Leia um trecho - Editora Contexto

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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO .....................................................................................................................................7
UMA BREVE INTRODUÇÃO AOS PROBLEMAS CLÁSSICOS DA MORFOLOGIA ..............9
Objetivos gerais do capítulo .......................................................................................................9
1.
A noção de palavra................................................................................................................... 12
2.
Classes de palavras ................................................................................................................. 15
3.
Flexão e derivação .................................................................................................................... 20
4.
Primeiras conclusões .............................................................................................................. 23
•฀
Leituras sugeridas .................................................................................................................... 24
•฀
Exercícios .................................................................................................................................... 24
O ESTRUTURALISMO DE MATTOSO CAMARA JR. ................................................................ 27
Objetivos gerais do capítulo .................................................................................................... 27
1.
A solução do estruturalismo para o primeiro problema levantado:
a definição de palavra ............................................................................................................. 31
2.
A solução do estruturalismo para o segundo problema:
as classes de palavras ............................................................................................................ 37
3.
Outros problemas morfológicos ........................................................................................... 40
3.1 A discussão flexão x derivação ..................................................................................... 40
3.2 A questão da forma das unidades morfológicas ..................................................... 54
4.
À guisa de conclusão: uma aplicação concreta desses conceitos ........................... 59
•฀
Leituras sugeridas .................................................................................................................... 61
•฀
Exercícios .................................................................................................................................... 61
A MORFOLOGIA BASEADA EM PALAVRAS NA GRAMÁTICA GERATIVA ........................ 63
Objetivos gerais do capítulo .................................................................................................... 63
1.
As palavras na Morfologia baseada em palavras ........................................................... 69
1.1 A noção tradicional de morfema e seus problemas ............................................... 69
1.2 Sobre teorias morfológicas baseadas em regras .................................................... 73
1.3 A Morfologia Amorfa de Anderson ............................................................................... 81
2.
Classes de palavras na Morfologia baseada em palavras .......................................... 89
3.
Flexão e derivação: lugares diferentes na arquitetura gramatical? .......................... 90
4.
Considerações finais................................................................................................................ 97
•฀
Leituras sugeridas .................................................................................................................... 98
•฀
Exercícios .................................................................................................................................... 99
A MORFOLOGIA DISTRIBUÍDA .................................................................................................... 101
Objetivos gerais do capítulo ................................................................................................. 101
1.
A palavra na Morfologia Distribuída ................................................................................. 107
1.1 A Morfologia Distribuída – propriedades e listas.................................................. 107
1.2 A arquitetura da gramática.......................................................................................... 111
1.3 Uma derivação em Morfologia Distribuída .............................................................. 113
1.4 Alomorfia e reajustes fonológicos ............................................................................. 121
1.5 Sobre os problemas da noção de palavra nas teorias lexicalistas
e o conceito de palavra morfológica na Morfologia Distribuída ....................... 124
2.
Classes de palavras na Morfologia Distribuída............................................................. 131
2.1 Sobre as raízes acategoriais ....................................................................................... 131
2.2 Núcleos categorizadores e fases ............................................................................... 135
3.
Flexão e derivação ................................................................................................................. 139
4.
Considerações finais............................................................................................................. 142
•฀
Leituras sugeridas ................................................................................................................. 145
•฀
Exercícios ................................................................................................................................. 146
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................................. 149
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................................... 155
OS AUTORES ...................................................................................................................................... 159
APRESENTAÇÃO
A Morfologia, isto é, os estudos sobre as palavras, suas estruturas, suas
diferenças e semelhanças, talvez seja a mais antiga das áreas de investigação
linguística a receber análises sistemáticas, em diversos lugares do planeta.
Há, por exemplo, plaquinhas de barro recuperadas na região da Mesopotâmia, escritas por volta de 1600 a.C., que descrevem a estrutura do
verbo da língua suméria, então falada na região. O árabe conta com estudos
de Morfologia que datam de cerca de 1200 a.C. O importante gramático
hindu Pānini dedica boa parte de seus textos, escritos por volta do século 5
a.C., à morfologia do sânscrito, língua que era falada na época em regiões da
atual Índia. E toda a tradição gramatical greco-latina é pautada pelo estudo
da Morfologia, tradição que influenciou diretamente o desenvolvimento das
nossas gramáticas tradicionais e, em alguma medida, da própria Linguística.
Apesar dessa longa história, o termo “morfologia” como utilizado
atualmente dentro da Linguística foi cunhado apenas na segunda metade
do século XIX, e ainda há muita coisa a ser entendida no domínio da Morfologia, o que faz dele um campo de estudos fascinante.
Como em todos os campos do conhecimento humano, há problemas
clássicos nesse domínio com os quais todos os estudiosos devem se defrontar. Por exemplo, embora a noção de palavra seja intuitivamente muito simples (no sentido de que qualquer falante é capaz de dar um sem-número
de exemplos de palavras na própria língua), não é nada fácil fornecer uma
definição desse termo que cubra todas as instâncias de palavra dentro de uma
mesma língua – sem falar da dificuldade de chegar a uma definição de palavra que cubra todas as instâncias de palavras nas várias línguas humanas!
7
PARA CONHECER Morfologia
Este nosso livro se preocupou em abordar um conjunto desses problemas
clássicos da Morfologia e as respostas que diferentes quadros teóricos foram
dando para eles ao longo dos anos. Os problemas que escolhemos são basicamente a definição de palavras, de classes de palavras, o problema de identificar
e individuar certos processos morfológicos como a flexão e a derivação, e,
finalmente, a questão da forma que as unidades morfológicas exibem.
É nossa preocupação também apresentar um panorama do que se tem
feito em termos de estudos morfológicos no último século. Por isso, em
cada um dos capítulos que se seguem, uma teoria morfológica será apresentada, com suas respostas para esses problemas clássicos mencionados,
além de outras particularidades do quadro teórico em discussão. Assim, o
capítulo “O estruturalismo de Mattoso Camara Jr.” se empenha em mostrar
que respostas o estruturalismo, na versão defendida por um dos mais importantes linguistas brasileiros – Joaquim Mattoso Camara Jr. – tem para
as questões mencionadas.
O capítulo que se segue, intitulado “A Morfologia baseada em palavras na Gramática Gerativa”, tem a preocupação de mostrar as respostas
que o quadro clássico da Gramática Gerativa pode apresentar, discutindo
também alguns de seus problemas. Finalmente, o último capítulo, chamado “A Morfologia Distribuída”, faz o mesmo percurso de busca de respostas para as questões colocadas, mas agora vai encontrar essas respostas no
âmbito da teoria da Morfologia Distribuída.
Além de ser pensado como uma introdução relativamente extensa e
densa em Morfologia, acreditamos que o formato deste livro favorece largamente o exercício do pensamento científico. Apresentamos os problemas e as
soluções que os diferentes quadros teóricos tentam dar a eles, e procuramos,
sempre que possível, trazer os fatos do português brasileiro para serem o fiel
da balança na escolha de diferentes opções que as teorias nos permitem, argumentando com base nos dados em prol de uma ou outra análise para os fatos. Esse, parece-nos, é justamente o ponto alto deste livro: além de conhecer
fenômenos e problemas morfológicos, e diferentes repostas para eles, você
aprenderá como funciona a argumentação científica dentro da Morfologia.
Esperamos que você, leitor, tire todo o proveito que este livro pode
oferecer!
8
UMA BREVE INTRODUÇÃO
AOS PROBLEMAS CLÁSSICOS
DA MORFOLOGIA
Objetivos gerais do capítulo
Neste capítulo, vamos:
 examinar certos conceitos veiculados pelos estudos tradicionais de
Morfologia, mostrando os tipos de problemas que eles escondem em
suas definições; e
 preparar o caminho para a discussão desses mesmos conceitos por outros tratamentos dados à morfologia das línguas humanas em geral e do
português em particular.
Os objetivos de cada seção são:
 A noção de palavra: apresentaremos um problema clássico da Morfologia, que é a definição do que é uma palavra; mostraremos alguns dos
problemas que a definição da gramática tradicional enfrenta.
 Classes de palavras: abordaremos outro problema clássico, que é o da
definição das classes de palavras; discutiremos a necessidade da divisão
das palavras em classes e quais critérios devem nos guiar para assentar
o seu número; mostraremos alguns dos problemas que as classes de
palavras, tal qual apresentadas nos estudos tradicionais, suscitam.
 Flexão e derivação: examinaremos a questão da diferença entre flexão
e derivação nos estudos tradicionais, um tema que se revela importante
para estudos de Morfologia feitos sob outros prismas teóricos.
9
PARA CONHECER Morfologia
A Morfologia é uma das
Em vista do caráter em geral normatiáreas mais tradicionais dos esvo das gramáticas tradicionais, usaretudos gramaticais. Seu estudo,
mos, ao longo do livro todo, as expressões “gramática(s) normativa(s)” e
como o conhecemos, remonta
“gramática(s) tradicional(is)” como se
às primeiras formulações da
fossem sinônimos; contudo, estamos
cientes de que nem tudo nos estudos
gramática tradicional pelos gretradicionais tem o aspecto normativo
gos, e é sem dúvida a parte mais
como centro, e que a expressão “gradesenvolvida das nossas gramámática tradicional” se refere principalmente a um conjunto de trabalhos com
ticas normativas: embora em
caráter descritivo dentro de uma tradigeral haja apenas dois ou três
ção de estudos gramaticais.
capítulos dedicados à formação
das palavras, na verdade mais de
dois terços das páginas das gramáticas são dedicadas à Morfologia, quando
tratam da descrição detalhada das diversas classes de palavras do português.
No entanto, a sua vida longa não garante acuidade para o tratamento
morfológico tradicional. Examinaremos a seguir uma série de problemas
morfológicos clássicos que recebem tratamento bastante superficial e incoerente nas gramáticas tradicionais e que por isso mesmo devem ser estudados por outras abordagens que diferem da gramática tradicional porque são
abordagens de natureza científica, que nos permitirão compreender esses
problemas, e suas consequências, em toda a sua extensão.
Abordagens científicas
É importante apresentar uma defesa aqui para a ideia de
que as gramáticas tradicionais não podem ser chamadas de teorias científicas, porque falta a elas um conjunto de propriedades definitórias da empreitada científica, do qual escolhemos
algumas poucas para apresentar a seguir:
(i) As teorias científicas estão comprometidas, antes de mais
nada, com a descrição dos fatos tal qual se apresentam no
mundo, fazendo, quando muito, um recorte metodológico
sobre eles, como, por exemplo, os dados de fala de uma
certa comunidade. Por sua vez, as gramáticas tradicionais,
em geral, selecionam os fatos que consideram pertinentes
10
Uma breve introdução aos problemas clássicos da morfologia
com base no que esperam obter, e assim os dados que
levam em conta, que a princípio viriam de fontes
literárias, não consideram jamais as fontes literárias que
não se comportam como o esperado: Guimarães Rosa,
por exemplo, é citado com sentenças de Primeiras
estórias, jamais com trechos de Grande sertão: veredas;
(ii) As teorias científicas desenvolvem uma terminologia
própria, que muda na medida em que o conhecimento
sobre o objeto avança e se revela necessário mudar
termos ou acrescentar outros para tornar a descrição
dos fatos ou sua explicação mais precisas. A gramática
tradicional, ao contrário, considera que os termos não
devem sofrer alterações; em particular, a gramática
tradicional do português deve seguir a terminologia
imposta pela Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB),
o que restringe radicalmente sua cobertura;
(iii) As teorias científicas não podem conter contradições
internas, ou seja, as definições dos termos ou propriedades
não podem ser contraditas por outras definições de
termos ou propriedades; na gramática tradicional,
encontramos contradições como, por exemplo, assumir
em um momento que o sujeito é um termo essencial da
oração, mas poucas páginas à frente assumir igualmente
que existem orações sem sujeito (cf. Cunha e Cintra,
2001: 122 e 129).
Vamos examinar a definição de palavra e a de classes de palavras que as
gramáticas tradicionais do português nos fornecem; a seguir, vamos discutir
um problema que para os estudos tradicionais sequer é um problema, visto
que é dada como certa a diferença entre processos derivacionais – como
aquele que cria o adjetivo “lavável” a partir do verbo “lavar” – e processos
flexionais – como aquele que dá a forma plural “meninos” para a forma singular “menino”. Contudo, a fronteira entre esses dois processos está longe de
ser bem delimitada e, se não por outras razões, pelo menos por isso esse é um
problema que merece um estudo aprofundado e consistente.
11
PARA CONHECER Morfologia
1.
A NOÇÃO DE PALAVRA
Os estudos tradicionais (por exemplo, aqueles levados a cabo nas
gramáticas normativas do português) historicamente dedicam bastante
atenção para a palavra, tema central da área conhecida como Morfologia.
Esses estudos abordam uma série de problemas interessantes que merecem
a atenção de qualquer morfólogo. O primeiro desses problemas é: o que é
uma palavra?
A gramática tradicional (doravante GT) de Cunha e Cintra (2001: 75),
por exemplo, respondem a essa pergunta do seguinte modo: “Palavra é
uma unidade maior do que o fonema e menor do que a frase”.
Essa definição tem a granSe você não lembra desse conceito da
de vantagem de ser enunciada
Fonologia, aconselhamos consultar o
de maneira clara e num primeilivro Para conhecer fonética e fonoloro momento parece bastante
gia do português brasileiro, de Izabel
Seara, Vanessa Nunes e Cristiane
boa, porque todos nós, intuitiLazzarotto-Volcão, também publicado
vamente, sabemos que caixa,
pela Contexto.
pó ou sofreguidão são palavras
e, de fato, todas elas são compostas por mais de um fonema e nenhuma delas é uma frase (algo que,
intuitivamente também, sabemos ser composto por várias palavras, como
o menino saiu chorando).
No entanto, devemos notar de imediato que a definição de frase desses
mesmos autores é um pouco distinta da nossa definição intuitiva. Para eles,
frase é a menor unidade comunicativa. Agora é preciso averiguar se, com essa
nova ideia sobre o que é frase, a definição de palavra continua sendo boa.
Imagine um diálogo como o que está em (1):
(1) A: Onde está a Maria?
B: Saiu.
É verdade que a resposta de B contém mais elementos do que de fato estão presentes – claramente, é possível inserir ali o pronome “ela” como sujeito
da sentença, o que daria aos gramáticos a saída de dizer que estamos frente a
uma estrutura com algum tipo de elipse. Por outro lado, com ou sem elipse,
também é verdade que o verbo conjugado sozinho é uma resposta adequa12
Uma breve introdução aos problemas clássicos da morfologia
da. Portanto, não há dúvida de que Saiu, nesse contexto discursivo, funciona
perfeitamente como uma unidade comunicativa e por isso é uma frase pela
definição dada. Logo, uma frase pode ser composta por uma única palavra, o
que já compromete parcialmente a definição de palavra que acabamos de ver.
O problema da definição de palavra dada anteriormente, contudo, é
ainda mais sério. Embora seja verdade que a maior parte das palavras da
língua seja constituída por mais de um fonema, também é verdade que
existem palavras constituídas por um só fonema, como o artigo definido a
ou o pronome oblíquo átono o ou ainda o verbo ser na 3ª pessoa do singular do presente do indicativo, que tem a forma é. Aliás, este último caso é
particularmente interessante porque mostra que uma palavra pode ser formada por um único fonema e se constituir em uma unidade comunicativa
completa, como vemos no diálogo em (2).
(2) A: A Maria é a aluna mais inteligente da sala?
B: É!
Mesmo admitindo que estamos aqui também frente a um caso de elipse, se É! é uma resposta adequada nessa interação comunicativa, então
acabamos de mostrar que uma palavra pode ser constituída por um único
fonema e ainda assim valer por uma frase (na definição dada). O problema
pode ser colocado nos seguintes termos: embora a GT estabeleça uma hierarquia com base no tamanho das unidades “frase”, “palavra” e “fonema”
para definir palavra, o que os fatos da língua nos mostram é que em termos
de tamanho essas unidades não se distinguem, já que podem ser idênticas,
isto é, um mesmo elemento da língua pode representar essas diferentes
unidades. Em (3), temos uma representação visual do problema – (3a) traz
justamente a equação proposta por Cunha e Cintra (2001), mas em (3b)
temos a equação que os dados nos dizem ser a realidade da língua:
(3) a. frase > palavra > fonema
b.“É!” = é
= /ɛ/
Portanto, a definição de palavra oferecida por esses gramáticos não
é adequada porque ela não chega a distinguir de outras unidades diversas
a unidade que supostamente está sendo definida, incluindo as que fazem
parte da definição.
13
PARA CONHECER Morfologia
Como se não bastasse, observamos que na língua existem outras unidades intermediárias entre as unidades nomeadas pela GT, que, no caso, seriam a frase e a palavra. Entre elas, por exemplo, temos os grupos nominais
(como a menina de vestido verde) e as expressões idiomáticas (como enxugar gelo). Entre palavra e fonema, temos, por exemplo, as sílabas (como
-ni- em menina ou ver- em verde) e certos formativos morfológicos (como
des- em desinformado ou -al em laranjal).
Você deve estar se perguntando se o problema não é dessa gramática
normativa especificamente; porém, outras gramáticas normativas, como a de
Carlos Henrique da Rocha Lima, a de Napoleão Mendes de Almeida ou a de
Paschoal Domingos Cegalla se valem de definições similares a essa, às vezes
fazendo uso do critério de escrita: identificamos a palavra na escrita porque é
aquele termo que vem circundado por espaços em branco. Contudo, observe
que quem escreveu colocando os espaços em branco já tinha que saber o que
é palavra, certo? E como é que ele sabia disso? E mesmo essa ideia de separar as palavras na escrita por espaços é bem recente, porque em tempos de
economia de papel esse não era um hábito corrente... E, além do mais, o que
dizer de espaços em branco na fala? Dado que palavras não são unidades só
da escrita, qualquer critério razoável deve se aplicar também à língua falada.
O problema, claro, não é trivial: embora todos nós tenhamos uma definição intuitiva do que é palavra, isto é, embora sejamos todos capazes de
dizer o que é uma palavra do português e o que não é, as noções morfológicas tradicionais têm muita dificuldade para definir precisamente esse objeto
gramatical. Na verdade, as definições das gramáticas tradicionais só nos parecem razoáveis porque nós já sabemos intuitivamente o que são palavras. E
mesmo assim, há casos em que a nossa intuição bate de frente com o que diz
a gramática tradicional, como mostram certos usos de termos que em tempos
anteriores da língua eram apenas partes de palavras, mas que hoje são tomados como palavras independentes (por exemplo, o uso de ex para fazer referência ao ex-marido ou ao ex-namorado) e também os inúmeros problemas
de segmentação da escrita que encontramos em textos de crianças e adultos.
A segmentação do fluxo da fala
Todos nós nos defrontamos com o problema de identificar
e isolar as palavras no fluxo da fala durante a nossa primeira
14
Uma breve introdução aos problemas clássicos da morfologia
infância e conseguimos com algum sucesso separar as palavras
da língua, apesar de elas aparecerem todas “grudadas” quando
as pessoas falam ao nosso redor. Há anedotas diversas sobre
o assunto, como a famosa brincadeira “um bigo, dois bigos”,
em que a primeira sílaba da palavra umbigo é entendida como
o artigo indefinido. À parte as anedotas, há problemas de segmentação que persistem pelas mais variadas razões e assim encontramos na escrita o problema exatamente contrário ao da
anedota mencionada: os exemplos clássicos são coisas como
“(eu) teamo” ou “porisso”. Aqui claramente o falante entende
como uma palavra única aquilo que a tradição gramatical convencionou tratar como palavras separadas, escritas, portanto,
com um espaço entre elas: te amo ou por isso.
Vamos retornar várias vezes ao problema da definição de palavra ao
longo deste livro. Veremos que a definição mesma do que é palavra depende
numa larga medida do quadro teórico em que se está tentando formular essa
definição, inclusive porque pode acontecer de a unidade “palavra” não ser a
unidade mais importante para uma dada teoria. Por isso, ligada indiretamente
ao problema da definição de palavra está a questão de sabermos se os processos morfológicos se realizam sobre palavras, sobre pedaços de palavras (como
quer que os chamemos: afixos, radicais etc.), ou se tanto sobre uma coisa quanto sobre outra, dependendo de qual processo morfológico está em jogo.
Notemos que a tradição gramatical não identifica um problema aqui,
isto é, a gramática tradicional não se questiona sobre se a unidade pertinente da Morfologia é mesmo a palavra, mas pode ser que isso faça uma
grande diferença, a começar pelo fato de palavras supostamente pertencerem a alguma classe, como veremos a seguir, uma exigência que não pesa
sobre os pedaços de palavra.
2.
CLASSES DE PALAVRAS
Um segundo problema sobre o qual os estudos tradicionais já se debruçaram é o da classificação das palavras, isto é, a divisão das palavras em diferentes grupos segundo certas propriedades da sua interpretação e/ou da sua forma.
15
PARA CONHECER Morfologia
A princípio, as classes de palavra nos parecem óbvias, intuitivas e necessárias;
afinal, como viver sem verbos, substantivos, adjetivos, interjeições etc.?
Como cientistas da linguagem, contudo, a primeira pergunta que devemos fazer é justamente: será que é mesmo necessário dividir as palavras
em diferentes classes?
No senso comum, quando fazemos uma divisão de coisas em grupos
distintos é porque reconhecemos que elementos pertencentes a cada um
desses grupos podem ser necessários em momentos distintos e será mais
fácil acessar um determinado item se já soubermos de antemão onde (ou
como) procurá-lo. Essa é a razão, aliás, pela qual organizamos os papéis
importantes em pastas ou gavetas na nossa casa, as comidas em doces e
salgadas, os seres vivos em vertebrados e invertebrados etc.
Note que classificar o que quer que seja exige um bom critério; de outro modo, corremos o risco de não encontrar o que queremos no momento
da necessidade. Assim, se alguém vai organizar os papéis nas gavetas da
mesa, convém pensar num bom critério para fazer isso; um critério mal
pensado para a divisão causa um problema na hora de fazer buscas. Por
exemplo, adotando um critério de distribuição dos papéis que coloque na
primeira gaveta os papéis brancos, na segunda os papéis azuis e na terceira
os papéis amarelos, se a pessoa precisar de uma conta de água para servir
de comprovante de residência, ou ela se lembra da cor da conta ou precisa
procurar em todas as gavetas – isso para não mencionar o problema de
classificar todos os documentos que não têm essas cores ou para classificar
aqueles que são multicoloridos. Deu para perceber qual é o problema?
Voltemos à questão de dividir as palavras em classes. Os estudiosos
têm assumido como indiscutível a necessidade de colocar as palavras em
diferentes classes, já que elas têm propriedades morfológicas distintas – por
exemplo, as palavras classificadas como substantivos sempre exibem um
gênero gramatical (masculino ou feminino), enquanto as classificadas como
verbo não podem exibir gênero; por outro lado, verbos podem exibir morfologia de tempo e modo, mas substantivos não podem. Adicionalmente, a
distribuição sintática dessas diferentes classes é distinta: lugares na frase em
que deve aparecer um verbo não podem ser ocupados por um substantivo,
como mostra o par em (4) a seguir:
16
Uma breve introdução aos problemas clássicos da morfologia
(4) a. A Maria viuverbo o Pedro na rua.
b. *A Maria visãosubstantivo o Pedro na rua.
Como já é praxe em boa parte da literatura linguística, utilizaremos um
asterisco (*) para indicar uma construção sintática ou uma formação morfológica que é impossível na língua.
Portanto, parece mesmo que alguma classificação das palavras é necessária. Mas qual é a melhor forma de fazer isso?
A NGB propõe uma divisão em dez classes:
1. Substantivo
2. Artigo
3. Adjetivo
4. Numeral
5. Pronome
6.
7.
8.
9.
10.
Verbo
Advérbio
Preposição
Conjunção
Interjeição
A primeira pergunta que podemos fazer é: afinal, por que dez classes?
Por que não sete (que é um número cabalístico) ou nove (que tem quadrado
perfeito)? Note que historicamente não foram sempre essas as classes de
palavras postuladas pela gramática tradicional – por exemplo, os particípios verbais já constituíram uma classe independente da dos verbos; também é digno de nota o caso das interjeições, uma classe deliberadamente
criada pelos gramáticos latinos para que o número de classes de palavras
da gramática latina fosse o mesmo da gramática grega, já que o latim, diferentemente do grego, não possui uma classe de artigos (nas gramáticas
gregas, as interjeições eram parte da classe dos advérbios).
Mas a questão principal não é simplesmente sobre o número de classes. O ponto central na verdade é: que critérios guiam essa classificação? A
pergunta é particularmente relevante quando examinamos a última classe
proposta pela GT, a das interjeições – é razoável ter as interjeições como uma
classe separada? Observe que boa parte das palavras dadas como exemplo
de interjeições – Atenção!; Corra!; Devagar! – já pertence a alguma outra
classe – respectivamente substantivo, verbo e advérbio nos exemplos anteriores. Além disso, enquanto as outras classes de palavras são “partes do
discurso”, isto é, são classes gramaticais, as interjeições remetem a situações
17
PARA CONHECER Morfologia
e falas inseridas nessas situações, o que já seria suficiente para estabelecer
uma distância considerável entre esta classe e as outras.
Independentemente de haver uma boa resposta para as questões colocadas, é possível identificar um conjunto de problemas para a classificação
adotada pela gramática tradicional:
1.
Ela não é precisa:
A definição de advérbio para Cunha e Cintra (2001: 541) diz que:
o advérbio é, fundamentalmente, um modificador do verbo. [...] A essa
função básica, geral, certos advérbios acrescentam outras que lhe são
privativas. Assim, os chamados advérbios de intensidade e formas semanticamente correlatas podem reforçar o sentido: a) de um adjetivo;
b) de um advérbio. [...] Saliente-se ainda que alguns advérbios aparecem, não raro, modificando toda a oração.
Na página 543 de sua gramática, os autores fornecem a classificação
dos advérbios da NGB, na qual aparecem os advérbios de dúvida e, dentre
eles, a forma provavelmente.
Como mostram Mioto et al. (2013), é verdade que provavelmente pode
modificar (se é que “modificar” é o melhor modo de descrever o que acontece aqui...) a frase toda, um adjetivo, um outro advérbio e também um verbo:
(5) a. Provavelmente [o João doou os livros para a biblioteca] (e por isso
os livros não estão mais aqui).
b. O João doou livros [provavelmente novos] (não velhos) para a biblioteca.
c. O João doou [provavelmente ontem] (não hoje) os livros para a
biblioteca.
d. O João [provavelmente doou] (não vendeu) os livros para a biblioteca.
No entanto, as sentenças em (6) a seguir mostram que essa não é a história
toda, porque nelas provavelmente está “modificando” um grupo nominal –
o sujeito em (6a), e o objeto em (6b) – e um grupo preposicional em (6c).
(6) a. [Provavelmente o João] (não a Maria) doou os livros para a biblioteca.
b. O João doou [provavelmente os livros] (não as revistas) para a biblioteca.
c. O João doou os livros [provavelmente para a biblioteca] (não
para o bar).
18
Uma breve introdução aos problemas clássicos da morfologia
Portanto, ou advérbios não se definem como querem Cunha e Cintra
(2001), ou provavelmente não é um advérbio.
2.
Ela não é muito útil:
Cunha e Cintra (2001: 177, 379) definem respectivamente substantivo e verbo como:
(7) a. Substantivo é a palavra com que designamos ou nomeamos os seres em geral.
b. Verbo é uma palavra de forma variável que exprime o que se passa,
isto é, um acontecimento representado no tempo.
Como já notou Perini (1995), a definição em (7a) exige que saibamos
o que se quer dizer com “seres”. Para o senso comum, que homem ou
mesa possam ser concebidos como seres parece indiscutível, mas será que
viagem, ideal, beleza e nostalgia também podem ser assim concebidos? E
“representado no tempo”, que aparece em (7b), o que quer dizer? Viajou
ou encontrará são “acontecimentos representados no tempo” sem muita
controvérsia; já estava não é muito claro que seja um acontecimento e sem
dúvida viagem, que não é um verbo, pode ser concebido como um acontecimento representado no tempo...
Ora, é difícil manusear definições se elas dependem de conceitos que não
dominamos bem e, portanto, a utilidade delas está obviamente em questão.
3.
Ela não é homogênea:
Comparando as definições de substantivo e de advérbio, vemos que os
critérios para definir as classes são díspares: trata-se de um critério semânticofilosófico no primeiro caso, mas distribucional-funcional no segundo caso.
A conclusão que podemos tirar dessa breve discussão é que essa classificação deixa muito a desejar, porque tem problemas insolúveis de organização. Além disso, ela não é morfológica, no sentido de apontar imediatamente para as propriedades tipicamente morfológicas das palavras que
constituem as diferentes classes...
Contudo, ao invés de abandonar completamente a ideia de dividir as
palavras em classes, veremos que as teorias linguísticas modernas desenvolvem classificações particulares para as palavras fazendo uso de outras
estratégias e tendo como base critérios bem mais refinados e transparentes.
19
PARA CONHECER Morfologia
3.
FLEXÃO E DERIVAÇÃO
Há muitos outros problemas que se colocam para as teorias mais modernas de Morfologia, mas a verdade é que os estudos tradicionais nem
sonham com eles. Por exemplo, a gramática tradicional toma como certo
que existem processos morfológicos distintos como a flexão e a derivação
(para não falar de composição e outros processos, como a siglagem), mas
não se detém em fornecer argumentos consistentes em defesa desta posição. Supõe-se, por exemplo, que a flexão tem propriedades como a obrigatoriedade, que a derivação não tem; contudo, não há uma resposta clara
para a seguinte questão: que propriedades morfológicas cada uma dessas
operações teria para justificar uma separação entre elas?
Além disso, sabemos que não é muito simples estabelecer a fronteira entre elas – em particular, as fronteiras entre a derivação (sufixal) e a
flexão, dado que esses processos fazem, ambos, uso de elementos que se
juntam ao final da palavra.
Um pouco de terminologia
Os estudos tradicionais dão nomes diferentes aos elementos
que participam das diferentes operações morfológicas. Chamamse desinências os elementos que participam de processos flexionais, como a expressão de número nominal plural que vemos em
as rosas (analisado como a-s rosa-s), ou a expressão de tempomodo e número-pessoa nos verbos, como se vê em cantássemos
(em que -sse- é responsável pela expressão do imperfeito do subjuntivo e -mos é que veicula a ideia de 1ª pessoa do plural). Por
outro lado, a gramática tradicional chama de afixos os elementos
morfológicos que participam de processos derivacionais, reconhecendo aí duas classes distintas: a de prefixos (caso em que o
elemento derivacional aparece à esquerda do item que está sendo
derivado, como em infeliz, analisado com in-feliz) e a de sufixos
(quando o elemento derivacional aparece à direita do item que está
sendo derivado, como em felizmente, analisado como feliz-mente).
A gramática tradicional do português também faz uso de
termos cunhados pelo estruturalismo (como morfema, alomorfe
etc.), que discutiremos no próximo capítulo, onde receberão a
definição pertinente e apresentaremos os exemplos relevantes.
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Uma breve introdução aos problemas clássicos da morfologia
A dificuldade da separação advém principalmente do fato de que não
existem processos ou propriedades morfofonológicas exclusivas de uma
ou de outra dessas operações. A título de ilustração, tanto derivação quanto
flexão fazem uso de sufixos e não há nenhum processo fonológico, por
exemplo, que possa afetar a derivação que não possa afetar a flexão. Vejamos um exemplo concreto em (8) a seguir. Em (8a), temos um exemplo
de flexão em que a presença do morfema de plural parece desencadear a
abertura da vogal no radical; por outro lado, (8b) mostra que esse mesmo
fenômeno pode acontecer também na derivação:
(8) a. [ô]sso > [ó]ssos
b. cal[ô]r > cal[ó]rico
Em nenhum dos casos acima o processo é geral e desencadeado em todos os itens que poderiam exibi-lo – por exemplo, moço, que tem uma forma
fonológica muito similar a de osso, não exibe a abertura da vogal do radical
na forma plural moços. Isso quer dizer que nós não estamos falando de um
processo fonológico automático da língua, isto é, um processo que ocorre em
qualquer circunstância, estando ou não em jogo algum processo morfológico, como é o caso em (9), em que temos a sonorização da fricativa alveolar
sempre que seguida por uma consoante sonora, sendo um caso de flexão,
como (9a), com a forma vês do verbo ver, ou de derivação, como em (9b), ou
um simples encontro de sílabas dentro de uma palavra, como em (9c):
(9) a. (tu) ve[z] dedos, (tu) ve[s] telhas
b. de[z]ditoso, de[s]temido
c. de[z]de, de[s]te
Portanto, talvez não haja razões propriamente morfológicas para distinguir operações como flexão e derivação. Será que outras propriedades
justificam essa distinção? Seja como for, esse conjunto de observações nos
leva ao último item da nossa pauta de investigação: o problema da forma
das unidades em Morfologia.
Há uma questão adicional colocada por exemplos como (9), que é
exatamente o problema da variação da forma de um dado item dependendo, em certos casos, da sua vizinhança. Os estudos tradicionais já se deram
conta disso, embora não pareçam muito preocupados com o fenômeno.
Cunha e Cintra (2001), por exemplo, em certo ponto de sua discussão so21
PARA CONHECER Morfologia
bre a desinência de plural nominal, chamam a atenção para o fato de que o
mesmo elemento pode se apresentar sob diferentes formas. O exemplo que
os autores dão está em (10) a seguir:
(10) a. casa[s]
b. casa[s] pequenas
c. casa[z] bonitas
d. casa[z] amarelas
Esses, contudo, não são os casos mais complicados para tratar, porque
o fenômeno de mudança de forma aqui corresponde a um processo fonológico automático na língua, e por isso dizemos que ele é fonologicamente
condicionado. Mais complicado mesmo é quando a distância fonológica é
grande, e não há outro processo fonológico similar na língua – por exemplo, no domínio verbal, aparentemente tanto -o quanto -i são marcas da 1ª
pessoa do singular, dado o que vemos em (11):
(11) a. canto/vendo/abro
b. cantei/vendi/abri
A pergunta que se coloca então é: a existência de variação na forma
dessas desinências, variação essa que não pode ser explicada pela Fonologia, é um problema da Morfologia? Como ela deve tratá-lo?
Finalmente, podemos nos colocar o problema exatamente contrário:
será que o fato de existir coincidência na forma de muitos afixos e desinências, como os que vemos em (12), deve ser tratado como tratamos a coincidência de forma das palavras, isso é, por meio dos conceitos de homonímia
ou de polissemia? Ou há outro modo de tratar desse problema?
(12) a. chaleira, roqueira, amendoeira
b. eu cantava, ele cantava
Homonímia e polissemia
Relembrando: estamos diante de polissemia quando
falamos de uma palavra que possui vários significados relativamente relacionados entre si – um exemplo clássico são
as diversas acepções do verbo achar, em frases como Maria
achou a chave e João acha Maria inteligente.
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Uma breve introdução aos problemas clássicos da morfologia
Por outro lado, quando os diversos significados de uma
palavra não têm qualquer relação entre si, dizemos que estamos
frente ao fenômeno de homonímia: as palavras em questão têm
a mesma forma fonológica, mas isso é basicamente uma coincidência – este é o caso de manga (a fruta) e manga (da camisa),
que diacronicamente provêm de fontes bastante distintas e entraram no português em diferentes momentos da história da língua.
Você pode aprofundar sua compreensão desses conceitos consultando o Manual de semântica, de Márcia Cançado,
publicado também pela Contexto.
Será que podemos falar de homonímia ou polissemia quando estamos
frente a -eiro em bombeiro e açucareiro? Será que a melhor maneira de tratar
a coincidência de formas entre cantava (primeira pessoa do singular do pretérito imperfeito do modo indicativo) e cantava (terceira pessoa do singular do
pretérito imperfeito do modo indicativo) é por meio da noção de homonímia?
Evidentemente, muitas dessas questões não se colocam para os estudos tradicionais porque, para o tipo de objetivo que eles têm, que é fundamentalmente normativo, a descrição acurada dos fenômenos que de fato
são atestados pelas línguas em geral e pelo português em particular não é
necessária e nem muito interessante. Várias dessas questões são colocadas
por abordagens modernas, que têm outros objetivos – os objetivos da Linguística, que começam por tentar descrever detalhadamente os fenômenos
das línguas para chegar a fornecer uma explicação para eles.
Este livro não pretende abordar em profundidade todas essas questões, mas de qualquer modo aqui e lá tocaremos em algumas delas e veremos que as diferentes teorias linguísticas, por força dos seus pressupostos,
se veem comprometidas a responder a essa ou àquela questão de maneira
mais sistemática e abrangente.
4.
PRIMEIRAS CONCLUSÕES
Vimos neste capítulo que há uma série de problemas morfológicos que
são clássicos, no sentido de que mesmo os estudos tradicionais os abordam.
O primeiro deles é a definição de palavra; o segundo é a divisão das palavras
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PARA CONHECER Morfologia
em classes. Vimos que as gramáticas tradicionais não têm boas soluções para
esses problemas e nem para outros que enunciamos brevemente na última
seção, que incluem a distinção entre flexão e derivação, distintas formas para
o mesmo conteúdo de afixos e desinências, e mesma forma fonológica para
afixos e desinências que expressam diferentes conteúdos.
Os próximos três capítulos pretendem fornecer as respostas que as
teorias linguísticas do século XX apresentaram para esses problemas.
Leituras sugeridas
Há uma série de livros de introdução à Linguística que fazem boas
críticas às abordagens tradicionais, mostrando alguns problemas que elas
têm. Um que nos parece particularmente bom é o livro de John Lyons, Introdução à Linguística teórica. Esse é um livro antigo, nem sempre fácil
de achar, razão pela qual indicamos também um outro livro de John Lyons,
que se chama Lingua(gem) e Linguística.
O livro de Mario Perini, Gramática descritiva do português, dedica
seus dois primeiros capítulos à tarefa de fazer um estudo crítico dos conceitos da gramática tradicional. Sua leitura é simples e pode ser bastante
útil para quem começou agora a se aventurar nos estudos da linguagem que
partem de outra perspectiva que não a prescrição.
Além disso, a própria Contexto já publicou outros estudos na área
de Morfologia que discutem muitos dos problemas tratados aqui. Veja,
por exemplo, o trabalho Formação e classes de palavras no português
do Brasil, de Margarida Basílio, ou o já clássico livro de Maria Carlota
Rosa, Introdução à morfologia.
Exercícios
1. Aplique a definição de palavra de Cunha e Cintra (2001) aos itens linguísticos a seguir e diga, para cada um deles, se eles correspondem ou
não a uma palavra:
(a) [de plástico] (b) canela
(c) [Idade Média] (d) sub24
Uma breve introdução aos problemas clássicos da morfologia
2. A gramática tradicional assume que existem dez classes de palavras no
português. Imagine que você tem que fazer uma teoria na qual apenas
sete classes seriam admitidas. Que classes você pensa que poderiam
ser fundidas de modo a fornecer o resultado final de sete classes?
3. As gramáticas tradicionais assumem a existência de dez classes de palavras no português, mas nas últimas páginas da discussão sobre advérbios normalmente surge uma décima primeira classe, algumas vezes
chamada de “palavras de difícil classificação”, na qual estão palavras
como eis ou só.
(a) Essas palavras têm alguma propriedade que as assemelhe entre si,
de modo a efetivamente configurar uma classe?
(b) Se este não é o caso, a que classes essas palavras deveriam pertencer?
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