CADERNOS DE RESUMOS IV Colóquio Hermenêutica e Direito Liberdade de Expressão: a difícil tolerância Coordenadores: Paulo Sérgio Weyl Albuquerque Costa Saulo Monteiro Matinho de Matos Victor Sales Pinheiro Sandro Alex de Souza Simões Jeferson Antonio Fernandes Bacelar Organizadores: Diego Fonseca Mascarenhas Gilberto Guimarães Filho Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 90 SUMÁRIO DOSSIÊ DOCOLÓQUIO HERMENÊUTICA E DIREITO ......................................... 94 1 LIBERDADE DE EXPRESSÃO E POLÍTICA .................................................... 97 Liberdade de Expressão: a difícil tolerância Anderson Vichinkeski Texeira ..................................................................................... 98 Tradição, Poder e Violência: fundamentos filosóficos da liberdade de expressão Diego Fonseca Mascarenhas ...................................................................................... 99 Democracia e Liberdade de Expressão: o pluralismo julgado pelo Utilitarismo de Mill e pelo Liberalismo de Rawls Elden Borges Souza ................................................................................................... 101 Conflito na Síria: violência, política e liberdade de expressão Francisco Roque Guerreiro de Oliveira/ Tiago Góes da Paixão ............................ 103 Os Sofistas na Ascensão da Democracia: liberdade de expressão na Grécia clássica Gabriel José de Brito Falcão/ Marcelo Augusto dos Anjos Matos ........................... 105 Liberdade de Expressão e Política: realidade ou desafios? Jerfcilene Carvalho ................................................................................................... 106 A Intolerância do Riso: a expressão artística do cômico e a intolerância religiosa Juliana Cristine Diniz Campos .................................................................................. 107 O Conceito de Liberdade Política para o Contratualismo Lucas de Siqueira Mendes Barbalho/ Roberta Maciel da Costa .............................. 108 Liberdade de Expressão no Liberalismo Político de John Rawls Lucas Pinheiro ........................................................................................................... 109 A Extrapolação do Contrato Social pelo Abuso de Liberdade da Imprensa Marco Antonio Coutinho de Moura Júnior ............................................................... 110 Do Charlie Hebdo ao Reflexo entre Voz e Violência Roberta Amaral Damasceno ...................................................................................... 112 Da Liberdade Política Da Liberdade de Expressão Saulo Monteiro Martinho de Matos ........................................................................... 114 2 LIBERDADE DE EXPRESSÃO RELIGIOSA ................................................... 116 Liberdade de Expressão e Manifestação do Pensamento Religioso em Perspectiva: garantias constitucionais ou instrumentos de subversão da opinião pública? Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 91 Carlos Augusto Lima Campos ................................................................................... 117 Liberdade de Expressão no Pensamento Filosófico do Século XVII: um diálogo hermenêutico de Espinoza e Locke Douglas Gabriel Domingues Neto ............................................................................ 118 Liberdade de Expressão e Crença a partir do Caso Lautsi vs. Itália Sandro Alex de Souza Simões .................................................................................... 119 Intolerância Laicista e o Bem Comum da Religião Victor Sales Pinheiro ................................................................................................. 120 3 LIBERDADE DE EXPRESSÃO E ARTE ........................................................... 123 O Conceito de Arte para Platão, e sua Relação com a Liberdade de Expressão Alberto de Pina Simões/ Moises Santiago de Oliveira .............................................. 124 Dos Limites à Liberdade de Expressão na Arte: uma apresentação do pensamento estético de Friedrich Schiller Lívia Coutinnho Pontes ............................................................................................. 126 Da liberdade de Informação e da Liberdade de (de)formação: leitura da liberdade de imprensa a partir do romance 1876, de Gore Vidal Paulo Sérgio Weyl Albuquerque Costa ..................................................................... 127 4 LIBERDADE DE EXPRESSÃO E JURISPRUDÊNCIA ................................... 129 J Accuse! O Manifesto de Émile Zola, Liberdade de Expressão e o Positivismo Inclusivo Alberto de Morais Papaléo Paes/ Giuliana Yukari Murakami da Paixão ................ 130 Liberdade de Expressão e de Imprensa: análise do voto do Min. Gilmar Mendes no Acórdão da ADPF 130/DF Alexandre Pinho Fadel ............................................................................................... 132 Construindo um Direito: a evolução da liberdade de expressão no Supremo Tribunal Federal Elden Borges Souza ................................................................................................... 133 As Molduras Jurídicas da Liberdade de Expressão João Henrique Vasconcelos Arouck .......................................................................... 135 Liberdade de Expressão e Discurso de Ódio Ricardo Araújo Dib Taxi ........................................................................................... 136 Direito de Livre Expressão a partir de uma Perspectiva Liberal: hermenêutica do voto do Min. Gilmar Mendes no acórdão da ADPF 130/DF, segundo as críticas de Ronald Dworkin ao “modelo madisioniano” Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 92 Ricardo Evandro Santos Martins ............................................................................. 137 A Liberdade de Expressão e sua Efetividade no Processo Judicial sob a Luz da Teoria da Argumentação Jurídica de Robert Alexy Victor Lucas Silva da Conceição de Souza ............................................................... 139 Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 93 Dossiê do Colóquio Hermenêutica e Direito No ano de 2014, o PPGD inaugurou o processo de avaliação interna que orienta a constituição de uma nova linha de pesquisa, a partir do desdobramento da linha de Constitucionalismo, Democracia e Direitos Humanos, dado o grau de autonomia que vem sendo conquistado pelas pesquisas no campo da Ética e Hermenêutica, cujos docentes compõem o Grupo de Pesquisa, vinculado ao CNPq, “Direitos Humanos, Ética e Hermenêutica”, no qual se desenvolvem pesquisas em diversas áreas, tais como, tradição, jusnaturalismo, linguagem e pós-modernidade. O PPGD conta, hoje, com três professores permanentes na área de concentração de Filosofia do Direito, a saber, Paulo Sérgio Weyl Albuquerque Costa, Victor Sales Pinheiro e Saulo Monteiro Martinho de Matos, além de outros professores e professoras com publicações e interesse na área. O Colóquio de Hermenêutica e Direito foi inicialmente organizado para fomentar a discussão coletiva na preparação de paper acadêmico nos seminários do PPGD-UFPA. Sua continuidade é fruto do processo de consolidação da linha de pesquisa em Filosofia do Direito, do PPGD. Durante as três edições, fomentou o diálogo acadêmico, a produção científica na área hermenêutica e Filosofia do Direito, elevando a qualidade da produção acadêmica local. Promoveu a qualificação docente e o diálogo entre pós-graduação e graduação, além da aproximação entre acadêmicos das IES participantes. Parte importante das conquistas destas versões do Colóquio está na presença de professores convidados. Na primeira edição o Colóquio contou com a participação do professor Doutor Antônio Gimenez Merino1 (Universidade de Barcelona), à época era pesquisador visitante externo no PPGD-UFPA, e do Professor João Paulo Allain Teixeira2, em conexão com a rede de Pesquisa PROCAD NF formada pelos PPGDs da UFPA, da UNICAP e da UNISINOS. Nas edições seguintes, também com o inestimável apoio da Rede PROCAD-NF UFPA/UNICAP/UNISINOS, recebeu os professores Roberto Wu3 (UFSC) e, na terceira edição, o prof. Dr. Luiz Rohden4 (UNISINOS). O IV Colóquio contará com a participação do Prof. Dr. Anderson Vichinkeski Teixeira (UNISINOS); A experiência acadêmica destes professores tem dado ao Colóquio um ambiente produtivo de debates, favorecendo a crítica às pesquisas em andamento, resultando Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 94 positivamente na maturidade das dissertações e teses desenvolvidas na área de Direito e Hermenêutica no PPGD/UFPA. A segunda versão do Colóquio foi realizada em associação com o PPGD do Centro Universitário do Pará, buscando também a cooperação com docentes da Universidade da Amazônia (UNAMA) e do Curso de Direito da então Faculdade de Castanhal (FCAT), atualmente ESTÁCIO-FCAT. A partir da segunda versão, portanto, além de constituir um espaço para a discussão crítica das pesquisas em andamento no campo do Direito e Hermenêutica, o Colóquio buscou ampliar a troca de experiência com outras pósgraduações e docentes de Direito no Estado do Pará, bem como a sinergia necessária para a melhor formação acadêmica, o incentivo à formação docente, a integração com graduação e, sobretudo transformar o espaço do Colóquio num instrumento de publicação das pesquisas. A edição de 2015 será a quarta edição deste evento que já faz parte do calendário acadêmico de Belém. De maneira direta, o evento envolve três instituições de ensino superior de Belém, a saber, a Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade da Amazônia (UNAMA) e Centro Universitário do Pará (CESUPA), além da Faculdade de Castanhal (ESTÁCIO-FCAT) com sede em Castanhal, e dois grupos de pesquisa (CNPq) da UFPA, a saber, o grupo de pesquisa “Direitos Humanos, Ética e Hermenêutica” e o grupo “Lei Natural”. Trata-se, portanto, da principal reunião das diversas pesquisas em Filosofia do Direito da Região. A edição de 2015 do IV Colóquio de Hermenêutica e Direito tem por desafio discutir a liberdade de expressão desde a mirada hermenêutica, uma questão cara à democracia, sobretudo ante a condição de prestigiar a pluralidade de opiniões e a livre manifestação do pensamento. Percebemos que a nossa democracia é pujante e possui este Direito como viga mestra para o contínuo aperfeiçoamento da nossa jovem democracia. No que diz respeito à Liberdade de expressão, o Colóquio elegeu a discussão de três aspectos: 1. Definição e delimitação da esfera pública e privada; 2. Fundamento das liberdades individuais, que requer assegurar liberdades aos cidadãos e a preservar a existência de comunidade política onde o povo está na fundação e na prática do exercício do poder político da vida em concerto; Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 95 3. Compatibilidade de limites normativos da comunicação livre e plural, a avaliar se a liberdade de expressão é compatível com a instituição de leis jurídicas e como eles seriam utilizados na projeção do agir político. O Colóquio pressupõe que a Hermenêutica fornece um instrumento adequado para a reflexão entre o Direito e a razão prática, por permitir analisar o grau do vínculo ou do distanciamento entre o indivíduo e a comunidade política. O acento na relação entre Direito e razão prática orienta o diálogo sobre a liberdade de expressão no sentido da concretização dessa liberdade, reclamado como requisito da consolidação dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Em outras palavras, requer a análise do Direito a partir da sua própria aplicação ou da sua construção voltada para uma espécie de jurisprudência hermenêutica. Nesse sentido, o IV Colóquio pauta o cenário normativo, ético e político com o objetivo de desbloquear caminhos hermenêuticos para compreender a liberdade de expressão na nossa sociedade. Tarefa que requer a análise de quatro fontes de reflexão, a saber: (1) Liberdade de expressão e política, (2) liberdade de expressão e religião, (3) liberdade de expressão e arte e (4) liberdade de expressão e jurisprudência. Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 96 TÓPICO 1: LIBERDADE DE EXPRESSÃO E POLÍTICA Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 97 Liberdade de Expressão: a difícil tolerância Anderson Vichinkeski Teixeira Doutor em Teoria e História do Direito pela Università degli Studi di Firenze – Itália Professor na Pós-Graduação em Direito na UNISINOS [email protected] O tema da tolerância é tão atual quanto antigo. Resume em si a dificuldade que o eu encontra de reconhecer no outro elementos mínimos que justifiquem sua existência como “nãoeu” ou como o “outro-eu”. Na presente exposição, em um primeiro momento, faremos uma abordagem histórica do conceito, retomando a questão religiosa que, durante os séculos XVI e XVII, ocupou lugar de destaque nos debates políticos e filosóficos da Europa. A coexistência religiosa foi um dos grandes legados deixados pela Paz de Vestfália (1648) ao Estado moderno, enquanto forma de organização política básica do Ocidente. Todavia, em uma segunda parte da exposição, trataremos da amplitude que a própria ideia de tolerância tomou na segunda metade do século XX e, em especial, no início do atual século. A chamada “Era dos Direitos” representa a ascensão de uma espécie de individualismo que conduz, de modo quase inexorável, a um constante conflito entre direitos, pretensões de reconhecimento de direitos e, enfim, entre formações culturais. O problema central que se apresenta na atualidade, em relação ao tema em objeto, reside na ausência de categorias jurídicas suficientemente adaptadas ao constante e inevitável choque entre direitos e pretensões de reconhecimento que se mostra latente no seio das sociedades multiculturais. Na busca de um referencial teórico em condições de enfrentar este problema de pesquisa de modo hábil a apresentar hipóteses viáveis, seja no âmbito teóricofilosófico, seja no âmbito político-jurídico, tentaremos explorar as contribuições da Teoria Crítica do Reconhecimento, em suas matrizes francesa e alemã. Será feito um breve exame das contribuições da filosofia política francesa, em especial de Paul Ricoeur a Yves-Charles Zarka, em contraste com a Escola de Frankfurt, especificamente no que concerne ao pensamento de Axel Honneth. O princípio de reciprocidade, inerente ao conceito de tolerância, será um dos elementos examinados para que se possa pensar as condições de coexistência em um mundo fragmentado em incontáveis culturas. Na terceira e última parte da exposição, trataremos da ideia de liberdade de expressão a partir do substrato teórico reconstruído nas duas primeiras partes da exposição. Liberdade de expressão, direitos culturais e direito à intimidade serão conceitos abordados e explorados em situações de choque para que possamos tratar de algumas das diversas possibilidades hermenêuticas que a ideia de tolerância assume. Nesse sentido, será feita a devida contextualização ao cenário político-constitucional brasileiro, de modo que se encaminhe uma análise-crítica da jurisprudência constitucional à luz da Teoria Crítica do Reconhecimento. Palavras-chave: Hermenêutica Jurídica. Liberdade de Expressão. Reconhecimento. Tolerância. Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 98 Tradição, Poder e Violência: fundamentos filosóficos da liberdade de expressão. Diego Fonseca Mascarenhas Mestre em Direito pela UFPA Professor da ESTÁCIO-FCAT/FACI-DEVRY [email protected] A tradição quase nunca foi algo consciente para os homens do Ocidente, mas também nunca dependeu disso para impor seu peso sobre nossas mentes. Há, contudo, dois momentos na história do Ocidente em que os homens se tornaram conscientes de fato da tradição. Arendt aponta que o primeiro foi quando os romanos tomaram deliberadamente o pensamento e a cultura da Grécia clássica como sendo sua tradição espiritual; e, o segundo momento foi no Romantismo, quando as transformações da época moderna ameaçavam tornar a crença algo sem sentido. Nesse contexto, o ponto central do problema arendtiano é a seguinte pergunta: qual é a qualidade especificamente humana do homem? A inquietação foi possível porque a ciência moderna, marcada desde o início pela dúvida cartesiana, abalou a estrutura sobre a qual estava assentada solidamente a tradição. Não se contentando mais em contemplar a natureza, a ciência moderna passou a manipulá-la e violentá-la para arrancar “à força” aquilo que era o seu segredo: a verdade das coisas. Em razão disto, no século XIX houve três rebeliões filosóficas que inverteram a tradição: o salto de kierkegaard, da dúvida para a crença; o salto de Marx, da teoria para a ação e o salto de Nietzsche, do domínio transcendente e não sensível das ideias e medidas para a concretude sensível da vida. Para resgatar sentidos esquecidos da tradição da liberdade política ocidental, Arendt aponta no seu sistema político a necessidade de reconstruir os fundamentos da liberdade de expressão que requer a investigação hermenêutica da tradição, o sentido de poder e de violência. Para Arendt, o marco inicial da tradição do pensamento político ocidental possui como referência o filósofo Sócrates que manifestava por excelência a liberdade de expressão na ágora. Ocorre que, Sócrates foi julgado e condenado pela polis grega em razão de ter questionado a condução política da cidade-estado. Este fato significou, para Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 99 Arendt, a condenação da filosofia perante a política que repercutiu em Aristóteles e, sobretudo, em Platão. Posteriormente, Arendt prossegue a sua análise na compreensão histórica do percurso da liberdade a partir da filosofia da vontade desde apóstolo Paulo, Epíteto, Santo Agostinho e Rousseau com a finalidade de buscar o alargamento da nossa compreensão em torno do que significa a liberdade política. No que diz respeito ao significado do poder em Arendt, o fundamento para que este exista, é a liberdade. Por sua vez, a liberdade só se desenvolve plenamente no espaço público politicamente organizado, na visibilidade permitida por ele; o sentido de público deriva da compreensão do homem como pluralidade, como um ente que convive com outros falando-agindo por meio da ação e do discurso. Destaca-se que, para Arendt, violência não está associada com poder, porque a violência é um meio pré e até antipolítico, não só por romper com a base plural, como também cercear a manifestação da liberdade de expressão no espaço público. Nesse sentido, mostra-se que a compreensão da violência é muitas vezes equivocadamente associada com noção de autoridade. Contudo, Arendt aponta que a autoridade se coaduna com o poder; portanto, na sua origem encontra-se a persuasão e não a violência. A obediência posterior exigida pela autoridade é uma forma de reafirmar e conceder continuidade no tempo ao ato de fundação livre, pública e plural de uma comunidade política que se institucionaliza, mas que não pode negar o poder que a sustenta e legitima. O ato de fundação institucionaliza e estabiliza a comunidade, mas isso não deve significar a naturalização da ação e nem a sua despotencialização para fazer vir à tona o imprevisível. Palavras-chave: Compreensão histórica. Pluralidade. Autoridade. Liberdade de Expressão. Hannah Arendt. Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 100 Democracia e Liberdade de Expressão: o pluralismo julgado pelo Utilitarismo de Mill e pelo Liberalismo de Rawls Elden Borges Souza Mestrando pela UFPA [email protected] Ainda que a História não possa ser tida como uma marcha contínua em prol do progresso da humanidade – e tal argumento não é unânime –, é possível afirmar que a defesa mais firme da liberdade de expressão é, predominantemente, uma conquista moderna. Até o Estado Absolutista, a proteção outorgada era unicamente para os grupos favoráveis ao Monarca. Isso somente foi alterado com as revoluções burguesas – manifestação do anseio de grupos tradicionalmente alijados dessa proteção e que haviam adquirido importância econômica –, que geraram as declarações de direitos (em especial, a Francesa e a Americana). No contexto das revoluções burguesas, ganhou grande importância a liberdade de pensamento e expressão. Efetivamente, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) aduziu que “ninguém pode ser molestado por suas opiniões [...]” (artigo 10) e ressaltou tal liberdade como “[...] um dos mais preciosos direitos do Homem [...]” (artigo 11). O mesmo se diga da Bill of Rights estadunidense (1791), cuja Primeira Emenda à Constituição vedou ao Congresso a edição de lei que cerceasse a liberdade de expressão. A liberdade de pensamento e de expressão não pode, contudo, ser vista sob um prisma unicamente individual. Sua tutela exige que as instituições sejam organizadas de maneira a promover esse direito de forma geral e plural. Destarte, tal liberdade deve ser analisada dentro de uma estrutura básica – a qual, por sua vez, é definida conforme os desenhos das diversas teorias da justiça. Nesse sentido, é indispensável analisar a função democrática dessa liberdade à luz de duas doutrinas opostas: o Utilitarismo e o Liberalismo, como apresentados por John Stuart Mill e John Rawls, respectivamente. A partir dessa oposição será possível discutir se a tutela da liberdade de expressão ocorre de maneira muito diferente, ou se é possível encontrar similaridades, aplicando na avaliação da Fairness Doctrine (ou Doutrina da Equidade). Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 101 A Fairness Doctrine foi desenvolvida a partir da ideia de que para que o direito à informação exista não é suficiente que seja garantida a liberdade de imprensa unicamente sob o prisma da abstenção estatal. Isso poderia implicar a exclusão de grupos desfavorecidos do discurso público e a manipulação da liberdade por grupos hegemônicos ou majoritários. A partir da concepção de que não somente o emissor tem um interesse sobre a opinião, mas também o destinatário, essa estrutura implica que o meio de comunicação tem a obrigação de dar oportunidade para a apresentação dos mais diversos pontos de vista sobre assuntos controvertidos e de interesse coletivo. A opção por abordar tanto a visão do Utilitarismo de John Stuart Mill quanto o Liberalismo de John Rawls, decorre de suas visões opostas. Rawls propõe uma teoria da justiça que rompa com o Utilitarismo. Portanto, sua visão pretende contrapor-se a de, dentre outros autores, Stuart Mill. A questão posta, então, é como visões opostas analisariam um ponto comum – e essencial nas democracias contemporâneas. À luz deste cotejamento entre as correntes, haveria convergência ou divergência nas conclusões acerca da função democrática da liberdade de expressão? A análise da Fairness Doctrine por ambas leva a resultados contraditórios ou a uma visão aproximada? Para tal objetivo, o trabalho será baseado em uma pesquisa bibliográfica centrada nas obras dos autores e em textos relevantes sobre a liberdade de expressão e sobre a Fairness Doctrine. De início, será apresentada uma conceituação geral da liberdade de expressão e, posteriormente, a visão desse direito pelo Utilitarismo de Stuart Mill e pelo Liberalismo de Rawls. Após, será exposta a Doutrina da Equidade. Contextualizados os conceitos, as duas ideias sobre a liberdade de expressão e suas visões sobre seu caráter democrático serão relacionadas. Palavras-chave: Liberdade democrática de expressão. Utilitarismo. Liberalismo. Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 102 Conflito na Síria: Violência, política e liberdade de expressão sob uma perspectiva arendtiana Francisco Roque Guerreiro de Oliveira Graduando em Direito pela ESTÁCIO-FCAT Tiago Góes da Paixão Graduando em Direito pela ESTÁCIO-FCAT [email protected] Por vezes a história tem se encarregado de nos mostrar o quão vil podem ser as atitudes humanas. Nos últimos quatro anos, temos assistido – bestificados, mas inertes – o desenrolar dos conflitos na Síria, que têm gerado uma soma enorme de perda de vidas. As agitações começaram no ano de 2011, quando o ditador sírio Bashar al-Assad reprimiu violentamente as manifestações da chamada Primavera Árabe no país. A partir de então, o que seria apenas uma manifestação tornou-se uma guerra civil que já é vista como a maior crise humana da nossa era. O alastramento dos conflitos destruiu várias cidades, deixando o país dividido entre grupos que apoiam o ditador Assad, facções rebeldes que lutam para libertar o país. Os horrores dos acontecimentos ocorridos na Síria forçam, a cada dia, uma gama enorme de pessoas a buscar refúgio em outros países, numa tentativa de escapar das atrocidades. Com isso aparece outra crise: alguns países fronteiriços, bem como outros que estão além da região de fronteira, demonstram animosidade em receber imigrantes, ou melhor, refugiados, sírios. Assim, países como Hungria, Polônia, República Tcheca e Eslováquia estão rejeitando a entrada de refugiados, ao passo em que a Hungria ergueu um enorme muro com o intuito de barrar a entrada deles. Diante de tal situação, surge uma indagação que há tempos permeia o espírito humano: de onde vem tanta maldade? A esse respeito, é de bom alvitre a concepção de Hannah Arendt, que considera o mal como sendo uma banalidade, pois, em essência, não possui razões para existir, sendo, portanto, resultado de escolhas humanas fragilizadas pelo “não pensar”. O mal radical, segundo Kant (1992), tem sua origem naquilo que torna o homem humano: sua faculdade racional. Segundo tal pensador, o homem tem uma natureza disposta para o bem, entretanto propensa ao mal. Assim, a natureza do mal seria contingente, ao passo que a do bem seria originária. Com o advento das duas grandes Guerras Mundiais, o tema sobre o mal veio à tona, principalmente com as atrocidades edificadas com a engenharia bélica na Primeira Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 103 Grande Guerra e com a engenharia da morte, verificada por meio dos campos de concentração, na Segunda. Tudo isso causa no homem a seguinte reflexão: somos uma espécie singular, ou seja, humanos. Temos a capacidade de organização política, através do discurso-ação, diferenciando-nos de qualquer outra espécie. Mas, como somos capazes de transformar o indivíduo em algo tão insignificante, como foi nos campos de concentração? O que explica tamanha barbárie? No livro Origens do Totalitarismo, de Hannah Arendt, são abordados os temas sobre o antissemitismo, imperialismo e totalitarismo. A banalidade do mal afeta todas as entrâncias de uma nação. A violência passa a ter um caráter de esfacelamento do poder, suprimindo um dos direitos mais fundamentais da concepção arendtiana, a liberdade. Para Arendt, em seu livro, A Condição Humana, é a reflexão sobre a liberdade, que deve existir através da ação política, que Arendt constroi sua teoria política, pois, a liberdade nasce, segundo ela, da própria política. Ela busca estudar tais reflexões baseando-se na concepção grega de “Política”, especialmente na vida da polis. O poder, em sua essência, nasce a partir de uma aceitação por parte dos indivíduos que agem em comum acordo. Ele não é dotado de uma essência natural, posto que, segundo Arendt, o poder precisa do espaço público politicamente organizado para existir. Nesse sentido, a condição primordial para a existência do poder é a liberdade, graças à capacidade humana de se organizar politicamente por meio do discurso e da ação. A violência, sob a perspectiva arendtiana, tolhe a liberdade e instaura a desigualdade e a opressão. Para a autora, a violência é de caráter pré-político. Sendo assim, a violência consiste na desintegração do poder e a negação da política. Portanto, a violência corrobora para uma difícil tolerância, inclusive, a de liberdade de expressão. Palavras-chave: Política. Liberdade. Violência. Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 104 Os Sofistas na ascensão da Democracia: liberdade de expressão na Grécia Clássica Gabriel José de Brito Falcão Graduando em Direito pelo CESUPA [email protected] Marcelo Augusto dos Anjos Matos Graduando em Direito pelo CESUPA Este artigo objetiva analisar a influência dos filósofos do movimento Sofista – surgido durante a crescente democratização e o declive da Aristocracia ateniense no século V a.C, em meio às profundas modificações nas estruturas sociais e políticas de Atenas – no entendimento grego sobre a representação dos homens na política. Protágoras – com o método das Antilogias –; Górgias – com o niilismo –; Antifonte – com sua contraposição entre Lei e Natureza –; e outros pensadores do período – que entendiam o relativismo como necessário, já que não acreditavam em verdades absolutas –; não tiveram suas obras conservadas adequadamente para que hoje pudéssemos entendê-los de maneira certa, restando para a tradição da história da Filosofia apenas o que foi dito de forma crítica por Sócrates e Platão nos Diálogos deste último. Os sofistas tiveram papel relevante na Grécia, neste período, pois, numa democracia autorrepresentativa, era essencial deliberar sobre os assuntos pertinentes ao seu interesse e eles, por meio das suas técnicas argumentativas, ensinavam a convencer, porém, com suas devidas reservas morais. Além disso, eles foram os responsáveis pela “virada antropológica” – que ocorreu quando o foco do pensamento mudou da natureza e das questões cosmológicas para o homem, sua vida social e política –, fato este que provocou seu entendimento sobre a participação de todos na administração da polis, tendo em vista que todos os homens são naturalmente dotados de aidos e diké, o que garante a capacidade de todos em expressar sua opinião sobre os temas relacionados à justiça e à moral – como essencial para o avanço do poder democrático – mesmo com as devidas restrições –, pois as questões relacionadas à téchne são debatidas pelos sábios ou peritos naquela questão especifica. Trataremos também da questão das igualdades política, social, racial e de gênero no pensamento destes teóricos, o que deixou de legado para o movimento sofístico o título de “Iluministas Gregos”, como afirmavam Reale e Antiseri. Logo, tratar-se-á da contribuição dos filósofos sofistas para a política no regime democrático e para a história da Filosofia. Palavras-chave: Sofistas. Democracia. Liberdade de Expressão. Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 105 Liberdade de Expressão e Política, realidade ou desafios? Jerfcilene Carvalho Graduanda em Direito pela ESTÁCIO-FCAT [email protected] Política, ato de deliberar as normas jurídicas comuns à sociedade, nem sempre teve uma relação de paridade, ou consenso com a imprensa. Desde, ou até antes da Ditadura Militar no Brasil, que começou em 1964, a relação política e liberdade de expressão têm ilações estreitas. Converge aos políticos, a autonomia de legislar, de aprovar as leis, e à imprensa o papel de informar, e de forma imparcial. Mas, o que se tem visto, é verdadeiro embate, entre política e liberdade de expressão. Por exemplo, o projeto de lei, que cria a regulamentação das mídias, gerou grandes discussões acerca do que é legal, ou não, baseado na Constituição Federal/88, em que é livre a liberdade de expressão, e que qualquer tentativa de controle, regular os meios de comunicação, seria uma censura prévia. Artigo 5, Titulo II, Dos Direito e Garantias Fundamentais, Capítulo I, Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, IX “ É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. A imprensa, dito como sendo o quarto poder no mundo, é fundamental ao exercício da Democracia, mas, no Brasil, como falar de Democracia na imprensa, se a mesma está concentrada nas mãos de políticos com mandatos? Até onde, esbarra - se o interesse pessoal, ou até mesmo, o monopólio nas concessões? Sabendo-se, que as mesmas são deliberadas por políticos – legisladores? A Democracia no Brasil é algo recente, e até mesmo prematuro, e talvez por isso, ainda não saibamos lidar com estas garantias fundamentais constitucionais. É preciso um exercício diário destas liberdades garantidas, no dia – a – dia, mesmo nas menores atitudes, para sairmos do campo micro, e alcançarmos o macro, que será a Democracia plena, na sua totalidade. Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 106 A Intolerância do Riso: a expressão artística do cômico e tolerância religiosa Juliana Cristine Diniz Campos Doutora em Direito pela USP Professora na Pós-Graduação da UFC [email protected] A expressão do cômico está, ao lado da tragédia, na gênese do gênero dramático desde a Antiguidade. Em Aristófanes, assume uma função não apenas moralizante, mas de crítica política e de costumes. Subversiva ou conservadora, a crítica pelo riso constitui instrumento retórico de produção e ressignificação de discursos capaz de promover a desagregação da unidade do corpo social, na medida em que desconstroi, pela provocação e o escárnio, crenças e valores comuns. O combate ao riso iniciado pela Igreja Católica e pelo Estado adquire, no advento da Modernidade, o significado de uma batalha contra o ateísmo, ao mesmo tempo em que a gargalhada e a zombaria são vistas como “diluentes” dos valores cívicos, como apresenta Minois em sua historiografia do riso. O potencial desagregador da expressão cômica adquire novos contornos no século XX, quando se aprofunda o processo de secularização do poder iniciado com o constitucionalismo liberal, ao mesmo tempo em que o pluralismo cultural se intensifica, motivado pelo desaparecimento simbólico das fronteiras num fenômeno que recebe o ambíguo nome de “globalização”. Nesse panorama, um problema jurídico se coloca, no âmbito da teoria da constituição e, mais especificamente, da teoria dos direitos fundamentais: como pensar na coexistência entre a livre expressão artística do cômico e o dever de tolerância religiosa em tempos de pluralismo de eticidades conflitantes entre si? Sob uma perspectiva, a consolidação do modelo democrático de organização do poder no pós-guerra, já na segunda metade do século XX, implicou no reconhecimento de um direito individual primordial para a reprodução da democracia, a liberdade de expressão e de pensamento. Apesar de já se encontrar no rol das declarações de direitos desde as revoluções liberais, a liberdade de expressão representa, para o procedimentalismo democrático que ganha espaço no pós-guerra, a condição de possibilidade de permanência da esfera pública pluralista onde o processo de formação da opinião e da vontade pública toma forma, conforme a hipótese de Habermas. Do mesmo modo, a coexistência social de diferentes modos de vida (eticidades) implica na internalização, no âmbito do Direito Positivo, do Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 107 dever de tolerância cultural como forma de assegurar a própria manifestação da liberdade, no sentido afirmado por Habermas de que a autonomia pública e a privada são cooriginárias. O trabalho investiga se há e qual a dimensão dos limites da expressão artística do cômico, especificamente no que tange às potenciais violações ao dever de tolerância religiosa. O ponto que subjaz à discussão é, portanto, a possibilidade de se pensar, in abstracto, no bojo de uma teoria dos direitos fundamentais orientada por uma concepção de razão discursiva, um sentido de liberdade de expressão e de tolerância religiosa que instrumentalizem uma tutela preventiva das violações a tais direitos e deveres. Palavras-chave: Liberdade de Expressão; Tolerância Religiosa; Secularização. O Conceito de Liberdade Política para o Contratualismo Lucas de Siqueira Mendes Barbalho Graduando em Direito pela UNAMA Roberta Maciel da Costa Graduanda em Direito pela UNAMA [email protected] O presente trabalho tem como objeto as diversas teorias políticas que versam sobre a Liberdade Política na gama de teorias contratualistas. No Contratualismo se acredita que para haver uma necessidade para se criar o Direito Positivo, deve existir um contrato social que o regule. É importante frisar que não há uma total desconsideração do Direito Natural para essa teoria. O Contratualismo apenas não considera que o Direito Natural possui poder para sustentar o Estado, acreditando que ele deve se converter em Direito Positivo para que possa adquirir uma estrutura edificadora capaz de deter esse poder. Ao se estudar o conceito de Liberdade, naqueles que são considerados os principais expoentes da teoria contratualista, podemos partir para o conceito de liberdade de ambos os autores. Para Locke, o homem possui uma espécie de direito natural de ser livre. Desse modo, ele próprio detém a propriedade de sua liberdade. Hobbes vai preceituar que liberdade, stricto sensu, é a total ausência de oposição externa às liberdades individuais do homem. Nesse mesmo diapasão, ele vai fazer uma ressalva quanto aos cuidados que se deve ter com o livre arbítrio, tendo em vista as consequências danosas que resultará de maus atos. Bem Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 108 como, as boas atitudes que atraem para si boas consequências. É nesse sentido, que Hobbes irá delimitar o conceito de uma “liberdade justa”, aquela que nos distanciará de nossa natureza animalesca. De acordo com o filósofo Rousseau, o nosso estado de natureza é de total igualdade e liberdade, ambas concedidas com o simples ato da concepção resultando no nosso nascimento. O grande fato que irá pôr fim a esse equilíbrio é o que Rousseau chama de propriedade privada, que dará origem ao estado de sociedade, causando finalmente a desigualdade entre os homens. Rousseau é defensor da teoria de que o nosso estado de natureza é de total bondade (bom selvagem), e que a sociedade irá corromper essa natureza. Para esse filósofo, a liberdade era tão parte de nossa natureza, que deveria ser considerada por conseguinte um direito natural. E ele não era o único que tinha essa crença, John Locke também comungava desse entendimento. Palavras-Chave: Liberdade. Direito. Contratualismo. Liberdade de Expressão no Liberalismo Político de John Rawls Lucas Pinheiro Graduando em Direito pela ESTÁCIO-FCAT [email protected] A liberdade de expressão, como se sabe, é o direito que temos de manifestar nossas opiniões, convicções e ideias sob o prisma da livre manifestação do pensamento. No entanto, na obra O Liberalismo Político ,de John Rawls, a preocupação principal é com a livre expressão política dos cidadãos, principalmente no exercício da razão pública. Conforme a referida obra, as discussões públicas devem ser limitadas em alguns aspectos, a saber: qualquer tipo de ideia que contrarie o próprio sistema de liberdades fundamentais e direitos, que racionalmente os indivíduos consentiram, não deve ser aceita como pleno exercício da liberdade de expressão e como consequência disso, nos foros públicos, uma condição a mais deve ser satisfeita, qual seja, o dever de civilidade. Este dever é a justificação recíproca das ideias levadas a debate e é pressuposto indispensável para o exercício da liberdade de expressão. Para fins deste resumo, problematizo a seguinte questão: se a liberdade de expressão é o direito de manifestar livremente nossas opiniões e convicções, como então, Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 109 na obra O Liberalismo Político, de John Rawls, que pressupõe ser necessário observar as condições mencionadas acima (dever de civilidade, liberdades fundamentais e direitos)? Seria legítimo criar limites às nossas liberdades? Para responder às questões, Rawls trabalha dois ambientes possíveis onde poderíamos exercer nossa liberdade, sendo que em cada ambiente há certo nível de limitação para o uso de nossas liberdades. Tais ambientes seriam o foro público e a cultura geral de fundo. O foro público seria, em síntese, o local onde as autoridades, candidatos e cidadãos discutem elementos constitucionais essências e questões de justiça básica. De outro lado, a cultura geral de fundo não seria o ambiente necessariamente político, mas sim onde poderíamos partilhar e endossar livremente nossas opiniões e doutrinas abrangentes (concepção do bem, de verdade). Portanto uma das justificativas possíveis oferecida pelo autor para responder à problemática seria que quando estamos em discussões políticas se exige de uma sociedade democrática reciprocidade nas alegações, sendo naturais certas limitações nos discursos proferidos e, em última instância, dado o fato de pertencermos a sociedades complexas e plurais, a regulação da expressão, mesmo que a nível não político, faz-se necessário para manutenção da estabilidade e da tolerância entre os indivíduos. Palavras-chaves: Liberalismo Político. Liberdade de Expressão. Razão Pública. A Extrapolação do Contrato Social pelo Abuso de Liberdade de Imprensa Marco Antonio Coutinho de Moura Júnior Graduando em Direito pela ESTÁCIO- FCAT [email protected] A partir do momento em que o homem nasce sua natureza se limita por uma sociedade racional que dita leis ao redor, criando um fenômeno entendido como Contrato Social (base na qual mantém a paz numa sociedade). Streck, em sua obra Ciência Política e Teoria Geral do Estado, explica que é preciso superar os inconvenientes do Estado de Natureza através de um pacto, tratando essa natureza como estado negativo, havendo sua transferência para o político racional. Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 110 São estes inconvenientes que deixam a sociedade à mercê da natureza bélica do homem, mais profunda se analisar o estudo de Hobbes. Assim, tem-se como fundamento do Contrato Social esta abdicação para paz social. A liberdade pautada no limite garantista da coexistência na sociedade é a premissa filosófica de Emmanuel Kant. Por consequência, na obra Direito e Ética é afirmado que tal liberdade se condiciona às relações mediante razão e vontade dos indivíduos, reguladas a partir das leis universais do Direito. Com esta liberdade, cria-se a necessidade de expressão para materializar toda identificação cultural que a liberdade de cada nação proporciona, na qual se tornou uma consequência de diversos direitos adequados nas legitimidades permitidas por cada sociedade. Estes conceitos legitimam as disposições constitucionais sobre o direito de Liberdade de Expressão. Para garantir a liberdade de expressão no Brasil, houve a mercantilização como mecanismo de difundi-la pela imprensa. Na obra Liberdade de Expressão e Lei de Imprensa, o autor atesta que na percepção liberal o mercado não é suspeito, assim não há manipulação destas informações difundidas para a sociedade. A lógica percebida é que o regime de concorrência da percepção liberal promove moralidade das informações, uma vez que eventual manipulação descoberta faz com que haja desmoralização da mídia que a expressou, perdendo concorrência e consequentemente a busca essencial do mercado liberal: Lucro. Entretanto, sendo a liberdade de expressão norma de eficácia plena e tendo como a busca do lucro, a imprensa acaba provocando abusos a outros direitos. Assim, ocorre uma consequência inadequada no sistema jurídico brasileiro. Diego Mascarenhas, autor da obra citada, analisa o discutido na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 130, no qual alguns dos nobres Ministros criticam o posicionamento jurídico brasileiro de somente haver compensação (maioria das vezes não o suficiente) pelos abusos da liberdade de expressão promovidos pela imprensa. Tal posicionamento, segundo os Ministros, causa uma condição de vulnerabilidade dos indivíduos mediante a mídia e seus meios de comunicação. Percebe-se assim que o Contrato Social pautado na limitação da forma de liberdade é violado por estes abusos da imprensa, uma vez que até ela precisa ponderar suas limitações para a coexistência pacífica da sociedade. Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 111 Para evitar o abuso, é preciso haver a relativização dos direitos fundamentais, pois estes não possuem grau de hierarquia entre si. Gilmar Mendes defende isto numa decisão em sede de Mandado de Segurança datado de 2000, no qual explica que é preciso haver respeito com a ordem pública e garantias de terceiros, mesmo mediante direitos ou garantias constitucionais, pois nem eles possuem caráter absoluto. Deste modo, tendo em vista que o maior problema de uma sociedade sem limites (segundo a percepção de Hobbes) é o caos, há a necessidade de haver uma relativização. É afirmado na obra Abuso da Liberdade de Imprensa e Pseudocensura Judicial, pelo autor Sergio Ricardo de Souza, que para chegarmos a esta relativização é preciso ser promovida uma ponderação de direitos no conflito. O problema de esta ponderação precisar ser feita em caso concreto não é justificativa para legitimar somente a compensação indenizatória posterior ao dano do indivíduo, uma vez que a ponderação entre Liberdade de Expressão versus Direito de Imagem ou Honra já está bem estabelecida no Judiciário brasileiro. Desta forma, conclui-se que a teoria do Contrato Social, independente de suas variações através de cada autor, é essencial para a vida societária do indivíduo. Além de qualquer direito disposto na Constituição, é a liberdade e a forma de sua limitação que nos mantém a paz social, e desta, a mídia não pode suprimir. Palavras-Chave: Contrato Social. Abuso Liberdade de Imprensa. Relativização de Direitos. Do Charlie Hebdo ao Reflexo entre Voz e Violência Roberta Amaral Damasceno Graduanda em Direito pelo CESUPA [email protected] O artigo objetiva analisar os limites da liberdade de expressão e que características são dadas ao buscar esses limites na moldura democrática contemporânea. Para a construção de tal estudo, utilizou-se uma metodologia de cunho bibliográfico a compor a exploração do tema, com a leitura do episódio de violência em torno do jornal francês Charlie Hebdo. Confrontou-se a tradição satírica dessa mídia e a responsabilidade sobre Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 112 os impactos na formação do consenso sobre a realidade social. Em face do caso analisado, aflora o imaginário acerca da comunidade islâmica e do indivíduo visto como estrangeiro no contexto europeu. Assim o episódio norteia os efeitos desse imaginário, as causas da violência envolvida nesse processo, e a liberdade de expressão como mecanismo de poder perante a comunidade e a relação simbólica determinada sob a ótica de Bourdieu. A partir disso, a democracia pensada à luz de Jacques Rancière é defrontada com seu risco político e o surgimento do politicamente correto. Ao redor desse debate pontuase a ocorrência da desumanização daqueles que têm sua visibilidade e representatividade negligenciada, em relação às questões identitárias, sob o argumento da questão islâmica frente ao jornal francês. O modo como a simbolização é percebida e desenvolvida no processo democrático identifica a própria linguagem como meio de negociar os termos da própria existência frente a comunidade política. A observação da ligação entre a violência discursiva e sua influência e impacto na violência física é um aspecto desse processo que visa elucidar onde reside o limite da liberdade de expressão. A abordagem do tema ressalta a importância de uma gestão da fala que contemple e tornem visíveis os diversos modos de vida, além da importância de fomentar a humanização por meio do núcleo do reconhecimento dessa diversidade no espaço público. A identidade como algo político embasa o surgimento do politicamente correto, e retoma a questão da linguagem estruturante do mundo. Assim, a linguagem, compreendida como mecanismo através do qual o homem experiencia o mundo, tem como foco no presente trabalho o âmbito político e a forma sob a qual dentro dela se desenvolve o livre discurso. A seara arguída como ponto crítico é a correição na política e como ela funcionaria sem que se transfigurasse em uma espécie de censura. A liberdade e as formas por ela desempenhadas têm; no entanto, como chave a saída política e o jurídico se revela uma camada. Por isso, é apontado no percurso da análise o risco que acompanha a democracia, uma vez que, adotada a liberdade no sistema político , ela se revela também como liberdade de errar. Com esse ponto se discute o fascismo como efeito colateral democrático e o modo com o qual se busca cada vez mais extingui-lo sem que se use de seus próprios mecanismos de força. Esses riscos de lidar com a limitação do discurso e o modo a ser solucionado, no que diz respeito à repressão totalitária e dentro dela a censura, são vinculados ao problema. É alinhada a isso, a postura democrática de abrigar os diversos modos de vida. Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 113 O artigo se estrutura analisando a violência simbólica no conceito de Pierre Bourdieu e o contexto dominante presente nos fatos contemporâneos: uma leitura da tragédia em torno do Charlie Hebdo e sua análise política; a condução do problema da liberdade de expressão em meio ao surgimento do politicamente correto junto a significação dos mecanismos repressivos em busca de sua garantia; o risco inerente à democracia apresentado pela liberdade e seus efeitos. Ao final, pontua-se o caminho traçado por essa violência no discurso e as referências que subsidiaram este raciocínio. Palavras-chave: Democracia. Discurso. Violência. Da Liberdade Política da Liberdade de Expressão Saulo Monteiro Martinho de Matos Doutor em Direito pela Georg-August-Universität Göttingen – Alemanha Professor na Pós-graduação da UFPA [email protected] Ponto nodal da Ética ou Filosofia prática é o conceito de liberdade, do qual a liberdade de expressão é uma consequência. A Ética moderna estabelece as seguintes ideias como objetivos centrais do agir livre: (1) no plano do indivíduo, as justificação de normas universais que garantem a correção da vontade como elemento central da ação justa; (2) no plano de uma comunidade política, a defesa da participação de todos nas decisões políticas como critério legitimador das mesmas; e (3) no plano das relações entre comunidades políticas, a existência de normas universais que regulem as ações políticas das diversas comunidades, garantindo, assim, uma justiça global. Autonomia, pluralismo e justiça (global) passam a ser os conceitos fundamentais do projeto ético. O presente artigo se concentra no segundo aspecto do projeto ético da modernidade, a saber, a liberdade política. A liberdade política é tratada, amiúde, como uma espécie de liberdade física: um povo pode ser chamado de livre, caso ele seja governado somente por leis (rule of law) e estas sejam dadas por ele mesmo (democracia); e, destarte, ele pode seguir sempre a sua própria vontade. Esta hipótese de que a liberdade política só pode ser garantida por meio da participação de todos nas decisões da comunidade política será concretizada, no âmbito do Direito Constitucional contemporâneo, por meio das diversas formas de institucionalização, como, por exemplo, os partidos políticos. A hipótese deste Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 114 artigo é que este projeto moderno fracassa ao tentar compreender a liberdade política como liberdade física e, nesse sentido, em não levar em conta o agir social. Isto será demonstrado por meio de uma discussão sobre a proibição do partido comunista na Alemanha na década de 50 e a não proibição do partido fascista quarenta anos mais tarde pelo mesmo Tribunal Constitucional Alemão. A aparente contradição dos julgados conduzirá a reflexão para a ausência de neutralidade e de respostas apodíticas para a liberdade de expressão na esfera política. A conclusão será no sentido da necessidade de se pensar em um conceito institucional de liberdade, o qual será construído de maneira a posteriori e, assim, mais adequado ao modelo hermenêutico da Filosofia política a partir do conceito de agir social. Palavras-chave: Liberdade Política. Liberdade de Expressão. Modernidade. Soberania Popular. Tribunal Constitucional Alemão. Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 115 TÓPICO 2: LIBERDADE DE EXPRESSÃO E RELIGIÃO Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 116 Liberdade de Expressão e Manifestação do Pensamento Religioso em Perspectiva: Garantias Constitucionais ou Instrumentos de Subversão da Opinião Pública? Carlos Augusto Lima Campos Doutorando em Direito pela UFRGS [email protected] A manifestação do pensamento religioso é um dos pilares estabelecidos pela Constituição Brasileira de 1988 que, enquanto Direito Fundamental, constitui expressivo marco para as positivações das liberdades civis, abrangendo – inclusive – preceitos de natureza transcendental. Ontologicamente, traz consigo outras espécies ou formas de liberdade: a liberdade de expressão, a liberdade de crenças, a liberdade ideológica, a liberdade de opinião, a liberdade de reunião, dentre outras. Neste cenário, um fenômeno que está adquirindo, progressivamente, espaço na esfera pública, constituindo um verdadeiro marco nos países latino-americanos, especialmente no Brasil, é a utilização das instituições oficiais para a difusão de ideologias que, não raro, representam as convicções de grupos particulares, o que compromete as estruturas de um Estado Democrático de Direito, pois reduz os paradigmas constitucionais a meras simulações normativas. Neste sentido, a presente proposta objetiva responder ao seguinte questionamento: as liberdades de expressão e de manifestação do pensamento religioso são, hoje, garantias constitucionais ou instrumentos de subversão da opinião pública? Para tanto, o enfoque priorizará o Método Histórico, uma vez que se adotou a concepção de que as atuais formas de vida social apresentam sua gênese no passado, sendo sobremodo importante compreender não apenas o panorama hodierno, mas também as suas raízes, para que se torne viável a averiguação e a percepção da natureza e das estruturas que hoje se fazem presentes. A conclusão aponta para a ressignificação do ser humano, de maneira que o protagonismo da cidadania e da democracia possa viabilizar novos horizontes para a emblemática relativa à liberdade do pensamento religioso. Palavras-chave: Espaço Público. Liberdades. Religiosidades. Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 117 Liberdade de Expressão no Pensamento Filosófico do Século XVII. Um Diálogo Hermenêutico de Espinoza e Locke. DOUGLAS GABRIEL DOMINGUES NETO GRADUANDO EM DIREITO PELA UFPA [email protected] Este artigo pretende apresentar um panorama parcial dos principais escritos do século XVII sobre liberdade de expressão de acordo com a Enciclopédia Virtual de Filosofia da Universidade de Stanford: o Tratado Teológico-Político (1670) de Bento de Espinoza, a Carta a respeito da Tolerância (1689) de John Locke e o Commentaire Philosophique (1697) de Pierre Bayle. Propõe-se reconstituir e contrapor os argumentos apresentados por Espinoza e Locke, mas não os de Bayle, por três razões de forma. Primeira, acesso às fontes: Não se possui o original, nem uma reedição, tampouco se sabe de tradução para o português. Segunda, limitação do trabalho: Bayle se contrapõe a Santo Agostinho, autor que não pretende ser abordado, pois o artigo se refere ao século XVII; não sendo, pois, uma contraposição entre os conceitos clássico e moderno de liberdade de expressão. Terceira, espaço: para que o trabalho não tome proporções desmesuradas, optou-se por contrapor dois autores, ao invés de três. Bayle também foi preterido em favor de Espinoza e Locke pelo lugar de destaque do qual estes dois autores gozam na tradição. Ambos os textos foram publicados na Holanda em latim, mas foram logo traduzidos para as línguas vulgares. No Tratado, Espinoza procura explicar com base nas Sagradas Escrituras que Filosofia e Religião devem ser separadas e o soberano precisa deter o monopólio dos preceitos religiosos, mas não pode, nem deve, impedir que seus súditos pensem e se pronunciem de modo contrário aos seus decretos. Na Carta, Locke define a Igreja como uma associação voluntária de homens pela salvação de suas respectivas almas, sustentando que pode haver mais de uma no Estado e que o Estado não tem que ter ingerências sobre a opção religiosa de cada um, pois a salvação vem de um estado de espírito aliado à vontade divina, e não da coerção. Seu objetivo é descrever os objetivos do Estado e da Igreja, separando-os, em franca tese laica. Locke escreveu sua Carta após a publicação do Tratado de Espinoza, mas a este não se refere em nenhum momento, de modo que não houve efetivo diálogo entre ambos, o que não impede que o artigo reconstitua seus argumentos e os contraponha, a fim de realizar o trabalho dialético a que se refere Mortimer Jerome Adler em Dialectic (1927). Este artigo propõe, então, um Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 118 trabalho hermenêutico, uma vez que se baseia em obras clássicas sobre a matéria, transpondo suas unidades herméticas e forçando os autores a dialogarem entre si, pois Locke e Espinoza concluem pela liberdade de expressão, mas suas premissas e argumentos divergem. Pergunta-se se são conciliáveis; se sim, como; se não, qual se sustentaria melhor. Inicialmente, far-se-á uma recapitulação dos acontecimentos históricos que resultaram nos textos a comentar, assim como os motivos por que serão estudados (Introdução). Em seguida, expor-se-ão os argumentos do Tratado, especialmente o capítulo XX, mas contextualizado com o restante da obra (Seção 1). Depois, os argumentos da Carta (Seção 2). Então, fixar-se-ão os pontos controversos e se tentará resolvê-los (Seção 3). Enfim, indicar-se-á por quais veredas a pesquisa poderá avançar (Conclusão). Palavras-chave: Espinoza. Locke. Laicismo. Liberdade de Expressão e Crença a partir do Caso Lautsi vs. Itália Sandro Alex de Souza Simões Doutor em Direito pela Università Del Salento/Lecce - Itália Professor da Pós-Graduação em Direito no CESUPA [email protected] O caso Lautsi v. Itália, julgado, em março de 2011, pela Grande Câmara da Corte Europeia de Direitos Humanos, decidiu que a exibição de crucifixos nas salas de aula não ofende a Convenção Europeia de Direitos humanos, bem como não viola o princípio secular de separação entre Estado e Igreja. A polêmica inicia com a proposição do caso junto à CEDH e obtém grave repercussão a partir de 2009 quando, então, a segunda Câmara da Corte conclui pela existência de violação da Convenção. No núcleo do caso discute-se a presença de símbolos religiosos nas instituições de ensino público face à secularização do Estado e laicização da educação. A proposta do presente painel consiste na apresentação dos argumentos do caso, tendo como principal moldura a hipótese de que a acepção contemporânea de secularização e laicização corrente nos debates judiciais a respeito de tais questões, as quais estão sendo multiplicadas em diversos países ocidentais, inclusive no Brasil, já no patamar da Suprema Corte (ADI 4439/2010), está equivocada e não corresponde à construção semântica do termo. A oposição entre Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 119 Religião e Estado como resultado do emprego dos conceitos de laicização e secularização é um falso problema, bem como as suas supostas consequências violatórias no plano dos direitos individuais. Isso porque a separação entre Religião e Estado é, precisamente, oriunda da doutrina cristã e é condição para a garantia da liberdade de crença como direito humano fundamental, essencial ao ethos político, a qual deve estar protegida da ingerência estatal, mormente do princípio cuius regio, eius religio. Entretanto, ao invés disso, como tem sido recorrente em casos como Lautsi v. Itália, alega-se a separação entre Estado e Religião como regra essencial para que o estado assuma o papel de limitador do direito de crença, circunscrevendo-o aos limites de um exercício não apenas privado, mas particular e doméstico, o que implica no esvaziamento do caráter público da Religião e, daí, em uma sub-rogação. Isso porque no lugar da Religião como cultura transcendente e visão de mundo, então, necessariamente formadora e conformadora de valores capazes de reger o comportamento e a ação dos cidadãos no espaço público, o Estado institui-se como religião civil, sendo ele o único veículo plausível para a direção de tais comportamentos e apto a ocupar o espaço público. Palavras-chave: Secularismo e Laicidade. Religião. Direitos Humanos. Intolerância laicista e o bem comum da religião Victor Sales Pinheiro Doutor em Filosofia pela UERJ Professor da Pós-Graduação em Direito na UFPA [email protected] A palestra trata da liberdade de expressão relacionada à liberdade religiosa, tendo como hipótese central a deturpação do princípio constitucional da laicidade pela ideologia laicista que visa a neutralizar o alcance público e político da Religião, direito humano fundamental dos cidadãos. O pressuposto analítico é a teoria da lei natural de J. Finnis (Direitos naturais e lei natural), que fundamenta o direito constitucional à liberdade religiosa no bem humano básico da Religião, articulando-o ao bem comum. Sendo a Religião um fator essencial do bem comum, ela exige do Estado não apenas a omissão de não interferir na esfera Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 120 religiosa, mas também a ação de promover a Religião em nome da justiça social, sem, com isso, atentar contra o salutar pluralismo religioso que caracteriza a democracia liberal. Como se sabe, o princípio constitucional da liberdade religiosa é direito e garantia fundamental, portanto inviolável, sendo franqueado aos cidadãos brasileiros “livre exercício de culto” e “a proteção aos locais de culto e suas liturgias” (Constituição Federal, art. 5º, inc. VI). Nesse sentido, ninguém pode ser privado de direitos por motivos de crença religiosa (inc.VIII), ou coagido pelo Estado a praticar ou deixar de praticar determinado ato religioso de modo diferente da livre determinação da sua consciência. Tampouco pode o Estado Democrático de Direito impedir a livre expressão da Religião em nome do princípio da laicidade, que resguarda exatamente o pluralismo religioso e a liberdade de expressão religiosa, e não a oficialização de uma ideologia agnóstica, ateia ou materialista que nega o bem básico da Religião, ao impedir sua livre manifestação pública. Dois fatos controversos servem de reflexão na palestra: 1. a proibição do ensino religioso em escolas públicas – em oposição ao art. 210, §1º, da CF, que o considera facultativo; e 2. a criminalização de manifestação pública sob o rótulo ideológico laicista de “fobia”, “fala de ódio” (hate speech) “preconceito” ou “discriminação”. A dimensão hermenêutica da palestra consiste na investigação histórica da ideologia subjacente a essa concepção jurídica laicista de neutralizar qualquer religião que não corresponda ao modo de vida e a visão-de-mundo modernista, agnóstica, ateia ou materialista. As referências básicas da palestra são: I. J. Finnis, Lei natural e direitos naturais (Unisinos); R. George, ‘Religious liberty and political morality’, In: In defense of natural Law (Oxford); R. George, ‘Religious values and politics’, In: The clash of orthodoxies. Law, Religion and Morality in Crisis. (ISI); P. Jacobina, Estado laico, povo religioso. Reflexões sobre liberdade religiosa e laicidade estatal. (LTR); J. Rivero; H. Moutouh, Liberdades públicas (Martins Fontes); e II. P. Nemo, O que é o Ocidente? (Martins); P. Johnson, Tempos modernos (Instituto Liberal); F. Santamaría, A religião sob suspeita. Laicismo e laicidade. (Quadrante); T. Woods Jr., Como a Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental (Quadrante); R. Remónd (org.), As grandes descobertas do cristianismo (Loyola); E. Roccella; L. Scaraffia, Contra o cristianismo. A ONU e a união européia como nova ideologia (Ecclesiae); J. Sanahuja, Poder global e religião universal Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 121 (Ecclesiae); J. Ratzinger; J. Habermas; Dialética da secularização. Sobre razão e religião. (Ideia Letras). Palavras-chave: Laicidade. Liberdade Religiosa. Lei Natural. Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 122 TÓPICO 3: LIBERDADE DE EXPRESSÃO E ARTE Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 123 O conceito de Arte para Platão, e sua relação com a liberdade de expressão Alberto de Pina Simões Graduação em Direito pelo CESUPA Moises Santiago de Oliveira Graduação em Direito pelo CESUPA [email protected] Para Platão, a sua cidade ideal e “perfeita”, deveria ser governada pelos famosos (Filósofos-Reis), no qual, atuariam na aristocracia (governo dos melhores). Esta cidade é dividida em três classes, a 1ª sendo composta pelos filósofos mencionados acima, que possuíam todas as virtudes, a 2ª pelos guardiões, defensores da cidade, e, por último, os artesões e camponeses. Adentrando na questão da Arte e liberdade de expressão, a cidade ideal de Platão, Kalipolis, é, e foi entendida por nós, pelo método hermenêutico, como uma sociedade que, aquele que está no topo da pirâmide, poderá governar e desenvolver as leis. A liberdade de expressão é bem controlada e controversa, com sabemos, pois Platão repudiou a forma de governo (Democracia), porque a Democracia seria mais facilmente degenerada e transformada, por conseguinte, em uma demagogia, resultando futuramente, em uma tirania. Este é um forte indício, que pela interpretação de obras como a República e as Leis, obras de Platão, as quais evidenciam, implicitamente, a difícil e controvérsia tolerância da liberdade de expressão nas obras de Platão. A Arte, conceito explorado por Platão, é tratada de modo cético, no livro X da República, pois para ele existe um lado da Arte que não concebe o fim último do agir, que é o bem. Isto pode inferir e prejudicar na formação do homem grego (Paidéia). Esta Arte mal intencionada leva o homem para outro caminho, que não a Verdade. A importância da Arte, mas não somente do tema, é que para Platão, a Arte e como outros temas, deve guiar o homem para o caminho do bem, e para as verdadeiras verdades, da essência da alma ou natureza das coisas. Pois a alma é imortal e não perece, sabemos com Platão. Platão é considerado o primeiro filósofo da Arte, pois foi o primeiro a traçar uma nítida distinção entre a Arte no sentido de ofício (téchne) e Arte (mímesis). Já no sentido de belas artes, sendo as belas artes para Platão instâncias da imitação, o oposto do verdadeiro saber. Assim, na sua cidade ideal (Kalipolis), para que a arte permaneça Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 124 entre os cidadãos, ela deverá deixar seu caráter polimorfo e deverá assumir a função de educar, pois se assim não fizer poderia acabar prejudicando a formação do homem grego (Paidéia). No começo do livro X da República, onde Sócrates irá comparar três tipos de criadores: o demiurgo divino, o marceneiro (o technítes, o artesão) e o pintor, e ele toma uma cama como exemplo para diferenciar as atividades dos três. A cama do demiurgo seria um conceito universal, a essência do que seria uma cama e a referência pela qual todas as outras camas são nomeadas. O marceneiro usando de sua técnica irá construir uma cama real e adequada ao uso. Já a relação do artista com a cama, ele irá apenas pintar a cama do marceneiro. Ele estará três passos afastados da cama em si, que seria a cama do demiurgo (visto que os gregos antigos não contam com o zero), e segundo Platão na República, aquele que está afastado três passos da natureza chama “imitador”, pois ele está a três degraus da verdade. Além disso, Platão ainda irá desdenhar da Poesia e do poeta que ao compor está fora de si, ele só é poeta por “destino divino” e não pela virtude do conhecimento. Com isso, Platão com suas críticas a Arte vai mostrando seu pensamento acerca da mesma, e para ela não ser excluída do seu governo ideal, ela tende a assumir uma finalidade, no caso a educação, com o objetivo de levar o homem ao bem. Depois de colocada essa condição para que a arte possa entrar na Kalipolis, Platão irá falar acerca de sua capacidade educacional, moral e recreativa, e por último do rigoroso controle que ela deveria ser submetida pelo Estado. Portanto, as relações da Arte com a liberdade de expressão possuíam espaço intolerante (controlado) pelo regimento ideal da cidade de Platão. Assim, como a Política, a Arte deveria se comportar como uma finalidade para a elevação máxima do ser humano (o bem). Palavras chaves: Platão. Intolerância. Arte. Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 125 Dos Limites à Liberdade de Expressão na Arte: uma apresentação do pensamento estético de Friedrich Schiller Lívia Coutinho Pontes Mestranda em Filosofia pela UFPA [email protected] Em que medida o artista possui liberdade de expressão? Há critérios a partir dos quais a boa arte deve se pautar e fazer sentido? A Arte desempenha algum papel moral e político na formação cultural de uma comunidade? Essas são algumas das principais perguntas que movem o pensamento de Johann Christoph Friedrich von Schiller, respeitado dramaturgo e poeta alemão do séc. XVIII e filósofo da Arte. No centro de suas indagações estéticas, encontra-se a preocupação de determinar o lugar e a função exatos da Arte (em especial da arte teatral e do estilo trágico) dentro do contexto da sociedade e das virtualidades humanas. A estética de Schiller se manifesta como uma das primeiras reações ao pensamento estético da modernidade a partir da tentativa de resgate de padrões artísticos e estéticos da antiguidade, de orientação da comunidade por ideais humanistas e de educação moral vinculada à formação estética do homem. A questão da busca pelos critérios do belo está diretamente ligada ao surgimento da subjetividade moderna e da consequente ruptura com o mundo antigo, no bojo do qual o belo é uma objetividade ligada ao cosmos, uma espécie de microcosmos à imagem do grande todo. É na estética nascente na modernidade que a tensão entre o individual e o geral, entre o subjetivo e o objetivo é mais forte. É por essa razão que é a busca pelos critérios do Belo que ilustra em seu estado mais puro o desafio mais difícil da Filosofia na modernidade, que é o de saber se é possível fundar uma transcendência na imanência. O pensamento de Schiller é fortemente influenciado por Kant, que lança na Terceira Crítica as bases para uma concepção de gosto que ultrapassa as noções do racionalismo/classicismo (Belo como o verdadeiro, aquele que exprime uma verdade da razão universal com vivacidade) e do empirismo/materialismo (Belo como o agradável, tudo o que deleite concretamente uma estrutura biopsicológica comum à humanidade), para inaugurar o essencial das teorias do gênio, retomadas posteriormente pelo Romantismo. Entretanto, Schiller busca ir além do egocentrismo concernente à particularidade inefável da estética do sentimento, propondo em certa medida, um espaço de intersubjetividade e discutibilidade do Belo. Praticamente toda a estética de Schiller é mediada pelo problema do trágico, não apenas como Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 126 fenômeno ligado a uma forma estética, mas como questão inexoravelmente humana autônoma. O trágico apresenta o homem em todas as suas antinomias e antagonismos, nas situações-limite em que, nada obstante se tratar de um ser natural, manifesta sua destinação moral. É a partir dessa tensão tipicamente trágica que Schiller forja sua concepção acerca do Belo, o ideal absoluto de harmonia entre instinto e dever, natureza e espírito. Nada obstante, a Arte de Schiller não se propõe diretamente a fins morais, mas apenas suscita um estado de liberdade lúdica que pressuponha o apreciador indiretamente para a moralidade, para a ação segundo leis morais.1 Para Schiller, todo ser humano participa virtualmente da capacidade do comportamento heroico. Percebendo na potencia do heroi a sua própria o homem se sentiria acrescido e estimulado em sua força espiritual. “Da Liberdade de Informação e da Liberdade de (de)formação: leitura da liberdade de imprensa a partir do romance 1876, de Gore Vidal” Paulo Sérgio Weyl Albuquerque Costa Doutor em Direito pela PUC-RIO Professor da Pós-graduação em Direito na UFPA Uma das mais representativas criações de Gore Vidal, 1876, é uma obra apropriada para refletir a ambiguidade da liberdade de imprensa, entre o essencial papel social da comunicação/informação, requisitos fundantes para saúde da opinião pública, e a (de)formação da opinião, quando os grupos empresariais, sempre com legitimidade, mas com intenções deliberadas e pré-definidas, atuam sistematicamente para obter um determinado resultado junto à cidadania. Publicada em 1976, o romance de Gorel Vidal que retrata o ano de 1876 se situa entre dois trabalhos onde o autor reflete o enfraquecimento dos ideais revolucionários, “Burr” de 1973 e “Lincoln” de 1984. Nela Gore Vidal introduz o leitor ao contexto histórico das comemorações do centenário da Revolução Americana, um cenário 1 SCHILLER, Friedrich. Acerca da razão por que nos entretêm assuntos trágicos (1792); In: Teoria da Tragédia – Tradução de Flávio Meurer – São Paulo: Editora Herder, 1964, p. 15. Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 127 apropriado para discutir a atualidade dos ideais de democracia e de liberdade dos pais fundadores de uma nação que seria modelar do Estado contemporâneo. Neste romance, em várias direções, Gore Vidal ensaia o enfraquecimento das virtudes republicanas e particularmente no ambiente do jornalismo enquanto profissão e da mídia enquanto atividade social e organização política e econômica. O resultado não seria propriamente o ceticismo, mas a percepção é de que a revolução americana havia dado espaço a uma realidade onde o jornalismo não requer necessariamente um compromisso público, nenhum vínculo com a finalidade ‘meramente’ informativa e na qual a mídia se articula à política no sentido imediato do jogo partidário, da formação da maioria, dos interesses econômicos, e da ocupação do poder. Isso tudo num ambiente de grandes transformações econômicas e culturais, onde a tradição das virtudes republicanas assume novas configurações. No contexto do romance, a eleição presidencial do ano do centenário pauta a imprensa, mas segundo interesses econômicos próprios dos grupos proprietários, o que impacta negativamente a informação em si mesma, a qual perde a centralidade da atividade de imprensa. A finalidade da imprensa naquelas eleições foi (e é?) o favorecimento de uma candidatura, o que não é incompatível com a liberdade econômica, mas conflita com o mítico distanciamento da informação que povoa o imaginário acerca da imprensa. Em nossa comunicação pretendemos revisitar essas questões desde a literatura indicada, reconstruindo desde essa obra o modelo de imprensa e de liberdade de imprensa indicado no romance histórico. Desde essa reconstrução, e ainda com o autor, refletir os conflitos indicados entre essa realidade, pretendemos explorar as ambiguidades da liberdade de imprensa, entre a função libertária de informação, econômico funcional para uma sociedade autônoma e a liberdade econômico de (de)formação, entendida como um desiderato da liberdade de expressão e de liberdade econômica. Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 128 TÓPICO 4: LIBERDADE DE EXPRESSÃO E JURISPRUDÊNCIA Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 129 J'Accuse! O Manifesto de Émile Zola, Liberdade de Expressão e o Positivismo Inclusivo Alberto de Moraes Papaléo Paes Mestre em Direito pela UNAMA Professor da UNAMA/FABEL [email protected] Giuliana Yukari Murakami da Paixão Graduanda em Direito pela FABEL [email protected] Publicada em 1898 pelo Jornal L'Aurore, a famosa Carta de Émile Zola endereçada ao Presidente da República, Félix Faure, tornou-se parte da literatura mundial como um manifesto político de um cidadão que acusa as instituições estatais de negligência no julgamento do famoso Caso Dreyfus. Zola demonstra-se revoltado com a atuação dos comandantes e generais do Conselho de Guerra por causarem a maior atrocidade jurídica da história da França ao condenarem o Soldado Dreyfus por traição, sem provas evidentes. O pressuposto maquiavélico que autorizaria isto seria uma conspiração antissemita que culminaria (mais tarde) na inocência dos diretamente envolvidos no crime e consequente condenação do judeu Dreyfus. A importância deste texto, no que tange à tutela da Liberdade de Expressão, pode ser descrita através de dois prismas distintos a serem elencados: a) a liberdade de expressão como um direito moral contra o Estado e; b) a confirmação da tese de reflexos da moral no conceito de direito. Para o primeiro ponto, basta lembrar a lição (e advertência) de Ronald Dworkin (1978) de que a linguagem do Direito está imersa em questões políticas e não muito raro estas questões são levadas a um grau da experiência constitucional (pois trabalham questões morais complexas) (p. 184). A Liberdade de Expressão, portanto, seria objeto de investigação quanto à sua relação com essas questões morais complexas como formas de direitos que se voltam contra a atuação do Estado. Entretanto (e aqui a advertência), dizer isso impera um respeito prima facie ao próprio conteúdo das normas jurídicas de um país. Esse respeito antecede necessariamente a crítica e se torna o fundamento de validade do exercício da crítica. Exatamente como Zola (2007) argumenta “fazendo essas acusações, não ignoro enquadrar-me nos artigos 30 e 31 da lei de imprensa de 29 de julho de 1881, que pune os delitos de difamação” (p. 53). Se quisermos que os direitos possam ser discutidos com responsabilidade política devemos levá-los a sério, tendo a autoridade Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 130 governamental o dever de expressar esse respeito antes e acima de todos os outros cidadãos (DWORKIN, 1987, p. 205). Fica claro no manifesto político de Zola (2007) a necessidade de cobrar do Estado que respeite, que leve os direitos a sério. E o faz colocando em exercício a sua Liberdade de Expressão. A própria admissão da possível penalização (que ocorre posteriormente com uma pena de um ano de prisão mais multa), relativiza o conflito liberdade de expressão x cometimento de crimes, do ponto de vista da filosofia moral dentro do direito na medida em que transparece em Zola (2007), acima de tudo, o respeito ao direito dos concidadãos (não se imiscuindo da sanção por desrespeitar uma lei apesar de considerar justa sua causa). De outra sorte, a compreensão deste caso, nos limites da descrição assim narrada, acusa – não somente os argumentos da questão política de Zola (2007), mas também – a tese de reflexo da moral no conceito de Direito. O Positivismo Inclusivo que vem sendo discutido na modernidade trata de uma escola do pensamento jurídico que aproxima questões tortuosas sobre a epistemologia do Positivismo Clássico. Se trabalhar o Direito é admitir que tais questões morais são o âmago da episteme jurídica, então, a tese de separação do Positivismo (exclusivo) Clássico é errada (ou, não recepcionada pela modernidade). O propósito de J'Accuse, desse modo, não foi somente de externar uma insatisfação pela decisão do Governo Francês por um cidadão, mas sim de demonstrar ao mundo a importância da discussão do direito de Liberdade de Expressão e sua importância para a conquista de um Estado Democrático de Direito. Ele acusa (ainda na modernidade), os problemas da teoria, da hermenêutica e da prática jurídica. Ele acusa a necessidade de sobriedade e Justiça. Ele acusa a complexidade da devida compreensão do Direito. Ele acusa a insuficiência do Positivismo jurídico clássico. Devemos, então à guisa desse exemplo, advertir as gerações futuras e sempre fazê-los lembrar: coragem é uma virtude de poucos, mas, os poucos que a exercem nos limites da phronesis (prudência), estes serão eternamente lembrados. Como Zola (2007) e tantos outros que se serviram de mártires da Liberdade de Expressão para que hoje fosse possível sustentar os direitos que temos do modo como o fazemos. Nosso eterno respeito, antes de tudo, a eles. Palavras Chave: Liberdade de Expressão. J'Accuse; Émile Zola. Positivismo Inclusivo. Literatura Política. Referências: DWORKIN, Ronald. Taking Rigths Seriously. Harvard University Press. Cambridge, Massachusetts. London, England. 1978. Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 131 HIMMA, Kenneth. Inclusive Legal Positivism. Oxford Handbook of Jurisprudence and Philosophy of Law. Oxford University Press. 2002. MARMOR, Andrei. Legal Positivism: Still Descriptive and Morally Neutral. Forthcoming in the Oxford Journal of Legal Studies. USC Legal Studies Research Paper No. 05-16. Legal Studies Research Paper Serires. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=763844> Acesso em: 01.04.2014. ZOLA, Émile In. Zola /Rui Barbosa. Eu acuso! O Processo do Capitão Dreyfus. Org. e trad. Ricardo Lísias. São Paulo: Hedra, 2007. Liberdade de Expressão e de Imprensa: análise do voto do Min. Gilmar Mendes no acórdão da ADPF 130/DF. Alexandre Pinho Fadel Mestre em Direito pela PUC RIO Professor na UNAMA/FAMAZ [email protected] O presente resumo tem como objetivo contrapor os argumentos utilizados pelo professor Ricardo Evandro S. Martins ao interpretar o voto do Min. Gilmar Mendes na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 130/DF (“Direito de Livre Expressão” a partir de uma Perspectiva Liberal: Hermenêutica do voto do Min. Gilmar Mendes no Acórdão da ADPF 130/DF, segundo as críticas de Ronald Dworkin ao “modelo madisioniano”). O resumo do professor traz como o principal elemento para criticar o voto do referido Ministro a opção jurídico-política que teria sido feita de adesão ao “modelo madisioniano” (ou “modelo cívico/republicano”) acerca do conceito de direito à liberdade de expressão em sentido amplo, a qual seria caracterizada, segundo Ronald Dworkin - O direito da liberdade: a leitura moral da Constituição norteamericana (1996), “como sendo uma mera ‘justificativa instrumental’ da importância da defesa do direito à liberdade de expressão”. Nos termos da ADPF n. 130, o Min. GM, parcialmente vencido, procurou construir uma argumentação apta a considerar recepcionados pela Constituição alguns dispositivos da Lei de Imprensa (artigos 29 a 36). Nesse sentido, trouxe em seu voto interpretações da Suprema Corte dos Estados Unidos da América e do Tribunal Federal Constitucional Alemão sobre o tema em discussão que estabeleceram limites aos meios de comunicação, além de várias legislações estatais (Espanha, Portugal, México, Reino Unido, França, Chile, Peru, Uruguai e Alemanha) que regulamentam a imprensa. Em relação especificamente à experiência norte-americana, Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 132 consoante as lições de Cass Sustein - One case at a time. Judicial Minimalism on the Supreme Court (1999), e de Alexander Meiklejohn - Political Freedom: the constitutional powers of the people (1965), que tomaram o “modelo madisioniano” na condução de suas respectivas argumentações, conclui o Ministro que “as restrições legislativas são permitidas e até exigidas constitucionalmente quando têm o propósito de proteger, garantir e efetivar tais liberdades”. Portanto, dentro do contexto político-jurídico brasileiro, repleto de exemplos graves de violações aos direitos fundamentais por parte da imprensa, propugnar limites aos meios de comunicação está longe de infringir a liberdade de expressão e de imprensa. Por fim, é relevante consignar que a ordem constitucional brasileira (art. 220 da CR) autoriza o poder político a regulamentar/limitar a atuação dos meios de comunicação, desde que afastada “toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística” e sempre em consonância à preservação do Estado Democrático de Direito e da dignidade da pessoa humana (art. 1º, caput e III, CR). Palavras-chave: Liberdade de Imprensa. ADPF n. 130/DF. “Modelo Madisioniano”. Construindo um Direito: a evolução da liberdade de expressão no Supremo Tribunal Federal Elden Borges Souza Mestrando em Direito pela UFPA [email protected] O processo de internacionalização dos direitos humanos comprovou que a liberdade de expressão é um dos valores mais importantes, tanto dentro dos Estados como em toda a Comunidade Internacional. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1948, afirma que todos têm direito à liberdade de opinião e expressão, ressaltando que “[...] este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras” (artigo XIX). Por outro lado, o Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos), da Organização dos Estados Americanos, de 1965, documento base para o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, também assegurou de forma extensa nos artigos 12, 13, 15 e 16 a liberdade de expressão e pensamento e liberdades relacionadas (manifestação, crença e consciência). Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 133 Em âmbito nacional, e dentro desse movimento de proteção dos direitos humanos, a Constituição de 1988 assegurou no rol dos direitos fundamentais, com a garantia de eternidade (enquanto cláusula pétrea), a liberdade de expressão e pensamento e seus corolários, as liberdades de reunião, manifestação, artística, cultural, intelectual, de imprensa e religiosa (artigo 5º, IV, VI, IX e outros incisos). Não obstante sua basilar importância, como os demais direitos humanos, essa liberdade não é absoluta, nem superior a demais princípios constitucionais. Põe-se o problema: em quais situações, então, é possível limitá-la? Tal limitação é necessária, pois, como qualquer direito fundamental, a liberdade de expressão não pode servir de guarida a atitudes que violem outros interesses constitucionalmente previstos – como o princípio da não discriminação e os direitos à honra e à imagem. Todavia, como tal liberdade está intrinsecamente ligada ao desenvolvimento da personalidade e à garantia da democracia, seus limites devem ser estipulados na medida do estritamente necessário. Um fator agravante dentro desse debate é o fato de o Brasil ser uma recente democracia. A Constituição de 1988 tem pouco mais de 25 anos e – ainda que se considere o breve período de estabilidade na vigência da Carta de 1946 – a liberdade, especialmente de pensamento e expressão, é algo profundamente novo e que precisa ser consolidado a nível nacional – especialmente na jurisprudência. Nesse contexto, desde a promulgação da Carta de 1988, a Suprema Corte brasileira enfrentou algumas situações críticas, hard cases, em que precisou ponderar limites admissíveis à liberdade de expressão, atuando como mediador dos interesses conflitantes. Cinco casos principais marcaram a posição da Corte e podem ser destacados como a base para a construção do conceito de liberdade de pensamento. Considerando a vigência da atual Constituição, o primeiro foi o julgamento do HC 82.424-2, finalizado em 2003. Esse caso discutiu a possibilidade de S. Ellwanger escrever um livro negando o Holocausto e atribuindo a “responsabilidade” pela II Guerra Mundial para os judeus. Pouco tempo depois, em 2007, o Supremo julgou a ADI 1.9694, quando foi chamado para decidir se um decreto do Executivo do Distrito Federal que restringia a manifestação na Praça dos Três Poderes era constitucional. Na ADPF 130 a discussão posta era sobre a recepção pela Constituição de 1988 da Lei de Imprensa (lei n. 5.250/67). Outro caso relevante sobre o tema foi a ADPF 187, onde se discutiu se a denominada “Marcha da Maconha” – manifestação pública que propõe a descriminalização do uso da maconha –, ao criticar a criminalização de um ato, Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 134 estava protegida pela liberdade de pensamento. Por fim, recentemente a Suprema Corte julgou a ADI 4815, apreciando a relação entre liberdade e privacidade, no caso de publicação de biografias sem autorização da pessoa representada. Destarte, ao analisar essas decisões paradigmáticas do Supremo Tribunal Federal, leading cases, sobre a liberdade de pensamento e de expressão, é possível extrair uma linha de princípio delas na afirmação de um conceito? Palavras-chave: Liberdade de expressão. Supremo Tribunal Federal. Jurisprudência Constitucional. AS MOLDURAS JURÍDICAS DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO João Henrique Vasconcelos Arouck Doutorando em Direito pela UFPA Professor da ESTÁCIO-FCAT [email protected] O trabalho tem como objetivo apresentar um esboço da concepção social e jurídica da liberdade de expressão. A teoria jurídica (legal philosophy) de Herbert L. A. Hart e Joseph Raz constitui um referencial teórico adequado para tratar de um objeto normativo socialmente complexo. Parte-se da hipótese primária de que nos modernos contextos sociais o sistema normativo da liberdade de expressão não trata dos processos de liberação do pensamento – eles permanecem na intersubjetividade e assim “fora” do Direito –, mas da mediação das expressões ideológicas e estéticas na vida cultural da coletividade. Com a teoria Hart, a terminologia dos sistemas normativos da liberdade de expressão é analisada em sua significação jurídica e social, quer dizer, como ciência prévia da textura posteriormente então aberta pela interpretação da jurisprudência (case law). Mesmo neste propósito “formal”, é possível compreender, ainda que por esboços, a realidade social da liberdade de expressão desde sua prefiguração em um sistema de normas primárias. Por normas primárias entende-se as formas imperativas mais concretas da obrigação e do dever social que sobrevivem na interpretação de termos jurídicos essenciais como a (i) liberdade ampla; (ii) a prática da tolerância; (iii) o melhoramento espiritual e cultural; (iv) os atributos da pessoa humana; (v) a razão e a consciência natural; (vi) a dignidade da própria liberdade; (vii) o recreio honesto; (viii) o bem-estar geral (ix) o desenvolvimento democrático; (x) o regime da liberdade pessoal e da justiça Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 135 social etc. A teoria jurídica de Hart é aplicada como método de investigação de um objeto normativo resultando em hipóteses secundárias sobre a configuração de sistemas jurídicos entre normas primárias e secundárias. É o caso do (A) direito à manifestação do pensamento, consciência, religião e opinião que se comporta como uma norma primária diante da norma secundária que comporta por sua vez o (B) direito de procurar, receber e transmitir informações por todos os meios sem interferências. Nesta relação, entendese por norma secundária o conjunto de regras que dão poderes aos indivíduos. De outro lado, a teoria desenvolvida por Joseph Raz é aplicada para estabelecer uma relação objetiva entre as estruturas normativas e a organização social, sendo a primeira a forma característica da segunda. Segundo Raz, a teoria do sistema jurídico esclarece no campo da teoria social sobre os padrões persistentes e difusos da conduta por parte de uma ampla proporção de destinatários. Precisamente por isso, a liberdade de expressão não é um direito da liberação uma vez que pressupõe um solo. É a liberdade um fator de criação mediado pelas formas jurídicas da sociedade. No campo da estética, o conceito normativo da liberdade de expressão é um indicador importante do “estado da arte” de uma determinada organização social. No meio de tais questões, a teoria do Direito apresentase como uma metodologia para explicar a delimitação da liberdade de expressão de maneira a fazer preponderar uma concepção fixa do valor em que a forma da lei é uma espécie de “condição social” da liberdade individual. Liberdade de Expressão e Discursos de Ódio Ricardo Dib Taxi Doutorando em Direito pela UFPA Professor no CESUPA/ESTÁCIO-FCAT [email protected] É um traço relativamente comum em democracias contemporâneas que a liberdade de expressão deve ter a maior amplitude possível, de forma que limitações ao seu livre exercício são praticamente intoleráveis. Uma das exceções a esse raciocínio, particularmente relevante em muitos países, como por o exemplo o Brasil, é o chamado discurso de ódio, o qual costuma ser formulado para transformar críticas e preconceitos particulares em um verdadeiro ponto de vista a respeito de determinado povo, Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 136 determinadas pessoas ou determinado assunto. Em todo caso, quando se coloca em contraponto liberdade de expressão e tais tipos de discurso, um dos grandes problemas que se apresenta é precisamente o de saber qual o limite da liberdade, ou até que ponto ela pode ser tolerada. Nesse contexto, a presente investigação buscará mostrar que, do ponto de vista interpretativo, não há como se estabelecer de antemão um conceito de discurso de ódio que dê conta antecipadamente das situações nas quais a fala ou escrita de alguém for julgada. Fazer isso tornaria a liberdade bastante vulnerável e criaria um conceito supostamente fixo e congelado, que não seria capaz de dar conta da complexidade das circunstâncias. Por essa razão, em contraposição a tal possibilidade, defender-se-á que aquele conceito precisa ser sempre novamente dimensionado e jamais pressuposto. Palavras-chave: Liberdade de Expressão. Discursos de Ódio; Interpretação Situacional. Direito de Livre Expressão a partir de uma Perspectiva Liberal: hermenêutica do voto do Min. Gilmar Mendes no acórdão da ADPF 130/DF, segundo as críticas de Ronald Dworkin ao “modelo madisioniano” Ricardo Evandro S. Martins Doutorando em Direito pela UFPA Professor no CESUPA [email protected] Neste resumo objetivamos interpretar o voto do Min. Gilmar Mendes constante no Acórdão (ADPF 130/DF) que decidiu pela inconstitucionalidade da Lei de Imprensa (Lei n. 5250). Justificamos a escolha do voto específico do Ministro porque julgarmos ser o voto mais rico em teoria do Direito, doutrina e jurisprudência estrangeiras. Assim, o objetivo central da presente hermenêutica jurídico-constitucional do referido voto é problematizar a fundamentação da decisão quanto a sua concepção de “direito de livre expressão”. Sobre este problema, temos por hipótese que o Min. Gilmar Mendes não optou pela melhor argumentação quanto ao ponto de vista jurídico-político, pois parece aderir ao chamado “modelo madisioniano” (ou “modelo cívico/republicano”) sobre o conceito de direito à liberdade de expressão em sentido amplo – que no mundo germânico, chama-se de “concepção objetiva/institucional”. Entendemos assim, pois seguimos Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 137 Ronald Dworkin quando na sua obra O direito da liberdade: a leitura moral da Constituição norte-americana (1996) caracteriza tal argumento como sendo uma mera “justificativa instrumental” da importância da defesa do direito à liberdade de expressão. Dworkin acusa tal argumento de “instrumental” porque alega que o “direito de livre expressão” é mero meio para garantir a democracia deliberativa, uma vez que seria a livre expressão um modo do povo participar da discussão política. Segundo Dworkin, a melhor maneira de ver o “direito de livre expressão” seria, em verdade, a da “justificativa constitutiva”, pela qual se pensa os cidadãos como agentes morais responsáveis. Esta posição está mais próxima do “modelo liberal” – que na versão germânica é denominado de “modelo subjetivo”. Tal modelo, “liberal/constitutiva/subjetivo” pressupõe que todos os cidadãos são capazes de responsabilizarem-se pelo o que dizem, assim como pelo o que ouvem, mesmo que os desagradem. Esta posição vai de encontro com a “regra da malícia” constante no famoso caso Sullivan, porque, para Dworkin e seu “modelo liberal” de ver a liberdade de expressão, o ônus da prova deve ser igual a todas as partes, imprensa e ofendido. Dworkin vê que o Estado não pode privilegiar a imprensa ao dar o ônus para aquele que se sentiu ofendido de provar a malícia ou a negligência da verdade por parte do ofensor/imprensa. O ônus deve ser igual para ambos. Assim, Dworkin acusa o “modelo instrumental”, o mesmo defendido por Gilmar Mendes em seu voto, de ser frágil porque consegue ser eficaz somente em casos de proteção da imprensa quando esta critica o Poder Público, mas não quando o “direito de livre expressão” é exercido artisticamente, uma vez que, caso se queira pensar ao modo da “justificativa instrumental”, nem toda expressão artística serviria para a construção democrática. Assim, esta visão instrumental poderia ser uma arma para cercear a livre expressão, e não só da mencionada liberdade artística, mas até a da liberdade acadêmica, como, por exemplo, a expressão revisionista sobre a Segunda Guerra ou de qualquer grande evento histórico que possa eventualmente contrariar a ideologia de um governo. Palavras-chave: Livre-expressão. ADPF 130/DF. Modelo madisioniano. Ronald Dworkin. Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 138 A Liberdade de Expressão e sua Efetividade no Processo Judicial sob a Luz da Teoria da Argumentação Jurídica de Robert Alexy Victor Lucas Silva da Conceição de Souza Graduando em Direito pela UNAMA [email protected] O presente trabalho tem o escopo de analisar a efetividade da liberdade de expressão no processo judicial sob a luz da Teoria da Argumentação Jurídica, de Robert Alexy. A construção da decisão judicial deve observar não somente as regras de argumentação para se justificar racionalmente. O processo judicial clama pela participação de todos os sujeitos do processo. A decisão judicial deve ser encarada como resultado de uma construção argumentativa, onde o juiz e as partes contribuem para por termo ao processo. E é justamente nessa problemática da participação popular no processo judicial que deve ser observada o direito fundamental da liberdade de expressão. A obediência a esse direito fundamental é uma exigência do Estado Democrático de Direito, o qual é aperfeiçoado a partir da observância das regras do discurso por toda a sociedade. Por mais que a observância plena destes ditames seja apenas ideal, não se pode ignorar que se faz necessário incorporar as regras do discurso para que se alcance não somente um grau maior de racionalidade das decisões judiciais, mais também um maior grau de democracia. É nesta relação “Regras do discurso X Liberdade de Expressão” que o Direito se justifica racionalmente. Outro requisito importante é que sob a luz da Teoria da Argumentação jurídica de Robert Alexy um dos fatores competentes para o aumento do grau de democracia é a observância destas regras racionais de argumentação sem fazer distinção hierárquica entre os participantes do discurso. Não deverá existir hierarquia de espécie alguma entre magistrados e partes, por exemplo. Por outro lado, analisando o princípio da liberdade de expressão como fator decisivo para a participação social no processo judicial, percebe-se que ao mesmo tempo em que as regras do discurso exigem a efetivação deste princípio elas (as regras do discurso) também atuam como limites dele (princípio da liberdade de expressão). Isso leva à conclusão de que o conteúdo do discurso, o qual é possível através da observância do princípio da liberdade de expressão, é limitado pelas regras de argumentação jurídica. Sendo assim, a partir da observância das regras estipuladas pela teoria do eminente filósofo alemão alcança-se um nível de Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 139 democracia mais elevado (maior participação popular no processo judicial), decisões jurídicas mais racionais e obediência ao princípio da liberdade de expressão. Palavras-Chave: Robert Alexy. Teoria da Argumentação Jurídica. Liberdade de Expressão. Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.6, p. 90-140, jan./jun., 2015 | 140