Escritura Cuneiforme

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As Origens da Escrita: O Cuneiforme
Anísio Candido Pereira Filho
Mestrando em Arqueologia Clássica/Médio Oriente/MAE/Usp
Introdução
“Cuneirforme” é o termo que se aplica aos sinais que têm a forma de
“cunhos” (latim cuneus). Estes sinais foram gravados na sua maioria em tabletes
de argila mas também aparecem em inscrições feitas sobre metais, pedras,
estelas e outros materiais. Trata-se da escrita inventada na Mesopotâmia, região
que foi constituída, no seu apogeu, ao Norte pela Assíria e ao sul pela Babilônia.
Atualmente o Iraque.
A escrita cuneiforme, originária do sul da Mesopotâmia, parece ter sido
inventada pelos Sumérios. Posteriormente foi adaptada para escrever o acádio,
língua da qual derivam o assírio e o babilônico. Os textos mais antigos têm
5.000 anos e os mais modernos provém do século I d.C. Os Babilônios e os
Assírios pertencem ao grupo semítico, mas contêm importantes elementos
estranhos, representados principalmente pelos chamados Asiânicos. Estes
parecem ter sido, se não os nativos, pelo menos os primeiros que conhecemos
na Ásia Anterior e formam um grupo caracterizado pelo seu idioma, religião, e
pelo seu tipo físico.Os Asiânicos diferem, portanto, dos Semitas e dos Indoeuropeus. A mais antiga espécie desse grupo é constituído pelos Sumérios, que
podemos considerar como o elemento civilizador da Mesopotâmia.
Os Sumérios organizavam-se politicamente em cidades-Estados como Ur,
Nipur e Lagash. Cidade-Estado é a comunidade urbana soberana, ou seja, uma
unidade política com características de Estado soberano. Cada uma dessas
cidades era independente e governada por um patesi, que exercia as funções de
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primeiro-sacerdote do deus local, governador, chefe militar e supervisor das
obras hidráulicas. Depois de longo tempo de autonomia, as cidades sumérias se
enfraqueceram, devido às lutas pela hegemonia política. O enfraquecimento
possibilitou as invasões de vários povos semitas.
Nascimento da escrita
Quando a história começa na mesopotâmia, Semitas e Sumérios estão,
desde há muito, misturados. Os Semitas assimilaram os elementos da
civilização mesopotâmica e adaptaram-se ao seu próprio talento. Entre os
Acádios manteve-se sempre o respeito pela civilização primitiva; tanto assim que
se limitaram a aperfeiçoar ligeiramente os elementos adotados dos Sumérios.
As línguas faladas na Mesopotâmia do Norte, o assírio, o do sul, o
babilônio, são dialetos derivados do acádio. Não há entre elas senão mínimas
diferenças
de
gramática
e
vocabulário.
As
mais
sensíveis
residiam,
provavelmente, na pronúncia.
Na época Neo-babilônica o acádio era uma língua em via de
desaparecimento, suplantada pela dos Arameus que,além de ser mais maleável
que o acádio, possui também a diferença de ser escrita em caracteres
alfabéticos em lugar dos cuneiformes.
Desde este momento, temos simultaneamente, duas línguas: uma
simples, o arameu, a mais comum e a mais corrente, mas da qual restam
poucos vestígios porque era escrita com tinta sobre materiais destrutíveis, que
foram desaparecendo; a outra, a assiro-babilônica, tradicional, reservada para
atos oficiais, e escrita sobre placas de argila que, se bem cozidas, são quase
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indestrutíveis. O acádio escrito em cuneiformes, mantém desde então o lugar
que teve o latim no Ocidente da Idade Média, suplantado vitoriosamente pelo
arameu como linguagem corrente, tal como ele mesmo substituíra o sumério.
A escrita suméria mais antiga (adaptada pelos Semitas) é pictográfica e
ideográfica, isto é: os sinais representam um objeto ou uma idéia.
A questão da escrita é um dos aspectos mais interessantes das
atividades dos habitantes da Mesopotâmia. É um dos povos que deixaram maior
quantidade de documentos escritos. A escrita desempenhou um papel
importante na sua vida quotidiana, porém, em razão da sua complexidade, a
escrita foi privilegio de poucas pessoas, da classe que tinha a responsabilidade
de guardar e transmitir o saber, a classe dos escribas que estava na realidade
ligada à dos sacerdotes. Os escribas pertenciam a todas as classes da
sociedade, mas filhos e parentes de governadores de cidades, ou príncipes,
foram escribas, o que prova a posição de destaque da profissão. Havia os
escribas dos templos, dos negócios, dos exércitos, os escribas médicos e os
escribas sacerdotes. No período neo-babilônico, o escriba que ostenta o nome
de dubshar, isto é, aquele que escreve em tabletes, recebe nos contratos o
nome de shangu, isto é, sacerdote em geral, consagrando-se assim a relação
estreita que existe entre os documentos oficiais e os templos.
Os tabletes eram achatados, mas de forma lenticular. Perto dos bancos
onde os escribas trabalhavam (ou estudavam) havia pequenos recipientes que
continham a matéria necessária aos trabalhos de argila selecionada, com a qual
se moldavam tabletes de um formato apropriado ao uso para o qual se
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destinavam.
Na
época
sargónida
e
neo-babilônica,
os
contratos
são
retangulares, mais largos que altos. As cartas de correspondência, pelo
contrário, são mais altas que largas, um pouco arredondada nos lados. Os
tabletes dos templos eram de um tamanho superior.
Quando o tablete de argila estava fresco, o escriba, com um estilete cuja
ponta estava talhada em bico de flauta (a maior parte das vezes um simples
fragmento de cana), imprimia os sinais sem os traçar, apoiando a extremidade
do seu estilete, numa posição quase horizontal, crivando, assim, a argila de
pequenos cunhos, de cauda mais ou menos curta, segundo a inclinação do
estilete. Esta é a razão, como já foi mencionado, pela qual se dá à escrita, cujos
traços são em forma de cunhos, o nome de cuneiformes.
Depois disto, deixava-se secar o tablete, mas ele desagregava-se
facilmente. Assim, quando se desejava que ele fosse conservado por um longo
período, era cozido no forno, onde se tornava uma espécie de tijolo indestrutível,
apesar dos anos e da umidade; apenas o esmagamento poderia dar fim a ele.
A escrita cuneiforme é, portanto, um agrupamento de hastes em forma de
pregos ou cunhos e de ângulos. É, com certeza, a escrita que mais se expandiu
no mundo antigo: desde o centro da Ásia Menor até a Pérsia.
Evolução
Durante, pelo menos mil anos, a civilização da Mesopotâmia não teve
escrita, isto foi no período Obeid, que dura até o ano 3400 AC, onde não se
conhecia uso do metal.
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A escrita aparece na civilização Warka (antiga Uruk), que se situa de
3400 a 3200 A.C, ao mesmo tempo que o uso do selos e dos metais. No início, a
escrita serve apenas ao registro de contabilidade e indica ao lado de objetos
desenhados, de maneira simplificada, traços que registram quantidade. Esta
escrita é pictográfica.
Alguns objetos se reconhecem bem, outros não. Para este período, para
um total de seiscentos e vinte tabletes encontram-se oitocentos e noventa e um
sinais diferentes. No período Jemdet-Nasr que termina por volta de três mil a.C e
se distingue apenas pela aparição de uma cerâmica nova, não há
enriquecimento do sinais, que ficam em torno de quatrocentos e trinta e sete.
Segue-se a época arcaica e de Tello, onde os escribas reduzem ainda
mais os sinais e mais tarde chega-se a cerca de trezentos sinais que serão
suficientes para a leitura de um texto corrente.
Não se conhece o início do silabário mesopotâmico. Mas, sabe-se que
cada sinal tinha o seu nome, que podia ser, por exemplo, um de seus
significados. Assim, o sinal "mu" compõe-se de um cunho horizontal terminado
por uma ramificação de quatro pequenas hastes em ângulo. O sinal "zer" tem a
mesma forma, mas a ramificação tem apenas três hastes. O seu nome era
também: "o mu que não está terminado". Desde o início um sinal representava
uma coisa, mas era difícil representar os verbos, os adjetivos e as declinações.
Suponhamos o início da escrita como a representação de objetos. A um cavalo
desenhado lê-se cavalo. Pode-se compreender deste sinal a idéia de rapidez,
movimento, viagem. Porém tudo isto não se lê à primeira vista. A escrita assim
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compreendida é um vocabulário de expressões e idéias. É pictográfica. Os
escribas pensaram dar a cada sinal o significado da primeira silaba que este
representava. Neste exemplo, o cavalo representaria a sílaba "ca", mas outros
sinais seriam, do mesmo modo, equivalentes a "ca", como: camisa, carro,
palavras começadas pela mesma sílaba. É a escrita silábica.
Nesta fase de transformação, uma imagem e um sinal poderiam ter
diversos significados, assim como um mesmo significado poderia ser
representado por diversos sinais. Faltava portanto um passo para tudo: a
decomposição da sílaba em letras.
Os mesopotâmicos limitam-se a separar as vogais, de forma que, na sua
escrita, os mesmos sinais podiam representar objetos, idéias, sílabas, e até
letras, empregando-se muitas vezes duplamente o significado de outros sinais.
O escriba compreendeu que para desenhar um objeto com um estilete
numa placa de argila fresca, o desenho saia imperfeito. Nas curvas o traço era
acompanhado de rebarbas que prejudicavam a nitidez. Compreendeu então que
era preciso carregar na argila e imprimir o sinal. A escrita tornou-se linear e
pouco a pouco cuneiforme. No começo esta era traçada de cima para baixo, em
colunas paralelas da direita para a esquerda. Ao escrever, rodava-se o tablete
um quarto de volta para a esquerda, imprimindo-se os pictogramas deitados.
Pouco a pouco começaram a ler-se da forma como se traçavam, em linhas
horizontais colocados de cima para baixo, da esquerda para a direita. É por isso
que a língua acádia e etíope são as únicas línguas semíticas que se escreviam
como a nossa, da esquerda para a direita.
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No decorrer do tempo, a escrita quando já era cuneiforme, sofreu
transformações importantes. Os escribas assírios transformaram a escrita de
modo diferente dos babilônicos. A escrita assíria tende a alongar os sinais e
multiplicar as horizontais. A babilônica conserva como componentes os sinais
em forma de hastes quebradas em ângulo.
Os sinais da escrita suméria valiam tanto para palavras como para sílabas
destas palavras, mas, por não ser a mesma língua, as palavras e as sílabas não
eram lidas da mesma maneira. Retomando o exemplo da nossa escrita atual,
supondo-se que ela fosse pictográfica: vendo o desenho de um cavalo, leríamos
‘cavalo’ em nossa língua, e se nossa escrita fosse adotada para o inglês, o
desenho do cavalo seria lido ‘horse’.
Da mesma maneira que a civilização mesopotâmica se impôs aos povos
da Ásia ocidental, sua escrita também foi adotada pelos povos vizinhos como os
Hititas e os Mitami. O Elam aceitou o princípio básico, mas forjou a sua escrita
com grandes variantes. A Fenícia do Norte e a Pérsia Aquemênida, tiveram
também a escrita cuneiforme, mas estabelecida por princípios distintos. Esta
transformação conta para a história do alfabeto.
Deciframento do Cuneiforme
O Assírio foi decifrado no século XIX, vinte a trinta anos depois,
suspeitou-se que essa escrita era o resultado da deformação de uma escrita
semelhante ao egípcio e ao chinês que representava os objetos.
Apenas no século XX exumaram-se documentos que esclareciam a
gênese da escrita Assíria. Decifrar a escrita foi uma tarefa árdua e o método da
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época consistia em reproduzir o texto desconhecido numa língua conhecida já
decifrada. Exemplo disso foi a decifração do egípcio graças a uma réplica grega.
Na estrada que liga Kirmanishah a Hamadam foi achada uma inscrição
com a descrição feita por Dário da reconquista de seu reino aos usurpadores e
súditos revoltados. A inscrição continha alguns sinais bem complicados e outros
simples, que reapareciam com freqüência. Tentou-se usar o persa, já decifrado,
como segunda língua, pois havia sinais com imagem aproximada. Após muitas
tentativas descobriu-se que o texto estava em persa antigo, e esta inscrição foi
então decifrada.
Em 1862, F. Spiegel apresentou uma gramática com textos, traduções e
glossários desta língua recém descoberta, permitindo que se tivesse condição
de aplicar uma inscrição conhecida para decifrar uma desconhecida.
Os estudiosos da língua assíria tinham que dominar outras línguas
semíticas tais como o Hebreu e o Árabe para encontrar no vocabulário delas
uma raiz verbal que lhes permitisse decifrar novas inscrições.
Era indispensável se conhecer a fundo a língua e o povo que a tinha
falado para penetrar na civilização mesopotâmica. Decifrar a língua dos
sumérios foi fundamental para o estudo da língua dos Acádios que, após
aniquilar os sumérios, conservaram sua religião, leis, princípios artísticos, escrita
e a própria língua suméria, que se tornou uma língua sagrada, do mesmo modo
que nós conservamos o latim.
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Bibliografia
CAPLICE, Richard. Introduction to Akkadian, Rome: Biblical Institute
Press, 1988.
HOOKER, J.T. (eds.) Lendo o Passado – Do Cuneiforme ao Alfabeto. A
História da Escrita Antiga, Brasil: Melhoramentos, Co-edição Edusp, 1996.
BOTTÉRO, Jean. La Mésopotamie (il État Une Fois la Mésopotamie).
Paris: Ed. Gallimard (Découvertes/191), 1993.
KRAMER, Samuel Noah. La História empieza en Sumer, Barcelona: Ed.
Orbis, 1985.
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