabeças, pois o imediato em seus peitos dirige errante pensamento; e são levados como surdos e cegos, perplexas, indecisas massas, para os quais ser e não ser é reputado o mesmo e não o mesmo, e de tudo é reversível o caminho”. (Coleção pensadores, V. Pré-socráticos p.122) A flecha imóvel • Para ilustrar o pensamento de Parmênides vamos passar a Zenão de Eléia, seu discípulo. Zenão formulou suas ideias em diversos paradoxos. Vejamos alguns: • “O móvel nem no espaço em que está se move, nem naquele em que não está”. • Esta ideia, que pode parecer abstrata demais, é comumente apresentada na imagem de uma flecha que para ser lançada deve estar em repouso, e que já “em movimento” permanece em repouso, pois todas as coisas em movimento ou repouso, estão em um espaço igual a si mesmo. • Segundo o referencial da própria flecha, nunca existe movimento. E se estendemos isso para todas as coisas, tomadas nelas mesmas, não há movimento nem possibilidade alguma de movimento. O problema posto por Zenão vem de encontro, segundo estudiosos, ao Princípio da Incerteza, formulado pelo físico W. Heisenberg (em 1927). Esse princípio diz que quão maior a certeza da localização (espaço) de uma partícula, menor a certeza de seu momento (tempo), e isso é implicado pela existência de um observador no sistema físico. Vestibular? • VAMOS AOS EXERCÍCIOS!