BARBOSA, Maria Cristina Mesquisa. A Formação do Administrador de Empresa na Sociedade Global: Perspectivas e Contradições do Ensino de Filosofia e Ética. Dissertação de Mestrado. FE/UNICAMP/PAIDÉIA. Marcelo Donizete da Silva Revista de Educação Doutorando em Educação - UNICAMP Professor de Filosofia do Ensino Médio Estadual Paulista e-mail: [email protected] 176 “Como possibilitar, através da reflexão filosófica, condições para que o aprendiz da Administração de Empresas se aposse da concretude da sua ciência, diretamente ligada ao mundo da produção e do trabalho e através desta posse, estabeleça os fundamentos de uma ação política emancipatória?” (M. Cristina Mesquita Barbosa) O ponto essencial desta reflexão tem como norte a investigação da problemática do Ensino de Filosofia e da Ética na formação deste futuro profissional da área de Administração de Empresas. A autora, Maria Cristina Mesquita Barbosa Professora licenciada em Filosofia no ano de 1969 pela Faculdade de Guaxupé-MG, defende neste trabalho (ao qual lhe valeu o título de Mestre em Educação pela Faculdade de Educação da UNICAMP) de maneira instigante, algumas proposições oriundas dos problemas concretos de constituição do curso de Administração de Empresa na realidade educacional da sociedade brasileira. Essa discussão será atravessada por vários contextos que comporão o objeto de sua pergunta, ao qual discute a formação do Administrador. Estes contextos, no conjunto da obra, entrelaçam entre si para dar a dimensão da problemática apontada pela autora, que são os contextos históricos, políticos, econômicos, filosóficos, éticos e educacionais; e, a partir da leitura destes contextos, na realidade do ensino, como se deu, nos (des)caminhos desta constituição, à entrada da Filosofia e da Ética na grade curricular do curso. A origem do curso de Administração de Empresas no Brasil tem no seu horizonte estrutural as vertentes do pensamento norteamericano. No entanto, essa vertente para ser constituída como curso real, passou pelos vários entraves de organização da realidade política do País. Por outro lado, o que possibilitou a gênese da Administração, tanto nas sociedades: americana e européia; fora a realidade das Guerras, principalmente do século XX, e o termo aqui é mais amplo por não pensar apenas na corrida armamentista, mas, também na disputa pelos espaços mercantis (a livre concorrência). As guerras do século XX, como comenta a autora, “tiveram uma particularidade e por isto também foram chamadas de Guerras totais ou Guerras de massa: pelo número de pessoas que envolveram, pelos armamentos utilizados que exigiram um, desvio de toda economia para a sua produção e pelo uso e destruição de quantidade inconcebível de outros produtos durante a luta”. Isto é, pela economia de guerra se propagou a ideologia do consumo dos bens produzidos pela indústria. “Ao longo da História, comenta, as principais contradições do caráter mercantil do capitalismo tendem permanecer inalteradas.” Nesta leitura histórica do desenvolvimento capitalista três conjunções de modelo de desenvolvimento serão importantes para os desdobramentos de organização do processo produtivo: • Um paradigma Industrial; forma de organização do trabalho. • Um regime de acumulação; uma estrutura macroeconômica. • Um modo de regulação; normas implícitas e de regras institucionais. Pelos viéses apresentados, o conceito de Administração passou a ser ferramenta fundamental, a chave interpretativa, para se pensar o desenvolvimento, tanto econômico como tecnológico, das indústrias, analisados nas vertentes do taylorismo, fordismo e americanismo. “Para a origem dos cursos de Administração de Empresas, tem destaque especial o modelo de industrialização, pois nele se materializa a proposta taylorista de uma Administração Científica, concluída por Ford, no início do século XX e motivo para o desenvolvimento dos referidos cursos nos EUA e, por conseguinte, em todos os países onde o modelo de desenvolvimento fordista se implantou ou tentou implantar, dentre eles o Brasil.” Essa leitura taylorista de expansão do desenvolvimento industrial, tem como papel importante a figura do funcionário gestor cuja função é Administrar o todo do processo produtivo. Henry Ford, dá continuidade ao processo desta leitura, porém, ao aprofundar a temática iniciada por Taylor, e percebe que a evolução do processo administrativo se daria a partir da acumulação do Capital. Ou seja, a Administração da produção tem como viés importante a racionalização do processo produtivo, que está diretamente ligado a organização da mecânica da produção: enquanto em Taylor a administração está ligada diretamente à Pessoa, em Ford esta faz parte da máquina. Evidentemente essas duas vertentes do desenvolvimento industrial e do próprio capitalismo, corroboraram para a organização do pensamento americano de desenvolvimento econômico. “O fordismo, como modelo de industrialização, teve um sucesso tal que engendrou ganhos de produtividade aparente sem precedentes na história mundial. (...) Os EUA tornaram-se hegemônicos com esse modelo de desenvolvimento.” Do ponto de vista de acumulação do capital, esse modelo também contribuiu, efetivamente, para a organização e materialização do curso de Administração de Empresas nas universidades norte americanas, que passaram a ministrar seus cursos nesta área específica. No Brasil, esse modelo desenvolvimentista do capitalismo passou por vários percalços até chegar a sua maturidade: a aristocracia rural, o dogmatismo religioso, o autoritarismo político, a cultura elitista, enfim todas as instituições que foram moldando às características da sociedade brasileira, contribuíram para esse “atraso” do desenvolvimento econômico. Na história do pensamento brasileiro, a condição para se moldar uma nova característica da estrutura social, e com ela a criação do curso de Administração de Empresas, se deu a partir dos anos 30 (período ao qual Carlos Nelson Coutinho denominou de “Revolução Passiva”). “O desenvolvimento se daria através de “restaurações” que acolheram uma certa parcela de exigências provenientes de baixo, tratandose de “restaurações progressivas”, ou “revoluções-restaurações” ou “revoluções passivas”.” O que apoiou em muito a organização deste novo modelo estrutural, fora a ditadura Vargas iniciada no ano de 1937 promovendo uma acelerada industrialização no país, apoiada também por uma fração industrial da burguesia e das camadas militares1 “Como parte fundamental deste processo de revolução passiva ou restauração progressiva é que os cursos de Administração de Empresas foram criados no país, confundindo-se com a implantação, apogeu e declínio do Modelo desenvolvimentista de industrialização substitutiva de importações, padrão para este desenvolvimento econômico e político social vigente no Brasil de1930 a 1989.” Sob a luz do desenvolvimento econômico é que o curso de Administração de Empresas no Brasil foi criado. Porém, desde a República Revista de Educação BARBOSA, Maria Cristina Mesquisa. A Formação do Administrador de Empresa na Sociedade Global: Perspectivas e Contradições do Ensino de Filosofia e Ética. Dissertação de Mestrado. FE/UNICAMP/PAIDÉIA. 177 Revista de Educação Marcelo Donizete da Silva 178 Velha até a instauração do Estado Novo, as discussões em tornos dos objetivos do curso, com ressalvas, e a própria determinação legal, se chega a um consenso de que tipo de escola e qual tipo de educação, que se queria para a formação deste profissional. “Em 1941, criava-se a primeira escola de administração no Brasil” a ESAN – Escola Superior de Administração de Negócios, em São Paulo. Esta escola fora criada pela iniciativa do Padre Sabóia de Medeiros e as classes empresariais paulista. O objetivo era a formação e a capacitação das camadas mais simples da população para o mercado de trabalho. “Em 1946 foi criada a Faculdade de Economia e Administração da USP (FEA), com o objetivo prático e bem definido: atender, através da preparação de recursos humanos, as demandas oriundas do acelerado desenvolvimento econômico.” No avanço do conhecimento de novas técnicas administrativas, devido à demanda urgente de profissionais para um mercado cada vez mais exigente. As universidades brasileiras selaram o acordo com as universidades norteamericanas assumindo, hermeticamente, o modelo destas universidades. “Em 1948, representante da FGV visitaram vinte e cinco Universidades americanas que mantinham cursos de administração pública, com o intuito de conhecer diferentes formas de organização. Isto favoreceu a realização de encontros entre seus representantes e professores norte-americanos, visando ao treinamento de especialistas em administração pública.” Nesta ótica foi firmado o acordo FGV e USAID. A questão de fundo do tema, analisada pela autora, é a configuração de ensino que seria dado no curso. Uma vez que o objetivo central da temática proposta no curso, era a de atender as demandas emergenciais do mercado; questões como a Ética e a Filosofia, no sentido de se pensar a valoração do ser humano, como ser capaz de construir sua concepção de mundo, não foram contempladas nas primeiras grades curriculares que compunham o curso. Se a Filosofia é entendida como uma concepção de mundo; os determinantes éticos e a própria Ética atravessam, ou se entrelaçam, nessa concepção, justamente para que o ser humano venha construir a sua realidade Histórica. Logo, a Filosofia se torna uma práxis revolucionária que auxilia o homem na organização do seu pensar. E a Ética, que é a própria Conduta humana dentro de determinada realidade Histórica, ou seja, é a que auxilia o homem a produzir sua Cultura, determina não só a constituição da vida como das relações sociais que os homens estabelecem entre si. Retomando a pergunta inicial, proposta pela autora, no Curso de Administração de Empresas, as disciplinas em questão são fundamentais. É evidente que a profissão requer habilidades práticas, porém pensar apenas no pragmatismo, significa “matar” o pensamento como forma de transformação dos problemas concretos da realidade. Ao mostrar a trajetória histórica de constituição do curso, a autora tem uma preocupação importante, o que aparece também em seu memorial, em apresentar a Ética como questão central do seu tema. No entanto, um pensar ético desvinculado de uma concepção filosófica não transcende à crítica de uma Realidade que hoje, está organizada pelas contradições do próprio capital. Notas Cf. COUTINHO. Carlos Nelson As categorias de Gramsci e a realidade brasileira in Gramsci: um estudo sobre o seu pensamento político p. 134-5. 1