Intervenção do MP no Processo Civil - (Relatório Final 2012)

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Conselho Superior do Ministério Público do Estado de Minas Gerais
Fundamentação da Proposta de Racionalização
Conselheiro: Antônio Sérgio Rocha de Paula
O Conselho Nacional do Ministério Público publicou, em
16.06.2010, a Recomendação n.º 16/2010, que dispõe sobre a atuação do
Ministério Público como órgão interveniente no processo civil.
O citado ato – decorrente de decisão unânime do Colegiado no
Procedimento n.º 0.00.000.000935/2007-71, proferida na sessão realizada em
28.04.2010 –, além de elencar 22 hipóteses nas quais é desnecessária a
intervenção ministerial, recomenda que “as unidades do Ministério Público,
respeitada a autonomia, disciplinem a matéria da intervenção cível, também
por ato interno” (art. 6º).
Na primeira sessão realizada em 2011, diante do disposto na
referida Recomendação, este Conselho Superior delegou-me a tarefa de
compatibilizar os atos de racionalização vigentes no Ministério Público do
Estado de Minas Gerais com a orientação do aludido Órgão Nacional.
Analisando a matéria, verifico que há três hipóteses de não
intervenção do Ministério Público no processo civil, previstas na referida
Recomendação, ainda não adotadas no Parquet mineiro, a saber:
a) habilitação de casamento, dispensa de proclamas, registro de casamento in
articulo mortis – nuncupativo, justificações que devam produzir efeitos nas
habilitações de casamento, dúvidas no Registro Civil; b) assistência à rescisão
de contrato de trabalho; c) mandado de segurança.
Quanto à primeira, extraem-se da decisão do CNMP as
seguintes considerações:
Estas são situações previstas na Lei dos Registros Públicos,
Lei n° 6.015/73. Como há, na referida Lei, imposição para
que o Ministério Público exerça esta função administrativa ou,
se for o caso, provoque o magistrado através de procedimento
especial de jurisdição voluntária, esta determinação legal deve
ser confrontada com o perfil e identidade constitucional do
Ministério Público. A Constituição Federal de 1988, ao traçar
o perfil para a atuação do Ministério Público, realçou a
necessidade de que a Instituição estivesse identificada com os
interesses maiores da sociedade. Assim, não há mais espaço
para a atuação burocrática e administrativa dos membros do
Ministério Público, pois a atuação deve estar comprometida
com o interesse público e repercutir coletivamente. O mais
grave, ainda, que em muito desses procedimentos, o membro
da Instituição é o que exerce a função administrativa, pois,
como ensina Hugo Mazzilli, o órgão do Ministério Público
não requer, não se dirige ao juiz: despacha, autorizando o
casamento. (MAZZILLI, Hugo Nigro, in Manual do
Promotor de Justiça, Editora Saraiva, São Paulo, 1987).
Estas são funções administrativas, onde não há partes, apenas
interessados e o Estado definiu ao Poder Judiciário e, também,
ao Ministério Público a exercício de suas funções. Tanto é
verdade que, recente alteração legislativa permitiu que as
separações consensuais, em que houvesse interesse, apenas,
patrimonial, poderiam ser procedidas por escritura.
Acrescento que a intervenção do Ministério Público nas
habilitações de casamento está prevista na Lei n.º 6.015/73 (art. 67), tendo
encontrado seu fundamento, primordialmente, na indissolubilidade do
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casamento. Com o fim da indissolubilidade do casamento, levada a efeito
após o advento da Lei do Divórcio (Lei n.º 6.515/77), esvaziou-se
consideravelmente o significado da função que o Ministério Público exerce
nessa área.
Por outro lado, a sociedade moderna procurou ajustar as
situações de fato ao mundo jurídico, praticamente equiparando a união estável
ao casamento civil. A importância sacramental do casamento civil, para a
sociedade, já não é a mesma de outrora. A disponibilidade dos interesses
sociais e individuais envolvidos na habilitação de casamento é notória,
resumindo-se ao mero interesse patrimonial dos pretendentes.
A evolução legislativa nessa área é prova viva do
abrandamento da importância do casamento civil. A Lei n.º 9.278/96
praticamente equiparou a união estável ao casamento. Já a Lei
n.º 10.352/01, que modificou o artigo 475, I, do CPC, não mais sujeita as
sentenças proferidas nas ações de anulação de casamento ao reexame
necessário. E a Lei n.º 10.406/02, que instituiu o novo Código Civil, deu nova
conotação ao casamento, modificando o conceito de entidade familiar.
Se antes a importância do casamento para a sociedade civil
justificava a intervenção do Ministério Público, a evolução social e, mais
ainda, a notória evolução da instituição ministerial sinalizam para a
necessidade de um ajustamento desses valores.
A própria Constituição Federal, ao criar a “justiça de paz” e
dispor (art. 98, II) que a ela competirá verificar, de ofício ou em face de
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impugnação apresentada, o processo de habilitação, deu outra dimensão ao
casamento, relegando-o a um plano ligeiramente inferior.
E a intervenção do Ministério Público perante a “justiça de
paz”, conforme está previsto no artigo 1.526 do novo Código Civil (em vigor
a partir de 9 de janeiro de 2003), submetendo as suas manifestações à
homologação do juiz de paz, não condiz com a sua importância e o novo
modelo constitucional de sua atuação.
Por essas razões, sugere-se facultar ao Promotor de Justiça
deixar de realizar a verificação preventiva e de manifestar-se nas habilitações
de casamento e nos pedidos de conversão da união estável em casamento,
permanecendo a obrigatoriedade de manifestação nas hipóteses de oposição
de impedimento por qualquer interessado (Lei n.º 6.015/73, artigo 67, § 5º),
de justificação de fato necessário à habilitação (art. 68 da mesma lei) e de
pedido de dispensa de proclamas (art. 69 da mesma lei).
A obrigatoriedade de manifestação nas hipóteses referidas se
deve à necessidade de se manter um mecanismo que possibilite o acesso nos
casos em que o interesse público concreto possa se revelar. O abandono total
e irrestrito dessa função pelo Ministério Público poderá acarretar, ao longo do
tempo, a exclusão da sua legitimidade para apresentar oposição ao casamento,
quando houver notícia de algum impedimento.
Quanto à assistência à rescisão de contrato de trabalho,
afirmou a citada decisão:
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A Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 477, §§
1° e 3°, exige que a rescisão contratual entre empregador e
empregado, com mais de um (1) ano de serviço, seja assistida
pelo respectivo sindicato ou feita perante a autoridade do
Ministério do Trabalho e Emprego, ou ainda, na falta destes
pelo representante do Ministério Público ou Defensor Público.
Fica evidenciado que a assistência a ser prestada nas rescisões
de contrato de trabalho envolve matéria, eminentemente, de
direito do trabalho, que, nos seus litígios, define à justiça
trabalhista a competência para a jurisdição, nos termos do
artigo 114 da Constituição Federal. O artigo 128, inciso I,
letra “b”, da Constituição Federal, regulamentado pelos
artigos 83 e 84 da Lei Complementar n° 75, de 20 de maio de
1993, estabelece as funções e as atribuições peculiares,
específicas, exclusivas e especiais do Ministério Público do
Trabalho em matéria do direito trabalhista.
A justiça trabalhista é peculiar e, perante ela, atuam os
membros do Ministério Público do Trabalho49, sendo defeso a
atuação, na justiça especializada, de membros do Ministério
Público dos Estados. Assim, as atribuições para assistir as
rescisões de contrato de trabalho é do Ministério Público do
Trabalho, devendo, no âmbito de sua autonomia,
regulamentar a forma de atuação50. Cabe ressaltar que a
justiça estadual tem competência residual, devendo ater-se
a todas as causas que não aquelas expressas como de
competência especializada, como é a justiça trabalhista.
No âmbito da justiça especializada do trabalho, atua o
Ministério Público do Trabalho, a quem cabe zelar pela ordem
jurídica laboral, com o fim de manter incólume as relações
trabalhistas. 49 Lei Complementar n° 75/93. Art. 84. Incumbe ao Ministério
Público do Trabalho, no âmbito de suas atribuições, exercer as funções
institucionais previstas nos Capítulos I, II, III e IV do Título I, especialmente: V
– exercer outras atribuições que lhe forem conferidas por lei, desde que
compatíveis com sua finalidade. 50 CONFLITO DE JURISDIÇÃO n° 6.959-6,
Supremo Tribunal Federal, Relator Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, Julgado em
23.05.90. STF. JUSTIÇA DO TRABALHO. Competência: Constituição artigo
114: ação de empregado contra empregador visando à observação dos condições
negociais de promessa de contratar formulada por empresa em decorrência da
relação de trabalho. 1 – Compete à Justiça do Trabalho julgar demanda de
servidores do Banco do Brasil para compelir a empresa ao cumprimento da
promessa de vender-lhes, em dadas condições de preço e modo de pagamento,
apartamentos que, assentindo em transferir-se para Brasília, aqui viessem a
ocupar, por mais de cinco anos, permanecendo a seu serviço exclusivo e direto. 2
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– A determinação da competência da Justiça do Trabalho não importa que
dependa a solução da lide de questões de direito civil, mas sim, no caso, que a
promessa de contratar, cujo alegado conteúdo é o fundamento do pedido, tenha
sido feita em razão da relação de emprego, inserindo-se no contrato de trabalho.
A última hipótese – intervenção no mandado de segurança –
foi analisada da forma seguinte pelo CNMP:
É de ser ressaltado, inicialmente, que ponderável parcela da
doutrina nacional entende que a intervenção no Ministério
Público em mandados de segurança não deve se operar
mecanicamente. É majoritário o entendimento que o membro
do Ministério Público deverá, após intimado, dizer se
identifica o interesse público primário na causa, que
importa na necessária intervenção, ou não. A manifestação
de mérito, assim, deverá estar respaldada pela necessidade da
intervenção. A regra é de que o interesse público
secundário que ocorre pela presença, apenas, de interesse de
pessoa jurídica de direito público não pode ser confundido
com o interesse que atrai a manifestação do Ministério
Público. Como conseqüência, cabe ao membro do Ministério
Público examinar, caso a caso, a presença do interesse que
reclama a intervenção. Celso Antônio Bandeira de Mello51
sustenta ser o interesse primário o interesse público
propriamente dito, pois é o interesse comum, geral, da própria
sociedade. Para ele o interesse público deve ser
conceituado como interesse resultante do conjunto dos
interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando
considerados em sua qualidade de membros da
sociedade pelo simples fato de o serem. Por sua vez, para
o eminente doutrinador, o Estado, como pessoa jurídica,
possui interesses que não são exclusivamente públicos, pois
secundários.
Diz Celso Antônio Bandeira de Mello52 que, além de
subjetivar interesses públicos, o Estado, tal como os
demais particulares, é, também ele, uma pessoa
jurídica, que, pois, existe e convive no universo jurídico
em correspondência com os demais sujeitos de direito.
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Assim, independentemente do fato de ser, por
definição, encarregado dos interesses públicos, o
Estado pode ter, tanto quanto as demais pessoas,
interesses que lhe são particulares, individuais, e que,
tal como os interesses delas concedidos em suas
meras individualidades, se encarnam no Estado
enquanto pessoa. Estes últimos não são interesses
públicos, mas interesses individuais do Estado,
similares, pois (sob o prima extrajurídico), aos
interesses de qualquer outro sujeito. [...] Assim, no
processo de mandado de segurança, o membro do Ministério
Público deverá examinar se há razão que leve à sua
intervenção. Jairo Cruz Moreira sustenta que o Ministério
Público somente deverá intervir no tocante ao mérito,
analisando caso a caso, se o mandado de segurança
envolver algum dos fundamentos que justificam o agir
institucional consoante sua função constitucionalmente
prevista. 51 MELLO, Celso Antônio Bandeira de, in Curso de Direito
Administrativo, 22ª ed, São Paulo, Malheiros Editores, 2007, pág. 58. 52
Ibdem, pág. 63. 53 MOREIRA, Jairo Cruz, A intervenção do Ministério Público
no processo civil à luz da constituição. Belo Horizonte, Editora Del Rey,
2009, pág. 179.
Embora o voto tenha deixado expresso que a intervenção no
mandado de segurança é necessária apenas nas hipóteses em que estiver
presente o interesse público primário na causa, o inciso XXII do art. 5º da
Recomendação n.º 16/2010 merece ser explicitado para facilitar sua aplicação.
A intervenção do Ministério Público nos mandados de
segurança está prevista no art. 12 da Lei n.º 12.016/2009, baseando-se, desde
os primórdios, na salvaguarda de evidente interesse social e na defesa do
regime democrático. Também tem se fundado essa intervenção no controle da
legalidade dos atos da Administração.
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Todavia, por ser o mandado de segurança um instrumento
diferenciado e reforçado, de eficácia potencializada, a sua utilização vem se
vulgarizando, nem sempre se vislumbrando nele um interesse público
relevante e concreto.
A celeridade e a eficácia do mandado de segurança – frente à
ofensa a direito individual ou coletivo – vêm justificando a sua utilização no
lugar do processo comum. Daí não se ter dúvida acerca da disponibilidade dos
interesses sociais e individuais envolvidos nos casos cuja via mandamental foi
utilizada somente em razão de seu rito diferenciado e célere, e cujo objeto
pode ser discutido em processo comum.
A ação civil pública, por seu turno, tem se revelado
instrumento mais eficaz para o exercício, por parte do Ministério Público, do
controle jurisdicional da legalidade dos atos da Administração Pública, bem
como da proteção do patrimônio público e social e de outros valores
imateriais (como a defesa da ordem jurídica e do regime democrático), em
discussão no mandado de segurança.
E o controle da legalidade dos atos que possam configurar
abuso de poder e conduta criminosa pode e deve ser realizado na forma do
art. 40 do Código de Processo Penal – “Quando, em autos ou papéis de que
conhecerem, os juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação
pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos
necessários ao oferecimento da denúncia”.
Não se justifica mais, assim, a intervenção do Ministério
Público em todo e qualquer mandado de segurança, mas tão somente naqueles
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casos em que o interesse público se mostrar relevante, real, imediato e
concreto. Caberá ao membro do Ministério Público examinar e identificar, em
cada caso, a existência desse interesse público que possa justificar a sua
intervenção. E a ausência de intervenção, quando se entender ser ela
desnecessária, não dará causa a nulidade processual, a qual somente ocorrerá
com a falta de intimação do representante ministerial.
Por essas razões, sugere-se facultar ao Promotor de Justiça
deixar de se manifestar em mandados de segurança impetrados na defesa de
interesses individuais e disponíveis e cuja proteção não corresponda a um
interesse social imediato e concreto.
Finalmente, há necessidade de se explicitar a atuação do
Ministério Público na ação civil pública por ele proposta (art. 3º da
Recomendação n.º 16/2010).
O art. 3º da Recomendação n.º 16/2010 tem a seguinte
redação:
Art. 3º. É desnecessária a atuação simultânea de mais de um
órgão do Ministério Público em ações individuais ou
coletivas, propostas ou não por membro da Instituição.
Sugerimos explicitar que a desnecessidade da atuação
simultânea de mais de um órgão verifica-se tão somente no mesmo grau de
jurisdição.
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Caso contrário, nas ações ajuizadas pelo Ministério Público,
corre-se o risco de os autos não serem remetidos às Procuradorias que oficiam
perante os tribunais estaduais, federais e superiores.
Enfrentamos tal problema em Minas Gerais. Algumas
Câmaras do TJMG, interpretando o § 1º do art. 5º da Lei n.º 7.347/85 –
segundo o qual se o Ministério Público “não intervier no processo como parte,
atuará obrigatoriamente como fiscal da lei” –, deixavam de remeter as ações
civis públicas propostas pelo Ministério Público à Procuradoria de Justiça, o
que impedia a elaboração do parecer e o acompanhamento efetivo do
julgamento dos recursos no tribunal (sustentação oral e elaboração de
memoriais).
Intimados dos acórdãos, interpusemos vários recursos
especiais pedindo a anulação das sessões, por ausência de intimação do
Ministério
Público.
Os
citados
apelos
foram
providos
–
REsp.
n.º 965.511-MG, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, j. 04.03.2008; REsp.
n.º 1.019.842-MG, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, j. 02.10.2008;
REsp. n.º 907.977-MG, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 07.08.2008 – para
determinar a realização de novos julgamentos, com observância da prévia
intimação pessoal do Parquet.
Na tentativa de evitar novos recursos, firmamos ato conjunto
com o TJMG prevendo expressamente a obrigação de remessa das ações civis
públicas ajuizadas pelo Ministério Público à Procuradoria de Justiça, o que
vem contribuindo para a solução da questão.
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Por tal motivo, sugerimos o acréscimo de artigo com a
seguinte redação:
É desnecessária a atuação simultânea, no mesmo grau de
jurisdição, de mais de um órgão do Ministério Público em
ações individuais ou coletivas, propostas ou não por membro
da Instituição.
Com essas considerações, submeto ao Colegiado a minuta de
Recomendação em anexo.
Belo Horizonte, 29 de novembro de 2011.
Antônio Sérgio Rocha de Paula
Procurador de Justiça
Conselheiro
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