UNIVERSIDADE DE RIBEIRÃO PRETO UNAERP LICENCIATURA EM MÚSICA Marivone Lobo Pereira ESCOLAS DE MÚSICA E A MÍDIA: A influência da Indústria da Cultura nas escolas especializadas de música de Ribeirão Preto RIBEIRÃO PRETO 2011 Marivone Lobo Pereira ESCOLAS DE MÚSICA E A MÍDIA: A influência da Indústria da Cultura nas escolas especializadas de música de Ribeirão Preto Artigo apresentado à Universidade de Ribeirão Preto - UNAERP, como requisito para a obtenção do título de Licenciado em Música. Orientador: Prof. Ms. Lucas Eduardo da Silva (Galon) RIBEIRÃO PRETO 2011 Ficha catalográfica preparada pelo Centro de Processamento Técnico da Biblioteca Central da UNAERP - Universidade de Ribeirão Preto - P436e Pereira, Marivone Lobo, 1975 -. Escolas de música e a mídia: a influência da indústria da cultura nas escolas especializadas de música de Ribeirão Preto / Marivone Lobo Pereira. - - Ribeirão Preto, 2011. 23 f.: il. Orientador: Prof. Ms. Lucas Eduardo da Silva Galon. Monografia (graduação) - Universidade de Ribeirão Preto, UNAERP, Licenciatura plena em música. Ribeirão Preto, 2011. 1. Música. 2. Educação musical. 3. Escolas de música. 4. Indústria da cultura I. Título. CDD: 780 Dedico este trabalho a todos os educadores musicais que acreditam que ainda é possível. AGRADECIMENTOS Ao meu marido, Sérgio, por ser apoio e esteio durante a realização desse trabalho; Ao professor e orientador Lucas Eduardo da Silva pela paciência e dedicação em sua orientação; Aos colegas e educadores do curso de Licenciatura Plena em Música, que entraram na minha história e contribuíram imensamente para o meu crescimento pessoal e profissional; RIBEIRÃO PRETO 2011 Sumário Introdução...........................................................................................................9 1. A influência da Indústria da Cultura na sociedade contemporânea .............12 2. A educação musical como possibilidade de superação................................16 3. O impacto midiático na educação musical em Ribeirão Preto..................................................................................................................18 3.1 Perfis das escolas livres de música pesquisadas.......................................18 3.2 Perfis dos conservatórios de música pesquisados.....................................18 Conclusão.........................................................................................................21 Referências.......................................................................................................22 RIBEIRÃO PRETO 2011 Resumo Com o objetivo de analisar a influência da mídia na escolha do repertório ensinado nas escolas especializadas de música de Ribeirão Preto, visamos nesse artigo levantar questões concernentes ao impacto midiático na educação musical da cidade através de pesquisa do repertório executado nas apresentações musicais de parte destas escolas, revelando assim, elementos pouco discutidos nesse modelo de ensino. Os resultados apontam a realidade dessa problemática, para a qual sugerimos a própria educação musical como possibilidade de superação. Palavras chave: música, educação musical, escolas de música, Indústria da Cultura Abstract In order to analyze the influence of media on the choice of repertoire taught in specialized schools of music of Ribeirão Preto, in this article we aim to raise issues concerning the media impact on music education of the city through research performed in the musical repertoire of some of these schools, thus revealing, some elements discussed in this teaching model. The results show the reality of this problem, for which we suggest their own musical education as a possibility to overcome. Keywords: music, music education, music schools, cultural industries. 9 Introdução A educação musical pode ser um meio de atrair a atenção de crianças, jovens e adultos para a arte, bem como para o contexto histórico onde estão inseridos, no intuito de promover um ambiente de aprendizado e de convívio com o outro. A partir da música é possível desenvolver-se também nos âmbitos físicos, intelectuais/cognitivos e emocionais. Uma melodia é uma poderosa forma de se expressar. Através dela memorizam-se conteúdos complexos, expõe-se o íntimo de forma poderosa, seja cantando o amor, a paz, a natureza, re-ligando com o divino ou criticando problemas sociais e denunciando preconceitos e injustiças. É uma forma de comunicação que ultrapassa fronteiras de países, línguas e alcança as mais variadas culturas. A música pode, portanto, servir a diversos interesses e objetivos. Há tempos, a educação (nas suas muitas formas) foi tragada pelo sistema capitalista que incentiva o consumismo, sendo as escolas especializadas de música, e aqui mais especificamente, as escolas livres e conservatórios (cursos técnicos reconhecidos pelo MEC – Ministério da Cultura), meios de obtenção de capital por parte de seus proprietários, que freqüentemente se submetem à produção imposta pela indústria musical, seja ela de cunho religioso ou não, cujo objetivo final é, geralmente e em grande parte, o lucro. Como parte da cadeia de profissionais que atuam na área educacional musical, nos preocupou a forma como a música tem sido tratada por quem deveria muito prezar pela sua qualidade e objetivos, ou seja, os profissionais ligados à educação musical. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais1, na área arte – capítulo música -, o educador musical deve promover em sala de aula habilidades e competências, valorizando em especial: [...] as diversas culturas musicais, especialmente as brasileiras, estabelecendo relações entre a música produzida na escola, as veiculadas pelas mídias e as que são produzidas individualmente e/ou por grupos musicais da localidade e região; bem como procurar a participação em eventos musicais de cultura popular, shows, 1 Daqui em diante utilizaremos para o termo “Parâmetros Curriculares Nacionais”, a sigla “PCNs”. 10 concertos, festivais, apresentações musicais diversas, buscando enriquecer suas criações, interpretações musicais e momentos de apreciação musical. (p.81) No entanto, o que se observa na prática da educação musical nas escolas especializadas de música, não são as relações entre os diversos tipos de música - e a separação entre músicas veiculadas pela grande mídia2 e aquelas que não são encontradas facilmente nestes meios -, ou a valorização e incentivo à criação musical, mas, justamente o contrário: valoriza-se a planificação dos estilos musicais de sucesso e a imitação de artistas e bandas impingidos pelos programas televisivos, rádios e sites de grande audiência, fato que pode levar a uma descaracterização do indivíduo à medida que se reproduz na escola de música o mesmo conteúdo existente fora dela e perdese a oportunidade de intervir nesse processo em que a identidade (regional ou de cunho nacional) é desprezada e o indivíduo se adéqua a padronização. Neste caso, vemos que a Indústria da Cultura3 engendra-se como a suposta cultura popular, obscurecendo seu ar de semelhança presente em sua também suposta diversidade. Abre-se então, o caminho para massificação de uma única via. Como conseqüência dessa massificação, podemos considerar que o fato de se ter acesso somente à cultura de massa acaba por não permitir ao indivíduo a aquisição do conhecimento de outros aspectos culturais que expressam a cultura do povo, seus valores e suas lutas. Em nosso entender, a música é a expressão do pensar e do sentir das pessoas de uma determinada época (BERTONI, 2001, p.77). 2 Expressão utilizada para nomear os meios de comunicação que atingem a maioria da população brasileira, como canais de TV aberta, rádios, revistas e jornais de grande circulação no país. 3 Optamos por traduzir o conceito original alemão invariavelmente por Indústria da Cultura como alguns autores modernos têm optado - por entendermos que deste modo se elimina qualquer ambigüidade conceitual; alguns autores têm se perguntado se "todas as indústrias não seriam culturais", mesmo uma indústria de doces, por exemplo, uma vez que todas são produtoras de bens com significados culturais; assim sendo, "indústria da cultura" nos parece mais específico, uma vez que deixa mais claro este aspecto relacionado ao que tradicionalmente se convencionou chamar de "bens culturais" - arte, espetáculo etc. Deste modo, aqui usamos esta forma como alternativa para expressão Indústria Cultural, usado pelos autores e tradutores que citamos no artigo, sem que haja diferenciação semântica com relação aos pressupostos frankfurtianos. 11 A partir desta realidade, as escolas de música foram tomadas pela máxima do “gosto musical” dos estudantes (e estes, por sua vez, são parte importante nessa cadeia da Indústria da Cultura), uma vez que, se estes não forem atendidos, irão procurar outros estabelecimentos de ensino, podendo levar o quadro financeiro da escola à bancarrota. Observada tal problemática, as escolas passaram então a liberar e incentivar o “estudo” de peças musicais, por vezes nada condizentes com o rico universo de timbres, harmonias, melodias, letras, gêneros, estilos, efeitos sonoros e sensações que uma música pode gerar em nossos corpos e mentes quando a obra de arte está em jogo, ao invés de serem meios de resistência ao regime da Indústria da Cultura atual. Como fruto de dez anos trabalhando como educadora em algumas das instituições particulares de ensino musical de Ribeirão Preto, trago neste artigo reflexões acerca dessa experiência, a partir da análise do repertório das apresentações de algumas das principais escolas livres de música e conservatórios particulares desta cidade, para levantar a problemática sobre o que se têm ensinado como repertório e sua relação com a Indústria da Cultura vigente. Como marco teórico, elegemos a Escola de Frankfurt, em especial, o pensamento de Theodor W. Adorno. O artigo é dividido em duas etapas: na 1ª etapa, um breve relato sobre o pensamento de Adorno a respeito da Indústria da Cultura associado às intenções e objetivos propostos pela legislação brasileira no que concerne à prática educacional musical, em especial nos PCNs. Na 2ª etapa, análise dos programas das apresentações e recitais dos conservatórios e escolas livres de música particulares de Ribeirão Preto, no período de 2005 a 2010, analisando-os à luz do pensamento de Adorno. 12 1. A influência da Indústria da Cultura na sociedade contemporânea A revolução tecnológica ocorrida no século XX trouxe consigo muitos avanços que contribuíram beneficamente para o desenvolvimento da sociedade moderna. Mas na esteira dessa revolução, vieram também transformações na relação entre as pessoas, as máquinas e os sons. O conceito de Indústria da Cultura (Kulturindustrie) é desenvolvido por um grupo de pensadores alemães conhecidos como Frankfurtianos, que na década de 1930, em pleno regime totalitarista4 da Alemanha nazista, percebe um fenômeno de transformação dos indivíduos em sociedade de massa. A Indústria Cultural, os meios de comunicação de massa e a cultura de massa surgem como funções do fenômeno da industrialização. É esta, através das alterações que produz no modo de produção e na forma do trabalho humano, que determina um tipo particular de indústria (a cultural) e de cultura (a de massa) (COELHO, 1988, p.10). A Indústria da Cultura se propõe a produzir elementos culturais em série destinados a um grande número de pessoas; levando à despersonalização do humano onde a individualidade é descartada. O indivíduo, agora tratado como consumidor, não apresenta um pensamento crítico a respeito do que lhe é oferecido através desse mercado. Ele apenas consome, descarta e espera o lançamento do próximo produto, que deve ser de fácil decodificação, para alimentar o “instinto básico de uma platéia preguiçosa”: A principal descoberta das pesquisas sobre os efeitos educacionais e publicitários, que devem ser tratados imparcialmente se quisermos entender a natureza da aprendizagem insignificante em relação à política e cultura, é simplesmente que as pessoas são atraídas para o caminho de menor resistência. (CASTELLS, 2007, p. 416). Vale ressaltar também a questão econômica citada por Coelho; já que o lucro existente por trás desse comércio é o grande objetivo, uma vez que esse 4 Vale lembrar que o próprio conceito de publicidade e propaganda – ligados à comunicação em massa – remonta, e mantém muito da sua origem, no desenvolvimento da propaganda totalitária do nazi-fascismo. Essa característica por assim dizer, antidemocrática, pode estar ligada organicamente à indústria da cultura, e não é acidental. De qualquer maneira pode-se deduzir que ela faz parte de um contexto de ur-fascismo, próximo do aventado por Umberto Eco no segundo de seus Cinco Escritos Morais (2001). 13 fenômeno surgiu no contexto da industrialização que é parte do cerne da economia capitalista. (...) também a cultura – feita em série, industrialmente, para o grande número – passa ser vista não como instrumento de crítica e conhecimento, mas como produto trocável por dinheiro e que deve ser consumido como se consome qualquer outra coisa (COELHO, 1988, p.11). Neste caso, vemos que Adorno já havia se adiantado na descrição do problema: O caráter de mercadoria da arte se dissolve no próprio ato de se realizar integralmente. Ela é um tipo de mercadoria, preparado, inserido, assimilado à produção industrial, adquirível e fungível, mas o gênero de mercadoria arte, que vivia do fato de ser vendida, e de, entretanto, ser invendável, torna-se – hipocritamente – o absolutamente invendável quando o lucro não é mais só a sua intenção, mas o seu princípio exclusivo (ADORNO, 2007, p.61). Não há uma preocupação com a qualidade ou conteúdo do produto que é oferecido às pessoas, mas sim com a quantidade de pessoas atingidas. Quanto maior o número de consumidores, mais essa indústria se fortifica. Diante de toda essa manipulação exercida pela Indústria da Cultura sobre a sociedade, o indivíduo acredita, mesmo que inconscientemente, que é necessário possuir e absorver os produtos oferecidos por essa Indústria para que se encaixe na sociedade consumista no qual está inserido, já que há muito sua individualidade foi extinta. Diante desta falsa integração social, Bertoni aponta: [...] o individuo precisa consumir os produtos da Indústria Cultural para se sentir parte de um todo. Porém, um todo ilusório, porque esta busca do coletivo, do ‘sentir-se igual’ acaba por reforçar a marginalidade cultural a que está destinada a maioria da população já marginalizada economicamente (BERTONI, 2001, p.77). Essa busca desesperada por inserção promove uma alienação, onde o indivíduo é levado a não refletir sobre si mesmo e sobre suas escolhas. Sobre este aspecto da alienação, Coelho ainda ressalta que Para essa sociedade [capitalista liberal] o padrão maior (ou único) de avaliação tende a ser a coisa, o bem, o produto, a propriedade: tudo é julgado como coisa – inclusive o homem. E esse homem reificado só pode ser um homem alienado: alienado de seu trabalho, trocado por 14 um valor em moeda inferior às forças por ele gastas (COELHO, 1988, p.11). Estabelece-se então uma relação de troca, onde o indivíduo se utiliza dos elementos culturais industrializados como ferramenta de socialização. Com essa falsa inserção social, inicia-se um processo de reificação das artes, que perdem sua essência e se transformam em meros produtos fabricados com a finalidade de proporcionarem ao consumidor, algo para consumo rápido, como afirma Morelli: Não se trata mais de investigar a absorção de tal cultura por um universo de produção material abstratamente definido por características irremediavelmente incompatíveis com ela, mas sim de analisar a inclusão dos objetos culturais no campo das mercadorias, quando estas são resultado de um processo industrial e capitalista de produção (MORELLI, 2009, p.29). A evolução tecnológica e a profissionalização ocorrida dentro da indústria fonográfica a partir da década de 90 trouxeram uma pasteurização na produção musical, isto é, as produções musicais passam por uma “higienização” para se adequarem a uma padronização dos produtos musicais mais vendidos no momento, com o objetivo de serem consumidos rapidamente. Dado seu caráter de entretenimento rápido, essas músicas têm um período de validade muito curto, não tem conteúdo musical ou estético auto-sustentável, não oferecem ao ouvinte informações a decodificar ou compreender, e este logo perde o interesse (CAMARGO, 2007, p.43). O “jabá” 5 começa ser utilizado como forma de manipular os resultados das músicas mais tocadas nas rádios e programas de TV, fato que certamente exclui aquele artista que não participa desse esquema, como afirma o crítico musical Zuza Homem de Mello em entrevista concedida a Revista Cenário Musical: 5 Acordo financeiro realizado entre gravadoras e artistas, com os meios de comunicação como rádios e programas televisivos, onde a música deste artista é veiculada baseada no valor que é pago. As “dez mais da semana” na verdade são as “dez mais bem pagas da semana”. Antonio A. A. de Carvalho, o Tutinha, executivo da Rádio Jovem Pan FM confirma a prática do jabá em entrevista. Disponível em: <http://midiaclipping.blogspot.com>. Acesso em: out. 2011. 15 É uma manipulação paga, divulgada e oficializada, e que ninguém nega a existência. As partes envolvidas a admitem como um fato corriqueiro e isso leva a quem tiver mais dinheiro ser mais beneficiado (SAVAGLIA, 2007, p. 22) Ainda seguindo essa evolução tecnológica citada acima, surge o fenômeno da internet, que se populariza no final dos anos 1990, trazendo grande mudança no cenário cultural mundial. As facilidades para gravar CDs e divulgá-lo utilizando a Internet abrem um leque de possibilidades para um público que antes consumia basicamente o que era imposto pela Indústria da Cultura. Um dos objetivos gerais contidos nos PCNs é “discutir e refletir sobre as preferências musicais e influências do contexto sociocultural, conhecendo usos e funções da música em épocas e sociedades distintas” (p.82). Atualmente, nenhuma ferramenta se mostra mais eficaz para alcançar esse objetivo do que o acesso a internet. Diante de tal facilidade de acesso a inúmeras opções musicais, porque então os educadores musicais, e em especial as escolas de música ainda continuam sob o jugo dessa Indústria? 16 2. A educação musical como possibilidade de superação Atualmente, grande parte das formas musicais (incluindo gêneros e estilos diversos) passa pelo viés da Indústria da Cultura. No entanto, a educação musical apresenta-se como uma alternativa possível para a promoção da liberdade no sentido de que cada indivíduo possa ser capaz de fazer escolhas artísticas por si só. Se, por um lado, não podemos permitir que o conhecimento musical se reduza a uma experiência meramente cotidiana baseada no consumo (embora a escola não deva fechar os olhos para as culturas locais e os conteúdos universais), por outro lado, temos de pensar em mediações eficazes entre o aluno e arte, bem como em despertar‐lhe o interesse e motivá‐lo para que goste de aprender música, de forma a construir seu conhecimento musical (CAMARGO, 2007, p.60). Esse conhecimento musical sobre o qual Camargo comenta pode ser uma ponte capaz de religar o indivíduo com as suas raízes culturais, bem como com as obras artísticas internacionais de qualquer estilo não mediado pela indústria, proporcionando-lhe a capacidade construir sua própria identidade. A educação musical pode então assumir um papel intervencionista nesse contexto de cultura padronizada, no momento em que toma para si o ônus da responsabilidade de suscitar a consciência presente em cada indivíduo. Entretanto, há aqueles educadores que optam por uma educação do “agrado”, onde o importante é manter em pauta apenas o que é aprazível ao aluno, sem a pretensão de acrescentar-lhe nada além do conhecimento musical técnico, dando continuidade à cadeia da Indústria da Cultura, onde esse aluno continua sendo apenas e tão somente um consumidor, já que segundo Adorno, na lógica desse mercado cultural, “toda conexão lógica que exija alento intelectual é escrupulosamente evitada” (p.31). Surge então a questão da formação dos educadores musicais e qual o tipo de educação que estes desejam oferecer aos seus alunos, pois (...) para pensarmos em uma educação voltada para a formação do aluno, é preciso, também, pensarmos na formação de seus 17 professores... Pois os professores são, do mesmo modo como seus alunos, consumidores, igualmente submetidos às sugestões da mídia e por ela influenciados (BERTONI, 2001, p.79). A experiência que envolve educador e educando se torna extremamente rica à medida que o primeiro exerce grande influência sobre o segundo, mas ao mesmo tempo, há uma constante troca de papéis; como afirma Camargo: Cada indivíduo estabelece um sem número de relações particulares entre objetos, ações, assuntos, disciplinas e conteúdos diversos, mobilizando saberes e percepções, compondo um quadro que é seu conhecimento musical. O professor é peça‐chave na validação desse processo dinâmico, por sua posição privilegiada, que lhe permite sugerir, apresentar e reconstruir com seus alunos novos percursos de ação e reflexão que desenham esse quadro, mantendo‐o em constante movimento e transformação (CAMARGO, 2007, p.80). Ao trazer à tona a importância que existe na relação educador – educando, torna-se clara a responsabilidade que a escola e mais ainda, o professor, tem sobre si, pois suas atitudes e escolhas são observadas de perto. No entanto, boa parte das escolas particulares de ensino musical não está atenta a essa questão, colocando em primeiro lugar o lucro em detrimento do conteúdo que se é ensinado, como afirma Silva: (...) se o professor não satisfizer os desejos e vontades do aluno, do pai do aluno e do dono da escola, não será considerado um bom profissional, pois o empresário, visando lucro, se importa mais com a manutenção da entrada de capital do que com a qualidade, com os objetivos e com a metodologia utilizada (SILVA, 2011, p. 118). Obviamente, toda e qualquer escola de música precisa de recursos financeiros e materiais para oferecer aos seus alunos um ensino adequado. Mas essa busca ainda é válida, mesmo quando se sobrepõe ao objetivo inicial do ensino musical que, segundo os PCNs (p.81), deve capacitar o aluno a “alcançar progressivo desenvolvimento musical, rítmico, melódico, harmônico, timbrístico, nos processos de improvisar, compor, interpretar e apreciar”? 18 3. O impacto midiático na educação musical em Ribeirão Preto A cidade de Ribeirão Preto, de acordo com a EPIL – Listas Telefônicas, que possui dados pesquisados e cadastrados atualizados anualmente, conta com aproximadamente dezessete escolas de música e cinco conservatórios particulares. Dentro deste universo, analisaremos quatro conservatórios e quatro escolas de curso livre de música com boa expressão na cidade e que em sua maioria, estão em atividade há pelo menos 20 anos. Para a pesquisa, coletamos os programas das apresentações anuais (entre 2005 e 2010) destes estabelecimentos de ensino e outros dados fornecidos pelas próprias escolas e conservatórios. Optamos por manter o sigilo na identificação das escolas e conservatórios pesquisados, que serão aqui identificados por letras. 3.1 Perfis das escolas livres de música pesquisadas Escolas Tempo de atuação na cidade (anos) A B C D 25 7 20 17 Quantidade de professores em 2011 6 12 15 18 Quantidade aproximada de alunos em 2011 50 100 70 160 3.2 Perfis dos conservatórios de música pesquisados Conservatório Tempo de atuação na cidade (anos) E 21 (19 anos como conservatório) 29 (15 anos como conservatório) 22 (8 anos como conservatório) 26 (9 anos como conservatório) F G H Quantidade de professores em 2011 31 Quantidade aproximada de alunos em 2011 200 20 100 8 60 30 100 Para confrontar o repertório utilizado nas apresentações com as músicas que eram vinculadas na grande mídia no mesmo período, utilizamos os dados do ECAD – Escritório Central de Arrecadação e Distribuição que é o órgão 19 brasileiro responsável pela arrecadação e distribuição dos direitos autorais aos seus autores decorrentes da execução pública de suas canções. Com exceção das escolas B e D, todas as outras - incluindo os conservatórios, promovem uma grande mistura de gêneros e estilos em uma única apresentação, gerando uma falsa idéia de diversidade. Numa apresentação da escola A, uma composição de Beethoven é executada logo após um grande sucesso do quarteto sueco ABBA. O recital segue com canções de Zequinha de Abreu e Andrea Bocelli, encerrando com Sidnei Magal. Em outra apresentação no conservatório G, no ano de 2006, executamse canções do Balão Mágico, Padre Fábio de Melo, canções folclóricas brasileiras, John Lennon e da dupla sertaneja Leandro e Leonardo. Nessa ordem. Quais são os critérios que norteiam a escolha desses repertórios? Há uma proposta pedagógica que sustente essa escolha? Todas as escolas livres de música e conservatórios pesquisados apresentam em seu repertório um grande número de músicas estrangeiras, predominantemente do repertório existente na Indústria da Cultura estadunidense, que por vezes é superior ao número de canções nacionais, o que de fato pode dificultar a “percepção, identificação e comparação de músicas brasileiras, observando e analisando características melódicas, rítmicas, dos instrumentos, das vozes, formas de articular os sons, interpretações, sonoridade (PCNs, p.85)”. Apenas a escola B, inseriu em seu repertório, músicas de compositores ativos da cidade de Ribeirão Preto como Márcio Coelho e Bia Mestriner, prática que vai ao encontro de umas das propostas dos PCNs, que é promover “discussões sobre músicas próprias e/ou se seu grupo sociocultural, apreciando-as, observando semelhanças e diferenças, características e influências recebidas, desenvolvendo o espírito crítico (p.84)”. Essa mesma escola também permeia suas apresentações com compositores brasileiros que não são conhecidos do grande público, como Lula Queiroga, Antonio Adolfo e Joyce, possibilitando o contato dos alunos e do público com músicas que não são veiculadas na grande mídia. O conservatório H planejou alguns de seus recitais infantis baseando-se num tema; no ano de 2006 foi apresentado um musical baseado na obra de Monteiro Lobato, promovendo um diálogo da música com a literatura. No ano 20 seguinte, o mesmo conservatório apresentou seu recital infantil baseado em filmes da Disney, em comemoração aos 100 anos que seu criador Walter E. Disney completaria em 20076, promovendo, desta maneira, um diálogo da música com o cinema. Através destas ações proporcionou aos seus alunos a oportunidade de: Interpretar e apreciar músicas do próprio meio sociocultural e as nacionais e internacionais, que fazem parte do conhecimento musical construído pela humanidade no decorrer de sua história e nos diferentes espaços geográficos, estabelecendo inter-relações com as outras modalidades artísticas e as demais áreas de conhecimento (PCNs, p.81). Com exceção das escolas B e D, todas as outras escolas de música e conservatórios pesquisados incluíram pelo menos uma música que estava entre as 50 mais tocadas naquele ano (de acordo com dados pesquisados no ECAD), em seus recitais. Um dado curioso levantado nesta pesquisa, é que através dos programas percebe-se que muitas vezes uma canção que esteve entre as mais tocadas em um determinado ano, pode sobreviver por um, dois, até vários anos após seu surgimento. Um exemplo disso é a canção “Fico assim sem você” dos compositores Abdullah / Cacá Moraes, lançada em 2002 por Claudinho e Buchecha no CD Vamos dançar7. A música em questão foi uma das mais executadas naquele ano. Em 2004, Adriana Calcanhoto regravou a canção que novamente voltou “as paradas de sucesso”. Em 2010, a mesma canção esteve presente em uma apresentação do conservatório F, agora numa versão para coral. Essa observação reforça o conceito de Adorno: A mesmice também regula a relação com o passado. A novidade do estágio da cultura de massa em face do liberalismo tardio está na exclusão do novo. A máquina gira em torno do seu próprio eixo. Chegando ao ponto de determinar o consumo, afasta como risco inútil aquilo que ainda não foi experimentado (ADORNO, 2007, p.27). Serão estes os mecanismos que regulam os recitais? 6 Este pode ser um caminho alternativo, que não descarta arbitrariamente uma eventual contribuição da indústria, mas a coloca em pé de igualdade com as manifestações regionais 7 Disponível em: <http://musicasdahistoria.blogspot.com>. Acesso em: out. 2011. 21 Conclusão Diante de toda pesquisa, autores consultados, dados coletados e questões levantadas, a problemática da influência da Indústria da Cultura sobre o ensino musical torna-se um fato para o qual a própria educação musical surge como possibilidade de superação. Para tanto, destaca-se a importância do educador musical nesse processo. Como educadores musicais, devemos trabalhar por causa da Indústria da Cultura ou apesar dela? Será realmente a educação musical uma alternativa possível para intervir nesse processo de massificação cultural, regido por um sistema de dominação ideológica? Já que: (...) a indústria cultural e todos os seus veículos, independentemente do conteúdo das mensagens divulgadas, trazem em si, gravados a fogo, todos os traços dessa ideologia, da ideologia do capitalismo (COELHO, 1988, p.41). Acreditamos, portanto, que é preciso repensar o papel das escolas de música e conservatórios, e mais ainda o papel do educador musical dentro do contexto cultural no qual se encontra; o que leva a uma reflexão a respeito dos reais objetivos da educação musical e quais são os resultados esperados pelos propagadores da educação musical. Professores há aos milhares. Mas professor é profissão, não é algo que se define por dentro, por amor. Educador, ao contrário, não é profissão; é vocação. E toda vocação nasce de um grande amor, de uma grande esperança (ALVES, 1984, p.11). Segundo o dicionário Aurélio, esperança é confiança em conseguir o que se deseja. O que realmente desejamos enquanto educadores musicais? É preciso dar ênfase também aos aspectos emocionais e ao equilíbrio espiritual, possibilidades fornecidas principalmente no contato e no fazer artístico, não esquecendo também da ação política para promover mudança. Só assim, teremos cidadãos mais conscientes e livres, para que a transformação social ocorra (SILVA, 2011, p. 95). O resgate da individualidade; a conscientização do indivíduo quanto ao seu papel na sociedade; o incentivo ao pensamento crítico. Todas essas questões não estão diretamente ligadas ao ensino musical, mas fazem parte da vocação do educador, mesmo que este muitas vezes não tenha ciência do grande poder de mudança que tem em suas mãos. 22 Referências Bibliográficas: ADORNO, T. W. Indústria cultural e sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2002. ALVES, Rubem. Conversas com quem gosta de ensinar. São Paulo: Cortez, 1984 BERTONI, Luci M. Arte, Indústria Cultural e Educação. Cadernos Cedes, ano XXI, nº 54, agosto, 2001. CAMARGO, Elisabeth B. O pensamento musical e a prática docente: as demandas da contemporaneidade no ensino da música. 128p. Dissertação (Mestrado em Educação da Faculdade de Educação – área de concentração Psicologia e Educação) - Universidade de São Paulo, 2007. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 2007. COELHO, Teixeira. O que é indústria cultural. São Paulo: Brasiliense, 1988. (Coleção: Primeiros Passos). ECO, Umberto. Cinco escritos morais. Rio de Janeiro: Record 5ª ed., 2001. [1ª ed. 1997]. MEC – Ministério da educação fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Arte. Brasília/ Rio de Janeiro: DP&A, 2000. MORELLI, Rita C. L. Indústria fonográfica: um estudo antropológico. Campinas: Unicamp, 2009. SAVAGLIA,Fernando.Não é só questão de gosto. Cenário Musical, Editora HMP, São Paulo, n. 7, 2007. SILVA, Érika de Andrade. O despertar do músico para a educação musical: limitações e expectativas de sua atuação na sociedade. 156p. Dissertação (Mestrado em Educação do programa de Pós-graduação em Educação) – Universidade Federal de São Carlos, 2011. Demais Referências NEGREIROS, Adriana. Tutinha. Playboy, 2006. On line. Disponível em: <http://midiaclipping.blogspot.com/2009/07/tutinha-na-playboy-em-2006-i.html>. Acesso em 31/10/2011. A Profética “Fico Assim Sem Você" - Claudinho e Buchecha. História da Música, 2010. On line. Disponível em: <musicasdahistoria. 23 blogspot.com/2010/04/profetica-fico-assim-sem-voce-claudinho.html>. em 31/10/2010. Acesso Ecad. On line. Disponível em: <http://www.ecad.org.br/ViewController/publico/RankingAutoral.aspx >. Acesso em 30/10/2011.