A REPETIÇÃO E O AMOR DE TRANSFERÊNCIA Carla Grazielli de Castro Cesário Esse trabalho pretende discutir o amor de transferência pela perspectiva da repetição e suas implicações na resistência. Freud (1915[1914]) localiza na transferência uma das dificuldades em análise e propõe uma reflexão sobre a transferência exacerbada de amor. Ao apresentar sua posição pela psicanálise, ele destaca que antes mesmo da possibilidade encontrada pelo analista de manejar um laço libidinal ele é atualizado como amor de transferência. Conforme a apresentação de Freud no texto Observações sobre o amor de transferência (1915[1914]) a transferência é uma situação induzida pela análise e entendida como um laço de amor. Ele considerou esse amor presente em outras relações em que um profissional se coloca como condição de tratamento para aquele que está com um sofrimento. Para nossa discussão, abordemos esse sofrimento sem definições adicionais que nos façam cair em certos dualismos, como o psíquico ou o orgânico. Foi nesse sentido que Freud destacou a possibilidade de se situar numa posição diferenciada, em relação à moral, por exemplo, ao passar a analisar esse amor e os possíveis transtornos que ele pode causar à vida de um paciente. Apresentado como transferência, o amor pode assumir nuances como confiança no médico e agradecimento por mudanças e melhoras em seu estado patológico. Na reflexão de Freud, esse amor deveria ser tomado pelo analista com uma leve desconfiança de ser resistência ao tratamento. E é como analista que Freud se posiciona nas situações em que o sujeito apresenta um amor de transferência exacerbado. O desfecho de uma situação amorosa como esta pode ocorrer de diferentes maneiras, e abordamos a transferência após ela ser ou não trabalhada em análise. Para Freud (1915[1914]), o analista deve ter em mente a desconfiança de que esse amor ou os resultados satisfatórios de seu tratamento se apresentam como resistência. No exemplo de Freud, o paciente pode enamorar-se de seu analista e chegar a vias de uma relação conjugal. Isso pode ser aceito e ter prosseguimento, ou então, sofrer represálias morais e tal relação chegar a um fim. Se for o caso de ocorrer o desfecho de rompimento da relação, o sujeito poderá envolver-se em outros relacionamentos, assim, a mesma situação de relacionamento amoroso e término pode se repetir. Outro fim assumido encontra expressão de repulsa no moralismo, o qual se posiciona contra um relacionamento afetivo intenso do paciente com o analista ou com o médico. Podemos perceber que esse amor ao analista ou a outro profissional é o que alimenta sua própria profissão, fazendo com que ele seja reconhecido no meio profissional, haja vista seus pacientes terem sido curados e ou obtido significativas mudanças em seu estado patológico. Nesse sentido, a condição de resistência, ao encontrar expressão pela transferência, adquire elementos que denotam uma atuação do analista. A repetição que é atualizada nessa transferência permite que se mobilizem elementos específicos para a interpretação do analista. Ao situar essa repetição em ato, podemos levantar uma discussão sobre o amor de transferência como resistência tanto pela perspectiva do analista quanto do analisante. De acordo com Freud (1915[1914]), nos situaremos nessa discussão a partir do trabalho do analista e de sua abordagem do laço de amor que encontramos de modo paradoxal na transferência. Esse amor de transferência, segundo Freud, não deve perdurar como repetição e, consequentemente, manter-se como resistência, impedindo o tratamento. E para isso o analista não deve compartilhar dessa repetição com o analisante. Freud ao fazer referência à resistência afirma que “podemos suspeitar que ocasionalmente, ela faz uso de uma declaração de amor da paciente como meio de colocar à prova a severidade do analista, de maneira que, se ele mostra sinais de complacência, pode esperar ser chamado a isso” (p. 180, 1915[1914]). Nesse sentido o analista, se é que se apresenta dessa forma quando chamado a responder como tal, precisa fazer valer essa posição fundada por Freud. Lacan (1951) situa fatos de resistência durante o tratamento de Dora que desiste do tratamento. Para ele, Freud não consegue perceber o desejo homossexual de sua paciente durante o momento da sessão. Na dialética presente no momento do tratamento, Freud não se colocou numa posição de neutralidade ao tentar situar o objeto do desejo de Dora. Conforme ressalta Lopes (1992) Freud não fez Dora ouvir sua própria questão que havia sido dirigida à imagem da Madona. Dora perguntou a Freud se ele havia encontrado algo de novo ao sair de sua sessão, a qual seria a última. Freud apresentou diversas formas de o sujeito repetir em análise. E como nessa discussão situamos o problema próximo ao lugar do analista, ressaltamos que foi ele quem, nesse caso, repetiu ao tentar interpretar Dora em seu desejo. Ele atuou de uma maneira equivocada ao apontar um desejo de Dora voltado ao S. K. e não a Sra. K. No entanto, o sujeito pode não se colocar em questão sobre a causa de seu desejo se o analista não se posicionar em relação a esse desejo. E de qual forma o analista pode ser posicionar? Para isso depende do analista atuar a partir de sua posição de falta-a-ser, buscando uma abertura aos sentidos e não cristalizando ou apenas reproduzindo discursos e saberes já consolidados e consagrados pelo uso. Nesses casos em que a transferência se apresenta com um forte colorido afetivo, a resistência “intensifica o estado amoroso da paciente e exagera sua disposição à rendição sexual” (FREUD (1915[1914]), p. 180). Ao ativar essa situação, a transferência se apresenta como repetição e, portanto, o analista não pode mais ficar sem ação e deixar impune o material inconsciente manifestado pela resistência em forma de transferência. Destacamos, portanto o modo em que se podemos escolher abordar a discussão da repetição. As repetições durante as sessões de análise permitiram situar o traumático nesses elementos que repetiam, ou seja, o excesso de energia pulsional. Relembremos que para Freud (1914), a repetição é um elemento que está sob condição de resistência. O sujeito se coloca no mecanismo da repetição a partir de um trauma. Ao repetir, o sujeito busca o objeto do desejo que está desde sempre perdido, objeto que foi colocado como causa de seu desejo. No enlace dos registros Imaginário, Simbólico e Real está o objeto causa de desejo, que aciona não apenas o sintoma, como também a transferência. Dessa forma, consideramos importante ressaltar que os elementos atualizados na transferência, os quais se apresentam de uma maneira tão entrelaçada que pode se tornar difícil para muitos perceberem onde se situa o patológico nas relações formadas pela possibilidade de tratamento. Portanto, de acordo com a psicanálise, o amor de transferência ao ser analisado poderá ser percebido a partir da repetição. No entanto, o modo que o analista poderá se situar diante um amor suscitado pela transferência não deve ser estabelecido de antemão. O amor de transferência pode ser encarado como um enamoramento ou como resistência, ao justificar o recalcado. Cabe ao analista escolher de que forma fazer sua abordagem. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: FREUD, S. (1914[1915]). Observações sobre o amor de transferência. In: Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v. XII. Rio de Janeiro: Imago, 1980. _____________ . (1914). Recordar, repetir e elaborar. In: Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v. XII. Rio de Janeiro: Imago, 1980. LACAN, J. (1951). Intervenção sobre o amor de transferência. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. LOPES, V. L. S. Freud, Dora e a resistência do analista. In: Arquivos Brasileiros de Psicologia, Rio de Janeiro: s.n, v.44, n.1, p. 175-181, jan./jun. 1992.