O CONCEITO DE IGREJA COMO ESPAÇO SAGRADO OBJETIVO E SUBJETIVO Wagner de Oliveira1 Tarcisio Caixeta de Araujo2 RESUMO Pensar no sagrado parece algo inerente à humanidade. Aquilo que é inexplicável é tomado por um adjetivo divino. De maneira aberta este artigo pretende abordar o conceito da igreja como espaço subjetivo, levando em conta que a realização do sagrado se dá nesse lugar. A igreja é também um espaço subjetivo, baseada na hermenêutica bíblica que interpreta a pessoa como habitação do sagrado. Diante de um mundo plural, um virtuoso relativismo, e a indiferença religiosa até mesmo por parte das igrejas cristãs, este artigo procurou produzir uma proposição significativa da relação humana com o sagrado, um re-pensar sobre como ser igreja. Palavras-chave: Igreja, Sagrado, Objetivo, Subjetivo, Amor. ABSTRACT To think about the sacred seems inherent to humanity. Something that is inexplicable is taken by a divine adjective. Openly this article seeks to address the concept of the church as subjective space, taking into account the idea that the sacred takes place in the “church”. The church is also a subjective space, based on biblical hermeneutics that interprets the person as housing the sacred. In the face of a plural world, a virtuous relativism and religious indifference even by the Christian churches, this article seek to produce a significant proposition of the human relationship with the sacred, a re-think about how to be church. Keywords: Church, Sacred, Objective, Subjective, Love. 1. INTRODUÇÃO A igreja templo pode ser entendida como espaço de culto, de devoção a determinada divindade. Especificamente, para cristãos, lugar de culto a Deus, sagrado. Por conseguinte esse local específico, delimitado por seus muros, paredes, janelas e portas também é 1 Bacharel em teologia pela Faculdade Batista de Minas Gerais (Colação de grau em: 12/4/2014). Curso Médio em teologia pelo Instituto Teológico Quadrangular (2007). Tem atuação pastoral desde 2008. É promotor institucional na Sociedade Bíblica do Brasil, professor no SETEBI (Seminário Teológico Batista Independente) e membro do Conselho de Pastores e Obreiros em Contagem. Na linha de pesquisa Religião, Cultura, e Sociedade privilegia o fenômeno sagrado tendo como eixo o conceito de alteridade, estabelecendo um diálogo sobre a práxis religiosa que leva em consideração o campo sociológico e cultural. 2 Mestre em Teologia em Biblical Studies, pela Cardiff University (SWBC), Reino Unido, professor da Faculdade Batista de Minas Gerais das disciplinas: Hebraico Bíblico, Antigo Testamento, Teologia Bíblica do Antigo Testamento e Exegese. Editor da revista eletrônica Davar Polissêmica da FBMG. [email protected] 2 percebido por não cristãos, e considerando sua expressão estética3 externa, visto do lado de fora, em geral, é qualificado como um lugar de religiosidade, qualitativamente diferente dos demais lugares4, ainda que, a priori, sem o peso da palavra sagrado, e independente da crença desse que percebe, o lugar representa uma ruptura na homogeneidade paisagem, de algo que se nos apresenta revestido de uma qualidade extra ordinária. Reflete-se que esse lugar, Igreja, carregado destas atribuições torna-se, inevitavelmente, qualificado como lugar sagrado, e da manifestação deste. Daí surge alguns questionamentos: A igreja tem sido o lugar da manifestação do sagrado? Se sim, o que ocorre daí, tem conferido sentido e significado para a comunidade nesse local? Deduz-se que, a igreja que parece sagrada – do termo grego dokei – necessariamente precisa ser, realizar-se como sagrada, ou seja, como espaço objetivo em que o Sagrado se manifeste. Paralelamente ao conceito de igreja como espaço do sagrado objetivo, será necessário um desenvolvimento na mesma direção, mas, pelo campo da subjetividade. Pensa-se que todo objetivo será precedido de um subjetivo. A partir da primeira carta do apóstolo Paulo aos Coríntios, deduz-se que, sendo o corpo templo do Espírito Santo, este se torna também um lugar da habitação e manifestação do sagrado, e como tal, pode ser pensado como igreja. Paulo afirma: “Ou não sabeis vós que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus...?” (1:19). Pensa-se que é exatamente neste ponto que a ideia de ser igreja em composição ao parecer, torna-se essencial, pois se é reconhecida como lugar do extraordinário (Dokeo), necessariamente também precisa ser em essência, sentido e significado; e se o “corpo é templo do Sagrado” necessariamente precisa ser em praxis vivencial como resultado de toda essa interação que o sagrado extraordinário manifesta no ordinário. O conceito é complexo, mas simplificadamente, se a igreja como espaço natural, ordinário, é reconhecida como lugar sagrado, assim como o humano da fé bíblica é templo do 3 Layout, placa, nome, designação e construção. ELIADE, 1992, p.17. Mírcea Eliade nasceu em Bucareste, Romênia, em 13 de março de 1907. Em 1925, registrou-se na Universidade de Bucareste onde estudou Filosofia, isto lhe forneceu uma base crítica no olhar a religião. Três anos depois teve concedida uma solicitação para estudar na Índia, onde permaneceu por quatro anos; tornou-se professor e publicou cinco volumes de História da Filosofia Indiana. Em 1959, publicou a obra: O Sagrado e o Profano. As pesquisas históricas que empreendeu serviram de fomento e desafio a busca pela essência das religiões e, somadas as diversas variantes que compreendem o fenômeno religioso estudado, resultaram em muitas publicações ao longo do tempo. 4 3 mesmo sagrado, ambos precisam ser em realização. O sagrado absoluto, extraordinário se manifesta no ordinário objetivo e subjetivo em alteridade universal. Desta forma, o sentido do sagrado que se propõe, ser em, como busca na contemporaneidade, será pela indicação de dois espaços sacralizados: um objetivo e outro subjetivo. O objetivo será representado pelas construções reconhecidas como igreja, seja no formato tradicional, identificadas por sua faixada, com torres, capelas, sinos; ou galpões, lojas reconhecidas por placas de identificação, ou lugares tradicionalmente reconhecidos como lugar de culto. O subjetivo será representado pelo conceito cristão de corpo como habitação do sagrado, conforme 1 Co. 6:19 “Acaso, não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que está em vós, o qual tendes da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos?” Espera-se que este artigo seja relevante para a sociedade cristã, e possa servir de auxílio aos que desejem caminhar uma milha a mais. O espaço objetivo comunica o sagrado. 2. UMA PROPOSTA DE SENTIDO NO ESPAÇO OBJETIVO Desenvolve-se nesta parte, a ideia do espaço, enquanto reconhecido como sagrado, e a suposição de que, mais que reconhecido, se se entende que este é um lugar da hierofania – manifestação do sagrado. Logo, este precisa ser e realizar-se em sentido e significado, de modo que a realidade de ser absoluto em plena alteridade possa ser percebida por aquele que adentra o lugar sagrado. Precisa-se considerar também que, consequentemente o tempo decorrido da situação de manifestação do sagrado, será um tempo qualitativamente diferente do tempo ordinário. Este ponto será abordado, sem grande profundidade, mas o suficiente para que o conceito básico seja explicado. O que se pretende com a ideia de espaço sagrado objetivo, é que as igrejas cristãs, bem como pastores, líderes, e membros em geral, estejam conscientizados da importância que o espaço de culto seja reconhecido como um espaço significativo sagrado; também que, por essa atribuição sagrada, este se torne relevante, atuante, e reconhecido em todas as esferas de sua ação e existência. 4 Para Eliade5 uma igreja será para um homem religioso um espaço sagrado: Para um crente [..] uma igreja numa cidade moderna, faz parte de um espaço diferente da rua onde ela se encontra. A porta que se abre para o interior da igreja significa, de fato, uma solução de continuidade. O limiar que separa os dois espaços indica ao mesmo tempo a distância entre os dois modos de ser, profano e religioso. O limiar é ao mesmo tempo o limite, a baliza, a fronteira que distinguem e opõem dois mundos – e o lugar paradoxal onde esses dois mundos se comunicam, onde se pode efetuar a passagem do mundo profano para o mundo sagrado. Reflete-se a partir disto que, como o espaço é naturalmente profano, a sucessão de construções, em qualquer rua ou avenida, representa uma homogeneidade espacial que, no entanto, é quebrada, pela construção que representa a igreja, seja um prédio, uma catedral, uma capela, mas que signifique um espaço sagrado. Entende-se que, existe uma tensão entre a indicação, ou o reconhecimento do espaço sagrado objetivo e a efetivação do sagrado nesse espaço; como referiu Eliade6: uma igreja, numa rua, quebra a homogeneidade do espaço por representar um lugar sagrado ‘uma solução de continuidade’. Entretanto, uma pessoa que vê essa igreja como lugar sagrado, e decide entrar, ao passar pelo ‘limiar7’ será que encontra um ambiente que forneça significado e que esteja envolto nessa dimensão real do sagrado que deveria conter? Reflete-se que esse ambiente sagrado pode ser descrito nas palavras de Horrell 8 que diz: “A igreja é o local em que Jesus Cristo é glorificado, em que o Espírito é ativo e em que o coração dos crentes é incitado com amor e zelo”9. Pensar esse ambiente, buscar o entendimento sobre o que e como a igreja está comunicando, se a estética funcional desta é a equivalência do sagrado ou não, pode conferir ou não um status sagrado a esse espaço objetivo. Reflete-se que não basta o espaço objetivo (igreja) ser sagrado, ele precisa também parecer sagrado, e vice-versa. Entende-se que o termo grego Dokeo10 pode exprimir com bastante clareza a ideia de que é necessário parecer, e ser identificado como sagrado, porém, concomitantemente é 5 ELIADE, 1992, p. 19 ELIADE, 1992, P. 19 7 Porta, que para Eliade separa o sagrado, dentro da igreja, do profano, mundo externo. 8 J. Scott Horrell - É norte-americano e foi, durante muitos anos, missionário no Brasil. Formado em Literatura Inglesa, Mestre e Doutor em Teologia. Chegou a ser o coordenador da Graduação da Faculdade Teológica Batista. É também colunista da Revista Teologia Brasileira. 9 HORELL, 2006, p.26 6 5 intrínseco que o dokeo Sagrado seja carregado em realidade de ser. Aquilo que parece deve ser em realidade, significado e sentido. A tensão existe e, às vezes, as situações são muito incoerentes, ao ponto de colocar em xeque a sacralidade desse ambiente, a exemplo disso Ozenildo Rocha11 diz: O púlpito também falha neste particular cada vez que o pregador relaxa o preparo do sermão e invoca a cobertura do Espirito Santo para a superficialidade que não convence. Talvez confiando na promessa de MT 10.20: “não sois vós que falais, mas o Espírito de vosso Pai é que fala em vós” – desconhecendo o contexto próximo, que é de perseguições conduzindo cristãos aos tribunais, inesperadamente, a fim de justificarem suas ações missionárias. Quantos falsos ensinos ministrados em nome do Espírito!12 Reflete-se então que, tudo o que fazemos, realizamos, e a maneira como isso se processa pode indicar, ou não, o reconhecimento do sagrado nesse espaço. Para Horrell13 “A forma visível da igreja local revela o Deus que ela serve para o mundo”, e também: “De maneira consciente ou não, a aparência e a forma de nossas igrejas (...) modelam a maneira que pensamos (...) retratam nossa estética, preferências, e padrões de vida” Entende-se que, de certo modo, o que e como se faz alguma coisa pode indicar a qualidade de quem é, semelhantemente deduz-se: O que e como a igreja se realiza, revela ou não o sagrado em sua existência. Ainda, segundo Horrell, “Devemos não só guardar o ensino bíblico e a sã doutrina e conservar o melhor de nossas tradições eclesiásticas, mas também (...) reavaliar as formas da igreja local para cada cultura e para cada geração”14. Pensa-se que este é um desafio constante, se adaptar à linguagem a forma, ao contexto, a geração e cultura, sem, contudo, perder a condição de sagrado, sem que as atividades, funções, inovações, e os apelos da cultura de massa ocupem o lugar do sagrado no espaço objetivo. Soma-se a este espaço objetivo sagrado a questão do tempo, sendo o ambiente sagrado, o tempo também o será. Pode-se pensar que, o tempo que o sujeito passa nesse ambiente, pode representar o tempo do “viver real”. Este é quando o sujeito tem acesso ao Strong James. G1380 – Dokeo - ser considerado, aparentar (bem), supor, imaginar, pensar. Ozenildo Santos Xavier da Rocha é Mestre em Teologia pela Faculdade Jesuita de Teologia e Filosofia -BH, Especialista em Teologia Sistemática (Instituto Izabella Hendrix), é graduado em Teologia pela Faculdade Batista de Minas Gerais e Leciona na Pós-graduação. 12 ROCHA, 2010, p.15 – Quem é? 13 HORELL, 2006, p. 30-31 14 ______, 2006, p. 145 10 11 6 sagrado, e ao tempo de eternidade, porque a manifestação do sagrado necessariamente é atemporal. Em relação à natureza desse tempo sagrado Eliade diz: O tempo sagrado é por sua própria natureza reversível, no sentido em que é, propriamente falando, um Tempo mítico primordial tornado presente. Toda festa religiosa, todo Tempo litúrgico, representa a reatualização de um evento sagrado que teve lugar num passado mítico, ‘nos primórdios’. Participar religiosamente de uma festa implica a saída da duração temporal ‘ordinária’ e a reintegração no Tempo mítico reatualizado pela própria festa.15 Reflete-se a partir do texto que, para o autor, uma festa religiosa é uma atualização do tempo sagrado, este por sua natureza de eternidade, não transcorre, ou não envelhece, é uma duração ordinária16. Entende-se que, a partir das inferências de Eliade17 sobre tempo e espaço, estas serão categorias que se relacionam de forma axiomática, uma é condição sine qua non da outra, o espaço sagrado não existe sem que o tempo seja sagrado, e vice-versa. Logo, compreende-se que sacralizar um espaço, é também viver um tempo sagrado, caso uma dessas categorias não se realize, a outra também não existirá. De forma bem simples, basta que a igreja como espaço objetivo do sagrado seja verdadeiramente igreja, corpo de Cristo. Pensa-se que resgatar a sacralidade no contexto da igreja atual seja um dos grandes desafios na contemporaneidade. A respeito disso, Horrell afirma: “Definir novamente nossa igreja (...) revisitar antigas afirmações (...) e repensar o que achamos de Ekklesia são decisões que pode trazer vida a uma congregação cansada”18. Para Eliade, “a religião é a solução exemplar de toda crise existencial”19. Denota-se que o sagrado não extingue a razão de ser sagrado. Pode se pensar que, o que resta é o desafio de ser uma igreja relevante, atuante, que infira ações concretas, e que seja carregada da realidade sagrada. Passa-se agora a considerar a igreja como espaço subjetivo. 3. UMA PROPOSTA DE SENTIDO NO ESPAÇO SUBJETIVO 15 ELIADE, 1992, p.38 ______, 1992, p.38. Um tempo mítico que não flui. 17 ______, 1992 – O Sagrado e o Profano. 18 HORREL, 2006, p.140 19 ELIADE, 1992, p.101 16 7 Como foi dito, a questão do sagrado necessariamente é uma questão religiosa. Logo, o que seria a religião como expressão do sagrado? Ou que sentido o sagrado teria na religião? Observa-se que a religião, por uma perspectiva antropológica e sociológica, pode ser vista como uma construção humana, por outro lado, se a origem da religião é sagrada, deduz-se que sua origem é mistério e por isso sagrado; entretanto, observa-se que, na perspectiva humana existe necessidade de conhecer, e para conhecer o sujeito conceitua, e quando exprime um conceito, limita. Pensa-se que desta maneira, a religião seja o limite do sagrado nas possibilidades humanas, ou talvez, como expressou Ruben Alves20, “A religião, é a voz de uma consciência que não pode encontrar descanso no mundo, tal como ele é, e que tem como seu projeto utópico transcendê-lo”21. Reflete-se que esse “projeto utópico”, supracitado, é gerado por uma insatisfação do sujeito a priori, consigo mesmo. Pensa-se que é a partir de uma insatisfação interna, que se processa o descontentamento com o restante. Por conseguinte, se os processos se iniciam por uma insatisfação interna, é somente a satisfação interna que aplacará a situação caótica relacional do sujeito-mundo. Entretanto, entende-se que essa situação é uma progressão que remonta o período inicial da modernidade, precisamente, a partir do movimento renascentista22, e o estabelecimento do sujeito moderno, engendrado a partir do Iluminismo23 que, na perspectiva de Hall24, busca estar centrado em si mesmo, no sentido de se ver livre do controle opressivo da monarquia e do controle religioso que vigoravam na época, é semelhante ao sujeito dessacralizado, indiferente ao sagrado, na perspectiva de Eliade25, pode-se dizer até que seja 20 Ruben Alves nasceu no dia 15 de setembro de 1933 em Dores da Boa Esperança. Pedagogo, poeta e filósofo de todas as horas, cronista do cotidiano, contador de estórias, ensaísta, teólogo, acadêmico, autor de livros para crianças, psicanalista, Rubem Alves é um dos intelectuais mais famosos e respeitados do Brasil. 21 ALVES, 1979, p.25 22 Renascimento. Foi um movimento cultural que marcou a fase de transição dos valores e das tradições medievais para um mundo totalmente novo [...] Este movimento representou, portanto, uma profunda ruptura com um modo de vida mergulhado nas sombras do fanatismo religioso, para então despertar em uma esfera materialista e antropocêntrica. Agora o centro de tudo se deslocava do Divino para o Humano [...] SANTANA, Ana Lucia. Renascimento. infoEscola 2008. 23 Iluminismo. É um dos manifestos mais ‘interessantes’ da Ilustração europeia. Como tal, figura não só como um dos mais contundentes apelos ao exercício autónomo da razão, à liberdade de pensamento, mas constitui ainda uma expressão sintomática de um momento fundamental na estruturação da consciência moderna, com o seu afã de novidade, de expansão e conquista do mundo e da natureza, de destruição da ordem estática das sociedades, mas também com o seu desprezo da tradição, com a vertigem do solipsismo. KANT. Immanuel, Resposta à pergunta: “O que é o Iluminismo. Covilhã, 2010 (8 pp.) 24 HALL, 2006, p.10 25 ELIADE, 1992, p.14 8 um mesmo sujeito. Porém, reflete-se que este sujeito que rompeu com o domínio monarca e com o controle religioso, também rompeu com o sagrado, do qual a religião era revestida. Observa-se que uma articulação do sentimento que sucedeu o período acima descrito, expressa o sentido da ausência do sagrado: Um louco, numa manhã de sol, ascendeu sua lanterna e foi para a praça central da cidade dizendo: Eu busco Deus! Eu busco Deus! Como houvesse muitos ateus ao seu redor, as gargalhadas se sucederam. Que ocorreu com o teu Deus? Será que ele se perdeu? Ou se se escondeu? Ou tem medo de nós?...Onde esta Deus?, gritou o louco. Eu lhes direi, nós o matamos – vocês e eu. Todos somos assassinos. Mas como pudemos fazer isto? Como é que pudemos beber o mar? Quem nos deu a esponja para apagar o horizonte inteiro? Que fizemos nós ao desligar nossa terra do seu sol? Para onde se move ele agora? Para longe de todos os sóis? Não estamos nós mergulhando sem cessar? Para trás, para o lado, para a frente, em todas as direções? Não estamos errando como se por um nada infinito? Não estamos sentindo o hálito do espaço vazio? Não é verdade que tudo está mais frio? E a noite, não está ela vindo por todos os lados? Não é verdade que temos que ascender as lanternas pela manhã? Já não estamos ouvindo o barulho dos coveiros que estão sepultando Deus?... Depois informou-se que naquele mesmo dia o louco entrou em várias igrejas e cantou o seu réquiem aeternam Deo. E quando foi levado para fora e inquirido acerca de sua atitude ele respondeu sempre. O que são as igrejas, se não os sepulcros, os túmulos de Deus?26. Neste contexto, pensa-se que Deus deve ter morrido mesmo, o Deus castigador e condenador, o sagrado que legitimava pelo medo, e as diversas articulações eclesiais, de natureza vil e corrupta. Entretanto, observa-se que esta parábola nietzschiana, com tom poético, sugere um puro e profundo sentimento de ausência do sagrado exatamente no lugar onde deveria ser encontrado, e que, mesmo tendo sido “passageiro”, conforme Alves27, serve agora de reflexão. Como observou o filósofo e teólogo católico francês C. Geffré, na Revista Concilium, Mais que a morte de Deus, o que o pensamento de Nietzsche anuncia é a morte de seu assassino, isto é, o homem. Somos condenados ao estilhaçamento da cultura e à disseminação do sentido. Assim, o homem de hoje está não só sem Deus: está igualmente sem o homem. A indiferença religiosa é o efeito e o sintoma de uma crise mais geral de sentido.28 O texto indica que, a indiferença religiosa corresponde à indiferença ao sagrado, e que a morte de Deus igualmente corresponde a morte do homem. Entende-se que a indiferença ao 26 NIETZSCHE, 1965, p.95 apud ALVES, 1979, p.42 ALVES, 1979, p.43 28 GEFFRÉ, 1983, p.81 27 9 sagrado pode ser a falta de fé num Deus que a própria religião sacralizou como utilidade, o deus que satisfaz os desejos e necessidades dos homens. Para Geffré, a questão é a seguinte: A verdadeira tradição não consiste em repetir mecanicamente um corpus doutrinal quimicamente neutro; é, sob a garantia do Espirito, uma reinterpretação criadora, uma vontade de fazer existir novas figuras históricas do cristianismo, ao mesmo tempo na ordem de confissão de fé, e na ordem prática29. O que se entende desta afirmação de Geffré é que o sujeito que busca o sagrado permita que o sagrado seja visto em si mesmo através de atitudes práticas que revelem a natureza do sagrado. Em outras palavras, o conteúdo significativo da manifestação do sagrado, apreendido pelo sujeito, necessariamente precisa se atualizar na ação prática do mesmo, pela aplicação do sentido que o sagrado forneceu. Presume-se, portanto, que somente pela presença do sagrado em realidade de ser na vida do sujeito, este tem chances de seguir para uma vida mais significativa e menos funcional, mecanizada. Toma-se emprestado o cristianismo, como símbolo do sagrado significativo, na expressão máxima da lei: “... amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22:39). Observa-se que, esse conceito recebe uma ampliação e clareza nas palavras de Wendland30 que diz: Por causa de influências da antropologia e ética greco-helenistas, a doutrina eclesiástica católico-romana desenvolveu a concepção de que o amor próprio fosse o padrão para o amor ao próximo. Mas, em vista de toda tradição sinótica sobre Jesus, é impossível que Jesus tenha pensado assim. Em nenhuma ocasião Jesus faz depender o amor ao próximo de padrões humanos e terrenos. Ele o formula de modo radical, porque pensa no amor de Deus.31 Pensa-se ser perfeitamente plausível o amor ao próximo como sentido último do sagrado, conforme o texto bíblico: “Aquele que não ama não conhece a Deus, pois Deus é amor” (1Jo.4:8). Observa-se também que somente este sentido, o amor, poderia elevar o relacionamento homem-sagrado e sujeito-outro. Reflete-se que de certa forma, é impossível que o sujeito expresse o amor que corresponda ao nível do amor do sagrado. O amor ao nível do sagrado é o amor incondicional. 29 Ibid. p.85 Heinz-Dietrich Wendland, teólogo protestante alemão e sociólogo * 22. 6. 1900 Berlim, † 7. 8. 1992 Hamburg; 1937 Professor em Kiel, 1955-1968,em Münster. Principais obras: “Broad protestante Ética Social”, em 1968; “A ética do Novo Testamento” 1970. 31 WENDLAND, 1974, p.20 30 10 O amor do sujeito é continuamente condicional, podendo ter lapsos de incondicionalidade, dada a uma circunstância especial, ou uma hierofania. Deduz-se também que a impossibilidade do amor do sujeito ao nível do sagrado, se legitima pela própria incondicionalidade de equivalência das duas naturezas, do sujeito finito e do sagrado infinito. O texto de IJo.4:19-21 indica um caminho para o sentido do sagrado: Nós amamos porque ele nos amou primeiro. Se alguém disser Amo a Deus, e odiar a seu irmão, é mentiroso; pois aquele que não ama a seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê. Ora, temos, da parte dele, este mandamento: que aquele que ama a Deus ame também a seu irmão. Observa-se que primeiro, o texto ratifica a impossibilidade de o sujeito responder ao amor do sagrado no mesmo nível. Apesar da palavra no texto grego ter a mesma raiz, ágape, o contexto reafirma a desigualdade de nível. Em segundo lugar, pode-se deduzir do texto que, amar o próximo é condição sine qua non na expressão do relacionamento que se propõe realizar com o sagrado. Esta situação se processa quando o amor que deve ser direcionado ao sagrado é de certa forma, mediado pelo amor ao próximo, que é assim como o próprio sujeito, alvo do amor do sagrado. Pensa-se que tal situação é uma dádiva do sagrado ao homem, possibilitar que o amor a ele seja equivalente em realização ao amor ao próximo. Presume-se que nisto se encontra o sentido do sagrado, por conseguinte amar o próximo é amar a Deus. Se for observado o contexto do sujeito pós-moderno, verifica-se a significativa ausência do sagrado e, por conseguinte do amor como sentido deste. Reflete-se, porém, que o amor ao próximo, como sentido último do sagrado, desloca toda uma estrutura de mundo para outra perspectiva, a esfera do sagrado realizada na esfera natural, em outras palavras é o extraordinário se realizando no ordinário. A hierofania no cosmo rompia com a homogeneidade do espaço, perfazendo recorte de um espaço que se tornava qualitativamente diferente, sagrado. Agora, pela perspectiva do sentido último do sagrado proposto, é ele próprio que se desloca para o espaço subjetivo do sujeito, ou seja, o sujeito torna-se habitação do sagrado, conforme Jo.14:23 “Se alguém me ama, guardará a minha palavra; e meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele 11 morada”. Este conceito é entendido nas palavras de Rocha32 que diz: “A encarnacionalidade de Deus como sujeito divino e histórico que se abre para o humano acolhendo-o em seu útero eterno pressupõe uma aproximação tão demasiada capaz de confundir-se Deus com o homem e vice-versa”33. Progressivamente, entende-se que, a perspectiva do espaço sagrado subjetivo tem o seu cerne na seguinte situação: 1 Jo. 4:20 “Se alguém disser Amo a Deus, e odiar a seu irmão, é mentiroso; pois aquele que não ama a seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê. Reflete-se então que, o relacionamento com o sagrado (Deus) perpassa obrigatoriamente pelo relacionamento com o próximo, sem designação específica. Deduz-se também que, nestes termos o outro (próximo) assume uma condição de sacralidade, por ser ele meio, na categoria relacional com Deus. Logo, chega-se a situação que, o sentido do sagrado no espaço subjetivo é o amor ao próximo, deste modo amar o outro é amar o Sagrado. 4. CONCLUSÃO A ideia de sagrado sempre esteve presente na existência humana. Aquilo que é de ordem diferente, misteriosa, oposta ao profano instiga a busca do homem, e esta suscita várias questões. Neste sentido, analisou-se o homem que tinha como fonte de orientação de cunho sagrado, a igreja. Também foi dito que este vive uma indiferença religiosa. É como se em muitos seguimentos Deus tivesse morrido. Isso dá a impressão de uma reminiscência da ausência do sagrado, percebida na era moderna, consequentemente de sentido. Entende-se que, é necessário que a dimensão do sagrado seja retomada como meio de resignificar a existência humana, para tanto desenvolveu-se a ideia por dois vieses do sagrado: Objetivo e subjetivo, entendeu-se que a igreja é um espaço objetivo sagrado. Desta conclusão, afirma-se a necessidade de que o envoltório sagrado que recobre a igreja seja real em seu interior, de modo que o caráter sagrado seja reconhecido. 32 Ozenildo Santos Xavier da Rocha é Mestre em Teologia pela Faculdade Jesuita de Teologia e Filosofia -BH, Especialista em Teologia Sistemática (Instituto Izabella Hendrix), é graduado em Teologia pela Faculdade Batista de Minas Gerais e Leciona na Pós-graduação. 33 ROCHA, 2008, p.9 12 Numa ascensão significativa, concluiu-se que o homem, no conceito cristão de habitação do sagrado, corresponde ao espaço sagrado subjetivo como sentido existencial. O sujeito encontra seu lugar significativo, quando ele mesmo se torna o espaço do sagrado. Afirmou-se que essa situação se processa na presunção que o sagrado se desloca para o espaço subjetivo do sujeito. O amor ao próximo é o sentido ultimo do sagrado. Isto se confirma pela afirmativa: Se o sujeito é habitação do sagrado, por conseguinte o outro também pode ser. Ainda, o relacionamento com o sagrado perpassa obrigatoriamente pelo relacionamento com o próximo, sem designação específica. Nestes termos o outro assume uma condição de sagrado, por ser ele meio na categoria relacional com Deus. Logo, chega-se a máxima: amar o outro é amar o sagrado. Este é o sentido do sagrado. REFERÊNCIAS BÍBLIA eletrônica, Almeida Revista E Atualizada, Com Números De Strong. Sociedade Bíblica do Brasil, 2003; 2005. ALVES, Rubem. O enigma da religião. 2a ed. Petrópolis: Vozes, 1979. ALVES, Rubem. O que é religião? São Paulo: Edições Loyola, 1999. ELIADE, Mircea. O Sagrado e o profano, tradução Rogério Fernandes. São Paulo: Martins Fontes, 1992. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda et al. Dicionário Aurélio Eletrônico-Século XXI. Vs. 3.0, Lexikon Informática Ltda, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. GEFFRÉ, Claude. O destino da fé cristã num mundo de indiferença. Tradução de Ephraim F. Alves. Revista Concilium: n. 185, p. 80-94, Petrópoles, Vozes, 1983. 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