1 FETUS – CENTRO DE ESTUDOS ANOMALIAS DO SISTEMA URINÁRIO: Dilatação de Bacinetes, Dilatação de Cálices, Dilatação de Ureteres e Dilatação Pielocalicial Assimétrica. ROMILDO PIVOTTO SÃO PAULO 2011 2 FETUS – CENTRO DE ESTUDOS PÓS-GRADUAÇÃO EM MEDICINA FETAL ANOMALIAS DO SISTEMA URINÁRIO: Dilatação de bacinetes, Dilatação de cálices, Dilatação de Ureteres e Dilatação Pielocalicial Assimétrica. ROMILDO PIVOTTO Monografia apresentada para Especialização em Medicina Fetal do Centro de Estudos FETUS, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Medicina Fetal. Orientador: Professor Eduardo Valente Isfer SÃO PAULO 2011 3 2011 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO 4 2. OBJETIVO 6 3. CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA 7 3.1. DEFINIÇÃO 7 3.2. INCIDÊNCIA 7 3.3. ETIOPATOGENIA 12 3.4. ANOMALIAS ASSOCIADAS 14 3.5. DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL 16 3.6. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL 20 3.7. CONDUTA PRÉ-NATAL 25 3.8. CONDUTA OBSTÉTRICA 27 3.9. ASSISTÊNCIA NEONATAL 28 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 29 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 31 4 1. INTRODUÇÃO O presente estudo tem como objetivo compreender as anomalias do sistema urinário fetal, visando possibilitar aos profissionais da área da saúde e acadêmicos que prestam assistência a mulheres gestantes o esclarecimento de dúvidas e uma maior compreensão com relação à temática, proporcionando um cuidado digno, diferenciado e humanizado. A análise do material trouxe a complexidade das anomalias do sistema urinário e a importância do diagnóstico pré-natal. As anormalidades do Sistema Geniturinário congênito tem prevalência de 1 a 4 % nas gestações. Representam a décima causa de mortalidade infantil no mundo. Das malformações fetais representam de 20-30% de todas as anomalias, só perdendo para as anomalias do sistema nervoso central. Para Callen (2009), a detecção das malformações do sistema urinário, se dá principalmente após as 20 semanas de gestação devido à diferenciação da anatomia quando ocorre a diferença de ecogenicidade com estruturas adjacentes podendo ser feitos cortes transversais e longitudinais para o estudo dos rins e a correlação com o abdômen fetal. O acúmulo de urina ocorre geralmente por causa obstrutiva parcial ou total, ou não obstrutiva de vias excretoras, podendo causar refluxo vesico-ureteral. Na obstrução urinária supra vesical, a obstrução situa-se no segmento anterior à bexiga, ou seja, nos cálices renais, nos bacinetes ou nos ureteres. 5 As anomalias do sistema urinário podem ser unilaterais, caso exista uma obstrução apenas num dos lados das vias urinárias, ou bilaterais, caso exista um obstáculo em ambos os lados. O acúmulo de urina na porção de drenagem do sistema urinário poderá causar dilatação dos bacinetes, cálices, ureteres ou dilatação pielocalicial e consequentemente dano renal com perda da função do órgão com agravamento do prognóstico. 6 2. OBJETIVO Pesquisar e compreender as anomalias causadoras de dilatação das vias urinárias supra vesicais (dilatação dos bacinetes, cálices, ureteres e pielocaliciais) afim de otimizar o atendimento pré e pós-natal, garantindo um melhor prognóstico, preservando a função renal fetal. 7 3. CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA Anomalias da Via Excretora: Dilatação de Bacinetes, Dilatação de Cálices, Dilatação de Ureteres e Dilatação Pielocalicial Assimétrica. 3.1 DEFINIÇÃO A detecção das malformações do sistema urinário, ocorrem geralmente após a vigésima semana de gestação devido à diferença de ecogenicidade com as estruturas adjacentes. Com 13 semanas de gestação, os ureteres ainda não são visíveis, exceto se há dilatação dos mesmos, porém a bexiga já pode ser vista com acúmulo de diurese. O acúmulo de urina ocorre geralmente por, obstrução parcial ou total de vias excretoras, inclusive podendo causar refluxo vesico-ureteral (CALLEN, 2009). A dilatação do sistema urinário pode ser dividida em malformações obstrutivas e não-obstrutivas e decorrem do acúmulo de urina na porção de drenagem do sistema urinário, causando dilatação dos bacinetes, cálices, ureteres e pielocalicial assimétrica (CALLEN, 2009). . 8 Segundo Pastore et al (2006), o que diferencia as dilatações caliciais fisiológicas das patológicas é a dilatação da pelve renal no diâmetro ânteroposterior. Quando esta medida for menor que 10 mm (garu I), podem ser consideradas fisiológicas ou normais. Para o autor, considera-se normal o diâmetro ântero-posterior menor que 5 mm e provavelmente normal ou fisiológico o diâmetro de 6 a 9 mm. As pelves renais com diâmetro maior que 10 mm, provavelmente possuem algum tipo de lesão. Classificação da gravidade da dilatação da pelve Segundo Society of Fetal Urology (SFU): Fig. 01 - Grau 0: sem dilatação; Fig. 02 - Grau I: somente a pelve renal é visibilizada; Fig. 03 - Grau II: visibilizada pelve renal e alguns cálices; 9 Fig. 04 - Grau III: hidronefrose com quase todos os cálices visibilizados; Fig. 05 - Grau IV: hidronefrose com quase todos os cálices visibilizados, acompanhada de atrofia do parênquima renal. A pelve renal ou bacinete e os cálices formam o aparelho coletor (de urina) dentro do rim. Toda urina produzida é aí excretada, depois seguindo para a bexiga. Existem várias alterações desta região do rim, muitas sem qualquer sintoma, sendo mero achado de exame. A mais comum é a estenose da junção ureteropélvica (estenose de JUP) ou pieloureteral. A causa mais comum desta alteração, é um vaso anômalo causando um "cotovelo" no ureter próximo à junção, assim comprimindo-o contra a própria pelve, causando uma dificuldade de eliminar a urina, iniciando aí a dilatação do sistema pielocalicial. Diagnósticos de hidronefrose prénatal são feitos através do exame de ultrassonografia, facilitando o tratamento (mesmo antes do parto) e salvando muitos rins da perda de função (CALLEN 2009). Dentre as principais causas de hidronefrose no período fetal destacam-se: as funcionais, a estenose da junção ureteropélvica (JUP), o refluxo vesicoureteral 10 (RVU), a válvula de uretra anterior (VUA), posterior (VUP), entre outras. Destas, 70% cursam com resolução espontânea (SANDERS, 2002). A hidronefrose é o termo utilizado para descrever a dilatação da pelve renal e dos cálices devido à progressiva atrofia renal causada pela obstrução ao fluxo de urina. Quando a obstrução é repentina e completa, a baixa filtração glomerular determina leve dilatação da pelve e cálices e, em alguns casos, atrofia do parênquima renal. Quando a obstrução é subtotal ou intermitente, a dilatação é progressiva. Dependendo do nível do bloqueio urinário, lembrando que este pode ser intrínseco ou extrínseco, a dilatação pode afetar primeiramente a bexiga ou ureter e mais tardiamente o rim (ROBBINS, 1991). Segundo Robbins (1991), macroscopicamente o rim pode ter aumento leve a acentuado. Os aspectos iniciais são de dilatação leve da pelve e dos cálices. Histologicamente o rim apresenta-se com atrofia tubular cortical com fibrose intersticial e progressivo achatamento dos ápices das pirâmides. Em casos mais avançados, o rim pode transformar-se numa estrutura cística de parede fina; também pode apresentar acentuada atrofia parenquimatosa, obliteração total das pirâmides e afilamento do córtex renal. 3.2. INCIDÊNCIA 11 As malformações do sistema urinário correspondem de 20 a 30% de todas as anomalias fetais, perdendo apenas para as anomalias do sistema nervoso central (SILVA, 2008 e PASTORE et al, 2006). As uropatias obstrutivas congênitas são raras acorrendo em ocorrem 2:1000 nascimentos e seu diagnóstico pré-natal é correto em apenas 70% dos casos. (PASTORE et al, 2006). Pata Carrera e cols. (apoud in Pastore et al 2006), em estudo realizado com 1.006 fetos malformados, apresentou uma prevalência de 3,03%, com diagnóstico pré-natal correto em 78,33% dos casos. Existe ainda a possibilidade de outras malformações, ainda mais raras, estarem associadas. Segundo Callen (2009) e Philippe (1997), a taxa de prevalência das anomalias do trato urinário é estimada em 5/1.000 nascimentos. O percentual é frequentemente mais elevado quando são consideradas anomalias transitórias. As anomalias envolvendo o trato urinário são variáveis e numerosas. Estas podem ser isoladas ou aparecerem associadas a anomalias de outros sistemas. O exame ultassonográfico precisa ser o mais especifico possível para que se possa identificar possíveis características determinam o prognóstico. associadas, como síndromes. Achados adicionais As anomalias renais podem variar em relação ao número, localização e tamanho dos rins, dilatação das vias urinárias e doenças renais císticas. A dilatação da pelve renal é um achado comum no ultassom (US) obstétrico. Ocorre em cerca de 1 a 4 % de todas as gestações. As dilatações não apresentam 12 a mesma relevância clinica, pois a evolução pré e pós-natal são variáveis. Existem controvérsias nas condutas entre os diferentes autores para o seguimento no pré e pós-natal (CALLEN, 2009 e PHILIPPE, 1997). 3.3. ETIOPATOGENIA Como são várias patologias que acometem o Sistema Geniturinário, a etiopatogenia da dilatação do sistema vesico uretral superior (bacinetes, cálices e ureter) pode ser desde idiopática, funcional, obstrutivas e não-obstrutivas, autossômica recessiva, gênica, cromossômica e teratogênica. De acordo com Callen (2009), vários são os fatores causadores de dilatação de vias excretoras. Dentre eles estão: estenose da Junção Uretero Pélvica (JUP); dilatação não obstrutiva; obstrução de Junção Uretero Vesical (JUV); refluxo vesicoureteral (RVU); duplicação megacalicosa; estenosa infundibular; obstrução da saída vesical; associação megacisto-megaureter; síndrome megacisto-microcólonhipoperistaltismo, entre outros. Para Silva (2008) e Pastore et al (2006), as dilatações do sistema vésico uretral superior, na maioria das vezes, é decorrente de obstruções do trato urinário fetal, geralmente localizada (Fig. 06): na junção ureteropélvica (JUP); junção ureterovesical (JUV) e no nível de válvula de uretra anterior (VUA) e válvula de uretra posterior (VUP). 13 JUP Fig. 06 - Locais comuns de obstrução do trato urinário. JUV VUA JUP = junção ureteropélvica; JUV= junção ureterovesical; VUP= válvula de uretra posterior; VUA = válvula de uretra anterior. VUP A obstrução do trato urinário poderá diferenciar em localização, grau e complicação/evolução clínica. Uma obstrução precoce poderá destruir os néfrons, fazendo com que o rim perca a sua função. O feto responde de forma diferente às obstruções crônicas do trato urinário do que um adulto. O diagnóstico e tratamento ante-natal poderão aumentar significativamente a sobrevida e diminuir a morbimortalidade fetal. A dilatação da via urinária é decorrente da obstrução parcial ou unilateral, que leva a sintomas clínicos leves a moderados. Já a bilateral severa levará a morte fetal ou a insuficiência renal irreversível (PASTORE et al, 2006; ROBBINS, 1991; PHILIPPI, 1997). De acordo com Pastore et al (2006) e Silva (2008), a obstrução na Junção Uretero Pélvica (JUP) é a malformação mais freqüente encontrada nas vias urinárias do feto. É responsável por causar cerca de 85 a 90% dos casos de hidronefrose fetal e neonatal, tendo maior prevalência nos fetos do sexo masculino. Seu diagnóstico não é fácil, pois pode ser confundido com outras malformações, mas o reconhecimento precoce e intervenção cirúrgica, quando necessária, melhora o 14 prognóstico. A obstrução na JUP é unilateral em 70% dos casos, sendo o comprometimento renal geralmente assimétrico. A obstrução da Junção Uterovesical (JUV) é menos comum. Corresponde a 8% das obstruções do sistema urinário, mas representa a segunda causa mais comum de hidronefrose (23% dos casos). A obstrução distal do ureter é funcional levando à formação de um megaureter primário. A obstrução bilateral da JUV é rara, embora outras anomalias pudessem estar associadas (PASTORE, 2006). As válvulas da uretra são as anomalias congênitas obstrutivas infravesicais mais comuns em meninos, sendo a válvula de uretra posterior (VUP) a que apresenta maior prevalência. Os casos de válvula da uretra anterior (VUA) são ainda considerados mais raros (TUCCI et al, 2003). A obstrução no sistema urinário a nível de VUP é causada pela presença de uma membrana que recobre a uretra posterior. A ausência de caliectasia acentuada com espessura normal do parênquima renal não é incomum, e a possibilidade de displasia deve ser considerada (PASTORE, 2006). 3.4. ANOMALIAS ASSOCIADAS À DILATAÇÃO DAS VIAS EXCRETORAS Inúmeras são as associações ou síndromes já descritas na literatura. A seguir serão descritos de acordo com Sanders (2002), as principais anomalias associadas à dilatação das vias excretoras. 15 Existem mais de 70 síndromes descritas relacionadas à hidronefrose. Cerca de 20% dos casos apresentam malformações múltiplas. Mais de 70% das síndromes de malformações múltiplas esporádicas como a síndrome urofacial autossômica recessiva, cromossômicas e genéticas estão associadas à hidronefrose. As alterações associadas podem ser de trissomias nos cromossomos 21,18, e 13 (SANDERS, 2002). Para Sanders (2002), dentre as anomalias relacionadas à VUP, estão a síndrome de Eagle-Barret (abdômen em ameixa seca), síndrome de regressão caudal, atresia uretral, síndrome da megabexiga, Síndrome megaureter megacistos, Síndrome megacistos microcolon, hipoperistaltismo intestinal e alterações de trissomia 21,18 e 13. Para o autor, síndromes genéticas muito raras tais como a síndrome de McKusick-Kaufman (autossoma recessiva) com doença cardíaca congênita, polidactilia, e hidrometrocolpos podem ser diagnosticados em associação a cistos ovarianos. A agenesia renal está associada a outras anormalidades geniturinárias (50%), gastrintestinais e cardíacas e é parte de mais de 50 síndromes múltiplas de má-formação. Sirenomelia e anormalidades cardíacas podem ser encontradas com agenesia renal. Anormalidade de Mullerian tais como hidrometrocolpos estão associadas à agenesia renal unilateral. A análise cromossômica associada à trissomia 18 deve ser realizada (SANDERS, 2002). 16 Segundo Sanders (2002), entre as anomalias associadas à Doença Renal Policística Autossômica Recessiva estão a trissomia 13, holoprosencefalia, Síndrome de Beckwith-Wiedmann e Síndrome Perlman. Na Extrofia de Bexiga, raramente há malformações associadas fora do trato geniturinário. Na Extrofia Cloacal, existe uma alta associação de anomalias cardíacas, esqueléticas e neurológicas. Anomalias renais e nos intestinos, tais como atresia duodenal e traqueoesofágica podem estar associadas. A hidrocolpo associase a Síndrome de McKusick-Kaufman (doença do coração congênito, polidactilia, cistos ovarianos e hidrometrocolpos) (SANDERS, 2002). O autor também traz que a Doença Renal Policística Autossômica Recessiva, associa-se a Síndrome de Meckel-Gruber, Síndrome de BeckwithWiedmann e Síndrome de Perlman (nessas síndromes, os rins podem ser grandes e ecogênicos, mas existe também macrossomia, e os volumes de fluido amniótico estão normais). No caso de Síndrome de Beckwith-Wiedmann, onfalocele e macroglossia estão frequentemente presentes e há trissomia do cromossomo 13. A presença de Rim Multicístico Displásico também associa-se a Síndrome de MeckelGruber e a trissomia do cromossomo 13. Observam-se, na agenesia renal, anormalias cardíacas associadas. No Nefroma Mesoblástico, amniocentese e hibridização fluorescente in situ devem ser realizadas para excluir a eliminação do cromossomo 11 vista na Síndrome WAGR (tumor de Wilms, anomalias genitais, retardo mental) (SANDERS, 2002). 17 3.5. DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL Para Tucci et al (2003) e Philippi (1997), a utilização rotineira da ultrassonografia na avaliação pré-natal tornou-a, atualmente, o método mais difundido para o diagnóstico intra-uterino de diversas anomalias fetais, principalmente aquelas relacionadas ao trato urinário. O exame ultassonográfico é um exame de baixo custo, acessível e de boa acurácia, possibilitando sua difusão cada vez maior como método diagnóstico pré-natal. Uma vez diagnosticada a dilatação do sistema excretor é fundamental observar três fatores, entre eles: a origem da dilatação, anomalias associadas e o prognóstico da malformação congênita. Quanto maior a dilatação do sistema urinário, maior é a diminuição da função renal após o nascimento (CALLEN, 2009). Sempre que uma anomalia renal, principalmente dilatação, for detectada deve ser realizada uma avaliação completa da anatomia fetal, com o intuito de diagnosticar malformações associadas que podem indicar a necessidade de análise cromossômica e ou síndromes polimalformativas com pior prognóstico. No caso de dilatação, o prognóstico depende do tipo e da extensão das anomalias (CALLEN, 2009). 18 Sinais de prognóstico ruim incluem o diagnóstico precoce, dilatação bilateral acentuada, bexiga cheia persistente, oligoidrâmio e hipoplasia pulmonar secundária (CALLEN, 2009; PHILIPPI, 1997; SANDERS, 2002; SILVA, 2008). Devido às inúmeras variantes somadas às associações com polimalformações, o diagnóstico e prognóstico são reservados, muitas vezes para pós-natal (CALLEN, 2009). De acordo com Moura (2004), através do exame de ultassonografia é possível, a partir das 15 semanas de idade gestacional (IG), visualizar a bexiga fetal; com 17 semanas os rins e com 20 semanas a anatomia genital. A urina começa a ser produzida a partir da décima semana de gestação e a partir da décima quinta constitui o principal componente de formação do líquido amniótico. As características que devem ser sempre analisadas nas ultrassonografias seriadas do sistema urinário, durante o período gestacional são: parênquima renal (ecogenicidade, presença de cistos, afilamento, diferenciação córtico-medular, tamanho dos rins), pelve renal (pielocalicial - diâmetros anteroposterior maior que 10-15 mm é altamente preditivo de obstrução do trato urinário), grau de hidronefrose (classificado segundo a sociedade fetal de urologia), ureteres (dilatação, tortuosidade, implantação na bexiga), bexiga (espessamento de parede vesical, presença de ureteroceles, volume vesical, esvaziamento, formato vesical), uretra (verificar se existe imagem sugestiva de dilatação da uretra posterior), genitália (sexo, criptorquia, tamanho peniano) CALLEN (2009) e MOURA (2004); ISFER (1996). 19 Para Callen (2009), inúmeros critérios são utilizados para avaliar objetivamente a dilatação do trato urinário. O principal deles consiste na medida do diâmetro ântero-posterior da pelve renal em plano transverso do abdômen do feto. Através desta medida, várias medidas limites têm sido aplicadas com o objetivo de capacitar a predição do resultado pós-natal, especialmente nos casos de dilatação moderada (< que 15mm). Vários autores concordam que o limite superior deve ser de 4mm durante o segundo, e de 7mm durante o terceiro trimestre da gestação. Estes limites estão determinados no intuito de detectar não apenas pacientes que necessitam de correção cirúrgica (em caso de dilatação obstrutiva), mas também a maioria dos fetos e neonatos, que se apresentam com refluxo vesicouretral. É importante destacar que estes pacientes possuem pior prognóstico, ou seja, maiores complicações e piora da função renal. De acordo com Callen (2009), além da visualização da bexiga e dos rins normais, a avaliação do trato urinário deve incluir analise do volume do líquido amniótico. Após as 14 semanas, dois terços do volume de liquido normal é produzido pela diurese fetal e um terço pelo líquido pulmonar. Uma quantidade de líquido amniótico normal é obrigatória para o desenvolvimento adequado do feto. A identificação pré-natal da dilatação do trato urinário não significa presença de obstrução. Muitos casos de hidronefrose diagnosticada no pré-natal se resolverão espontaneamente ou sem qualquer intervenção cirúrgica. Entretanto, o diagnóstico deve ser claramente explicado aos pais e o acompanhamento pós-natal adequadamente realizado. Os benefícios do diagnóstico precoce da hidronefrose 20 fetal são: a preservação da função renal, a prevenção de infecção urinária e o tratamento da obstrução do trato urinário (SILVA, 2008). Silva (2008) e Isfer (1996), trazem a classificação de hidronefrose, segundo a idade gestacional (IG): Tabela 01 – Classificação da Hidronefrose segundo IG IG Valor (mm) normal Dilatação piélica Hidronefrose < 20 semanas <4 4a8 > 8 20 a 30 semanas <5 5 a 10 > 10 > 30 semanas <7 7 a 14 > 14 Fonte: Silva (2008) e Isfer (1996). O quadro traz os valores normais da medida do diâmetro da pelve renal, através do acompanhamento ultrassonográfico nas semanas de gestação. 3.6. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL De acordo com Sanders (2002) e Pastore (2006), alguns diagnósticos diferencias de dilatação de vias excretoras são descritos a seguir. Diagnóstico Ultra-sonográfico na obstrução da JUP 21 Pode ser observado caliectasia de grau variável com hidronefrose. Pielectasia e diminuição do córtex renal dando a impressão de uma massa cística unilocular na fossa renal (nos casos de obstrução crônica grave). O líquido amniótico costuma ser normal, principalmente se o rim oposto mantiver sua função preservada garantindo bom prognóstico. A presença de oligoidrâmnio garante mau prognóstico, pois sugere a presença de agenesia ou displasia renal contralateral. O poliidrâmnio poderá ocorrer nas obstruções na JUP unilateral parcial, pelo fato do rim perder a capacidade de concentrar adequadamente a urina (PASTORE et al, 2006). Diagnóstico Ultra-sonográfico na Obstrução da JUV É comum observar hidronefrose. O volume de líquido amniótico encontra-se normal e o ureter proximal dilatado, assemelhando-se a uma estrutura cística anecogênica serpiginosa, que ocupa o espaço retro-vesical e o abdômen fetal (MONTANA, 1985 in apoud PASTORE et al 2003). O diagnóstico diferencial muitas vezes é difícil, pois refluxo vesicouretral, disfunção vesical, megaureter nãoobstrutivo podem apresentar dilatação de ureteres e hidronefrose (PASTORE et al, 2006). Diagnóstico Ultra-sonográfico na Obstrução ao Nível da Uretra Posterior Segundo Pastore et al (2006), observa-se dilatação da uretra proximal, dilatação e espessamento vesical causando mega-bexiga (> que 2 mm, podendo chegar até 10 a 15 mm). O ureter apresenta-se tortuoso e dilatado em 40% dos casos. Hidronefrose, e conseqüente, caliectasia em 40%, oligoidrâmnio em 50% presença de displasias renais (cistos) e, dentre as anomalias associadas: síndrome 22 de regressão caudal, atresia uretral, síndrome da megabexiga e hipoperistaltismo intestinal. Diagnóstico Diferencial de hidronefrose (obstrução da JUP e refluxo vesicouretral) A hidronefrose representa 75% das anomalias renais. Causa a dilatação da pélvis e cálices renais com a urina. Grandes veias renais podem ser confundidas com uma pelve renal moderada a dilatada e a super hidratação materna pode causar dilatação da pelve renal fetal (SILVA 2008; SANDERS, 2002). Diagnóstico Diferencial de Hidrocolpo Procurar por obstrução renal com ureter dilatado, cisto ovariano, ânus imperfurado e ocasionalmente reto dilatado e cólon sigmóide visível. Observar o tamanho do estômago, uma vez que há uma associação com fístula traqueoesofágica (SANDERS, 2002). Diagnóstico Diferencial de Doença Renal Policística Autossômica Recessiva. Cistos renais nesta condição são geralmente visíveis. Glomeruloesclerose benigna (rins ecogênicos alargados, mas pirâmides apresentam baixa ecogenicidade e o fluido amniótico normal ou levemente aumentado). Rins grandes que podem não estar simetricamente alargados. Cistos podem estar visíveis e os rins são frequentemente ecogênicos. Um histórico familiar positivo pode ser obtido. Uma aparência sonográfica idêntica à doença de rins policísticos pode ser vista (SANDERS, 2002). 23 Diagnóstico Diferencial de VUP Este processo é devido a um grave refluxo. A bexiga esta alargada com paredes espessadas com nenhuma uretra em fechadura. A pelve renal pode variar em tamanho, e o ureter mostra muita peristaltia (PASTORE, 2006; SANDERS, 2002). Diagnóstico Diferencial de Neuroblastoma Pode-se observar uma massa ecogênica superior ao rim, geralmente à esquerda. A glândula adrenal pode ser vista em adição à massa. Diagnóstico diferencial de hemorragia adrenal (SANDERS, 2002). Diagnóstico Diferencial do Rim Multicístico Displásico No rim policístico adulto, os cistos são distribuídos aleatoriamente. Já no rim policístico infantil, nenhum cisto é visível e os rins são aumentados. A hidronefrose grave sem parênquima restante pode ser indistinguível da forma hidronefrótica do rim multicístico (SANDERS, 2002). Diagnóstico Diferencial de Agenesia Renal Confusão entre as glândulas adrenais e rins hipoplásicos ocorrem frequentemente, uma vez que, no útero, as glândulas adrenais são aproximadamente um terço do tamanho dos rins e tem um centro ecogênico. Com agenesia renal unilateral, certifique-se que um rim pélvico não esteja presente. Em casos de agenesia renal bilateral ou unilateral, avaliação dos rins dos pais deve ser feita para detectar as famílias com herança dominante autossômica (SANDERS, 2002). 24 Diagnóstico Diferencial de Teratoma Sacrococcígeo Mielomeningocele anterior e posterior ampliam a espinha, embora os teratomas a destruam. A bexiga secundária e dilatação do rim, devido à obstrução, pode ocorrer e pode resultar em displasia renal. Shunts arterio-venoso dentro do teratoma podem causar falha cardíaca e hidropisia fetal (SANDERS, 2002). Diagnóstico Diferencial de Ureterocele A uretra dilatada em formato de fechadura típica, na base da bexiga, será vista. A parede da bexiga será mais espessa. Os rins provavelmente mostrarão evidência de displasia. Os ureteres variarão em tamanho. Se um ureterocele for visto na bexiga, procure por um sistema coletor auxiliar. Observar evidência de displasia no segmento obstruído (SANDERS, 2002). 3.7. CONDUTA PRÉ-NATAL A maioria dos casos com dilatação de vias excretoras, principalmente relacionadas à hidronefrose, diagnosticados no pré-natal, resolve-se espontaneamente neste mesmo período. Nesta situação, é recomendado o seguimento com ultassonografia seriada a cada 3 ou 4 semanas. Porém, em aproximadamente 3 a 4 % dos casos, existe a necessidade de tratamento cirúrgico após avaliação criteriosa de estudo bioquímico, biofísico renal fetal e de anomalias 25 cromossômicas e malformações associadas para analisar a viabilidade das intervenções (SANDERS 2002). Segundo Callen (2009), Philippe (1997), Pastore et al (2006), Isfer (1996) e Silva (2008) ao diagnosticar uma anomalia de trato urinário, é necessário realizar uma completa investigação da anatomia fetal, para associadas realizando estudo de cariótipo, diagnosticar malformações pesquisando síndromes polimalformativas e também realizando avaliação do “estatus” pulmonar fetal e avaliação da função renal fetal. A intervenção cirúrgica é preconizada, na presença de anomalia bilateral precoce (antes de 28 semanas) associada ao oligoidrâmnio severo, afastando polimalformações, cromossomopatias associadas e apresentando bioquímica urinária normal (PHILIPPI, 1997). A função renal fetal pode ser estudada intra-utero por meio de análise bioquímica fetal e com Doopler das artérias renais. A função do rim pode ser avaliada através das dosagens de eletrólitos e osmolaridade da urina, realizadas através de punção da bexiga ou pelve fetal (SILVA 2008; CALLEN, 2009). Os valores descritos na tabela abaixo conferem um mau prognóstico ao feto: Tabela 02 – Dosagens na urina fetal relacionadas ao mau prognóstico da evolução perinatal. 26 Parâmetro Bioquímico Sódio Valor >100mEq/Ml Cálcio >8mg/dL Cloreto >90mEq/mL Osmolaridade >210mOsm β2-microglobulina >4mg/dL Proteínas totais > 20mg/dL Fontes: SILVA (2008), ISFER (1996) e CALLEN (2009) A partir do segundo e terceiro trimestre, a função do rim pode ser avaliada através das dosagens de urina fetal, pesquisando a osmolaridade e eletrólitos, sendo que o β2 – microglobulina avaliará a reabsorção tubular enquanto o mesmo marcador pesquisado no sangue pesquisará a filtração glomerular (ISFER, 1996). Em 1986, foi descrito pela “International Fetal Registry”, um estudo realizado com 73 derivações intra-útero, entre as 17 e 36 semanas de gestação. Destes 73 fetos, 6 apresentaram sucesso na primeira tentativa. As demais necessitaram de 2 a 7 procedimentos de re-intervenção. As manobras intra-útero resultaram diretamente em 3 mortes, 13 abortos e 27 mortes subseqüentes ao parto pelo quadro de hipoplasia pulmonar. Apenas 30 crianças sobreviveram. O baixo percentual de êxito se deu principalmente pela intervenção tardia das lesões renais. As indicações foram unicamente obstrução bilateral, com oligoidrâmnio moderado, agravadas durante a gravidez por critérios bioquímicos (PHILIPPI, 1997). 27 Apesar da freqüente identificação das malformações urinárias durante a gestação, a intervenção intra-útero ainda é extremamente controversa, estando indicada em apenas raros e muito selecionados casos que cursam com hidronefrose bilateral, oligoidrâmnio, marcadores prognósticos (Na, Cl, Osolaridade, β2 microglobulina, Ca) normais, cariótipo normal e com rins sem alterações displásicas evidentes. A intervenção intra-útero busca melhora da função pulmonar, pois a função renal não conseguiu ser efetivamente comprovada por estes procedimentos. O número de complicações, após procedimentos de derivação urinária no período fetal é maior que 45% dos casos (MOURA, 2004). 3.8. CONDUTA OBSTÉTRICA Durante o curso da gestação, as dilatações leves a moderadas e unilaterais das vias excretoras devem ser avaliadas por ultrassonografia seriadas a cada 3 a 4 semanas até o término da gestação, comunicando à equipe da neonatologia o diagnóstico prévio (SANDERS, 2002). Segundo Sanders (2002), Isfer (1996) e Callen (2009) as dilatações graves, que necessitam de tratamento intra-útero, devem ser monitoradas criteriosamente após o procedimento até o término da gravidez e o parto deve ser programado num centro terciário com equipe de Neonatologia especializada, inclusive com Urologista Pediátrico. 28 3.9. ASSISTÊNCIA NEONATAL Todas as informações relevantes para que a conduta pós-natal seja adequada, precisam ser transmitidas corretamente para a equipe neonatal que cuidará do recém-nascido (SANDERS 2002; ISFER, 1996; CALLEN, 2009). Para Silva (2008) e Callen (2009) vários achados após o nascimento do bebê são sugestivos de anomalias do trato urinário, dentre elas: dilatação pélvica > 7mm; dilatação calicial; afilamento do parênquima renal < que 3 mm ; falta de diferenciação corticomedular; rim pequeno; espessamento da parede pélvica; espessamento da parede ureteral; dilatação ureteral > de 3mm e aumento vesical, sinais de hipoplasia pulmonar e existência de hiperecogenicidade da parênquima renal, além de vários cistos. Algumas condições, previamente diagnosticadas, necessitam de condutas terapêuticas imediatamente em centro terciário (obstrução de válvula uretral posterior ou prolápso ectópico de uretra resultando em oligoidrâmio). Em casos de suspeita, uma ultrassonografia e uma uretrocistografia miccional, precisam ser realizados imediatamente após o nascimento com o objetivo de confirmar a anomalia. Nos demais casos as condutas devem ser planejadas sem emergência (CALLEN, 2009). 29 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS As anomalias do sistema urinário, correspondem a cerca de 20 a 30 % das anomalias diagnosticadas intra-útero. Estas malformações podem ser divididas em causas obstrutivas (intrínsecas) e causas não obstrutivas (extrínsecas). Na obstrução urinária supravesical, a obstrução situa-se num segmento anterior a bexiga, causando dilatação nos cálices renais, nos bacinetes ou nos uréteres. Nestes casos, a doença pode ser unilateral, caso exista obstrução em um dos lados das vias urinárias, ou bilaterais, caso exista um obstáculo em ambos os lados. Com este estudo, conclui-se, portanto, que ao diagnosticar a dilatação do sistema excretor é fundamental observar a origem da dilatação, as anomalias associadas e o prognóstico da malformação congênita. Quanto maior a dilatação do sistema urinário, maior é a diminuição da função renal após o nascimento. A grande maioria das dilatações de vias excretoras superiores (dilatação de bacinetes, cálices, ureteres e pielocalicial assimétrica), resolvem-se espontaneamente na gestação. Nesta situação é recomendado o seguimento com ultassonografia seriada periodicamente. No entanto, em 3 a 4 % dos casos existe a necessidade de tratamento cirúrgico, após avaliação criteriosa de estudo bioquímico, biofísico renal fetal, de anomalias cromossômicas e de malformações associadas para analisar prognóstico do tratamento e a viabilidade das intervenções. 30 Na grande maioria dos casos a evolução é benigna, e quando necessário realizar tratamento cirúrgico, este é reservado ao pós-natal, em centro terceirizado, com equipe neonatal especializada. Como sugestão para a continuidade do estudo, percebe-se a necessidade do desenvolvimento de pesquisas com essa temática na área médica. A preocupação com a continuidade deste estudo surge pela natureza relevante e pertinente que o mesmo apresenta para um cuidado efetivo que minimize o sofrimento das mães e garanta sobrevida com qualidade às crianças sem comprometimento da função renal. A abordagem de um tema que mobiliza vários sentimentos em profissionais da área da saúde, contempla estudos em diversos âmbitos dos cursos de especialização, especificamente em medicina fetal, promovendo reflexão e aprendizagem imprescindível. Indubitavelmente, embasamento para lidar melhor com essa temática. isso fornece subsídios e 31 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CALLEN, P. W. Ultrassonografia em Ginrcologia e Obstetrícia. Elselvier. 5 ed. São Paulo, 2009. FERNBACH, S.K.; MAIZELS, M.; CONWAY, J.J. Ultrasound Grading of Hydronephrosis: introduction to the system used by the Society for Fetal Urology. Pediatr Radiol, 23 : 478, 1993. ISFER, E. V. et al. Medicina Fetal: diagnóstico pré-natal e condutas. 1 ed. Ed Revinter: São Paulo, 1996. MOURA, J. M. M. Hidronefrose: conduta no período neonatal. In: Assistência ao Recém-Nascido de Risco, editado por Paulo R. Margotto. 3. Ed. Brasília: Editora Pórfiro, 2004. PHILIPPE, H. J. et al. Terapéutica Fetal. In: Encyclopédie Médico-Chirurgicale (EMC). Org por: BACH, J. F. et al. v.3. Elsevier: Paris, 1997. PASTORE, A. R., CERRI G. G. Ultras-Sonografias em Ginecologia e Obstetrícia. Revinter. São Paulo, 2006. ROBBINS, C. K. Patologia Estrutural e Funcional. Guanabara Koogan, 4 ed. Rio de Janeiro, 1991. SANDERS, R. C. Structural Fetal Abnormalities. Mosby. 2 ed. 2002. 32 SILVA, F. A. Anomalias do Sistema Urogenital. In: Medicina Fetal. Med Book. São Paulo, 2008. TUCCI, J. et al. Válvula de Uretra Anterior. Jornal de Pediatria (RJ) vol.79 n.1 Porto Alegre Jan./Feb. 2003.