1 Resumo 1. Música brega: algumas observações Antes de

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QUEM NOMEIA A MÚSICA BREGA?
Vinícius Rodrigues Alves de Souza•
Resumo
O presente artigo se divide em três momentos. O primeiro momento se propõe a trazer
uma discussão sobre o que é música brega, abordando ao mesmo tempo, algumas
características da contemporaneidade como sua dinâmica cultural, seu fluxo, sua
natureza provisória, sua efemeridade, sua indefinição e inconclusividade, além de sua
hibridez cultural No segundo momento, busca-se entender quem são os principais
responsáveis pela nomeação da música brega e o porquê dessa música tender a ser
considerada como sinônimo de mau gosto. E por fim, averiguar sobre o porquê a música
brega não pertencer ao que se convencionou chamar de linha evolutiva da música
popular brasileira, além de tentar entender se a música brega tende a ser associada como
inferior musicalmente apenas quando não é apropriada pelo universo estilístico dos
responsáveis pela sua nomeação, ou se essa estética continua a assumir essa
adjetivação pejorativa.
Palavras-chave: contemporaneidade, música brega, intelectualidade.
1. Música brega: algumas observações
Antes de partirmos para a discussão que diz respeito sobre os verdadeiros
responsáveis pela nomeação da música brega, além das análises sobre o porquê
dessa estética muitas vezes não ser pesquisada, nem pertencer ao acervo
discográfico da dita música popular, cabe-nos primeiramente uma pergunta de
extrema pertinência: o que é música brega? Consideramos de extrema
importância discutirmos o que é música brega, pelo fato de buscarmos evitar
discutirmos e utilizarmos esse termo de forma indiscriminada, além de evitarmos
conclusões precipitadas. Buscando compreender a música em questão,
•
Mestrando pelo Programa Multidisciplinar de Cultura e Sociedade (Pós-cultura) pela Universidade Federal
da Bahia com o Projeto de Investigação “Brega: música em transformação”, sob orientação do Professor Dr.
Leonardo Vicenzo Boccia compositor, bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Federal
de Sergipe, formação em Psicanálise teórica e clínica pela Associação Psicanalítica de Aracaju. e-mail:
[email protected]
1
acreditamos que podemos analisar de forma mais clara sobre o porquê dessa
música, mesmo contendo as características que tentaremos mostrar ao longo
desse primeiro momento, é geralmente excluída dos cânones da música popular
brasileira.
Para fundamentarmos nossa opinião sobre o que entendemos como música
brega, resolvemos captar algumas características do que estamos chamando de
contemporaneidade1. A contemporaneidade se define por sua dinâmica cultural
onde as manifestações locais se cruzam com as culturas mundiais de forma
provisória, efêmera, articulando-se constantemente uma rede complexa, híbrida e
heterogênea de estilos, impossibilitando a definição de modelos fechados e
precisos.
Em meio a esse movimento ambíguo e múltiplo, mesclado em uma
infinidade de estilos musicais, está o que denominamos de música brega. A
música brega antes de ser uma estética com linhas fronteiriças definidas, se
caracteriza por uma miscelânea de tendências, e, portanto, detentora de certas
características e impossibilitada de ser ilustrada em modelos fixos e capazes de
determinar com total clareza o que é esse universo musical em si2.
Marc Auge (1994) nos chama a atenção de que o contexto no qual estamos
inseridos coexiste com uma pluralidade referencial, pluralidade essa que
proporciona deslocamentos inconstantes que trazem como conseqüência, os
“não-lugares”. Esses “não-lugares” se caracterizam pelo efêmero, pelo transitório,
isto é, um mundo que não nos dá sua dimensão exata. Observa-se, portanto, que
1
Uma vez que não existe um consenso que estabeleça com segurança as datas de inicio e fim do que se
considera moderno e pós-moderno (Hutcheon, 1991) decidimos utilizar a contemporaneidade por
entendermos que esse termo diz respeito ao momento atual no qual estamos vivendo, momento esse que se
caracteriza pelo seu extremo dinamismo, pela sua natureza híbrida, volátil, inconclusa, além da sua
diversidade cultural favorecida pelas trocas que se dão a nível global.
2
Não estamos querendo defender que a música brega não existe, até por que reconhecemos que esse universo
musical contém características mais ou menos precisas capazes de reconhecê-lo enquanto tal, tanto é que
associamos e nomeamos determinadas músicas que achamos que seja música brega, porém, ela não pode ser
considerada como uma música que contenha características suficientemente consolidadas em si mesma ao
ponto de acreditarmos com toda a segurança que o artista ou a banda que definimos como bregas, sejam
suficientemente justificáveis enquanto bregas. Como bem argumentou Bhabha (1998), devemos ter a
compreensão do mundo social como um momento em que algo está fora do controle devido à sua natureza
provisória, contingencial, efêmera, inconclusa, mas não fora da possibilidade de organização e pelo menos, de
uma certa precisão.
2
a contemporaneidade com a sua dinâmica, seu fluxo, sua natureza contingencial e
provisória, não possibilita caminhos seguros para determinar um estilo com
precisão devido a sua natureza indefinível.
Para Zygmunt Bauman (1999), diante do fluxo contínuo do ser, a realidade
se torna esguiva: descobrimos que o conceito é carregado de ambigüidade
impossibilitado de aderir à totalidade deixando sempre o espaço pra novas
significações de forma indeterminada e imprevisível. De acordo com ele, “ são os
padrões, códigos e regras a que podíamos nos conformar, que podíamos
selecionar como pontos estáveis de orientação e pelos quais podíamos nos deixar
depois guiar, que estão cada vez mais em falta” (2000, p.14).
O universo da música brega se apropriou de tantas culturas musicais que
muitas vezes chega a se confundir com outros universos como a música sertaneja
e o forró eletrônico, por exemplo, tornando-a difícil de ser definida com clareza e
exatidão. Carmen Lúcia José (1991), por exemplo, ao analisar o “eu” no discurso
amoroso da música brega, elenca alguns artistas e observa a definição de como
os indivíduos encaram esses artistas quanto aos seus estilos musicais. Alguns
desses artistas elencados foram Chitãozinho e Xororó e Leandro e Leonardo. A
primeira dupla, ela observa que para os segmentos sociais acima da média com
repertório, é considerada brega, já para os segmentos médios e acima da média
sem repertório, a dupla é considerada som sertanejo e para os segmentos mais
baixos, também. Com relação a Leandro e Leonardo, para os segmentos acima da
média e médios, é brega, os segmentos médios e acima da média sem repertório
musical, a dupla também é considerada brega, nos segmentos mais baixos, a
dupla representa o sertanejo jovem. Se essas duas duplas estão relacionadas de
fato, à música brega ou a música sertaneja, é algo polêmico e inconcluso, assim
como o é a contemporaneidade e a própria música brega, porém, segundo José
Roberto Zan, “ o sertanejo mistura aspectos da música caipira, do brega e do pop
internacional” (2001, p.119).
Outra confusão de estilos musicais com a música brega se encontra no
chamado forró eletrônico. João Teles (2008) ao analisar a metamorfose da música
brega romântica para o que ele chamou de “fuleragem music”, ele mesmo admite
3
que a banda Mastruz com Leite era brega por possuir letras fáceis e românticas,
porém, mais adiante ele assim afirma: “ passaram a chamar de forró, por causa da
sanfona usada no acompanhamento, mas a Mastruz com Leite fazia lambada”
(2008, p. 18). Enfim, era brega, forró ou lambada? Outro exemplo é a banda
Calypso. Bruno Brito (2008) diz que no inicio da carreira a banda cantava músicas
alusivas do que ele chamou “Bregafó”, porém, para Chimbinha, o guitarrista da
banda, a Calypso mistura uma série de sons como a lambada, reggae, merengue,
cúmbia, samba, salsa, carimbó e forró. Se é música brega, bregafó, lambada,
salsa ou forró, ninguém ao certo parece saber.
Com relação ao hibridismo cultural, a perspectiva de diáspora3 utilizada por
Gilroy, transversa a multiplicidade de formas culturais colocando questões sobre
pluralismo cultural, passando a investigar a velocidade com que as culturas estão
sendo constantemente re-atualizadas, ao invés de encará-las como padrões
absolutos. Os elementos culturais são imprevisíveis e oriundos das mais diversas
fontes. Carlos Bonfim (2005), nos chama atenção de que os artistas criam suas
músicas a partir da confluência de inúmeras influências musicais presentes em
seus repertórios, através de saberes heterogêneos e múltiplos. Ao discutir sobre a
música romântica e a música moderna, Moraes (1983), observa que vivemos em
um contexto caracterizado pela riqueza e pela diversidade cultural, com uma
frequência de agitações de estéticas plurais que definem nosso contexto não
como o período de um único estilo geral, mas de vários estilos, de várias
linguagens. E a música brega não foge a regra.
Para tentarmos esclarecer sobre a multiplicidade de referenciais musicais
que foram apropriados pela música brega, vamos mostrar as influências do
3
Gilroy utiliza o conceito de diáspora para analisar as trocas culturais desenvolvidas pelos negros ao longo do
Atlântico. Com isso, ele re-questiona alguns problemas políticos específicos oriundos da junção do conceito
de nacionalidade com o conceito de cultura o qual condiciona a aspiração contínua de adquirir uma identidade
enraizada supostamente autêntica, natural e estável. Com o conceito da diáspora, Gilroy propõe conceber a
realidade como algo multifacetado e aglutinado por uma imensa miscelânea de culturas, ao invés de enxergar
as comunidades culturais completamente formadas.
4
recente falecido Waldick Soriano4, e fazer um breve traçado sobre o movimento da
música brega atual com o tecnobrega.
Ao responder a Cláudio Leal em uma entrevista na Terra Magazine sobre
suas influências musicais, Waldick Soriano comenta que ouvia muito os cantores
românticos como Orlando Silva, Nelson Gonçalves, Lupicinio Rodrigues. Porém,
Waldick comenta que antes de ser cantor conhecido, ele foi sanfoneiro. Desde os
dez anos tocava sanfona e em uma entrevista dada ao site da Globo ao ser
questionado sobre quais foram suas maiores inspirações para cantar, ele
responde que foi Luiz Gonzaga. Além de Luiz Gonzaga e os artistas anteriormente
citados, Waldick percorreu uma pluralidade de outros estilos. Luciano Sá (2008)
ao comentar sobre a trajetória de Waldick mostra que esse artista em 1960 trouxe
boleros como “Quem és tu?” e “Só você”, em 1961 lança o tango “Dona do meu
coração”, o merengue “Amor de Vênus” e ainda no mesmo ano, a cantora Nice de
Andrade grava uma guarânia de sua autoria chamada “Quero viver contigo” e
Lourdinha Pereira grava um samba também de sua autoria intitulado “Não
devolvi”.
Sem contar que encontramos uma infinita ramificação no universo da
música brega atual com o tecnobrega, que de acordo com o blog bregapop (2007),
além de ter uma influência da Jovem Guarda, incrementou batidas eletrônicas,
além do calipso, além de ter proliferado inúmeras bandas, cada qual com sua
peculiaridade e com suas referências estéticas. O tecnobrega já possui algumas
ramificações como o Melody, ritmo com influências do tecno só que mais lento,
sem contar o brega dance baseado nas músicas dance dos anos 80; o brega
sarro, um brega feito com humor; o tecnno reggae; o brega hard core que mistura
o surf music, com guitarra distorcida mais contrabaixo de brega.
4
Elencamos Waldick Soriano, por esse artista ser considerado como um nome representativo da música brega
e por estar relacionado em livros que abordam sobre a música brega como o livro “Eu não sou cachorro não!”
de Paulo César de Araújo (2003) e o “Almanaque da música brega” de Antônio Carlos Cabrera (2007), além
de ser um representante da primeira geração denominada brega. Quanto ao tecnobrega, os artistas citados
foram retirados de referências que abordam a música brega como o blog “brega pop”, além de serem artistas
que se reconhecem como seguidores da linha brega, uma vez que o próprio movimento que eles admitem
pertencer se chama tecnobrega, além de serem representantes da geração mais atual denominada brega. Com
isso queremos fazer um comparativo da multiplicidade musical apropriada por um representante da primeira
geração e por representantes da última geração.
5
Observando-se que artistas ditos representantes da música brega como
Waldick Soriano, e os do tecnobrega, apropriaram-se de uma infinidade de
influências musicais, compondo uma rede complexa e múltipla de referências
estéticas; e
depois de termos analisado às mudanças pelas quais foram
apropriadas e re-significadas pela música brega, dificultando-nos definir o que é
de fato a música brega, cabe-nos algumas perguntas: mesmo hoje encontrando
uma infinidade de bandas e artistas que se auto-intitulam como bregas, quais
foram os responsáveis pela denominação dessa música enquanto tal ? Essa
denominação foi mais voltada para um foco estético ou a um foco político
vinculado a uma não aceitação de determinadas universos sociais? Por que
música brega? Por que essa música está associada ao mau gosto? Por que a
música brega na maior parte das vezes não é discutida em produções teóricas
que abordam sobre a música? Por que ela não está incluída no que se
convencionou chamar de “linha evolutiva da música popular brasileira”?
2. Música brega x intelectualidade hegemônica
2.1. Os responsáveis pela nomeação da música brega
Sabendo-se que a música brega transitou e transita em meio a uma
infinidade de universos musicais, por que ela é considerada como música brega e
associada a uma música inferior? Quem são os responsáveis por essa
denominação? Pra quem serve essas características? Por que ela é associada ao
mau gosto? Mau gosto para quem?
Usando uma expressão de Paulo César de Araújo (2003), acreditamos que
é do universo acadêmico, ou seja, da intelectualidade hegemônica5, que saem o
que ele denominou “enquadradores da memória”. Essa intelectualidade ocupando
5
Preferimos utilizar o termo intelectualidade hegemônica por concordarmos com Gruppi (1978) que ao
discutir o conceito de hegemonia em Gramsci, compreende a intelectualidade enquanto representantes que
elaboram a ideologia, sendo os mediadores do consenso que determinam a hegemonia política e cultural. O
significado de hegemonia dado por Gruppi (1978) deriva do latim e significa comandar, ser o senhor,
conduzir, ser líder.
6
espaços na imprensa, na produção musical e no mercado editorial, passa a excluir
das listas canônicas e das histórias oficiais da música popular brasileira a música
brega, afinal, é desse setor da estratificação social que saem os estudiosos,
produtores, pesquisadores e críticos.
De acordo com Souza (2005), foi na década de 60 que surgiu uma
categoria social oriunda dos meios acadêmicos que passou a ter maiores poderes
de nomeação com o Centro de cultura popular (CPC) da (União nacional dos
estudantes) UNE. Segundo Catenacci (2001), o CPC surge em 1961 como
tentativa de responder através da arte, as questões levantadas por aquele
contexto
que
implicavam
em
debates
referentes
ao
nacionalismo,
à
democratização e a valorização do povo.
Souza (2005) observa que nesse período o paradigma do universo
acadêmico era abordado sob o discurso do ideário nacional-popular influenciado
pelo pensamento gramsciniano, e tinha como objetivo, a necessidade de uma
vanguarda intelectualizada que por via da revolução, correspondesse à real
necessidade do povo, que era tido como alienado e sem competência de superar
seus conflitos internos enquanto setor social. Catenacci (2001), observa que esse
movimento esteve diretamente relacionado com a questão da participação
popular. O povo, porém, não tinha segundo eles, consciência dessa sua missão,
de seu papel na sociedade, e cabia aos intelectuais e artistas do CPC despertá-los
para essa consciência.
Segundo Catenacci (2001), pelo fato da arte ser a base, além do
instrumento que sustentava a ação política do CPC, qualquer tipo de arte
desvinculada da militância política, era rejeitada e tida como arte alienada e
alienante. É a partir desse momento que surge com maior clareza os sinais
sociais, políticos-estéticos distintivos entre o que se considerava uma música
importante e uma música que não merecia atenção.
Essa construção distintiva do que seria uma música politicamente
importante ou não, reforçada por essa intelectualidade cepecista, foi sendo cada
vez mais concretizada em tempos posteriores. Em um artigo publicado na Folha
7
de São Paulo, Hermano Vianna (2003) vem mostrar que a origem da
denominação brega surge logo após a jovem guarda dos anos 60. De acordo com
ele, “quando Roberto Carlos quis virar cantor adulto, acompanhado por
orquestras, a jovem guarda migrou para o interior, mas manteve público fiel entre
as camadas mais pobres de nossa população, passando a ser chamada
pejorativamente de brega”.
Gramsci (1985), mesmo que de certa forma compactuasse com uma
perspectiva de centralização dos setores intelectuais oriundos das academias
como os responsáveis pela organização cultural, se preocupou também em buscar
estabelecer um terreno de encontro entre o que ele chamou de trabalho
profissional e universitário, propondo novas relações entre vida e cultura, trabalho
intelectual e trabalho industrial. O que os membros do CPC fizeram foi nada mais,
nada menos que perpetuar a relação da universidade com as práticas populares
da forma como Gramsci havia condenado.
Para melhor visualizar o que estamos querendo dizer, resolvemos
reproduzir um trecho em que Gramsci falava sobre o problema das universidades.
De acordo com esse teórico, “ as academias são o símbolo, ridicularizado
freqüentemente com razão, da separação existente entre alta cultura e a vida,
entre os intelectuais e o povo” (1985, p. 125). Percebe-se que a articulação do
trabalho intelectual com o saber popular, não passou de mera prepotência
partidária, uma vez que tudo que era consumido pelos setores mais populares era
visto como inútil, e na melhor das hipóteses, indiferente.
2.2. A associação da música brega ao mau gosto.
Passemos agora a analisar o porquê da associação da música brega ao
mau gosto. A perspectiva que tende a avaliar a música brega ao mau gosto é
oriunda de um processo de hierarquia classista que tende a beneficiar
determinados grupos em particular. Fontanella esclarece nossa argumentação
8
quando diz que “o imaginário do belo sempre é pensado pelas instituições da
hegemonia dentro de uma legitimação dos grupos dominantes”(2005, p: 42-43).
De acordo com Fontanella (2005), a música brega é considerada pelo
discurso elitizado como exemplo maior da degradação da cultura popular devido à
necessidade que a classe intelectual hegemônica tem de impor papéis culturais
para as diferentes condições culturais de status dentro de uma sociedade. Essa
classe intelectual hegemônica denomina uma estética como “mau gosto” a partir
do instante que essa classe se acha ameaçada e ressentida com qualquer
tentativa de romper com os papéis e valores por ela impostos, ou seja, quando a
estética
“causa
desconforto
e
instabilidade
dentro
do
imaginário
das
representações idealizadas que sustentam a estética hegemônica” ( 2005, p. 107).
Michel de Certeau (1998) observa que o aspecto de uma cultura vista de
forma degradante, diz respeito a uma forma de revanche da elite cultural. A
imposição do que é válido, do que é bom ou não, é resultado da tentativa que a
intelectualidade hegemônica tem em perpetuar seus modelos. Para Certeau
(1998), a posição social privilegiada dos ditos detentores do conhecimento é que
possibilita essa intelectualidade decidir o que é importante e o que é desprezível.
Fontanella (2008) em um artigo intitulado “O fenômeno brega” publicado na
Revista Continente diz que o que está em jogo são hierarquias culturais. Atrás dos
debates do que deve e do que não deve ser considerado, estão interesses com
um papel de traduzir e de legitimar ideologicamente essas hierarquias.
Em seu livro La distinction, Bourdieu (1991) a partir de uma abordagem
sociológica, problematiza o gosto como processo classificador das sociedades
industriais. Para ele, a questão do gosto é responsável pela formação de
diferenças dentro da esfera do consumo. Nesse jogo de critérios referentes ao
gosto, existe uma expressão distintiva de uma posição privilegiada no espaço
social, e o valor distintivo determina expressões a partir de condições diferentes. O
gosto serve para criar mecanismos de junção e separação entre os setores
sociais, uma vez que é produto de condicionamentos associados a uma classe em
particular. Une aqueles que são produtos de condições culturais e sociais
9
semelhantes, e separa aqueles que não repartem dos mesmos valores e idéias
estéticos.
Fontanella (2005) observa que os discursos referentes às perspectivas que
tendem a denunciar a música brega às condenações ligadas ao mau gosto, ao
baixo corporal, dizem respeito ao receio de que os próprios sistemas de cânones
construídos por essa elite intelectual passe a ser colocada em risco. O que mais
amedronta essa elite é que as próprias bandas e os próprios artistas muitas vezes
tendem a ignorar o próprio significado de transgressões de suas músicas. As
transgressões encaradas pela intelectualidade enquanto algo chulo causa
desconforto por trazer novas experiências estéticas, que se não tem uma intenção
clara de contestar a hegemonia, no mínimo a desestabiliza. Os impulsos
populares ferem a sensibilidade da intelectualidade hegemônica
Compartilhamos com Fontanella (2005) quando ao fazer uma análise sobre
a associação do termo brega ao exagero, a falta de critérios na tentativa de
expressar um refinamento em se encontrar dentro dos parâmetros da moda,
observa que o termo se refere justamente quando os indivíduos oriundos de
estratos populares da sociedade tentam se apropriar das práticas de subjetivação
típicas das elites. Para ele, a condenação do brega na verdade está ligada a uma
resistência ao deslocamento de subalternos que tentam sair do lugar que lhes é
definido pela hegemonia do gosto.
Fontanella (2005) nos chama a atenção de que enquanto não houver um
esforço sistemático por parte da academia de aproximação em relação às
sensibilidades estéticas oriundas de setores menos favorecidos que negociam
seus valores culturais, os discursos que a categoria hegemônica organizam vão
ser cada vez mais apropriados para a fundamentação da exclusão social, uma vez
que esses discursos tendem a apagar os condicionamentos que constituem o
gosto do público consumidor da estética da música brega, depreciando as
insistências desse público com suas formas estéticas, interpretando-as como uma
tendência congênita ao “mau gosto”.
10
2.3. Da água pro vinho: a exclusão e a inclusão da música brega
Segundo Paulo César de Araújo (2003), a crítica que classifica e organiza o
discurso sobre aquilo que é legítimo para constar no que se convencionou
denominar de “linha evolutiva da música popular brasileira”, desconsidera a
música brega pelo fato dela não pertencer nem à tradição nem a modernidade.
Em outras palavras, não seria uma música produzida pelo povo, visto que o
gênero é encarado como uma simples adaptação da indústria cultural para
propósitos de venda; nem produzida pelas vanguardas modernas, uma vez que é
concebida como uma música tosca, ingênua e mal-estruturada, ou seja, sem
refinamento estético e experimental. Enfim, a música brega passa a não ser
compreendida como uma musica capaz de assumir um vínculo direto com um
desses dois universos, ou seja, a da originalidade ou da inovação.
Ainda de acordo com o mesmo autor, enquanto a vertente da tradição faz
uma “ defesa intransigente de uma música popular brasileira “autêntica”, “pura”
(2003; p: 339); a vertente da modernidade entende “os compositores modernos
como aqueles que deram um passo à frente” (2003; p:343). Nota-se que “são
exatamente todos estes artistas- os da tradição e os da modernidade- que hoje
formam aquilo que o público qualifica de MPB” (2003; p:343), já “nomes como
Nelson Ned, Agnaldo Timóteo estão muito longe de qualquer coisa do que se
considera tradição ou modernidade” (2003; p: 344).
Verificando que a intelectualidade hegemônica proveniente dos meios
universitários foi a responsável pela articulação entre política e estética na
produção musical e artística em geral, excluindo do universo da MPB, qualquer
música ou manifestação artística que fosse compreendida por eles como inferior e
alienada, surge-nos mais uma outra questão: a música brega não se encontra
entre a tradição e a modernidade por de fato, não compartilhar com nenhum
desses dois universos, ou será que a música brega deixa de ser encarada como
não pertencente a um desses dois universos, isto é, o da originalidade ou o da a
inovação, quando passa a ser apropriada pela intelectualidade hegemônica?
11
Mesmo compartilhando dessa posição de Paulo César de Araújo,
gostaríamos de observar que os artistas que não pertencem nem ao que se
denomina de tradição, nem modernidade, geralmente são artistas que ainda não
são aceitos no cotidiano do acervo musical da classe intelectual hegemônica e
que ainda são consumidos fortemente na maior parte das vezes pelos setores
sociais menos favorecidos. Ao serem apropriados pelo gosto de uma elite cultural,
esses artistas antes relegados a adjetivações pejorativas, passam a ser vistos
como importantes para uma memória social, assim como, reconhecidos por seus
papéis e vistos até mesmo como inovadores.
Um exemplo poderíamos encontrar no samba. Segundo José Roberto Zan
(2001), o samba, alvo de preconceitos de intelectuais e setores da classe média
em décadas anteriores, foi se transformando gradativamente em símbolo nacional.
Depois que o samba foi deixando seus lugares de origens, passando a circular
pelos espaços freqüentados pela classe média carioca, ele foi perdendo sua
denominação de rusticidade e passou por um processo de refinamento e
intelectualização. O que podemos observar nessa análise feita por Zan em relação
ao samba, é que essa estética deixa de ser concebida como uma música
desqualificável, para se tornar considerada como a verdadeira musica popular. A
música brega também não foge à regra.
Carlos Bonfim (2005) observa que canções que foram interpretadas em
vozes de artistas que eram considerados bregas como Márcio Greyk, Lílian,
Reginaldo Rossi, por estarem sendo interpretadas por artistas que não são
considerados bregas como Lenine, Zeca Baleiro, Mundo Livre, Otto, Caetano
Veloso, Adriana Calcanhoto, Chico César, provocam o que ele chamou de revisão
nos estereótipos construídos historicamente.
Um outro exemplo para ilustrar melhor o nosso ponto de vista, é o caso de
Odair José. Esse artista no momento que tinha como consumidor, um público
composto na maior parte das vezes, de pessoas oriundas de setores sociais
menos favorecidos, foi considerado pela crítica da época como um cantor tachado
de inúmeras denominações pejorativas como “Cantor das empregadas”, “Bob
Dylan da Central” dentre outros. Entretanto, mesmo tendo recebido todas essas
12
denominações, bastou que sua biografia e sua obra fossem discutidas com maior
profundidade pelo próprio Paulo César de Araújo em seu livro “Eu não sou
cachorro não”, e seu trabalho fosse relembrado por cantores apreciados pela
intelectualidade hegemônica como Paulo Miklos, Pato Fu, Zeca Baleiro, Mombojó,
Mundo Livre S/A, dentre outros, em um álbum chamado "Vou Tirar Você Desse
Lugar -- Tributo a Odair José”6, que ele passou a ser aceito pelo público dessa
intelectualidade.
Paulo Alexandre Sanches ao perguntar a Odair José se o livro de Paulo
César e o cd que fez um tributo ao seu trabalho, fez com que acabassem os
preconceitos com a sua música, ele assim se posiciona: “o resultado a mim me
agradou muito. Para minha carreira vai ser muito bom, já está sendo. Tanto o livro
do Paulo como esse tributo só vêm a me ajudar. (...) no tributo, Sandro Belo foi
muito feliz. Se houver um trabalho em cima desse disco, pode trazer grandes
resultados. Só vai valorizar meu trabalho. Aliás, já valorizou”. Como comentou
Cléber Eduardo ao falar sobre Odair José antes do cd anteriormente citado em
seu artigo publicado na Revista Época, “ andou em baixa nos anos 80 e ficou
calado nos 90. Volta a ecoar. Aprisionado nas últimas duas décadas na cela
pulverizante do brega, está virando cult”.
Citando novamente trechos de sua entrevista a Paulo Alexandre Sanchez,
encontramos a modificação do público. Odair diz claramente que a sua produção
musical atualmente é voltada para um público de classe média, mesmo admitindo
que seu trabalho nunca se preocupou em pertencer a um público intelectual, nem
em propor construções com complexidades temáticas. Assim comenta Odair José:
“hoje eu percebo que é muito mais fácil para mim cantar para quem está com a
vida estabelecida. Existe uma coisa engraçada: cantar para quem está com a vida
resolvida, para o cara que é classe média. Tenho percebido que tenho cantado
mais para o cara que é o gerente do banco, que tem o comércio dele, que está
com a vida mais resolvida. Sei que a gente canta em lugares ótimos e percebe
que é para pessoas até esclarecidas”.
6
Dados sobre o Tributo a Odair disponível em:
http://musica.uol.com.br/ultnot/reuters/2006/02/14/ult279u5767.jhtm (acessado em 15 de outubro de
2008)
13
Outro exemplo é o caso de Fernando Mendes. O site da Musizcity (2008)
diz que Fernando Mendes por ser adjetivado como um cantor da música brega,
sentiu dificuldades em se adentrar em programas mais sofisticados de TV, porém,
esse artista atualmente é encarado de outra forma, uma vez que teve sua
biografia pesquisada pelo Livro de Paulo César de Araújo, “Eu não sou cachorro
não!”, além de seu hit “Você não me ensinou a te esquecer” ter sido interpretado
por Caetano Veloso. Como ele mesmo disse em uma entrevista à Revista Crítica
(2008) sobre o seu atual reconhecimento, “tudo isso é por causa de um filme,
"Lisbela e o prisioneiro", que felizmente é sucesso, e a música também sucesso
com o Caetano, na trilha sonora”. Ainda na entrevista feita por Jony Clay Borges
na Revista Crítica, Fernando Mendes diz: “Estava fora da mídia. Antes de lançar o
"Ao vivo" eu estava com um disco inédito preparado, mas com a mudança da
política cultural, deixamos para depois que assentasse essa poeira. E a poeira
assentou com esse sucesso do Caetano, as gravadora relançaram muita coisa, os
originais remasterizados”.
Divulgado em seu site oficial (2008), percebemos que o reconhecimento
que esse artista obteve com a gravação da música por Caetano Veloso, fez a
canção ganhar alguns prêmios de suma importância. Em relação ao sucesso da
música encontramos o seguinte: “devido ao grande sucesso, a canção cheia de
romantismo foi prêmio da ABPD (Associação Brasileira de Produtores de Discos)
e Prêmio Villa Lobos como o disco mais vendido! Tema do Filme Lisbela e o
Prisioneiro, a canção foi indicada para Gremmy Latino 2004 e rendeu ainda mais
prestigio e reconhecimento à sua carreira”. Sua posição assumiu tanto prestígio
que Fernando Mendes propôs um projeto de lançar um DVD ao vivo com a
participação de cantores consagrados pela MPB.
São vários os exemplos de artistas denominados de bregas que foram
tratados com descaso e que chegaram inclusive ao ostracismo e que passaram a
assumir um titulo de “cults” tendo o seu trabalho reconhecido e apropriado pela
intelectualidade hegemônica. Waldick Soriano, por exemplo, foi mais um desses
exemplos. Além de também ter tido sua biografia pesquisada no livro “Eu não sou
cachorro não!”, esse artista ganhou um documentário que foi dirigido por Patrícia
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Pillar chamado "Waldick - sempre no meu coração” que estreou no Festival É
Tudo Verdade, além de ter tido um DVD do show ao vivo também dirigido pela
própria Patrícia Pillar e que foi lançado pela Som Livre. Ao ser questionado pelo
site da globo.com, se ele tinha recebido críticas da imprensa pelo seu trabalho,
Waldick respondeu: “demais. Mas foi outro tempo. Hoje a crítica está mais
cuidadosa”.
Mesmo admitindo que atualmente muitos artistas e muitas bandas se
assumam enquanto seguidores da vertente da música brega, acreditamos que o
termo brega, enquanto uma denominação voltada a adjetivações relacionadas à
inferioridade musical, e ao não pertencimento à tradição e à modernidade, só
existe quando os artistas representantes desse universo não são aceitos no
cotidiano do acervo musical da intelectualidade hegemônica. Como bem definiu
José Teles (2008), não é exatamente a música, mas o intérprete que confere o
status de brega ou não.
Considerações finais
Analisamos algumas características da contemporaneidade, observando
sua dinâmica cultural, sua efemeridade, sua volatilidade, sua natureza indefinível e
inconclusa, sua relação com a diversidade cultural, seu convívio com a pluralidade
musical, além de buscarmos mostrar a dificuldade a qual estamos sujeitos ao
buscar conceituar, classificar, ordenar de forma precisa às coisas diante de um
contexto contingencial, imprevisível, como o é o da contemporaneidade. Diante
dessas caracterizações verificadas e discutidas, propomo-nos em discutir o que é
a música brega, fazendo alguns comparativos com algumas tendências estilísticas
que tendem a ser confundidas com a música em questão como a música sertaneja
e o forró eletrônico. Observamos que a música brega se apropriou de diversas
outras tendências musicais, e que por ela ter agregado e acumulado uma rede
extensa de referências musicais ao longo de sua história, provamos o quanto é
difícil se definir de forma acabada o que é música brega.
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Tendo analisado e problematizado a música brega, recorremos a algumas
questões como o porquê da música brega mesmo sendo tão plural, tende
costumeiramente a ser associada ao mau gosto. Para isso, resolvemos ter como
ponto de partida, questões que buscaram compreender quem foram os principais
responsáveis pela classificação e pela nomeação dessa música enquanto tal.
Partimos da sugestão de que a intelectualidade hegemônica é que é a
responsável por essa condição a qual fica relegada a música brega, uma vez que
é desse setor que saem os críticos e pesquisadores.
Averiguamos o momento em que a intelectualidade assumiu um poder de
grande representatividade na sociedade brasileira, chamando atenção de que foi
com essa intelectualidade proveniente dos anos 60 com o CPC da UNE que a arte
se vinculou diretamente à militância política e que foi a partir dessa conjuntura que
começou a haver de forma mais direta a separação entre música consciente e
música ingênua e alienada.
Ao analisar o mau gosto, chamamos atenção do quanto à depreciação dada
pela intelectualidade a uma determinada estética musical, se deve ao fato dessa
mesma intelectualidade se vê ameaçada a se deparar com a desestabilização das
convenções instituídas por ela mesma com a tentativa de manter o seu prestígio
enquanto universo social, ou seja, mostramos que a imposição do que é válido, do
que é bom ou não, é resultado da tentativa que a intelectualidade hegemônica tem
em perpetuar seus modelos.
E no último momento discutimos o porquê da música ser excluída das
produções bibliográficas que estudam a música popular. Nos apropriamos da
perspectiva de Paulo César de Araújo que entende que a música brega é relegada
por não pertencer nem a tradição, nem a modernidade, ou seja, nem a
originalidade, nem a inovação. Porém, mostramos que a música não pertence a
esses dois universos quando ela ainda não é relida, nem agregada ao repertório
da intelectualidade hegemônica. Como mostramos, artistas antes relegados ao
ostracismo, ao escárnio, ou a indiferença, quando passaram a ter seus trabalhos
incluídos no repertório da intelectualidade hegemônica, passaram a ser
concebidos de outra forma, conquistando um reconhecimento.
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