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Direito autoral na criação do ator - parte I
Diego de Paula Tame Lima
Como citar este artigo: LIMA, Diego de Paula Tame. Direito autoral na criação do ator.
Disponível em http://www.iuspedia.com.br 30 jan. 2008.
1. INTRODUÇÃO
Para se utilizar da expressão Direito Autoral na Criação do Ator, é necessário expor todo o
contexto histórico, além de conceitos e fundamentos destes dois campos abordados por esse
tema. De um, lado tem-se o Direito Autoral com toda a sua busca pela proteção ao artista,
visando sempre a valorização do trabalho do criador. E, do outro lado, tem-se a Criação do
ator, sendo essa uma forma tão bela e nítida de obra de arte.
Entretanto estes dois campos não estão diretamente ligados, uma vez que não está previsto
no Direito autoral, ou melhor dizendo, não está nitidamente expresso tampouco está
protegido como criação independente esta forma artística de se manifestar perante o
público.
O Trabalho aqui exposto visa abrir um campo de reflexão sobre a proteção que se deve dar
ao ator em torno de sua obra. Para se chegar a alguma conclusão, é necessário mostrar toda
a história do teatro. Essa história está totalmente relacionada a do ator, já que a arte de
representar acompanha a evolução do homem, que sempre procurou expressar seus
pensamentos. As artes dramáticas sempre tiveram um importante papel social, pois foram e
sempre serão formas de divulgação de pensamentos e opiniões. Há que se ressaltar que o
trabalho do ator foi repreendido por várias vezes em virtude de um não compreendimento
de seu valor.
Este estudo tratará também do conceito de Direito Autoral na Criação do Ator, mostrando a
proteção que deve ter a criação do homem e o direito que ele tem ao fazer o uso que melhor
convenha de sua obra, além de mostrar a analogia existente entre o trabalho do ator e as
obras coreográficas e pantomímicas, sendo estas duas últimas protegidas pelo Direito
Autoral.
Outros temas abordados neste trabalho serão a Constitucionalidade do Direito Autoral, os
Direitos Conexos, o Direito Moral do Autor, o plágio na criação do ator, e, por fim, como
se dá a criação de uma personagem. Mostrando como um ator poderá individualizar seu
trabalho, e apresentando características adquiridas por uma busca incessante no
desenvolvimento de sua personagem.
2. HISTÓRICO DA ENCENAÇÃO E DO DIREITO AUTORAL
Para que se possa levantar um apontamento sobre o direito autoral na criação do ator, é
necessário, além de estudar o direito autoral, também estudar o surgimento do ator, de onde
ele veio e por que veio. Para chegar a esse levantamento, é preciso saber a história do
teatro, que está diretamente ligada à do ator.
A história do teatro se confunde com a história da humanidade. A arte de representar advém
das situações vividas pelo ser humano que, por culto, religiosidade, louvor, prestígio,
entretenimento, registro, ou, simplesmente pela pura expressão artística, expressa seus
sentimentos num mundo de fantasia muito parecido com um mundo real.
O mundo evolui e a arte de se representar acompanha essa evolução. Mesmo com o passar
dos séculos, os homens continuam vivendo, sobrevivendo e exortando, através da arte, o
seu passado, seu futuro, sua relação interpessoal, seus medos, seus ideais, seus desejos e
vontades.
O surgimento do teatro se deu no séc. VI a.C., quando era usado como cerimônia grega,
porém há a possibilidade de o homem ter constituído um vínculo com essa arte bem antes.
Os antepassados do homem já praticavam a arte da representação em favor de seus deuses
misteriosos, nos rituais de antropofagia, na demonstração de que o macho supremo deve
fazer, estufando o peito e dando gritos de ordem, impondo respeito diante dos outros
machos. Portanto, não se sabe quando surgiu a representação, nem poderá saber um dia em
virtude de toda esta sua complexidade, mas pode-se afirmar que ela está ligada diretamente
ao homem, que o acompanha desde o seu surgimento.
No século VI a.C., fazia parte da rotina das pessoas toda a mistificação em relação aos
deuses e crenças, não ficando apenas no campo religioso, pois todas as ocorrências
inexplicáveis do mundo eram relacionadas aos deuses, sendo estes os benfeitores ou
malfeitores da Terra, possuindo um poder sobre o homem, sobre o céu e sobre a terra.
Através desta relação existente entre os fenômenos naturais e suas explicações, foram
surgindo lendas que, divulgadas por mecanismos de oralidade primária, eram transmitidas
de pai para filho, procurando instruir toda a civilização nas regras de comportamento que
não podiam ser quebradas.
Na Grécia antiga, a cultura era restrita à louvação dos deuses, em festas e cultos religiosos,
de forma que as pessoas reuniam-se para aclamar aos deuses, agradecê-los ou fazer
oferendas. Havia uma rígida fiscalização do legislador nas festas em respeito a Dionísio, o
Deus da Alegria e do Vinho, que não permitia sacrilégios e manifestações cuja retórica não
fosse a concepção religiosa da sociedade. Entretanto, o tirano legislador da época, Sórlon, a
fim de entreter a massa permitiu a um homem que possuía um talento especial para imitar
outras pessoas, que fizesse uma apresentação para o público. Teps, que era esse homem de
talentos especiais, colocou uma máscara, vestiu uma túnica, subiu em uma carroça diante
do público e expressou dramaticamente: "Eu sou Dionísio, o Deus da Alegria". Por causa
da maneira que Teps [1] postou-se diante de todos, como um deus, causou revolta e medo
em alguns, porém muitos viram essa postura como um louvor ao Deus do Vinho. Por causa
de toda esta confusão, Sórlon impediu esse tipo de apresentação, julgada como um grande
sacrilégio. O público, no entanto, queria mais, pois achara fascinante e surpreendente a
forma como aquele homem demonstrava seu talento. Esta proibição perdurou até a era
democrática da Grécia, quando ficou liberado a qualquer um esse tipo de manifestação,
salvo para mulheres e escravos. As pessoas tomaram gosto por essa arte tão criativa: a de
imitar e os governantes passaram a incentivar aqueles que se interessavam em entreter o
público distribuindo prêmios para aqueles que imitassem melhor pessoas e deuses.
No início, apenas nas festas dionisíacas havia a arte dramática, mas com o passar dos anos,
passou a ocupar um espaço maior na cultura grega. Assim, no século V a.C., os gregos
elaboraram outras formas de entretenimento através da arte cênica, surgiu então fábulas e
histórias diversas que eram encenadas para o público. Essa forma de se passar mensagens
através de histórias dramáticas ficou conhecida como Tragédia Grega, onde os atores
utilizavam máscaras e túnicas para interpretar seus personagens. A tragédia se passava em
uma ampla plataforma chamada proskénion, situada na costa sudeste de Acrópole, local
sagrado de Dionísio, no théatron ("local onde se vê"), cuja platéia era reservada para os
espectadores. As apresentações cênicas eram compostas por um coro que narrava e tecia
comentários a respeito da história principal que era interpretada pelos atores principais.
A arte cênica tornou-se uma forma de ritual, onde quem encenava no proskénion pretendia
passar uma informação de grande necessidade para a sociedade, com um trabalho corporal,
com voz e interpretação, submetendo-se à catarse, cuja explicação advém de
Aristóteles(384 – 322 a.C.), o primeiro filósofo que proferiu teses sobre a arte dramática.
Segundo Aristóteles, a catarse faz com que as emoções do intérprete sejam liberadas numa
construção fictícia. Aristóteles constituiu a primeira estética da arte dramática, cujo nome
era bem apropriado: "Poética". As Tragédias seguiam causando furor, em espetáculos
longos, com poesias e grandes textos que pretendiam mostrar um enredo. Para maior
receptividade do público, que demandava de tramas bem articuladas e enredos intrigantes,
os gregos criaram dois elementos até hoje reconhecidos: o protagonista (o herói) e o
antagonista (o vilão), de forma que as tragédias falavam a respeito da realidade e da
mitologia, versando contextos do conhecimento de todos. Os temas eram atribuídos a
grandes heróis, aos deuses, sob argumento fundamental de expor uma ética, uma lição de
vida e a moralidade.
A tragédia Grega surgiu em meio a duas grandes guerras pérsicas, por isso foram
influenciadas por elas, abordando atos heróicos e grandes triunfos, fazendo assim com que
houvesse uma organização maior em prol da ação dramática.
Aristóteles foi o primeiro a traçar uma tese a respeito da arte dramática, que veio a ser a
primeira estética para a constituição de tragédias mais bem organizadas e confabuladas.
Seria necessário, nesta poética, para que uma peça teatral fosse perfeita, a utilização de seis
tópicos essenciais que são: pensamento, fábula, caráter, linguagem, melodia e encenação.
Este último é o que mais interessa neste estudo, pois é através da encenação que o ator
desenvolve seu trabalho, mostrando toda a sua criatividade. Nela, os personagens devem
estar ambientados, levando em consideração a época e o local onde se passa a trama, por
isso são utilizados elementos que configuram o espaço abordado pelo autor. Deve haver
materiais que permitam ao ator constituir da melhor forma seu personagem, pois as atitudes
do personagem (as ações) também devem ser consideradas. Para Aristóteles, o teatro só
acontece quando o ator entra em contato com o espectador, vivendo assim uma experiência
onde ambos encontram-se envolvidos.
No século X, no período do teatro religioso e na renascença, houve um grande avanço em
relação ao espaço para encenação, pois, nesse período, as peças teatrais eram
exclusivamente de cunho religioso, já que tudo e todos eram determinados pelo clero. Os
temas bíblicos eram abordados em autos, que, ao serem encenados, traziam à tona mistérios
e elucidações referentes aos temas religiosos, como o fim do mundo e o juízo final, que no
século X criou grande suspense em toda a civilização cristã. As apresentações eram feitas
primeiramente em igrejas, porém, com o passar dos anos, tornou-se necessário criar
ambientes próprios para as apresentações, já que alguns espetáculos contavam com dezenas
de atores e uma grande estrutura, com efeitos especiais, surpreendentes efeitos ilusórios e
máquinas inovadoras, que deixavam o público enfeitiçado e mais seduzido pela fé.
O teatro medieval contribuiu muito para o enriquecimento da arte cênica, o figurino passou
a ser mais luxuoso, o público ganhou camarotes e os atores, camarins com maquilagem,
que os ajudava a constituir os personagens, sem a necessidade de uma máscara. Isto mostra
que o ator cria seu personagem não somente na forma de encenação, mas também na
maquiagem desenvolvida por ele, fazendo o mesmo que um artista plástico, com a
diferença de que ele mesmo é o artista e a própria obra de arte.
Na Itália, por volta do século XVI, surgiu a Commedia Dell’Arte. Esse gênero do teatro
apresentava um pouco da pantomima, do ridículo e da vulgaridade que as comédias
primitivas gregas expunham após as Tragédias Gregas no tempo do Império Romano. Estas
engraçadas peças teatrais abordavam os temas mais surpreendentes e pediam muito de seu
intérprete, pois esse tinha que seguir a risca o roteiro, preocupando-se, no entanto, com o
público, que pagava o ingresso somente para rir. Por isso, caso percebesse que o público
não estava achando engraçado o roteiro original, podia improvisar com alguma idéia
realmente engraçada, mostrando, aqui, mais uma vez, a sua capacidade artística de criação.
A Commedia Dell’Arte teve um papel muito importante na história do teatro, pois foi
através dela que houve a desmistificação do teatro, que durante séculos seguiu um padrão
extremamente opressor e paradigmático, abrindo as portas para uma nova forma de
dramaturgia, quebrando dogmas que impossibilitavam a criação livre de dramaturgos e
encenadores.
Nesse particular, percebe-se que há uma criação própria do ator e não apenas do
dramaturgo, pois o ator faz toda uma preparação, para que possa transformar aquele texto
puro em algo com vida própria, em "realidade".
É necessário também, analisar neste estudo, como surgiu o direito autoral, de onde veio e
por que veio, pois o que se pretende mostrar é a relação existente entre o trabalho do ator e
o instituto do direito autoral.
Com a invenção da imprensa, as cópias já não eram mais produzidas artisticamente de
forma manual e essa conseqüente facilidade na obtenção da reprodução dos trabalhos
literários fez surgir a concorrência das edições abusivas. Daí, o interesse em reprimi-las,
pois o autor, ou seu sub-rogado em direito, que antes tinha pelo menos um controle sobre a
reprodução das obras, decorrente da posse do manuscrito original, passou a perdê-lo, uma
vez que cada possuidor de uma cópia impressa podia, com toda facilidade, reproduzi-la.
A proteção legislativa do autor iniciou-se na Inglaterra no séc. XVIII no ano de 1710, com
o Estatuto da Rainha Ana. Esse estatuto fez surgir a visão inglesa de proteção autoral, pois
concedeu pela primeira vez aos autores de obras literárias o privilégio de reprodução de
suas obras por certo período de tempo, esta visão foi denominada de copyright, ou seja,
direito de cópia, que depois foi acolhida também na América do Norte imperando naqueles
ordenamentos até hoje.
Cabe, aqui, mencionar que, na mesma época, no século XVIII, surge na França, no contexto
da Revolução Francesa, um sistema diferido do sistema inglês copyright[2] , centrando-se a
proteção na atividade criadora e não só na reprodução material da obra, em que se protege a
propriedade do autor sobre a obra e todas as formas de utilização, não só sobre a
reprodução, que é apenas uma das muitas formas de utilização de uma obra, como no
sistema inglês.
A partir daí, houve a necessidade da criação de uma legislação de nível internacional,
surgindo, assim, em 1886, a assinatura da Convenção de Berna, que atualmente é um
instrumento padrão, que disciplina o direito autoral, administrado pela Organização
Mundial de Proteção Intelectual (OMPI) e com plena vigência em nosso país e na grande
maioria dos países que integram a Organização Mundial de Comércio (OMC).
Desta forma, o Brasil adotou o sistema europeu ou francês, que é bem mais abrangente do
que o sistema de copyright, já que aquele tutela a criação e todas as suas formas de
utilização.
Os primeiros vestígios no Brasil de proteção dos direitos de autor ocorreu com a criação
dos cursos de Direito em Olinda e São Paulo. A lei de 11/08/1827, que os criava, frisava:
Art. 7º - Os lentes farão a escolha dos compêndios da sua profissão, outros arranjarão, não
existindo já feitos, contando que as doutrinas estejam de acordo com o sistema jurado pela
nação. Esses compêndios, depois de aprovados pela Congregação, servirão interinamente,
submetendo-se porém à aprovação da Assembléia Geral; o Governo fará imprimir e
fornecer às escolas, competindo aos seus autores o privilégio exclusivo da obra por dez
anos.
Logo após, o Código Criminal (Lei de 16/12/1930) proibia a reprodução de obras, o que
caracterizava a tutela do direito de autor no âmbito penal.
No ano de 1889, foi assinado um acordo literário com Portugal, introduzido no
ordenamento pátrio pelo Decreto nº 10.353 de 14/09/1889, o qual concedia tratamento
nacional para autores brasileiros em Portugal e vice-versa.
Com a primeira Constituição Federal da República, criada em 1891, em seu art. 72 §26,
surge a proteção constitucional ao direito exclusivo de reprodução dos autores e a proteção
dos herdeiros. A matéria, porém, é ainda atrelada a uma das formas de utilização: a
reprodução.
Logo após, já na área específica ao Direito Civil, em 01/08/1898, sobreveio a Lei 496,
denominada "Medeiros de Albuquerque", que foi o primeiro diploma específico brasileiro
da matéria a definir e garantir os direitos de autor; nele, a proteção foi concedida a
brasileiros e estrangeiros residentes no país.
Em 1916, com a edição do Código Civil, houve a normatização da matéria sob o título "Da
propriedade literária, artística e científica". Nesse diploma legal, o autor foi protegido
amplamente, acolhendo-se a doutrina alemã da propriedade imaterial.
Com a Lei 4944/66, regulamentada pelo Decreto nº 61.123/67, surgiu a proteção aos
direitos conexos, até então não protegidos legalmente.
Em 1973, surge a Lei 5988/73 de 14/12/1973, que regulou os Direitos de Autor e Conexos,
sendo revogada pela atual Lei nº 9610/98, que alterou, atualizou e consolidou a legislação
anterior, sancionada em 19/02/1998 e em vigor desde 20/06/1998.
Destarte, nota-se que, em momento algum da história do direito autoral, houve uma
preocupação com a criação do ator, apesar de todos estes avanços nestes três séculos de
desenvolvimento do direito autoral.
1.Primeiro ator que se tem notícia. Ver: Apostila de Arte Dramática. Empresa
Cinematográfica Brasil Filmes Ltda.
2.Termo inglês, significando direito de autor; direito exclusivo de imprimir, publicar e
vender uma obra; direito de reprodução. Ver: DINIZ, Maria Helena, Dicionário Jurídico.
4.v. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 890. V.1.
Leia a continuação do artigo: Parte II Parte III Parte Final
Disponível em:
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Acesso em: 19 junho 2008.
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