Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (2): 51-70 <http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cognição Submetido em 09/06/2008 | Revisado em 24/07/2008 | Aceito em 25/07/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 31 de julho de 2008 Artigo Científico AVITAE: desenvolvimento de um ambiente de modelagem computacional para o ensino de biologia AVITAE: development of a computational modeling system to biology education André Suppa Thomaz Pereira e Fábio Ferrentini Sampaio Programa de Pós-Graduação em Informática (PPGI), Instituto de Matemática – Núcleo de Computação Eletrônica (IM-NCE), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil Resumo Modelos de vida artificial têm sido utilizados por pesquisadores nas áreas de engenharia, física, biologia e computação gráfica, contribuindo para o avanço do conhecimento humano sobre a natureza e sobre si mesmo. Nessa perspectiva, torna-se necessária uma análise dessa tecnologia no contexto educacional do ensino de Biologia. Visando a utilização pelo professor da modelagem computacional em aula, são analisados diferentes ferramentas de modelagem que utilizam conceitos de vida artificial. Os programas Scratch, Modelab2 e AutCel-RCO, são utilizados para simular um ecossistema, identificando a dependência existente entre os seus componentes bióticos e suas relações alimentares, permitindo a construção de esquemas representativos de cadeias ou teias alimentares. O estudo possibilitou identificar um conjunto de funcionalidades desejáveis para as ferramentas de modelagem computacional no suporte ao ensino de biologia. © Cien. Cogn. 2008; Vol. 13 (2): 51-70. Palavras-chave: modelagem computacional; simulação de sistemas; vida artificial; dinâmica populacional; ciências biológicas; ensino de biologia. Abstract Models of artificial life have been used for researchers in the areas of engineering, physics, biology and computer graphics, contributing for the advance of the human knowledge about the nature. In this perspective, an analysis of this technology in the educational context of the education of Biology becomes necessary. Aiming at the participation of the teacher in the use of computational modeling in classes, different modeling tools that use concepts of artificial life. The programs Scratch, Modelab2 and Autcel-RCO, are used to simulate an ecosystem, identifying the existing dependence between its biological components and its alimentary relations, allowing to the construction of representative projects of food chains. The study made possible to identify a set of desirable functionalities to support the use of computational modeling in biology education. © Cien. Cogn. 2008; Vol. 13 (2): 51-70. Keywords: computational modeling; systems simulation; artificial life; population dynamics; biological sciences; biology education. 51 Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (2): 51-70 <http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cognição Submetido em 09/06/2008 | Revisado em 24/07/2008 | Aceito em 25/07/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 31 de julho de 2008 1. Introdução A história da vida artificial tem início no final da década de 40, quando o matemático e físico John Von Neumann começou a estudar se uma máquina poderia se auto-replicar, produzindo cópias de si mesma. Neumann desejava investigar a lógica necessária para a replicação, e através de seus estudos realizou um trabalho teórico onde projetou sistemas que se autoreproduziam (Neumann, 1966). Os seres projetados nesse trabalho eram autômatos que viveriam em um ambiente especial com peças de reposição permitindo que eles se reproduzissem, gerando um descendente mais complexo. A criatura idealizada por Neumann não passou de um projeto e nunca foi construída, mas toda a arquitetura imaginária projetada para o desenvolvimento e reprodução do mesmo antecipava as características do DNA e os processos de auto-reprodução dos seres vivos, descobertos alguns anos depois com o avanço dos estudos em embriologia e reprodução (Langton, 1989; Pereto, 1998) A idéia de que a vida depende não apenas da transmissão de informações, mas também de um conjunto de características individuais de um organismo, que influenciam seu comportamento em relação a outros indivíduos de uma população, permitindo a troca de informações através de processos reprodutivos estava criada, abrindo espaço para estudos na área de vida artificial. Em 1970, o pesquisador inglês John Conway criou uma das primeiras simulações de vida artificial num computador, conhecida como “o jogo da vida” (Game of Life) que simulava o comportamento de animais unicelurares (Schuler, 2000). O estudo da vida artificial como ciência iniciou na década de 1980 quando o termo “vida artificial” (artificial life ou alife) foi citado pela primeira vez pelo pesquisador Christopher Langton para explicar certos comportamentos dos seres naturais modelados em computador (Junior e Nagel, 2003). Em 1987, Langton organizou o primeiro Simpósio sobre o tema vida artificial no Novo México, abrindo espaço para a divulgação e exploração desse campo de pesquisa para diferentes áreas (Langton, 1989). A Vida Artificial tem por objetivo estudar a vida natural através da recriação de fenômenos biológicos em modelos computacionais ou através de outros meios artificiais. Dessa forma, pode ser vista como uma ciência que recupera as antigas introspecções sobre a realidade, e tem sido escopo de pesquisas acadêmicas em áreas como Física, Matemática, Química e Biologia. Os modelos baseados em vida artificial permitem uma grande variedade de simulações, através da formulação de ambientes variados e da interação entre diferentes organismos com necessidades e hábitos programáveis. Um importante aspecto destes modelos é a busca por algoritmos e técnicas que permitam replicar, com um certo grau de fidedignidade, os processos de reprodução e seleção natural dos seres vivos.Tais algoritmos são mencionados na literatura como algoritmos genéticos (Koza, 1996; Langton, 1989). O emprego da modelagem e simulação em ambientes educacionais, dependendo da proposta pedagógica utilizada pelo professor, pode ser um instrumento de motivação para alunos e professores, trazendo para o debate e reflexões, problemas das mais diversas áreas. Ao expor suas idéias na forma de modelos e testar suas hipóteses a partir da simulação, os alunos têm a chance de rever, comparar e avaliar os conceitos envolvidos no fenômeno estudado, permitindo uma construção e reconstrução do conhecimento (Pedro, 2006). Em última análise, tornar os alunos “alfabetizados em Ciências”, conforme propõe os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, é essencialmente dar-lhes a oportunidade de utilizar recursos que propiciem o pensar de forma crítica sobre os fenômenos e questioná-los (Sampaio, 1998). Nessa perspectiva, este artigo apresenta uma análise de ambientes de modelagem computacional que possibilitam simular um ecossistema e suas relações alimentares, visando 52 Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (2): 51-70 <http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cognição Submetido em 09/06/2008 | Revisado em 24/07/2008 | Aceito em 25/07/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 31 de julho de 2008 conhecer suas potencialidades, no sentido de contribuir para o aperfeiçoamento do Ambiente de Vida Artificial para Ensino-Aprendizagem em Ciências - AVITAE (Sampaio, 2000; Lopes, 2002), desenvolvido pela equipe GINAPE (Grupo de INformática APlicada a Educação) do NCE/UFRJ. 2. Aspectos cognitivos da modelagem em sala de aula Nas mudanças ocorridas na educação brasileira, percebe-se a inserção de idéias construtivistas desde 1970. À época, a LDB propôs às escolas o respeito às “fases de desenvolvimento do aluno”, o que remete aos estádios de desenvolvimento infantil identificados por Piaget (1972). De acorodo com Aebli (1985) em seu livro Didática Psicológica, as tentativas de “aplicar Piaget” à sala de aula se iniciaram por volta de 1950 e tomaram força a partir da década de 1960. Na década de 1990, após a promulgação da LDB em 1996, foram apresentados os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), cuja palavra de ordem é “construir conhecimentos”. Portanto, o Construtivismo é um referencial teórico presente e fundamental para se compreender o ensino no Brasil atualmente. Estudos atuais descrevem um Construtivismo de caráter pedagógico, orientador de práticas escolares, denominado Construtivismo educacional ou pedagógico. De acordo com Massabni (2007), os fundamentos teóricos do Construtivismo Pedagógico são diversificados e confusos, justamente porque partem de uma mistura de teorias: as de Piaget, Vygotsky, Wallon, Ausubel, Gardner, Glasersfeld (especialmente nos estudos em Ensino de Ciências) entre outros, dependendo do autor ou publicação consultada. Por exemplo, os PCN de Ciências Naturais (Brasil, 1998) citam Piaget, Vygostky e, da área de Ensino de Ciências, Osborn. As mudanças sugeridas pelo Construtivismo pedagógico interferem na dinâmica e estrutura escolar: tiram o professor de seu papel tradicional de apresentador de conteúdos, tornando-o um facilitador da aprendizagem; modificam a ação do aluno, a quem cabe elaborar idéias e discutí-las, ao invés de ouvir e repetir; e da escola que passa a ter como principal função levar o aluno a construir conhecimentos. O estudante é valorizado enquanto sujeito da ação educativa, no triângulo aluno-professor-conteúdo (Massabni, 2007). A aquisição de conhecimentos pela interação do sujeito com o meio é a questão central da teoria de Piaget, segundo Huit e Hummel (2003), e a prática da modelagem nas escolas parece poder assumir um papel importante nesse processo, permitindo a construção do conhecimento através do trabalho conjunto entre alunos e professores na elaboração e exploração de modelos relacionados aos assuntos ministrados em aula. O aluno ao criar e testar um modelo, responde aos estímulos apresentados pelo fenômeno estudado, agindo sobre eles de forma cada vez mais elaborada, visando encontrar uma solução para os problemas observados. A disponibilização de ambientes de modelagem e simulação que incorporem técnicas de vida artificial proporcionam a manipulação direta do comportamento dos organismos, criando situações mais realistas, permitindo aos estudantes reverem, compararem e avaliarem os conceitos envolvidos no fenômeno estudado. Neste cenário, as interações entre professor e alunos, ou entre grupos de alunos, fornecem novos argumentos para explicar o mesmo fenômeno, levando os alunos a construir novos significados para si mesmos. Neste sentido, à luz da teoria sobre modelos mentais de Johnson-Laird (1983), a modelagem e simulação abrem a possibilidade dos alunos explorarem e ampliarem seus modelos mentais sobre um determinado assunto estudado. 53 Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (2): 51-70 <http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cognição Submetido em 09/06/2008 | Revisado em 24/07/2008 | Aceito em 25/07/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 31 de julho de 2008 Um modelo mental pode ser visto, então, como um modelo que existe na mente de alguém, utilizado para caracterizar as formas pelas quais as pessoas compreendem os sistemas físicos com os quais interagem. Servem para fazer previsões, localizar falhas e atribuir causalidade aos eventos e fenômenos observados (Borges, 1997). A modelagem computacional e seus aspectos cognitivos encontram um paralelo na dinâmica da metodologia científica descrita por Sampaio (2000), onde a construção do modelo é o momento em que o aluno expressa seu modelo mental, especificando os seres e definindo o cenário que farão parte do seu ambiente de vida artificial; a elaboração de previsões é o momento em que ele elabora as hipóteses e observações que deseja realizar no ambiente de vida artificial, de acordo com as regras existentes em seu mapa conceitual sobre o problema analisado; e a observação experimental é a etapa em que se realiza o processo de simulação do modelo criado, permitindo obter resultados que vão confirmar as hipóteses formuladas ou vão estimular a reconstrução do conhecimento através da formulação de novas regras (reformulação do modelo) para atingir o resultado esperado. Não há respostas simples para a questão de quais são os processos mentais empregados para a compreensão de uma situação nova. No entanto, é comumente aceito que nossa habilidade de falar sobre um fenômeno ou sobre um objeto está intimamente relacionada com a compreensão dele. Ainda de acordo com Johnson-Laird (1983): “Se você conhece as causas de um determinado fenômeno, as suas conseqüências, como influenciá-lo, controlá-lo ou se prevenir contra o mesmo, como ele se relaciona com outros fenômenos, (...), qual a sua estrutura interna, então de uma certa forma, você pode dizer que entende o fenômeno.” (Johnson-Laird, 1983: 2) 3. Modelagem computacional e o ensino de biologia A utilização da modelagem computacional no contexto educacional demanda o delineamento de uma investigação que inclua tanto o desenvolvimento de ferramentas e atividades de modelagem, quanto sua efetiva utilização em sala de aula para que se possa concluir sobre as suas reais possibilidades (Ferracioli, 2000). O desenvolvimento de ferramentas computacionais, que permitam aos professores e estudantes construírem mundos artificiais com diferentes organismos, abre a possibilidade de criarmos ambientes de ensino-aprendizagem propícios à exploração. O emprego de tal ferramental no estudo de temas como a interação entre os seres vivos, abre aos alunos a oportunidade de criarem seres com características específicas, definir formas de interação entre os mesmos (cruzamento, quantidade média da prole, probabilidade de sobrevivência e chegada à vida adulta, etc.) e ao longo do tempo, avaliar a dinâmica populacional, percebendo como as populações interagem e evoluem. Em relação ao estudo de Ciências, os modelos têm um papel fundamental, sendo utilizados pelos cientistas como importantes “ferramentas do pensamento” no auxílio ao desenvolvimento de suas atividades. Permitir aos alunos tornarem-se “alfabetizados em Ciências” é essencialmente dar-lhes a oportunidade de utilização de recursos que propiciem o pensar de forma crítica sobre os fenômenos e questioná-los (Sampaio, 1998). Em situações de ensino-aprendizagem baseadas nessas premissas, o professor deverá assumir o papel de orientador do processo de aprendizagem - um “problematizador” - para ajudar o aluno a apresentar questões relevantes e encontrar soluções. Para tanto, faz-se necessário que o professor incorpore o uso da tecnologia no trabalho escolar com seus alunos, repensando diariamente sua prática pedagógica (Abreu, 2004). 54 Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (2): 51-70 <http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cognição Submetido em 09/06/2008 | Revisado em 24/07/2008 | Aceito em 25/07/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 31 de julho de 2008 Nesta perspectiva, o trabalho que o grupo GINAPE vem desenvolvendo há alguns anos na linha de ambientes de modelagem e simulação para a educação - particularmente aqueles que incorporem técnicas de vida artificial - é norteado pelas seguintes questões gerais de pesquisa: 1 - Os modelos baseados em vida artificial podem enriquecer o processo de ensino/aprendizagem em Biologia? 2 - As simulações auxiliam no aprendizado dos alunos em temas complexos ou de difícil entendimento? 3 - Os cenários criados num ambiente de modelagem computacional são apropriados aos assuntos e temas discutidos/ensinados em sala de aula ? 4 - Como capacitar Professores para adotarem tais ferramentas em sua prática pedagógica? 4. O ambiente de modelagem AVITAE O AVITAE é um ambiente de modelagem computacional que emprega técnicas de vida artificial para criar e simular fenômenos relacionados ao ensino de Biologia. A primeira versão do sistema herdou suas principais funcionalidades dos ambientes KidSim (Smith et al., 1994) e LiveWorld (Travers, 1994). No AVITAE, é dado ao usuário a possibilidade de definir as propriedades físicas dos seres artificialmente criados, bem como a elaboração de pequenos programas que controlarão o comportamento dos indivíduos e a simulação de hipóteses ou fenômenos naturais nos mundos artificiais. Nesta versão, o sistema é composto por três módulos principais. Tais módulos utilizam uma metáfora baseada no dualismo mente-corpo de Descartes (Cobra, 1998; Amaral, 2001; Scopel e Bartilotti, 2006) mapeadas nos conceitos de hardware e software da inteligência artificial e na existência de um viveiro, local onde os seres ganham existência e se desenvolvem ao longo do tempo. O módulo de criação de hardware permite definir as características físicas dos seres/entidades que farão parte do viveiro. Tais características poderiam ser: existência/ausência de visão, existência/ausência de meios de locomoção (pernas/patas), etc. O módulo de programação da consciência ou software permite ao usuário definir como os seres farão uso de suas propriedades básicas. Por exemplo, se um ser tem capacidade de locomoção, através do módulo de programação, o usuário poderá definir como o ser vai se movimentar no viveiro (linha reta, diagonal, aleatório, número de passos em cada unidade de tempo, etc.). Esta programação da consciência é feita através de um subconjunto dos comandos da linguagem LOGO. A primeira versão do sistema AVITAE foi desenvolvida utilizando a linguagem MegaLogo, uma versão Logo desenvolvida para rodar no ambiente Windows. No entanto, tal versão deixou de ser comercializada no Brasil em 2003, sendo substituída pelo IMAGINE de acordo com informações da empresa CNOTINFOR (http://www.cnotinfor.com.br/cnotinfor/ megalogo.htm). Devido às limitações de performance e de funcionalidades para o projeto de interface do ambiente em Megalogo, iniciou-se o desenvolvimento de uma segunda versão, agora na linguagem Delphi desenvolvida pela Borland Software Corporation (http://www. borland.com/). 55 Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (2): 51-70 <http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cognição Submetido em 09/06/2008 | Revisado em 24/07/2008 | Aceito em 25/07/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 31 de julho de 2008 Neste segundo protótipo do sistema, concebeu-se uma criatura denominada AVITAE, sobre a qual o usuário possui total controle, influenciando na sua movimentação, na sua visão e na sua atitude em relação as demais criaturas predefinidas pelo sistema. Foram também elaboradas rotinas de movimentação similares as do protótipo desenvolvido em MegaLogo, além de objetos gerais que definem os padrões de comportamento pré-definidos dos outros sete seres criados. Estes seres - “Bob”, “Borboleta”, “Flor”, “Inseto”, “Manco”, “Rosca” e “Vírus” – se relacionam com a criatura AVITAE no viveiro artificial. Um exemplo desenvolvido na versão em Delphi simula as relações entre predador e presa, explorando os conceitos relativos a superpopulação e evolução de ecossistemas através de um ambiente modelado conforme apresentado na figura 1. Nesse ambiente, a especificação do hardware define/modela um ser artificial (sapo e/ou borboleta), constituído por exemplo de três propriedades básicas: a) locomoção; b) percepção/medição da presença de outros seres no seu meio dentro de um raio de ação (visão); c) tipo do ser percebido (sapo ou borboleta). No módulo de programação da consciência, o aluno desenvolve programas em LOGO, de tal maneira a fazer o sapo perseguir borboletas e estas fugirem dos mesmos, simulando assim o problema predador e presa. O desenvolvimento do ambiente de modelagem AVITAE encontra-se atualmente na fase de análise dos dados coletados em testes com o segundo protótipo em Delphi, com o intuito de desenvolvermos uma nova versão que atenda às necessidades pedagógicas do ensino de biologia com tecnologias, particularmente sobre os temas ecologia e cadeias alimentares. Neste sentido a equipe entendeu a necessidade de estudar de forma mais aprofundada outros ambientes de modelagem disponíveis no Brasil e desenvolvidos em ambientes acadêmicos com objetivos educacionais, os quais poderiam modelar e simular alguns problemas sobre os temas nas áreas aqui definidas. 5. Análise dos ambientes de modelagem scratch, modelab2 e autCel-RCO O uso da modelagem e vida artificial no estudo de tópicos em ecologia é bastante favorável, uma vez que os alunos têm a oportunidade de interferir no comportamento dos seres artificiais, alterando suas características e influenciando diretamente no relacionamento com os demais organismos ou populações da simulação. Nesse contexto, o tema abordado para a criação dos modelos nos três ambientes selecionados foi “A Interação entre os Seres Vivos”, que embora seja ministrado na 1a série do ensino médio, de acordo com a estrutura curricular desenvolvida por Souza e colaboradores (2005), possui ramificações em outros eixos temáticos tanto no ensino básico (fundamental e médio), como no ensino superior. Os atores das simulações (Criatura, Borboleta, e Vírus) foram desenvolvidos com base nas funcionalidades descritas no ambiente de modelagem AVITAE. Os ambientes computacionais Scratch, Modelab2 e AutCel-RCO foram analisados visando encontrar um conjunto de funcionalidades que permitam criar cenários que favoreçam a compreensão dos seguintes assuntos: • Caracterização de um ecossistema, identificando a dependência existente entre os seus componentes bióticos; 56 Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (2): 51-70 <http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cognição Submetido em 09/06/2008 | Revisado em 24/07/2008 | Aceito em 25/07/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 31 de julho de 2008 • • • • Realização de pesquisas sobre diferentes ecossistemas; Identificação das relações alimentares existentes entre os organismos de um ecossistema, interpretando e/ou construindo esquemas representativos de cadeias ou teias alimentares; Compreensão dos fatores que influenciam o comportamento dos seres vivos e as relações entre diferentes populações; Desenvolver noções sobre o papel de cada ser vivo no ecossistema, evidenciando a importância na proteção de espécies em risco de extinção. Figura 1 – Modelagem Predador e Presa no protótipo em Delphi. 5.1. Modelagem no ambiente computacional Scratch O MIT Lab’s Lifelong Kindergarten group, em colaboração com o KIDS research group da UCLA Graduate School of Education & Information Studies, desenvolveu a linguagem de programação Scratch, através da qual as crianças podem elaborar suas próprias histórias interativas, jogos, músicas ou qualquer outro tipo de arte. O Scratch permite que os 57 Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (2): 51-70 <http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cognição Submetido em 09/06/2008 | Revisado em 24/07/2008 | Aceito em 25/07/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 31 de julho de 2008 alunos explorem seus modelos mentais simplesmente arrastando e agrupando blocos gráficos como um quebra-cabeça, sem a preocupação com a sintaxe comum nas tradicionais linguagens de programação. Os modelos construídos podem ser disponibilizados na internet, criando uma conexão com outras pessoas, proporcionando inspiração, auxílio e trabalho em grupo numa comunidade virtual (Schorow, 2007). No estudo deste ambiente, procurou-se implementar a seguinte situação: uma criatura predadora se locomove aleatoriamente pelo cenário à procura de borboletas para se alimentar. A criatura morre ao encontrar um vírus que pode infectá-la. Nesta simulação, foram utilizados os atores apresentados na figura 2 a seguir: Figura 2 – Atores da Simulação no Scratch. Os seguintes eventos foram implementados no ambiente: • • • • • • • • • • Nasce Criatura Predadora; Criatura se move aleatoriamente; Criatura infectada por Vírus morre; Criatura come Borboleta Azul; Criatura come Borboleta Amarela; Criatura come Borboleta Rosa; Borboletas Nascem; Borboletas se movem aleatoriamente; Borboletas Morrem; Vírus se move aleatoriamente. 58 Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (2): 51-70 <http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cognição Submetido em 09/06/2008 | Revisado em 24/07/2008 | Aceito em 25/07/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 31 de julho de 2008 A tabela 1 apresenta as principais regras que foram implementadas no estudo com o Scratch. As regras constituem as condições necessárias para a execução das interações entre os atores da simulação. O passo 1 representa uma condição inicial do ator no cenário, o passo 2 representa uma tomada de decisão do sistema, e o passo 3 demonstra a condição final do ator no cenário. Passo 1 (Condição Inicial) 1.Iniciou simulação 2.Sempre movimenta Criatura 3.Criatura ao lado de Vírus 4.Criatura ao lado de Borboleta Azul 5.Criatura ao lado de Borboleta Amarela 6.Criatura ao lado de Borboleta Rosa 7.Iniciou simulação Passo 2 (Decisão) Muda Criatura Passo 3 (Condição Final) Criatura aparece Muda direção de Criatura Criatura anda 5 passos, se tocar na borda volta e vire 1 grau a direita. Muda Criatura Criatura se torna Criatura Infectada e desaparece Muda direção de Criatura Criatura é atraída pela Borboleta, muda para criatura comendo, espera 2 segundos e volta para criatura predadora Muda direção de Criatura Criatura é atraída pela Borboleta, muda para criatura comendo, espera 2 segundos e volta para criatura predadora Muda direção de Criatura Criatura é atraída pela Borboleta, muda para criatura comendo, espera 2 segundos e volta para criatura predadora Muda Borboleta Borboleta aparece 8.Sempre movimenta Borboleta Muda direção de Borboleta Borboleta anda 50 passos, muda x por 10, muda y por 10, anda 10 passos, vira 15 graus e se tocar na borda volta 9.Borboleta ao lado de Criatura Muda Borboleta Borboleta desaparece, espera 5 segundos e aparece Muda direção de Vírus Vírus anda 1 passo, espera 1 segundo, se tocar na borda volta 10.Sempre Iniciou simulação Tabela 1 – Interpretação das regras definidas no Scratch. Na figura 3 é apresentado o viveiro onde foi realizada a simulação do problema estudado. 59 Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (2): 51-70 <http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cognição Submetido em 09/06/2008 | Revisado em 24/07/2008 | Aceito em 25/07/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 31 de julho de 2008 Figura 3 – Viveiro do ambiente de modelagem Scratch. 5.1.1. Considerações sobre o uso do ambiente computacional Scratch O Scratch permite a criação de modelos bastante ricos, possuindo funcionalidades específicas para a manipulação de imagens, permitindo uma mobilidade muito grande aos atores no cenário. O ambiente também possui blocos de código destinados a interação com o usuário, uma característica mais comum em jogos, mas que abre espaço para um retorno e uma interatividade maior com o aluno, através de perguntas ou ações interativas desejáveis em determinadas situações de ensino. O sistema, através de programação, também permite a manipulação de variáveis, ampliando o número de possibilidades durante a simulação. 5.2. Modelagem no ambiente computacional Modelab2 O Ambiente de Modelagem Computacional Qualitativo Modelab 2D, também conhecido como Laboratório de Modelagem 2D, ou simplesmente Modelab2, foi desenvolvido pelo Laboratório de Tecnologias Interativas Aplicadas à Modelagem Cognitiva – Modelab, da Universidade Federal do Espírito Santo. Esse sistema baseia-se nas regras dos autômatos celulares para implementar suas simulações. O ambiente visa a integração de ambientes computacionais com o aprendizado exploratório em ciências (Ferracioli et al., 2007). O Modelab2 permite a elaboração de atividades exploratórias e expressivas (Bliss e Ogborn, 1989), possibilitando a criação, teste e alteração de modelos qualitativos. O ambiente de desenvolvimento possui vários recursos de modelagem como bibliotecas de imagens e de cenários, além de recursos de pesquisa. (Silva et al., 2006). 60 Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (2): 51-70 <http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cognição Submetido em 09/06/2008 | Revisado em 24/07/2008 | Aceito em 25/07/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 31 de julho de 2008 O Modelab2 é bastante intuitivo com diferentes possibilidades de aplicação em ambientes de ensino. No estudo deste ambiente procurou-se implementar a seguinte situação: uma criatura predadora se locomove aleatoriamente pelo cenário à procura de borboletas para se alimentar. As borboletas possuem uma taxa de reprodução maior do que a criatura para garantir a sobrevivência. A criatura morre ao encontrar um vírus que pode infectá-la. Nesta simulação, foram utilizados os atores apresentados na figura 4 : Figura 4 – Atores da simulação no Modelab2. Os seguintes eventos foram implementados no ambiente: • • • • • • • • • • Criatura se move aleatoriamente; Borboletas se movem aleatoriamente; Vírus se move aleatoriamente; Criatura come borboletas; Criatura se reproduz; Borboletas se reproduzem; Criatura fica infectada por vírus; Criatura infectada morre; Criatura come outra criatura (Canibalismo); Borboletas iguais se atraem. A tabela 2 apresenta as principais regras que foram implementadas no estudo com o Modelab2. 61 Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (2): 51-70 <http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cognição Submetido em 09/06/2008 | Revisado em 24/07/2008 | Aceito em 25/07/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 31 de julho de 2008 Passo 1 (Condição Inicial) Passo 2 (Decisão) Passo 3 (Condição Final) 1. Criatura ao lado de célula vazia Muda posição de Criatura Criatura se aleatoriamente 2. Criatura ao lado de Vírus Muda Criatura Criatura se torna Criatura Infectada Muda célula vazia Célula vazia acima, abaixo, à esquerda ou à direita se torna Criatura Muda Borboleta Borboleta se torna célula vazia 5. Criatura ao lado de Criatura Muda Criatura Criatura se torna célula vazia 6. Borboleta Borboleta de Muda direção de Borboleta Borboleta atrai Borboleta 7. Borboleta ao lado de célula vazia Muda posição de Borboleta Borboleta se move para uma de suas extremidades na diagonal 8. Borboleta Azul ao lado de célula vazia à esquerda Muda célula vazia Célula vazia se Borboleta Azul 9. Borboleta Amarela ao lado de célula vazia à direita Muda célula vazia Célula vazia se torna Borboleta Amarela 10. Borboleta Rosa abaixo de célula vazia Muda célula vazia Célula vazia se Borboleta Rosa 11. Vírus ao lado de célula vazia Muda posição de Vírus 12. Criatura Infectada ao lado de Vírus Muda Criatura Infectada Criatura Infectada torna célula vazia se 13. Criatura Infectada ao lado de célula vazia Muda Criatura Infectada Criatura Infectada torna célula vazia se 3. Criatura ao lado de célula vazia 4. Criatura Borboleta ao ao lado lado de move torna torna Vírus se move para cima, para baixo, para esquerda ou para direita Tabela 2 – Interpretação das regras definidas no Modelab2. As figuras 5 e 6 apresentam dois momentos da simulação no modelo criado. 62 Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (2): 51-70 <http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cognição Submetido em 09/06/2008 | Revisado em 24/07/2008 | Aceito em 25/07/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 31 de julho de 2008 Figura 5 – Viveiro do Modelab2 com 0 dias. Figura 6 – Viveiro do Modelab2 com 76 dias. 63 Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (2): 51-70 <http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cognição Submetido em 09/06/2008 | Revisado em 24/07/2008 | Aceito em 25/07/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 31 de julho de 2008 5.2.1. Considerações sobre o uso do ambiente computacional Modelab2 O Modelab2 deve ser utilizado quando o professor necessitar de um ambiente mais completo, permitindo a elaboração de regras de relacionamento um pouco mais sofisticadas, em um ambiente de modelagem um pouco mais rico em detalhes. Os seres podem ser definidos através de imagens prontas, ou podem ser alterados através do módulo de edição de elementos. Nesse ambiente, é possível o controle total da movimentação dos seres, definindose, entre outras características, a direção no seu deslocamento. 5.3. Modelagem no ambiente computacional AUTCEL-RCO O AUTCEL-RCO, acrônimo de Autômato Celular para Raciocínio Com Objetos, é um ambiente de modelagem computacional qualitativa projetado para que crianças possam montar e explorar mundos virtuais. Assim como o Modelab2, o ambiente utiliza o conceito de autômatos celulares para implementar as suas simulações (Araujo , 2000). No estudo desenvolvido, procurou-se implementar a seguinte situação: uma criatura verde se multiplica a uma determinada taxa pelo cenário. A criatura verde se alimenta sempre que encontrar as borboletas azul, amarela ou rosa. Uma criatura verde se alimenta de outra criatura verde em uma pequena proporção. O vírus surge após um determinado período de tempo e morre após um período curto de vida. O vírus mata a criatura verde de acordo com uma pequena proporção estabelecida. As borboletas nascem de acordo com uma porcentagem estabelecida sempre que existirem duas ou mais borboletas iguais na vizinhança. Neste ambiente de modelagem, os atores foram definidos conforme a figura 7 : Figura 7 – Atores da simulação no AUTCEL-RCO. Os seguintes eventos foram implementados no ambiente: • • • • Nasce Borboleta Amarela; Nasce Borboleta Azul; Nasce Borboleta Rosa; Nasce Vírus; 64 Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (2): 51-70 <http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cognição Submetido em 09/06/2008 | Revisado em 24/07/2008 | Aceito em 25/07/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 31 de julho de 2008 • • • • • • • Nasce Criatura; Morre Vírus; Vírus come Criatura; Criatura come Criatura; Criatura come Borboleta Amarela; Criatura come Borboleta Azul; Criatura come Borboleta Rosa. A tabela 3 apresenta as principais regras que foram implementadas no estudo com o AUTCEL-RCO. Passo 1 (Condição Inicial) Passo 2 (Decisão) Passo 3 (Condição Final) 1.Borboleta Amarela ao lado de 2 ou mais B. Amarelas Muda sem ator mais próximo Sem ator se torna B. Amarela em 2% dos casos 2. Borboleta Azul ao lado de 2 ou mais B. Azuis Muda sem ator mais próximo Sem ator se torna B. Azul em 2% dos casos 3. Borboleta Rosa ao lado de 2 ou mais B. Rosas Muda sem ator mais próximo Sem ator se torna B. Rosa em 2% dos casos Muda sem ator 1% do total de Sem ator se torna Vírus Muda sem ator mais próximo Sem ator se torna Criatura em 1% dos casos 4. Tempo >= 50 ciclos 5. Criatura ao lado de 2 ou mais Criaturas 6. Tempo >= 51 ciclos Muda Vírus Vírus se torna sem ator 7. Vírus ao lado de Criatura Muda Criatura Criatura se torna sem ator em 13% dos casos 8. Criatura ao lado de Criatura Muda Criatura Criatura se torna sem ator em 10% dos casos Muda B. Amarela B. Amarela se torna sem ator 9. Criatura ao Borboleta Amarela lado de 10. Criatura ao Borboleta Azul lado de 11. Criatura ao Borboleta Rosa lado de Muda B.Azul B. Azul se torna sem ator Muda B. Rosa B. Rosa se torna sem ator Tabela 3 – Interpretação das regras definidas no AUTCEL-RCO. Nas figuras 8 e 9 são apresentados dois momentos da simulação do problema estudado. 65 Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (2): 51-70 <http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cognição Submetido em 09/06/2008 | Revisado em 24/07/2008 | Aceito em 25/07/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 31 de julho de 2008 Figura 8 – Viveiro do Autcel-RCO no tempo 0. Figura 9 – Viveiro do Autcel-RCO no tempo 2037. 66 Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (2): 51-70 <http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cognição Submetido em 09/06/2008 | Revisado em 24/07/2008 | Aceito em 25/07/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 31 de julho de 2008 5.3.1. Considerações sobre o uso do ambiente computacional Autcel-RCO O AutCel-RCO pode ser utilizado na criação de modelos que necessitem de regras temporais e relacionais simples, onde o usuário não necessita de um controle mais elaborado sobre a locomoção dos organismos. Na versão analisada, não foi possível realizar nenhum tipo de manipulação na imagem dos organismos. 6. Conclusões e trabalhos futuros Neste trabalho, buscou-se aprofundar o conhecimento sobre ambientes de modelagem computacional que permitam utilizar conceitos de vida artificial na criação de modelos destinados ao ensino de biologia, particularmente nos tópicos sobre ecologia e interação entre seres vivos. Esta análise permitiu identificar um conjunto de funcionalidades desejáveis para um ambiente de modelagem destinado ao estudo de tópicos em Biologia, sendo uma etapa importante na continuação do processo de desenvolvimento do ambiente AVITAE, originalmente idealizado pelo grupo GINAPE. Os três ambientes de modelagem analisados se mostraram favoráveis na construção de modelos que auxiliem na compreensão dos tópicos ministrados nas ciências biológicas. A utilização específica de cada um deverá ser feita de acordo com o tipo de modelagem que se deseja realizar e os objetivos que se espera alcançar, visto que os mesmos possuem características e funcionalidades próprias, que podem ser exploradas de diferentes maneiras, limitando-se apenas à criatividade de cada usuário. Nenhum dos sistemas analisados permitiu a simulação de reprodução e, conseqüentemente, a criação de regras que permitissem a transmissão de caracteres hereditários entre os organismos - característica básica de ambientes de vida artificial. Nesses ambientes, cada novo indivíduo gerado se dava através do relacionamento entre dois outros (indivíduos pais), desde que um dos genitores “morresse”, cedendo espaço em sua célula para o filho gerado. Um ambiente computacional que atenda as necessidades de simulação dos problemas das ciências biológicas, particularmente no contexto da ecologia e da interação entre os seres vivos, necessita de um conjunto de funcionalidades e inovações tais como: a) maior variedade de “atributos físicos” e “comportamentos” passíveis de serem acoplados aos seres existentes no ambiente; b) inclusão de características de hereditariedade, mutação e reprodução através de, por exemplo, algoritmos genéticos associados aos seres disponíveis no viveiro; c) desenvolvimento de cenários com diferentes características, tais como: tipo de terreno, luminosidade e temperatura do ambiente; d) implementação de parâmetros e configurações dos seres artificiais em diferentes níveis (desde a simples seleção de parâmetros até a programação em linguagem script), a fim de permitir que diferentes usuários com diferentes graus de conhecimento possam utilizar o ambiente; e) apresentação dos resultados da simulação em forma gráfica e também em tabelas, podendo ser exportados para outros softwares (editores de texto, páginas da internet e planilhas de dados). Os modelos apresentados nesse trabalho podem ser utilizados como complemento ao aprendizado em temas similares à interação entre os seres vivos, tanto do nível fundamental como no ensino médio à saber: 67 Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (2): 51-70 <http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cognição Submetido em 09/06/2008 | Revisado em 24/07/2008 | Aceito em 25/07/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 31 de julho de 2008 a) “A vida na Terra: os seres vivos e o ambiente”, estudado na 6ª série do ensino fundamental; b) no estudo do fluxo de energia nos seres vivos, e no estudo das pirâmides de energia, na 8a série do ensino fundamental; c) no tópico que trata da vida e sua organização, assim como na interação entre os seres vivos ministrados aos alunos da 1a série do ensino médio; d) no estudo da diversidade da vida, na 2a série do ensino médio. O tema “a genética e a manipulação gênica”, da 3a série do ensino médio, abre espaço para a modelagem e simulação num ambiente computacional que utilize técnicas de vida artificial e que permita a reprodução e a troca de informações entre os organismos. O sistema AVITAE, através de seus dois protótipos, e as reflexões realizadas a partir dos estudos aqui apresentados, servirão como ponto de partida para a elaboração de um novo ambiente computacional direcionado ao ensino de Biologia. O programa permitirá aos usuários definir as propriedades físicas dos seres artificialmente criados, a elaboração de scripts que controlarão o comportamento dos indivíduos, a definição de condições específicas para a reprodução e a troca de caracteres binários e a simulação de hipóteses ou fenômenos naturais nos mundos artificiais. As melhorias pensadas para a nova versão do sistema AVITAE, principalmente a partir da análise dos sistemas aqui documentados, vão possibilitar a simulação de uma grande variedade de problemas nas áreas das ciências biológicas e ciências sociais, permitindo a criação de modelos baseados em sistemas complexos onde o comportamento dos indivíduos no viveiro é definido pelas condições ou regras iniciais, e os resultados apresentados durante a simulação são inesperados e difíceis de prever. O programa Imagine distribuído pela empresa CNOTINFOR Brasil, está sendo utilizado como a plataforma de desenvolvimento para a implementação da nova versão do sistema AVITAE. O Imagine foi escolhido por ser o substituto natural do programa MegaLogo - que reuniu no Brasil mais de 200.000 usuários dentre eles alunos e professores da educação tecnológica. O Imagine incorpora várias funcionalidades de desenvolvimento inexistentes no ambiente MegaLogo, além de ferramentas para tratar multimídia e acesso à Internet. Desta forma, acreditamos que a disponibilização gratuita de um ambiente de modelagem computacional que permita investigar assuntos tratados nas ciências biológicas a partir de propostas pedagógicas que privilegiem a exploração venha a ser uma valiosa ferramenta no processo de ensino-aprendizagem, contribuindo para a melhoria da qualidade da educação no nosso país. 7. Referências bibliográficas Abreu, S. (2004). Construa e Aprenda com Imagine. Paraná: Expoente / CNOTINFOR. Aebli, H. (1985). Didática Psicológica - Aplicação à Didática da Psicologia de Jean Piaget . Brasil: Companhia Ed. Nacional. Amaral, F. (2001). Causação Mental: Onde Estivemos e Onde Estamos. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 17 (3). 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